Por Carlos Coléct |1
Que é a verdade - אמתemet?
Verdade. Muitos são os pensamentos sobre ela. Não há quem não a tenha questionado em algum momento de sua breve existência. O que é a verdade? Sem a intenção de ser dogmático, partilho a visão particular de um hebreu.
אמתemet é a palavra hebraica utilizada para “verdade”; indica firmeza, fidelidade, confiabilidade. Neste sentido, a verdade é algo firme, estável e bem fundamentado que, por assim ser, não pode cair, ao contrário do falso que, sem alicerce e fundamento, prestes está da queda. Explorando o idioma hebraico, emet é constituída pelas consoantes — אמתaléf א, mem מe tav — תrespectivamente, primeira, média e última consoantes do alfabeto hebraico. Assim sendo, na mística hebraica, a verdade pode simbolizar aquilo que percorre e está presente em todo o caminho humano, tanto no seu início como no seu meio e fim; constitui-se em algo que não pode ser removido. Na trajetória de qualquer Ser Humano, desde o seu começo até o seu fim, persiste algo: uma busca constante por uma verdade absoluta que lhe traga prazer ininterrupto, isto é, felicidade. Esta é, portanto, a verdade (algo firme que não pode cair) universal corrente na alma da Humanidade: a sensação da existência de um absoluto inalcançável; uma verdade que não pode ser segurada e aprisionada, oculta e que se revela de tempos em tempos, de situações em situações, ocasiões em ocasiões, porém, nunca é absoluta. Esta verdade firme — que não pode cair e nem ser segurada — é, nas escrituras hebraicas, a imagem de Deus – o Eterno – e sua Palavra: Desde a antiguidade, está firme o teu trono; tu és desde a eternidade (Sl 93.2); Para sempre, ó SENHOR, está firmada a tua palavra no céu (Sl 119.89). A ideia de um Eterno que rega o desejo constante pela liberdade dos percalços da existência temporal é refletida em muitos “totens” que erigimos nos altares da nossa alma ao longo da nossa fugaz vida. Em certa ocasião relatada no livro de João, numa situação de julgamento em que muitas vozes apelativas ecoavam aos ouvidos de Pilatos – governador romano na Judéia, Yeshua ao ser interrogado, disse: [...] Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Pilatos, dando voz ao questionamento que permeia todos os Homens, perguntou-lhe: Que é a verdade? (Jo 18.37,38). Não houve resposta audível. Houve silêncio, ausência de palavras e explicações; Pôncio Pilatos, no entanto, encontrou a verdade que procurava, voltou-se para os judeus acusadores e afirmou: Eu não acho nele crime algum (Jo 18.38). A inocência de Yeshua foi a verdade (αληθεια aletheia gr. - oculto revelado) que Pilatos precisava encontrar naquela ocasião e que, no silêncio, foi-lhe revelado.
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Aprendo uma lição: a verdade universal — expressão da busca humana por algo firme, eterno e inalcançável — que tanto almejamos se divide em questionamentos específicos (profissão, casamento, trabalho, ...?) em situações específicas ao longo da vida e é encontrada quando conseguimos adentrar as portas do silêncio — momento em que viramos as costas para os apelos da multidão (como Pilatos), em que tudo a nossa volta parece desaparecer e as vozes apelativas externas e internas se calam, e não ouvimos mais o clamor apelativo das amizades, sociedade, mídia, tradição paterna, líderes religiosos, e sim uma voz sem som e palavras que proporciona lucidez e equilíbrio entre a consciência moral, dever e razão do Intelecto (superego1) e o desejo, pulsões,
prazer e sobrevivência do Instinto (Id2). Isto,
entretanto, não cabe apenas em uma oração meditativa momentânea, mas se aperfeiçoa em um estado de consciência introspectivo, independente de um local apropriado.
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Expressão usada pela Psicanálise para se referir a consciência moral. Expressão usada pela Psicanálise para se referir as pulsões instintuais.