E STA D O D E M I N A S
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MUITO
prazer EDUARDO AVELAR
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D O M I N G O ,
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degusta
Undulto gastronômico Então é Natal! E nossas emoções se manifestam na flor da pele e nas profundezas da memória, movidas pelo espírito da fraternidade e por ações de solidariedade que ganham contornos especiais nesta época. Recentemente, o episódio ocorrido na Casa Branca,quando o presidente Obama emitiu o seu primeiro indulto e sua família poupou a vida de um peru na véspera do Thanks given, o dia de ação de graças dos americanos, me fez refletir sobre situações semelhantes ocorridas por aqui. O peru, que por sua sorte se safou da faca e ainda recebeu a alcunha de Coragem, nem precisou degustar algumas doses. Fato que logo me fez lembrar episódios de galináceos já descritos aqui nesta coluna. Teve o galo Timóteo lá de
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Caratinga, cuja sentença de morte por cozimento lento foi suspensa pelo porre do juiz, ou melhor, do Marquinho, meu aluno de culinária, que ao ficar tonto junto com o sentenciado, descobriu que sua relação com ele era bem mais afetiva do que simplesmente organoléptica. Já o galo Jerônimo não teve a mesma sorte no distrito de Piacatuba, do município de Leopoldina, mas seu sacrifício salvou a vida de uma amiga, a vaca Revista, aqual ele ensinava a subir em galhas e a cantar ao amanhecer. A Revista era aquela que subiu no telhado do curral em protesto pela morte do amigo e que a partir daí foi considerada "imexível" pelo Maguinho, proprietário da fazenda, que reconheceu seu equívoco ao cozinhar Jerônimo, e interromper um namoro tão inusitado e verdadeiro. São
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várias as situações que galináceos escapam de sua sina de virar artista de televisão de cachorro no papel de frango assado ainda na adolescência, galope ou galo com macarrão quando a carreira de cantor começa a decair. Situação comum nas casas de alguns atleticanos mais radicais, que jamais comem galo, caso do saudoso amigo Carlos Boy, que poupava todo bicho que "avuava", pois admirava apenas aeromoças. Na casa do finado Zezé, meu paizão, os frangos ganhos de presente ainda pintinhos na feira de rua da São Domingos do Prata tiveram de ser trocados por outros desconhecidos quando alcançaram a maioridade para servir ao exército de famintos da mesa de domingo. Mesmo com a troca confirmada por D. Eunice, foi a primeira vez na minha história e na de meus irmãos, que a macarronada de domingo foi comida sem o companheiro
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habitual. Lembrando outros bichos de penas que receberam indultos por legítima defesa do amor, recordo da codorna Cenyra, que dançava freneticamente na gaiola durante todo o dia,– igual àquela da novela que tremia sempre que via um homem – lembra-se? A Codorninha "tremulante" ainda botava um ovinho por dia para minha filha Aline, e assim nunca pude satisfazer meus planos de recheá-la com farofa de foie gras. No quintal do Morro, quando meu cão Chablis ainda era bem jovem, suas boas vindas ao grupo de 12 franguinhas d’angola foi uma bela mordida na perna de uma "desinfeliz". Após o duro castigo dado por mim, o Chablis se afeiçoou tanto ao grupo que passou, diariamente, a brincar com todas, do alvorecer às tardes, quando conduzia suas protegidas ao galinheiro para o merecido descanso. Também pelo amor inesperado fui
privado de aplicar as receitas aprendidas nos cursos recémconcluídos na França e as "pintades" escaparam das panelas. Fugindo um pouco à normalidade da justiça animal, o mais inusitado dos casos que vivenciei foi o de um leitãozinho, cuja família de portugueses que vive no nordeste o criou, pensando nos embutidos e assados de Natal mas... ainda pequenino, Mr Bacon foi levado para o sítio do meu amigo Francisco Lamy, bem à beira da Praia de Genipabu, em Natal (RN), onde recebia tamanho carinho que até sombrinha de praia e protetor solar ele tinha para não virar torresmo antes da hora, por causa daquele sol escaldante e "pururucante". Como se diz por lá, "pense se ele virou pernil"!. Pois é amigo, todo animal tem seu dia "D", "De sorte ou Degola". O Natal tai. Você já pensou em sua ceia?
RAFAEL MOTTA/TV ALTEROSA
JUAREZ RODRIGUES/EM/D. A PRESS
A partir do contato com imigrantes, mulheres de Nova Lima aprenderam a receita do Christmas cake. Em “mineirês”, bolo ganhou o apelido de queca
Tradição inglesa L AURA VALENTE
As irmãs Áurea, Laila, Yameme e Wardy Silame não têm parentes no Reino Unido, porém moraram por mais de 25 anos em Nova Lima. Foi lá que aprenderam, com uma senhora inglesa, uma receita especial de Christmas cake (bolo de Natal). Entre as décadas de 1950 e 1970, muitos imigrantes britânicos trabalhavam nas minas de ouro da cidade mineira e acabaram influenciando a cultura local com costumes e a gastronomia típica daquele país. Assim, as cozinhas da região passaram a conhecer e reproduzir delícias como o bolo de maçã com gengibre, canela e nozes e o scone (pãozinho assado semelhante ao pão de minuto, que pode receber tanto recheio doce quanto salgado). Assim, as mulheres da família Silame, filhas de mãe libanesa e pai sírio, passaram a fazer a receita todo fim de ano para presentear amigos, parentes e colegas de trabalho. Logo, a fama do bo-
lo, que em bom “mineirês” ganhou o apelido carinhoso de queca, correu (veja receita na página). Tanto que até hoje, já como moradoras de Belo Horizonte, a tradição continua. Com o aumento de pedidos, o quarteto começou a comercializar o bolo, que tem como principais características o prazo de validade estendido (até um mês), o uso de pouca farinha (apenas 125g para 1kg de queca) e a predominância de frutas. A receita tradicional pede nada menos que laranja e figo em calda, nozes, castanha-do-pará, frutas cristalizadas, passas brancas e escuras, ameixas pretas e cerejas. Yameme, porta-voz do grupo, frisa que é importante lembrar que o bolo não é fofo: “A consistência é mais pesada, já que a queca não leva fermento, mas apenas ovos batidos em neve. Para que ele fique mais molhadinho, há quem pingue conhaque diariamente e faça questão de deixar o bolo maturar”, sugere.
DIET O aroma rico é outra caracte-
rística marcante da queca. “Muitas vezes, as pessoas a deixam sobre a mesa de jantar para perfumar o ambiente com o cheiro das especiarias. Além de um mix especial que importamos diretamente da loja Harrods, de Londres, a receita leva canela, cravoda-índia e noz-moscada.” Há, ainda, lendas em torno do bolo de Natal. “Segundo o costume inglês, a queca deve ser servida com um cálice de licor cherry ou vinho do Porto. Quando a experimenta, o comensal deve fazer pedidos e formular votos”, ensina Yameme. Não há registro sobre graças concedidas a partir do costume, mas, por via das dúvidas, a família Silame replica o gesto entre amigos e clientes. “Durante todo o mês, mantemos na sala uma travessa com queca picadinha e uma garrafa de vinho. Todas as visitas são convidadas à degustação”, comenta. O público com restrição a doces não tem por que se lamentar: as irmãs Silame também produzem a
queca em versão diet (apenas sob encomenda). No preparo, o açúcar é substituído por adoçante. As frutas usadas também são diferentes. A receita leva damasco doce e azedo, maçã, nozes e passas, suco de laranja, e doces de figo e laranja (feitos com adoçante), além de creme vegetal light e farinha integral. Por não ter açúcar, que funciona como conservante, o prazo de validade da queca diet é menor. “Ela deve ser consumida em até seis dias”, avisa Yameme. Como a procura pela queca é grande, as irmãs costumam produzi-la em praticamente todos os dias de dezembro. A cada ano, chegam a comercializar a média de mil unidades (há versões de 1kg e de 500g) e recebem pedidos até a véspera do Natal. Porém, para garantir a o tradicional bolo na ceia, é bom encomendá-lo com antecedência de pelo menos dois dias. O produto também pode ser encontrado na Páscoa, em versão coberta de chocolate e decorada com cereja e nozes.
Queca
IRMÃS SILAME INGREDIENTES PARA 20 FATIAS 4 xícaras de chá de farinha de trigo; 2 xícaras de chá de açúcar; 4 colheres de sopa bem cheias de manteiga; 4 ovos (batidos como para pão de ló, ou seja, as gemas deverão ser incorporadas, uma a uma, às claras em neve); 1 xícara de chá de calda queimada fria; 1/2 xícara de chá de conhaque; 1 colher de chá de canela em pó; 1 colher de chá de noz-moscada ralada; 1 pau de canela; 6 cravos-daíndia; 100g de laranja em calda escorrida e picada; 100g de figo em calda escorrido e picado; 100g de nozes picadas; 100g de castanhas-do-pará picadas; 100g de frutas cristalizadas picadas; 100g de passas brancas sem caroço; 100g de passas escuras sem caroço; 100g de ameixas pretas picadas; e 50g de cerejas ao marasquino escorridas e 50g de farinha de trigo para envolver as frutas. Obs: a quantidade de frutas e o tipo podem ser alterados de acordo com o gosto pessoal. MODO DE FAZER CALDA: levar ao fogo uma xícara de chá de açúcar umedecido com um quarto de xícara de chá de água (misturar na hora de levar ao fogo). Deixar no fogo até caramelizar – o tom do caramelo não pode ser muito escuro, para não ficar amargo. Retirar do fogo e acrescentar uma xícara de água fervente, bem devagar, o pau de canela e os cravos-da-índia. Levar ao fogo novamente e deixe ferver em fogo baixo até o ponto de calda rala. Coar e deixar esfriar. QUECA: bater a manteiga com o açúcar. Acrescentar os ovos (batidos como para pão de ló) e depois a farinha, alternando com a calda. Misturar as frutas enfarinhadas e o conhaque. Dispor em forma untada e enfarinhada e assar em forno médio (180 graus) por 50 minutos.