E STA D O D E M I N A S
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MUITO
prazer EDUARDO AVELAR
RAFAEL MOTTA/TV ALTEROSA
Henrique Sloper, da Camocim, está levando para o mundo inteiro o caro e saboroso jacu bird coffee
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D O M I N G O ,
D E
degusta
A nobreza na cozinha! Na semana que passou, participei de um evento muito especial que me levou a mais uma reflexão apaixonada. Preparei um jantar inesquecível na casa de amigos, onde as estrelas mais brilhantes foram magníficas trufas brancas, fresquíssimas e perfumadas, recém-chegadas de Alba, no norte da Itália. Num ritual digno de grandes gourmets, as iguarias foram fatiadas prato a prato, inebriando todos nós presentes, comensais e cozinheiros. Ao retornar para a cozinha, ainda impregnado daquele aroma peculiar, como ocorre a cada emoção vivida no meu ofício, iniciei uma peregrinação por meus neurônios, numa reflexão que já vem de longa data e parece interminável.
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Mesmo levando em conta minha adoração por esses "bichinhos" subterrâneos, tão raros e caros, cujo prazer em degustá-los depende de um faro apurado de cães treinados especialmente para encontrá-los numa região específica da Itália, naquele momento, enquanto preparava outras iguarias para o seleto grupo, comecei a matutar sobre a relação de amor e ódio de algumas pessoas por esse tal "tartuffo bianco" ou mesmo pela sua prima francesa "truffe noir". Tem gente que não aguenta nem sentir o forte aroma exalado, ou detesta o sabor marcante, mais popularmente permitido e conhecido na manteiga ou no azeite trufado. Mas o exotismo desse cogumelo subterrâneo, com o seu charme e glamour cantado
D E Z E M B R O
em verso e prosa pelos italianos, conquistou os mais finos salões do mundo e seus chefs estrelados. Assim foi com outras estrelas da gastronomia mundial, que antes ilustres desconhecidas no mundo, como o tomate, chocolate, as batatas e tantas outras não menos nobres que viajarameganharamfama. Já imagino que você está pensando sobre meus devaneios. Pode até dizer loucura, o que já estou acostumado a ouvir, e até já me resignei. Sou doido mesmo, mas especialmente pelos sabores de Minas Gerais. E não vejo a hora de ver nos maiores restaurantes do mundo referências mais do que justas à nossa corte gastronômica comandada pelo "rei pequi", "rainha jabuticaba" e tantos outros nobres sabores ainda exóticos até para muitos de nós brasileiros. E não está longe desse meu arroubo insano,
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reforçado na ocasião do jantar pela inebriante trufa de Alba, ser atenuado pela adoção do "rei pequi" por grandes chefs. Em janeiro, por ocasião do evento Madrid Fusion que acontecerá na Espanha, o Chef mineiro e amigo Rodrigo "Zaza" Zarife estará entregando em mãos aos estrelados Juan Mari Arzak e sua filha Helena alguns polêmicos frutos do cerrado, juntamente com castanhas de baru, buriti e outros, para testes nos laboratórios de seu restaurante em San Sebastian, no país basco. Prenúncio da conquista do mercado internacional pelos sabores de Minas Gerais. Vamos trabalhar o marketing positivo, exaltando as propriedades nutricionais, as verdades afrodisíacas confirmadas pelo alto índice de natalidade registrado meses após a safra do pequi por exemplo. Assim, quem sabe, em
breve vamos certificar e coroar nossa realeza a exemplo das trufas, foie gras, escargots e outras majestades da mesa internacional. E como o poder emana do povo, o exemplo tem de partir das regiões produtoras, e é exatamente o que estão fazendo empresários de Montes Claros nesse momento. Ao se encerrar a 27ª Festa Nacional do Pequi, que há quase três décadas exalta e divulga o famoso arroz com pequi, restaurantes da região promovem a partir desta quarta-feira o Festival Pequi no Prato, que até o próximo dia 22 apresentará novas alternativas culinárias da iguaria. Exemplo para outros produtos e regiões... Espero que você, como eu, tenha se superado da emoção causada pelas rainhas de Alba. Saudações gastronômicas!
Vale provar
FAZENDA CAMOCIM/DIVULGAÇÃO
MÍRIAN PINHEIRO
ocê já imaginou tomar um café feito com os grãos tirados das fezes de uma ave? Esse café também existe, e é produto genuinamente brasileiro. Henrique Sloper Araújo é um carioca cafeicultor orgânico/biodinâmico desse tipo de café e provador/degustador certificado. Sem negar as origens, também é surfista, snowboarder, endurista de moto e automóvel e formado em marketing pela University of California, Los Angeles, EUA. Tornou-se ainda provador de vinhos nivel 3 da WSET Academy Coffee de Londres ao longo do caminho e como especialista da Associação Brasileira de Café, chamou para si a missão de colaborar para a construção da imagem do café brasileiro como o melhor do mundo. E foi como tal que, de Chicago (EUA), concedeu uma entrevista exclusiva ao Degusta. Henrique conta que seu contato com o mundo do café veio primeiro como apreciador e depois como um produtor que poderia diversificar o que fazia na fazenda da família, a Camocim, em Pedra Azul, no Espírito Santo - estado brasileiro conhecido mundialmente como cafeeiro. “Esse contato ocorreu em 1999. Naquela época, éramos produtores de madeiras sustentáveis, o que continuamos fazendo além de mel e geleias orgânicas.” Sobre o extravagante café Jacu, do qual se tornou o maior produtor brasileiro, ele explica que se trata de um café gourmet. “E um café superpremium selecionado pela própria ave jacu. Hoje são 180 hectares de café 100% arábica, transformado, que Henrique vende para boa parte das capitais brasileiras e 18 países destacando-se França, Inglaterra, Japão, África do Sul, EUA, Chile, Áustria, Suíça, Espanha, países nórdicos, Austrália , Nova Zelândia, Itália, entre outros. O jacu bird super premium organic coffee , da Camocim Organic, tem preço alto. Segundo o produtor, pelo elevado custo de
Das duas toneladas produzidas por ano do Jacu Bird Coffee, na Camocim, 80% vão para países como Japão e Estados Unidos produção do sistema orgânico/ biodinâmico de agricultura. “Todo o processo é manual e extremamente dificil”, explica. Mas sua fazenda também tem boa situação geográfica, o que fez com que a qualidade da terra e a presença de muito mato favorecesse a produção de um café ecologicamente correto (café orgânico), sem muito trato cultural nem abuso de defensivos. Aliás, por ter a fazenda muito mato e capoeira, ela também sempre teve jacu. E a passarada de lá, desde sempre, é viciada no café. Na época do grão maduro, parecia que os jacus não iam mais atrás de outra comida, só se fartavam de café. Houve quem percebesse a presença de quase 50 jacus comendo no pé. A cena, é claro, significava prejuízo, já que a propriedade produzia, na época, cerca de 600 sacas por safra. Não havendo outro jeito, foi pedido a quem de direito autorização para dar fim aos jacus.
O jacu-coffee foi um rentável ‘achado’ de uma fazenda tradicional
OVO DE COLOMBO Mas o que foi visto como praga virou um diferencial. Com a demora em sair a autorização para o extermínio dos pássaros, nesse meio tempo Henrique descobriu o kopi Luwak, um café de Sumatra, na Indonésia (mais raro e caro do mundo), que passa pelo organismo de um espécime de gato do mato, e resolveu fazer um teste similar com o café-jacu. Deu certo. A ave, que comeogrãomaduronopéetemum faro apuradíssimo, capaz de identificar as frutas em ponto perfeito de maturação para sua alimentação, virou solução. Hoje, havendo estoque suficiente, Henrique abre negociação e procura alcançar um preço compensador. Do contrário, segura mais um pouco. Afinal, trata-se de artigo de luxo. Tem força no mercado, sendo exclusivo no mundodoscafés"especialíssimos" -o"estritamentemole"(de84pontos até 100 – o que seria igual a comer uma fruta madurinha, no apogeudoprocessamentodeseus
açúcares, ácidos, aroma e sabor). Nomundodoscafésespeciais,trata-se do café gourmet, que nesse boletim começa exatamente com anota84.Daíparacimaéquandoo cafénãoémaiscomercializadoem saco – pelo menos não em saco de 60 quilos –, mas sim em quilos. O que lhe confere peso de ouro. O jacu bird é esse achado. A Camocim Organic acabou adotando o pássaro como parceiro na seleção natural de um café de alta qualidade e, por isso, conquistou inúmeras certificações internacionais. Selecionado pela própria natureza, ele segue um curioso processo, nada nojento. Uma vez alimentado pelos melhores frutos, o jacu elimina os grãos ao pé das árvores de café, e estes são colhidos manualmente pela equipe da fazenda, sendo secos, limpos e guardados. Após um período de descanso, os grãos são torrados para o consumo e vendidos. A que preço? Ah! Isso é outra história.