Por Carlos Coléct |1
SATANÁS – O ADVERSÁRIO
O bem e o mal fazem parte da humanidade. Coexistem no Homem e se expressam no ambiente onde o ele habita. A civilização humana, desde a antiguidade, busca compreender estes estados de maldade e bondade. Na tentativa dessa compreensão, houve a personificação do mal e do bem, visando justificar certos comportamentos e ações correntes no mundo. Surgiram encarnações de deuses, mensageiros (anjos do bem e anjos do mal [ demônios]). Dentre estas representações materiais, encontrase o príncipe das trevas, chamado SATANÁS. As mitologias deram formas ao bem e ao mal. As incógnitas, as interrogações, os fenômenos anteriormente não explicáveis pela lógica fizeram surgir quadros, pinturas, contos, histórias, rostos, cores, chifres, rabos, espadas e visões mentais. No que tange a Satanás, esta personificação do mal adentrou as interpretações bíblicas, sobretudo, o chamado Novo Testamento. Nos tempos antigos, manifestações de distúrbios psíquicos eram desconhecidas como tais; sem o conhecimento da psicologia, psiquiatria ou neurociência foram vistos como manifestações espirituais, por isso, muitas ocorrências antigas foram relatadas em textos como possessões de seres não humanos, tamanha a estranheza dos fatos. A materialização do Ser Satanás também incorporou as leituras bíblicas devido à manipulação sacerdotal oportunista medieval com o objetivo de implantar a cultura do medo para prender o povo aos dogmas da Igreja Cristã Universal no período da Inquisição. Os mitos gregos de Hades e Pã, filho de Hermes, e a “Divina Comédia”, escrita por Dante Alighieri, auxiliaram na formação da imagem de Satanás e lhe deram muita fama no período inquisitorial europeu. Satanás, no entanto, provém da palavra שטןsatan, hebraico, cujo significado é “aquele que se opõe ao caminho, adversário, opositor”. Semelhante a palavra “satan”, temos “diabo”, do grego διαβολος diabolos, com o sentido de caluniador, mentiroso, acusador, difamador. As palavras se diferem no sentido, porém, são usadas dentro da mesma personificação do mal dentro das mitologias. Agora, em relação a “satan”, esse adversário, no pensamento hebreu, não se refere a um Ser, ou opositor de Deus – o Eterno —, pois — sendo Ele Onipotente — nada pode impedir ou se opor ao seu caminho; o adversário está relacionado ao caminho dos homens, entretanto, a influência do entendimento mitológico assim o interpretou, isto é, como um Ser poderoso, fazedor do mal, criado por Deus, caído, cuja existência tem por objetivo “matar, roubar e destruir”, conforme a interpretação “cristã” do texto bíblico (Jo 10.10). Removendo a visão da mitologia, Satanás é tudo aquilo, sejam pessoas, coisas, sistemas, instituições, organizações, ..., que se coloca como adversário em um caminho; caminho que pode significar um pensamento, propósito, caminho de vida, ... Assim pode ser observado em alguns versos do chamado
Por Carlos Coléct |2
Antigo Testamento (Tanach), onde no texto hebraico há a palavra “satan”, contudo, foi traduzida e não transliterada como nome próprio. Núm 22:22 Acendeu-se a ira de Deus, porque ele se foi; e o Anjo do Senhor pôs-se-lhe no caminho por adversário (satan). Ora, Balaão ia caminhando, montado na sua jumenta, e dois de seus servos, com ele. Núm 22:32 Então, o Anjo do Senhor lhe disse: Por que já três vezes espancaste a jumenta? Eis que eu saí como teu adversário (satan), porque o teu caminho é perverso diante de mim; 1Reis 11:14 Levantou o Senhor contra Salomão um adversário (satan), Hadade, o edomita; este era da linhagem real de Edom. 1Reis 11:23 Também Deus levantou a Salomão outro adversário (satan), Rezom, filho de Eliada, que havia fugido de seu senhor Hadadezer, rei de Zobá. 1Reis 11:25 Este foi adversário (satan) de Israel por todos os dias de Salomão, fez-lhe mal como Hadade, detestava a Israel e reinava sobre a Síria. Sal 71:13 Sejam envergonhados e consumidos os que são adversários (satans) de minha alma; cubram-se de opróbrio e de vexame os que procuram o mal contra mim.
Em outro verso do chamado Novo Testamento pelos cristãos, o Cristo (messias) chama Pedro (Kefas) de Satan (adversário), isto devido a oposição que Pedro fez ao caminho do Messias.
Mar 8:33 Jesus, porém, voltou-se e, fitando os seus discípulos, repreendeu a Pedro e disse: Arreda, Satanás! Porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens.
Tendo em vista que a questão aqui abordada é de duro entendimento para os que estão na tradição, surgem, certamente, questionamentos a respeito do livro de Jó, onde aparece Satanás como um Ser perante Deus, o Eterno. Uma possível explicação vigente nos meios judaicos sobre o livro de Jó, é que não se trata de uma história verídica, mas um conto hebreu, isto é, uma aggadah, uma fábula contada com a intenção de trazer um princípio, instrução, ensinamento acerca de algum tema que, no caso, é o sofrimento humano. Muitos outros textos bíblicos dão a entender Satanás (demônios, diabos) como o mal personificado em um Ser capaz de interferir na realidade humana e adentrar corpos. Isso verdade se torna para aquele que recebe tal ensino da mitologia, sendo possível experiências, vivências e visões produzidas
Por Carlos Coléct |3
pela mente imergida nas palavras e doutrinas absorvidas. Em contrapartida, desvinculando o pensamento de tais doutrinas, o sentido de “satan” torna-se mais amplo, voltando-se para além de um Ser mitológico, adquirindo uma posição multiforme e principalmente a própria mente humana, sendo ela a residência de nossos maiores adversários (satan) — pensamentos contrários, medos, fobias, fantasmas do passado, traumas, tudo o que não nos permite continuar em algum caminho bom. Neste prisma, permito-me expor alguns versos fora de seus contextos, sem, todavia, alterar as suas recomendações, sendo, neste caso, irrelevante o seu contexto textual e relevante as suas orientações contra o mal que calunia e se opõe:
1Ped 5:8
Sede sóbrios e vigilantes. O diabo (caluniador, difamador, acusador), vosso adversário, ruge no caminho, como leão procurando alguém para devorar;
Tiago 4:7
Sujeitai-vos, portanto, a Deus; mas resisti ao diabo (caluniador, difamador, acusador), e ele fugirá de vós.
Ef 4:27
nem deis lugar ao diabo (caluniador, difamador, acusador).
Ef 6:11
Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo (caluniador, difamador, acusador);
Traduzindo a palavra “diabo” nos versos acima, removendo-o de seu estereótipo incorporado, compreendo ser importante, sobre tudo o que foi visto, ter sobriedade, vigilância, resistência, não dar lugar, revestir-se contra as calúnias e acusações. Esteja o caluniador fora, na boca de outros, ou dentro de nós mesmos, em nossos pensamentos. O que importa, penso, é que não nos tornemos Diabo (caluniador) e Satanás (adversário) no caminho de outros ou do nosso próprio, não impedindo a manifestação do Bem, e outra importância que penso está no entendimento de que quando se levantam estes opositores e caluniadores, se levantam ou são levantados por Deus – o Eterno, para um crescimento, aperfeiçoamento, aprendizado, reconhecimento de alguma condição que precisa ser revista. Deste modo ocorreu com Balaão e em muitos episódios de Israel.
Núm 22:32 Então, o Anjo do Senhor lhe disse: Por que já três vezes espancaste a jumenta? Eis que eu saí como teu adversário (satan), porque o teu caminho é perverso diante de mim; 1Reis 11:14 Levantou o Senhor contra Salomão um adversário (satan), Hadade, o edomita; este era da linhagem real de Edom.