AUGUSTO DE CAMPOS parte 2
Armando Sérgio dos Prazeres Augusto de Campos Affonso Ávila Daniel Scandurra Inez Zhou Rodolfo Mata
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Geraldo Alckmin | Governador Romildo Campello | Secretário de Estado da Cultura Regina Célia Pousa Ponte | Coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico
POIESIS INSTITUTO DE APOIO À CULTURA, À LÍNGUA E À LITERATURA Clovis Carvalho | Diretor Executivo Plinio Corrêa | Diretor Administrativo Maria Izabel Casanovas | Assessora da Direção Executiva Ivanei da Silva | Museólogo Giany Blanco | Design Davi de Sousa | Diagramação
CASA DAS ROSAS ESPAÇO HAROLDO DE CAMPOS DE POESIA E LITERATURA Marcelo Tápia | Diretor
AUGUSTO DE CAMPOS parte 2
CIRCULADÔ Revista de Estética e Literatura do Centro de Referência Haroldo de Campos – Casa das Rosas ISSN - 2446-6255 Diretor | Marcelo Tápia Editor | Julio Mendonça Assistente | Caio Nunes Comissão Editorial: Aurora Bernardini, Claus Clüver, Gonzalo Aguilar, Horácio Costa, Jerusa Pires Ferreira, Leda Tenório da Motta, Lucia Santaella, Luiz Costa Lima, Márcio Seligmann-Silva, Nelson Ascher, Susanna Kampff Lages Design gráfico | Giany Blanco Diagramação | Davi de Sousa Revisão | Centro de Referência Haroldo de Campos Revista CIRCULADÔ – Ano V – Nº 8 – junho 2018 Risco Editorial Edição anterior: Revista Circuladô Ano V – Nº 7 – dezembro 2017 São Paulo – Poiesis / Casa das Rosas A revista CIRCULADÔ é publicada em frequência semestral. A revista CIRCULADÔ aceita, para publicação, apenas artigos ainda inéditos em língua portuguesa e inglesa. A extensão dos artigos pode variar de acordo com o tema abordado, sendo que a Redação se reserva o direito de propor cortes ou sugerir ampliações. As notas devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no final do texto. Os autores devem fornecer informações biobibliográficas, até 400 caracteres (com espaços).
sumário
8 62 68 95
9 26 41
DOSSIÊ: AUGUSTO DE CAMPOS – PARTE 2 A palavra-valise de Augusto de Campos – artigo de Inez Zhou Augusto de Campos: Outro – artigo de Rodolfo Mata Novos índices para Música de Invenção – pesquisa de Daniel Scandurra
63 69 87
INVENÇÃO Contrapoemas – Augusto de Campos
ARTIGOS/ENSAIOS Dados os dados: Mallarmé Verne – ensaio de Augusto de Campos Possível leitura do fragmento galático multitudinous seas – ensaio de Armando Sérgio dos Prazeres
96 98
GALÁXIA HAROLDO Depoimento de Affonso Ávila
SOBRE OS AUTORES
JE EST UN AUTRE: AD AUGUSTUM irmรฃo neste re / verso do ego te vejo mais plus que mim plusquamfuturo poetamenos mais e no trobar clus desse nรณ de nรณs a poesia sister incestuosa prima pura impura em que siamesmos unisomos outro Haroldo de Campos
editorial
Nesta edição de Circuladô, apresentamos a segunda parte do dossiê dedicado ao poeta, tradutor e ensaísta Augusto de Campos. Inez Zhou estuda as palavras-valise na obra de Augusto; Rodolfo Mata resenha seu mais recente livro de poemas: Outro; e Daniel Scandurra apresenta pesquisa e divulga um valioso índice de composições musicais mencionadas no livro Música de Invenção. Augusto enviou quatro poemas da série Contrapoemas e, para a seção de artigos e ensaios, o texto completo de “Dados os dados: Mallarmé Verne”, ensaio que havia sido publicado anteriormente em versão reduzida. Completa esta seção um ensaio de Armando Sérgio dos Prazeres sobre um dos fragmentos de Galáxias, de Haroldo de Campos. Para fechar a edição, um depoimento de Affonso Ávila sobre Haroldo.
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DOSSIÊ AUGUSTO DE CAMPOS PARTE 2
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A PALAVRA-VALISE DE AUGUSTO DE CAMPOS Inez Zhou*
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No início do seu primeiro livro sobre teoria do cinema, ao explicar o uso da técnica de montagem, Sergei Eisenstein imediatamente faz uso do fenômeno das palavras-valise como um exemplo linguístico analógico que evidencia o pensamento sintético próprio da mente humana (The Film Sense 5–7). O famoso exemplo lexical “frumioso” (frumious), de Lewis Carroll, o pai das “palavras-valise”,1 ilustra a expressão naturalmente engraçada que ocorre quando a mente tenta expressar tanto a ideia de “fumegante” (fuming) quanto de “furioso” (furious). Algumas outras palavras-valise em circunstâncias reais também são citadas, tais como “Cleptoromênia”, “Carthaginoiserie” e “ferialcoólico,” analisados por Freud em O Chiste e Sua Relação com o Inconsciente. Mostrando o quão universal este fenômeno é, o que Eisenstein realmente pretende justificar é o método cinematográfico ainda não totalmente aceito no cinema soviético da época: a justaposição de duas sequências fílmicas, a partir da qual um novo conceito poderia ser criado na mente dos espectadores. Suficientemente intrigante, para esta inovação cinematográfica que se tornou uma fonte tão inspiradora para as revoluções literária e artística posteriores, no desenvolvimento teórico da mais sintética forma de arte o cineasta recorre a uma comparação da forma linguística mais simples. Ao mesmo tempo, na sinestesia instintiva de misturar o som e o significado de duas ou mais palavras, a palavra-valise é intrinsecamente uma interfusão rica dos aspectos semântico e aural da língua, que, consequentemente, também cede a uma forma escrita composta. A associação visual de palavras diferentes junta-se ao jogo integral da montagem lingüística em muitas palavras-valise inventadas por engenhosidade. A mistura não apenas fornece uma chance para a criação de um novo conceito; através 10
da formação da palavra, também destaca as características aural e visual dos morfemas e letras envolvidos. Neste sentido, a forma concreta da própria palavra-valise também poderia atrair o olhar do mesmo modo que um trabalho de colagem. Moimeichego: um modernismo canibal Tanto a montagem de Eisenstein quanto a tradição literária da criação da palavra-valise foram absorvidas na proposta básica da poesia concreta, cujo sentido reside na interação do som, estrutura, e significação verbal da linguagem, uma síntese verbivocovisual de escrita poética como a descrita em 1958 no “PlanoPiloto para Poesia Concreta” de Augusto de Campos, Haroldo de Campos, e Décio Pignatari. Além disto, enquanto Eisenstein tinha discutido montagem cinematográfica com relação aos ideogramas japonês e chinês,2 foram os concretistas, trabalhando com um espirito eisensteiniano, que primeiramente tentaram de forma consciente olhar para a formação das palavras-valise com um olhar ideogrâmico, em seu método mútuo de justapor duas ou mais imagens dentro de uma palavra. Um exemplo clássico, citado por Pignatari em seu “Poesia Concreta: Organização” (TPC 86), é a palavra em inglês “silvamoonlake” em Finnegans Wake de James Joyce, uma obra-prima na qual “será encontrada a mais ampla manipulação de palavras-valise”, conforme comentário de Eisenstein (The Film Sense 6). Dentro da palavra, as imagens da floresta (a palavra latina “silva”), da lua (moon) e do lago (lake) são vistas ao mesmo tempo, formando juntos uma minúscula paisagem. Entretanto, “silva” também assemelha-se a palavra em inglês “silver” (prata) que é a cor do luar, e a palavra “lake” pode ser foneticamente associada ao sufixo “-like.” Extrapolando a
palavra joyceana, Pignatari combina tradições múltiplas para trabalhar com sua ideia de “organização” poética, que, na síntese deAntonio Sergio Bessa, é “um composto que pode incluir palavras-valise (Carroll e Joyce) organizadas de acordo com os princípios ideogrâmicos (Pound, Ernest Fenollosa), emendadas, como em um filme (Eisenstein)”. Além dos exemplos acima, outros precursores da arte sintética são mencionados no “Plano Piloto,” um manifesto que conscientemente traça a genealogia multilinear da atividade poética dos concretistas. Não se trata apenas de reconhecer a tradição poética da experimentação visual nos tempos modernos, de Mallarmé, Apollinaire, Cummings, ao Futurismo e Dadaismo. Particularmente interessado na correspondência entre a pintura e a música, a poesia concreta presta muita atenção à música serial de Webern, Boulez e Stockhausen, na qual “intervém o espaço” (de Campos, H. 218); assim como as pinturas de Mondrian (especialmente a série Boogie-Woogie), Max Bill, e Josef Albers, onde “intervém o tempo” (Ibid.). A linhagem inclusiva que os concretistas brasileiros desenharam inicialmente, junto com suas práticas produtivas durante a década de 1950, fornece um dos primeiros – o mais teoricamente consciente – e talvez o mais influente texto literário, no campo da poesia experimental-visual, que logo prosperou no mundo todo, na década seguinte.3 A poesia concreta tornou-se uma das mais conhecidas contribuições brasileiras à literatura contemporânea mundial e não é por acaso que esta prática poética foi lançada no Brasil. De um ponto de vista panorâmico dos movimentos modernistas brasileiros, tanto as características manifestas de sua síntese cultural quanto sua ênfase na língua falada são análogas à formação lingüística conforme exemplificado na palavra-valise.
Os precursores brasileiros dos concretistas podem ser rastreados, ao menos, até a primeira geração de modernistas datada de 1922, marcada pela Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Introduzindo os movimentos modernistas europeus (Cubismo, Expressionismo, Futurismo, Surrealismo, etc.) para se contrapor às ideias literárias tradicionais no país, estes poetas e artistas, a maioria recém-retornada da Europa, estavam muito engajados em procurar uma identidade brasileira peculiar, assim como muitos outros modernistas nacionalistas. Com este propósito, o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, publicado em 1928, logo tornou-se o texto fundamental que declara tanto a autoctonia cultural quanto o consumo de outras culturas através da metáfora do canibalismo. Mais adiante, os concretistas tomariam este legado da antropofagia para discutir a dinâmica entre as culturas nacional (latino-americana) e universal (europeia), e a possibilidade de literatura de vanguarda em um país subdesenvolvido.4 O manifesto de Oswald de Andrade, ainda de um tom futurista, é ele próprio um texto devorador que inclui e mistura nomes transnacionais, frases em latim, palavras em inglês e tupi – a língua nativa – , formando uma representação da coexistência cultural na sociedade brasileira. O slogan “Tupi or not Tupi, that is the question” no manifesto dirige-se fortemente à questão da identidade nacional em uma apropriação nativa da questão universal shakespeariana. Ao mesmo tempo, a língua indígena atraía e fascinava os literatos brasileiros como uma língua surreal ancestral ainda existente em sua realidade cotidiana, que por um lado é uma cultura enigmática a ser explorada e absorvida, e por outro lado sua própria identidade distintiva a digerir as outras. A autoconsciência do poeta desta identidade peculiar talvez seja melhor sim11
bolizada no nome quase-palavra-valise do personagem Moimeichego, um vaqueiro na mais autêntica e imaginária terra brasileira Urubùquaquá, no conto Cara-de-Bronze de Guimarães Rosa (que ganhou o nome de “Joyce brasileiro”) em meados dos anos 1950. Neste trabalho que amplamente reflete a ideia de Rosa com respeito à poesia, “Moimeichego” sugere uma narrativa auto-referente “Eu,” cuja identidade integra “moi,” “me,” “ich,” e “ego,” sendo ainda um indivíduo comum no sertão brasileiro. Enquanto a fusão lingüística nos trópicos está subjacente à complexa coexistencia e à mistura étnica, a procura literária dos poetas por uma identidade nacional inevitavelmente reside na reforma do português em uma “língua brasileira” (língua brasileira), como proposta por outro grande poeta modernista, Mário de Andrade.5 No decorrer desta busca, como os outros casos de inovação linguística modernista (mas com um comportamento nacionalista mais forte contra o português continental dominante), a retórica elaborada e antiquada da literatura anterior — que de várias formas já havia sido desconectada da realidade brasileira — foi, sem surpresa, substituída por um uso mais direto da língua do dia-a-dia na poesia. Gramática simplificada, coloquialismo, e expressão nativa integrada entraram na nova literatura. A fonética foi amplamente alterada para adquirir um tom mais sonoro devido à influência das línguas indígenas e africanas. Além disto, a incorporação mais marcante dos indígenas e afro-brasileiros por parte dos modernistas seriam seus tons e rítmos músicais, começando pelas pesquisas etnomusicológicas de música popular e língua indígena por Mário de Andrade. A partir daí, a colaboração entre poetas e músicos e o surgimento de poetas-compositores se tornaria um fenômeno incessante na literatura brasileira, o qual também afeta o cenário da música brasileira.6 12
Poemúsica: a palavra corpórea O termo “Poesia Concreta” começou a circular por volta de 1955, provavelmente herdada da declaração “somos concretistas” (43) do “Manifesto Antropófago.” Publicado em 1953, Poetamenos de Augusto de Campos pode ser considerada a primeira publicação poética a incluir totalmente o conceito verbivocovisual da prática poética concretista. Além do arranjo tipográfico de tradição mallarmeana que enfatiza as relações de lacunas e espaços entre as letras, nos seis poemas coletados (todos curtos o bastante para serem incluídos em uma página em fonte Kabel), o texto está impresso em várias cores, diferenciando cromáticamente frases próximas, palavras, ou morfemas, dividindo as frases livremente estruturadas em várias partes e sugerindo ainda outra camada de conexão no texto da mesma cor. No prefácio, Augusto de Campos descreve a forma aparentemente rimbaudiana de colorir as letras inspirado pela técnica Klangfarbenmelodie (som/tom-cormelodia) de Anton Webern. Primeiramente criado por Schoenberg para “referir-se à possibilidade de uma sucessão de tons e cores relacionados entre eles de uma forma análoga a um relacionamento entre os tons em uma melodia” (Rushton), ela incorpora estruturalmente os timbres de cada instrumento em uma composição musical, criando uma textura disjuntiva e ainda variada na melodia, com possíveis correspondências rítmicas adicionais. Esta técnica musical refere-se alternativamente ao pontilhismo, tirado do método de pintura de coloração pontilhada da história da arte (“Pontilhismo,” OCM). Como foi sugerido por Robert Hughes, quando Ezra Pound, aos 30 anos, experimentou colocar um grupo de poemas medievais em música, a mesma técnica Klangfarbenmelodie foi aplicada em Le Testament de Villon (1919), sem o
conhecimento de Webern.7 A concepção de Augusto de Campos para seus poemas continua esta tradição. Tanto quanto o timbre particular de cada frase/palavra/silaba/letra é reconhecível por sua presença gráfica e fonética, a coloração dos elementos textuais indica ainda as complexas “superposição e interpenetração temática” dentro do texto (VV 65). No efeito visual mais direto, cada cor também pode ser vista como um instrumento de timbre distintivo, formando, no plano geral, uma harmonia multi-cromática. Ela denota conceitualmente ou convida a um desempenho auditivo, com cada cor atribuída a um som ou voz particular, formando
uma leitura polifônica. O poema “dias dias dias” musicalizado e cantado por Caetano Veloso é uma gravação amplamente conhecida deste tipo, na qual formas diferentes de criar sons vocais, conversar, recitar, soprar, cantar, etc., são usadas para diferentes textos coloridos (https://www.youtube.com/ watch?v=MpXwgmMQu5c). Em outra interpretação musical do poema “Lygia Fingers” composta por Daniel Duarte Loza e executada por um grupo musical argentino, a voz distinta de cada membro do grupo torna-se o representante vocal das letras de uma cor particular (https://www.youtube.com/watch?v=Zy74PDQC7zc). Realizado, portanto,
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em um canto alternado e modulado, a prática promete possibilidades mais amplas de interpretar o poema. Neste modo verbivocovisual, o poema de Augusto de Campos, de forma mais imediata, parece um trabalho de arte visual colorido e serve como uma pontuação musical, aproximando-se do estado ideal do que Pignatari chama de “o olhouvido ouvê” (TPC 42; “the eyear hearsees,” na tradução de Bessa, 219).8 Nestes trabalhos, a cor-timbre é usada como um dispositivo para dissecar e recosturar linhas poéticas visualmente vocais. No aspecto verbal, quando a cor é aplicada para diferenciar e associar os pequenos elementos semânticos dentro de uma linha/frase/ palavra, a estratégia de formação básica da palavra-valise, cuja natureza contém multi14
plos elementos semânticos, organicamente se junta para alcançar a “superposição e interpenetração temática.” No jogo amplo de invenção e combinação de palavra ao longo da coleção toda, o poema “eis os amantes” (“here are the lovers”), com seu tema manifesto no projeto textual simétrico e bicolor, fornece o caso mais analisável do jogo do poeta com palavras-valise. Incorporando a união sexual de dois amantes heterossexuais, o poema é essencialmente erotico. A mensagem é revelada, não por uma narrativa real, mas pelo projeto espacial de palavras indicativas e a interfusão de duas cores. Diferente das cores mais brilhantes dos outros poemas em poetamenos, aqui o texto adota laranja e azul, talvez por causa da sugestão mais corpórea
Fig. 1
e sexual (Fig.1, VV 75). Quando o poema foi reimpresso mais tarde em outros lugares com a tradução em inglês, um fundo azulado foi adicionado enquanto o texto se tornou branco e amarelo (Fig.2); e como se em uma tradução cromática, a versão em inglês exibe o texto azul e branco em um fundo amarelado (Fig.3).9 O poema composto por “duas vozes-cores masculina e feminina” (TPC 16) é também projetado para recita-
ção. Na gravação de 1968, o poeta e sua amada Lygia de Azeredo, respectivamente lendo o texto em laranja e em azul, decretaram a união corporal do poema enunciando as palavras em flashes.10 Conforme Claus Clüver observa, neste poema, “a dinâmica de cor e sintaxe espacial funciona no lugar do verbo ausente” (“Language” 37). O movimento entre os amantes, sem a ajuda semântica dos 15
Fig. 2
Fig. 3
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verbos, deve ser lido visualmente através da interação entre as duas cores. Em uma forma em geral simétrica, as “palavras/corpos” (Ibid. 38) iniciam em um estado de separação nas primeiras cinco linhas. Apesar da linha de uma só palavra e a distante organização do texto, as primeiras cinco linhas podem ser a única frase completa no poema, permitindo imediatamente que o texto laranja no meio forme uma nova frase com um significado mais enfático dentro da frase mais longa. Ao invés de uma leitura normal na horizontal, o texto laranja convida a uma leitura vertical do texto, que separa também os caracteres azuis, “amantes” e “parentes,” nos dois lados.
sisterone(irmãum) topI(cimaeu)
Conforme foi analisado por William Bruce, o texto intencionalmente permanece ambíguo com relação ao cenário. O significado da linha inferior, junto com a preposição “em” antes do enjambement, descreve uma cena horizontal de “meover sheneath” na versão em inglês. De outra perspectiva, o texto azul poderia retratar outra cena como “sister moans on top,” com a presença espacial real de “I” abaixo (63). Em todas as quatro palavras, “baixela” é um termo comum para “louça”. Aqui, quando a palavra de uso cotidiano é vestida com roupas bicolores, seu significado é desconstruído para divertir o leitor em português de uma forma estranha, mostrando como uma natureza amálgama pode estar escondida em qualquer palavra comum, seja pela formação linguística ou por pura coincidência. A palavra “irmãum” é uma engenhosa invenção amálgama, que tem a pronúncia parecida com “irmão” (bro-
Após montar a cena amorosa e corpórea para os jovens amantes, as palavras nos dois lados começam a aproximar-se nas duas linhas seguintes, as cores começam a se misturar, e palavras-valise suspeitas entram no jogo. Semanticamente, a maioria dessas palavras-valise funciona apenas neste cenário poético com as interações dramáticas das palavras, em vez de criadas para uma expressão universal. Mais ou menos como um agrupamento projetado de frases, elas também são mais do que uma mera união de palavras vizinhas, mas executam um trocadilho ambíguo adicional. Literalmente as duas linhas poderiam ser processadas da seguinte forma:
moansother/on (gemeoutrem) lowshe (baixela)
ther), unindo os dois sexos (“um”), sendo tanto andrógino quanto intermutável. Este sentido duplo também pode ser notado no seguinte elemento “gemeo” (twin, geminus) em “gemeoutrem.” Para acrescentar outra interpretação erótica, esta palavra também pode ser vista como “geme-ou-trem(e)” (“moans-or-trembles”). Seguindo estes relacionamentos verbais ambíguos e interagentes está a palavra “ecoraçambos” (echo-(heart)both) no meio da linha seguinte. Esta palavra poderia ser fisicamente lida como uma nova união das duas entidades acima. O “eco” de onde ecoa a forma simétrica do poema e a conotação de geminação anterior, que é exibida mais amplamente na versão em inglês “shechome.” A palavra também se assemelha com “escorçam(b)os,” que significa escorço ou nós dois escorçamos juntos, isso pode ser contrastado em “duplampli”
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na linha seguinte, vagamente sugerindo um outro movimento no retrato ainda textual. Então, a linha prolongada com
múltiplos emaranhamentos verbais indubitavelmente sugere um ato sexual em andamento:
d u p l a m p l i n f a n t u n o (s) e m p r e Esta palavra excessiva flui no enunciado vocal, mostrando o malabarismo característico da palavra-valise, quando uma palavra/som escorrega para dentro de outra. Os elementos semânticos aqui envolvidos estão todos associados de várias formas para visualizar a interação dos amantes, e uma penetração textual icônica é mostrada através do “s” laranja implantado em parênteses. O significado deste dispositivo torna-se explícito em “semen(t)emventre” da linha seguinte, deixando o semen/semente no
ventre. Depois, as palavras separadas em duas novamente, mas as cores invertidas. Na penúltima linha, as duas palavras são formadas por três pronomes demonstrativos, “este” (this), “esse” (that), e “aquele” (that), sugerindo um aumento da distância entre o referente e o falante, seguido de um pronome pessoal “ele” (he), que pode indicar uma nova vida surgida do falante. Enquanto isso, “estesse” pode ser um trocadilho para “êxtase” (ecstasy), e o cenário está cheio de referências literárias do “Ecstasy”11 de John Donne:
But as all several souls contain Mixture of things they know not what, Love these mix’d souls doth mix again, And makes both one, each this, and that. (ll. 33-36)
O poema de Augusto de Campos termina com a palavra central unificada “inhumenoutro.” Da mesma forma que o anterior uso icônico ou ideográfico de parênteses, aqui, como também sugerido por Bruce (Ibid.), a palavra engravida, deixando umhomem (“humen”), ou uma palavra, vivendo dentro (“em”) de outra (“outro”). Assim como o poema representa um erotismo verbal e intelectual, ele também é uma exploração da combinação lingüística por meio de metáforas sensuais. O “êxtase” linguístico é alcançado ao tornar “este” e “aquele” em um. Ele procura a afinidade e a interpenetração entre as palavras, ao mesmo tempo que revela detalhes textuais, percebendo um no outro, “inhumenoutro.” Através dos inúmeros encontros entre uma palavra e outra, suas relações ambivalentes, refletidas, inaba18
láveis e de multi-camadas devem ser experimentadas, na busca do nascimento de uma palavra-valise viva. Colidouescapo: viagem de línguas Por volta do ano 1970-71, Augusto de Campos trouxe a público outra série de trabalhos muito envolvidos com experimentos de palavras-valise. Respectivamente publicados como Linguaviagem (1970), Equivocábulos (1970), e Colidouescapo (1971), os três trabalhos também foram combinados em um livro, subsequentemente. O poema de uma única palavra-valise – “vialinguagem” – , criado primeiramente em 1967, realiza novamente o conceito anterior de palavra dentro de palavra, mas adota uma construção cúbica para o texto. Em um cubo composto por um pedaço
de papel retangular dobrado de modo que forma quatro paredes quadradas, as doze letras em caixa alta estão distribuídas uniformemente nos quatro quadrados em ambos os lados do papel, de forma que elas
apareciam tanto interiormente quanto exteriormente nos quatro lados do cubo, criando múltiplas perspectivas de leitura. Na versão original, ele tem letras verdes em um lado e azul no outro com fundo branco (Fig. 4).
Fig. 4 Linguaviagem, 1967
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Incluído na antologia de poesia Viva Vaia em 2001, este poema está dobrado do tamanho de um CD e inserido em um envelope de papel anexado ao verso da capa. O texto é composto em uma fonte mais fina e o trabalho se torna todo preto e branco, com letras pretas em uma página branca em um lado e, inversamente, letras brancas sobre a página preta no outro lado. Quando se torna um fólio dobrado, a qualidade da instalação inicial do poema é substituída por outra experiência de leitura versatil do leitor que depende das diferentes formas tomadas pela página desdobrada. A palavra “lingua” é disposta para ser facilmente dobrada para dentro, mostrando “viagem” (voyage) em primeiro plano, dessa maneira fazendo o processo de desdobrar o texto corresponder ao próprio significado da palavra: uma viagem consumada por meio da língua (mais vocalmente orientada). Neste caso, o texto também pode ser visto como uma palavra inserida em uma camada mais profunda de outra, formando o jogo dinâmico em “lingua-viagem” (language voyage). Na leitura linear simples do papel desdobrado, a leitura viagem é feita através (“via”) linguagem (mais literariamente orientada). Por meio desta simples e auto-referencial palavra/ poema, este trabalho adota o conceito de viajar através das palavras, sugere uma experiência visual-vocal pela página, e leva adiante a palavra-valise desdobrada (expressão cujo significado original é a bolsa de couro de viagem de duas partes). Seguindo este caminho, Equivocábulos (um título palavra-valise mais astucioso) é uma coleção de vários poemas que essencialmente explora rotas de viagem em uma palavra e através de palavras, pelo caminho provocando no viajante da língua, durante o caminho, sensações variadas ou paradoxais. Por exemplo, para chegar à palavra “CICATRISTEZA,” o leitor tem que primeiro 20
cruzar nove páginas em sequencia, impresso de um lado, com a letra em caixa alta verticalmente alinhada no meio da página. Começando pelo “I,” a cada página mais uma letra é adicionada, consecutivamente aparecendo como “RI” (eu ri; ele ri; ri!), “RIS” (tú ris), “TRIS” (três),“RISTE” (tú riste), “TRISTE,” “ATRISTE” (neg. triste; atriz + triste),“CICATRIS”, e “ATRISTEZA” (VV 149167). Mais uma vez, sem quaisquer outros sinais, uma narrativa intrigante é imaginada pelo desvendamento e empilhamento das letras dentro de uma palavra-valise. Nesta viagem da lingua, cada palavra deve ser experimentada e sentida, aberta ao contato de outras palavras, ao invés de ser agarrada inequivocamente e de forma autônoma. Em um esforço para fazer as palavras permanecerem “equivocábulos,” fluidas na forma e no significado ao invés de consertadas, a variedade de possibilidades de uma palavra-valise também promete um campo experimental. De volta ao “frumious” de Carroll, quando Humpty Dumpty descreve sua teoria, ele declara: Por exemplo, pegue as duas palavras “fuming” e “furious.” Decida dizer as duas palavras, mas deixe incerto qual você dirá primeiro. Agora abra a sua boca e fale. Se os seus pensamentos inclinarem-se mesmo que só um pouco para “fuming,” você dirá “fuming-furious;” se eles se voltarem, mesmo que um pouquinho, para “furious,” você dirá “furious-fuming;”, mas se você tiver o mais raro dos dons, uma mente perfeitamente equilibrada, você dirá “frumious.” (xi)
Na análise de Deleuze para as palavras esotéricas de Carroll, é esta natural “síntese disjuntiva” da palavra-valise que a diferencia de outras palavras conjuntivas. Deleuze ainda argumenta:
…a disjunção necessária não está en-
e podemos mover-nos de uma para
tre fuming e furious, pois uma pode
outra através de muitas passagens;
na verdade ser ambas de uma só
daí a ideia de um livro que não narra
vez; preferencialmente, ela está en-
simplesmente uma estória, mas um
tre fuming-and-furious por um lado e
oceano inteiro de estórias.” (46-47)
furious-and- fuming por outro lado. Neste sentido, a função da palavra-valise consiste sempre na ramificação da série na qual ela está inserida. É por isso que ela nunca existe sozinha. Ela acena para outras palavras-valise que a precedem ou a seguem, e que mostram que cada série já está ramificada a princípio e é mais ramificável ainda. Michel Butor disse isso muito bem: “cada uma destas palavras podem agir como uma troca
Ecoando a conjectura de Deleuze, em Equivocábulos, uma série especial de poemas surge da contemplação das possíveis ramificações com base nas três palavras sobre o sentido do tempo: PRESENTE, PASSADO, FUTURO, que incorpora a direção inclinada do tipo de letra como um componente significante. Cada uma das três formas é reagrupada resultando em seis formas novas agrupadas em duas páginas (Viva Vaia, 187-189):
PASSENTE PRESTURO
PRES SADO PASSURO
FUTU ADO
FUTU ENTE
A tensão deste trabalho encontra-se na justaposição cacofônica dos tipos de letra que oferece pistas indiciais da colisão dos diferentes sentidos do tempo. No sentido da metáfora acima de Michel Butor, ela também abre uma nova passagem em uma certa junção, onde o leitor poderia pegar diferentes direções na viagem pelo tempo; resta uma possibilidade infinita de interseções e rotas a pegar, que podem ser tão complexas quanto o sentido do tempo que age na mente de alguém. Na página seguinte, surge a composição única “PRE SSAURO” (191; Fig.5); o que parece uma solução abrangente para a questão do tempo, convida para ainda mais reorganizações do tempo/ letra na mente do leitor. Como uma alquimia de palavra (conforme Rimbaud chamava), “PRESSAURO” torna-se uma palavra microscópica para o jardim de caminhos bifurcados de Borges, potencialmente referindo-se a um tempo infinito e ramificável.
O livro Colidouescapo fornece uma série de caminhos e junções, mas deixa a escolha da viagem totalmente para o leitor. Sua forma dispersa também dificultou sua inclusão na antologia Viva Vaia, de Augusto. O livro contém vinte e oito páginas quadradas soltas, cada uma com apenas uma palavra/morfema, metade alinhada à esquerda e metade alinhada à direita, para que o leitor possa criar combinações de quaisquer dois dos dois grupos, e devanear nas palavras plausíveis e seus possíveis significados 12.Adaptado da famosa palavra-valise de Joyce “collideorscape” em Finnegans Wake (1939), Colidouescapo apresenta efetivamente e por meio de trocadilhos uma visão caleidoscópica da língua que aguarda a intervenção ativa do leitor. O título continua a fazer comentários incisivos sobre a “síntese disjuntiva” das palavras. Por meio do “colid-ou-escapo” 21
Fig. 5
(collide or escape), ele propõe a pergunta “to be or not to be” da palavra-valise; quando lido como “colidou-escapo” (collided, escape), a natureza fugidia e escorregadia da palavra-valise está sendo retratada e contemplada. A transferência também poderia ser uma fuga dos significados e de um comprometimento essencial. Quando todas as palavras se bifurcam para criar a sensação do caleidoscópio, o trabalho virtualmente elude e nega uma autêntica palavra/mundo. Concomitante com a unificação infinita, o que também está sendo criado é como uma miragem-país das ma22
ravilhas, o sonho cinemático, a colagem fragmentada, e o deslocamento esquizofrênico. Com seus muitos componentes textuais apagados, resistentes e desconstrutivos (“EXIS,” “DESES,” “RESIS,” “DIS,” etc.), este livro, assim como a mensagem ambivalente de seu título, alinha-se perfeitamente ao discurso pós-modernista, e torna-se uma personificação textual dos fenômenos sintomáticos. Em maior medida, ele também espelha a criação rápida de palavras e produtos novos na cultura tecnológica e de consumo e adota a era da internet, quando novas palavras-valise
para entretenimento são criadas diariamente. Todavia, o título ainda se mantém ambíguo no que concerne a adotar qualquer posição crítica. Em Equivocábulos, uma fotografia ambígua e não atribuída está inserida antes da série “PRESSAURO” (VV 185; Fig.6), em parte como uma sobreposição de duas fotos, em parte como uma foto tirada através de um vidro, capturando esse momento miraculoso quando o mundo exterior e o mundo interior são simultanea-
mente percebidos pelo olho, ainda que nenhum deles seja de fato real. A foto parece refletir uma mulher na escadaria diante de um grandioso prédio histórico, e um homem, na visão aparentemente direta, está parado na calçada de uma ponte que atravessa um grande rio, com a imagem desfocada de um carro passando atrás e a água tranqüila no fundo distante, fluindo perpendicularmente na foto. Esta imagem pode ser outro comentário de Augusto de Campos sobre a palavra-valise.
Fig. 6
23
Notas
10
*Tradução do original em inglês: Leandro Zaquias
no livro da exposição Arte Concreta Paulista – Grupo
e Julio Mendonça.
Noigandres, curada por Lenora de Barros e João Bandeira
1
Em Através do Espelho, Humpty Dumpty explica “slithy”
Esta gravação se encontra, agora, no CD incluído
em São Paulo, 2002.
(“lithy and slimy”) a Alice: “Você vê que é como uma
11
palavra-valise – há dois significados empacotados em uma
1986 (qtd. Nogueira, 7). Campos também traduziu este
Veja C. Ávila, Poesia Concreta 30. Salvador: Código 11,
palavra” (101). “Frumious” vem de The Hunting of the
poema de Donne para o português (Traduzir 112 – 117).
Snark (xi), outro livro com amplo jogo de palavras-valise,
12
incluindo o “snark” (“shark” e “snake”) do título.
Errática em homenagem a Augusto de Campos, veja
2
Veja “The Cinematographic Principle and the Ideogram”,
The Film Form 28 – 44. 3
O poeta suiço-alemão Eugen Gomringer também começou
a prática da poesia concreta na Europa quase ao mesmo tempo que os poetas brasileiros, por volta do ano 1952. Veja Concrete Poetry: A World View, de Mary Ellen Solt. 4
Veja Haroldo de Campos, “Anthropophagous Reason:
Dialogue and Difference in Brazilian Culture” (157 – 177). 5
Veja as correspondencias entre os dois grandes poetas
brasileiros, Mário deAndrade e Manuel Bandeira. (Cartas a Manuel Bandeira). 6
A afinidade entre a poesia e a música brasileiras tem
uma enorme tradição. Para uma análise, veja o capítulo de Charles A. Perrone “The Orphic Imperative: Lyric, Lyrics, and the Poetry of Song” em Seven Faces: Brazilian Poetry Since Modernism (87 – 116). 7
Robert Hughes editou e gravou um grupo de com-
posições musicais de Pound. Veja o artigo de Michael Ingham “Pound and Music” (245). 8
Augusto de Campos compôs mais tarde um poema em
video interativo “Portas do Ouver” (“Doors of Eyear”) com o jogo de palavra com base no radical chinês de porta (門). Ela própria é uma palavra-valise significante e escorregadia; ouver simboliza a característica verbivocovisual da Poesia Concreta. 9
A nova criação textual das versões bilíngües aparece
primeiramente em Artes Hispanicas/HispanicArts 1:3-4 (1968) em sua capa e a página que precede a página do título. Mais tarde elas foram mostradas no verso da capa em Concrete Poetry: A World View editado por M.E. Solt, que também colaborou com Augusto de Campos, junto com Marcus Guimarães, na versão para o inglês deste poema. (Clüver, “Klangfarbenmelodie” 397)
24
Para uma versão digital de Colidouescapo pela revista
http://www.erratica.com.br/opus/104/colidouescapo/.
Trabalhos Citados
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1991), pp. 38 – 47.
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Perrone, Charles A. Seven Faces: Brazilian Poetry Since
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25
AUGUSTO DE CAMPOS: OUTRO Rodolfo Mata*
A trajetória artística de Augusto de Campos é multifacetada, polêmica e exemplar em muitos sentidos. Tentar descrevê-la brevemente me confronta com a necessidade de classificá-la em suas diferentes vertentes e nelas destacar os trabalhos mais importantes. Já que me dedicarei
26
principalmente a resenhar Outro (2015), seu último livro de poemas, e sinto como necessário dar uma espécie de panorâmica da trajetória que o precede, oriento-me pelo sumário “Obras do autor”, que vem ao final do volume e que tem três divisões: “Poesia”, “Ensaios diversos”, “Traduções e
estudos críticos”. Em “Poesia”, reúnem-se trabalhos que, embora comecem com O rei menos o reino (1951), que mostra um formato dentro do que podemos chamar um “livro convencional”, logo vão incursionando em experiências que expandem fronteiras. Poetamenos (1953), seguindo as ideias de Anton Webern sobre as melodias de timbres, propõe poemas com letras coloridas; poemas como “Ovonovelo”, “Tensão” e “Terremoto” (1955-1966) movem-se na página com as combinações e permutações próprias do concretismo em sua fase clássica; o poema “Greve” (1961) maneja as transparências do papel vegetal, enquanto “Luxo” e “Cidade” se convertem em encartes nos quais os jogos tipográficos começam a representar um papel de suma importância;
os Popcretos (1964-1966) (em colaboração com Waldemar Cordeiro) entram no terreno da collage, do ready-made e do adelgaçamento do verbal em favor do visual. Os Poemóbiles (1968-1974) (em coautoria com Julio Plaza) apresentam-se tridimensionais como poemas-objetos ou esculturas poéticas manipuláveis, despregáveis; os Equivocábulos (1970) constituem “aventuras tipográficas” que propõem fusões como a série “oeilfeujeu” ou palíndromos plásticos como o reversível “rever”; e finalmente poemas como “Viva vaia” (1972), “Código” (1973) ou o “Pentahexagrama para John Cage” (1977) que, por sua eficácia plástica, avizinham-se do logotipo. Já na linha do verbivocovisual sonorizado e/ou animado posso mencionar: a apresentação da série Poetamenos com um grupo coral no Teatro Arena de São Paulo (1955); as gravações de leituras que Augusto fez no final dos anos 50 e princípio dos 60 (junto com seus companheiros de Noigandres, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, e com José Lino Grünewald e Ronaldo Azeredo); as famosas interpretações vocais de Caetano Veloso de “dias dias dias” (1973) e “O Pulsar” (1975);1 e os CDs Poesia é risco (1995) e Viva vaia (Poesia 1949-1979) (2001) (que acompanha o volume homônimo que recompila sua poesia), ambos em coautoria com seu filho, Cid Campos, onde aparecem aperfeiçoadas várias das realizações anteriores. Também estão as animações gráficas, que iniciaram cedo, em 1984, com a articulação do poema “O pulsar” e a musicalização de Caetano Veloso, realizada pelo próprio Augusto em um Macintosh. As animações gráficas tiveram um importante salto, em 1992, com o “Poema bomba”, tridimensionalizado em um computador naquele momento sofisticadíssimo2, e culminaram nos clip-poemas – já produzidos sob o advento do computador pessoal – incluídos em seus 27
livros Não (2003) – em um CD que reúne poemas realizados desde 1997 – e Outro, através de links para seu site oficial (www. uol.com.br/augustodecampos) e para a revista Errática (www.erratica.com.br), dirigida por André Vallias. Em “Ensaios diversos”, o sumário da obra de Augusto de Campos que comentava inclui, desde logo, Teoria da poesia concreta (1965, ed. Ver. 1975), publicado em companhia de Haroldo e Décio, volume indispensável para entender o movimento, mas gostaria de destacar dois livros sobre música, Balanço da Bossa (1968, ed. rev. 1974), realizado em colaboração com Brasil Rocha Brito, Julio Medaglia e Gilberto Mendes, e Música de invenção (1998), porque dão conta de uma inclinação que distingue Augusto de seus dois companheiros de Noigandres: sua paixão pela música. Também nesta rubrica encontramos resgates literários importantes, como o de Joaquim de Sousa Andrade (Sousândrade) (realizado em colaboração com Haroldo), e os de Pedro Kilkerry e Patrícia Galvão (Pagu) – figuras hoje importantes na história literária brasileira – e a publicação fac-similar da Revista de Antropofagia, onde colaboraram os poetas Oswald de Andrade e Raul Bopp (a propósito, casado com a mexicana Guadalupe Puig-Casuranc, filha de José Manuel Puig Casauranc). Em “Traduções e estudos críticos”, o sumário inclui uma larga lista de trabalhos sobre autores como Cummings, Pound, Joyce, Maiakovski e outros poetas russos (em colaboração com Haroldo e Boris Schnaiderman), Mallarmé, John Donne, Valéry, Keats, John Cage, Rilke, Hopkins, Gertrude Stein, Rimbaud, Emily Dickinson, Lewis Carrol e vários outros, entre os quais se destacam os poetas provençais como Arnaut Daniel. Um comentário final é necessário: a obra crítica e de tradução de Augusto se cruza intensamente com sua poesia. Prova disto é o 28
gênero híbrido “intradução”, que o poeta começou a cultivar em 1974, e que na reunião Viva vaia, antes mencionada, mostra peças dedicadas a Bernart de Ventadorn, Edward Fitzgerald e William Blake. Tratase de traduções criativas que interpretam o espírito de um poema ou um fragmento de poema do autor em questão, e lhe dão uma dimensão plástica-tipográfica. São, na realidade, poemas de poemas. Os “profilogramas” também têm um caráter parecido. Iniciados em 1966, são composições visuais que colocam em diálogo distintos autores, entre eles mesmos ou com circunstâncias especiais. Em Viva vaia estão reunidos quatro cujos títulos dão alguma pista: “pound/maiakovski”, “hom’cage to webern”, “Sousândrade 1874-1974 (fotopsicograma)” e “Janelas para Pagu”. Os seguintes volumes de poemas – Despoesia, Não e Outro – incluirão seções intituladas “Intraduções” e “Profilogramas”. Os poemas de Augusto de Campos incluídos em Outro – volume que tem uma distância temporal de mais de uma década do anterior, Não (2003) – conservam muitas das características que haviam mostrado em seus livros anteriores. Poderia dizer que o leitor que os enfrenta deve seguir uma estratégia para decifrá-los que inclui vários elementos e que foi se construindo ao longo da evolução que quis mostrar na descrição de sua obra poética. Detenho-me brevemente na palavra decifrar porque, se efetivamente todo poema, que se preze de sê-lo, adquire um significado estendido, plural, não simples ao ser interpretado, em sua mera dimensão linguística, os poemas de Augusto de Campos, ao gozar ao menos da dimensão gráfica como extra (nos clip-poemas ou vídeo-poemas haveria também as dimensões sonora, vocal ou de movimento), apresentam virtudes, dificuldades, complexidade e inclusive qualidades
refratárias que me lembram do poema de Drummond “Procura da poesia”, em que as palavras perguntam ao seu leitor: “trouxeste a chave?”. Voltarei a este tema um pouco mais adiante, ao comentar um poema de Outro que se aproxima a esta situação limite. Continuo agora com o processo de decifração que, de início, postula uma distância entre poema e criptopoema. Mas o que é um criptopoema? Ensaio uma definição simples: é um poema difícil de decifrar. Augusto oferece um poema intitulado “Criptocardiograma” em seu volume Não, que mostra uma silhueta triangular (que se assemelha a um coração) composta de pequenos ícones, principalmente corações (de dois tipos), acompanhados de outros: uma mão que escreve, um punhal, uma flor, uns dados e o que parece ser um asterisco. Os significados que podem ser “lidos” são
ambíguos, mas direcionados pelas áreas de significação que os ícones carregam: os dados são o azar (ou o amor); a flor pode ser um presente, a vida; a mão que escreve talvez a ideia de comunicação, as cartas trocadas; o punhal está no lugar da agressão, traição ou perigo; e os dois tipos de coração podem ser o encontro, a companhia, o outro. As posições de cada ícone também entram nas possibilidades: um coração reclinado, um que tem um pequeno círculo debaixo de seu vértice, outro que exibe um coraçãozinho inclinado em cima, outro coração pequeno que parece oprimido pela ponta de um dos punhais. Todas as figuras estão em vermelho, que é a cor do sangue, da paixão. O asterisco pode ser um sol brilhante, mas se é um asterisco indica uma aclaração não resolvida, algo obscuro, uma zona notável, mas indecifrável, de um
Criptocardiograma
29
coração. Se vamos ao sentido literal do poema, somamos o escondido de “cripto”, o coração de “cardio”, a letra de “grama”, e a técnica médica do “cardiograma”. É um poema difícil de decifrar? Sim e não. A maioria dos ícones usados têm um significado universal, mas não há uma mensagem clara. De que trata o poema? Só poderíamos dizer que as complexidades das relações amorosas, o que me parece suficiente. Entretanto, nem sempre é assim. O exemplo de criptopoema que comento agora tem uma chave difícil de achar. Trata-se de “cauteriza e coagula (laforgue)” (2004) da seção “Intro/intraduções”, ou seja, é uma tradução do poema “Stérilités” do uruguaio Jules Laforgue, escrito originalmente em francês. O poema constrói uma imagem ao redor de pegadas e cicatrizes de umas grotescas “ofelias felinas” comparadas com tarântulas, que devem ser “cauterizadas, coaguladas e virguladas”, ou seja, deixadas para trás por meio de uma pausa. O poeta recomenda ao inter-
locutor (talvez ele mesmo) que dirija à “nula lua lunática” essas crises causadas por suas “orfelinas” (por serem felinas contra Orfeo) companheiras de farra. O poema desliza com letras pretas sobre fundo branco, mas na página seguinte nos encontramos com um desdobramento do poema: um fundo preto manchado por uma série de pequenas marcas brancas que seguem aproximadamente seu contorno. São pontos e linhas? É código Morse? São as vírgulas do virgulado? Pouco a pouco vamos comprovando que são os espaços fechados dentro das letras. Se conhecemos um pouco de programas de edição gráfica como o Photoshop, podemos imaginar que Augusto “derramou” um pote de tinta preta que inundou a página branca, arrasou com os contornos exteriores das letras e só não entrou nos espaços fechados que estas guardavam. Mas qual é a relação com a versão de “Stérilités”? Certamente o clima noturno e ominoso, com a lua e com a esterilidade; embora o título do poema
tvgrama 4 erratum
30
de Laforgue não seja incluído na versão de Augusto, a alusão pode ser encontrada nas “orfelinas” criaturas. Parece-me que esta segunda parte em preto tem um estatuto parecido ao “Criptocardiograma” em seu grau de ambiguidade. Sei que fui breve em minha definição de um “criptopoema”, mas melhor continuar tratando de descrever o processo de decifração. Uma segunda instância de cifrado provém dos jogos tipográficos. A maestria de Augusto em seu manejo é evidente, pois sabe controlar seus traços para conotar tons como antiguidade, futuro, cultura pop e midiática, alfabeto braile, alfabetos não latinos etc. O choque da falta de familiaridade do leitor com a tipografia que lhe propõe o poeta causa um hiato no processo de decifração. O poema “tvgrama 4 erratum” (2009) possui letras amarelo-verdosas que parecem pixels grossos sobre um fundo negro que dificultam a leitura e obrigam a rastrear
semelhanças e diferenças entre suas características. Finalmente podemos ler: “Ah Mallarmé / a poesia resiste / se a tv não te vê / o cibercéu te assiste / em quick time e flv / já pairas sobre os sub / tudo existe / para acabar em youtube”, com interrupções em cada verso de linhas completas da grafia “tvtvtvtvtvtvtvtv”. A alusão literária passa primeiro pelo “tvgrama 1 (tombeau de mallarmé)” (1998), de Despoesia, “Ah, Mallarmé / a carne é triste / e ninguém te lê / tudo existe / para acabar em tv”, com grafias “tttttttttt” de interrupção, e então por “Brisa marinha” de Mallarmé, que começa com “A carne é triste, sim, e eu li todos os livros”. O processo de decifração foi relativamente simples e facilita se se escuta/vê a versão clip-poema (http://www. erratica.com.br/opus/98/index.html). Mais três poemas me parecem dignos de nota nos usos tipográficos integrados ao significado do poema. O primeiro é “deuses” (2012), em que as le-
deuses
31
humano
tras estão compostas com pontos que se assemelham aos que aparecem nas faces dos dados: “deuses / doam / dados / doados / deuses / doem”. Vem-me à mente, de imediato, a frase atribuída a Einstein, “Deus não joga dados”, que também cria ressonâncias com o azar mallarmeano e com a época do imaginário vinculado ao aleatório, justamente aquela em que nasceu a poesia concreta. O segundo é “humano” (2014), em que dentro do quadrado 8 x 8 dos 64 hexagramas do I Ching. O livro das mutações, Augusto realça 32
as letras com que se escreve a palavra “HUMANO”. As conexões entre as ideias de “humano”, “mutações” e as que se gerariam consultando os textos oraculares do antigo livro de advinhações chinês, escolhidos pela coincidência de encontrar formas de letras nos hexagramas, resultam em uma espécie de acaso objetivo-surrealista, quase mágico. O terceiro é “ter remoto” (2011), onde a batalha é mais dura para enfrentar o labirinto tipográfico, embora a pista de que as letras duplicam suas imagens como se estivessem diante
ter remoto
de espelhos conduza a finalmente identificar a primeira palavra e daí as seguintes: “BORBOLETA / QUE / TER / REMOTO / ACASO / FAZ O / LEVE / TREMER / DE TUA / FR / AGIL / ASA / S”. O último “S” parece fora do lugar porque se o juntamos com “asa”, pluraliza a palavra e rompe a concordância. Então, o ponto abaixo dela não é um ponto final, mas um apêndice decorativo nas asas da borboleta que se forma pela duplicação da letra e que podemos ver também no “B” inicial de “borboleta”. A borboleta atravessou o poema?
Outro procedimento na poesia de Augusto de Campos é a fragmentação da palavra em pseudossílabas. Quer dizer, se a sílaba é etimologicamente “reunião de letras que formam um som”, a pseudossílaba não cumprirá com ser pronunciável, mas sim entrará em colisão com a prosódia natural da palavra em que se encontra, levando à necessidade de releitura. A este recurso de rarefação da leitura se unem outros: omissão de espaços interpalavras, omissão de acentos e sinais de pontuação, anulação do jogo maiúsculas/minúsculas 33
isto
34
(por isso que tratamos de citar os poemas assim como ele nos anota), e a existência de letras compartilhadas por palavras vizinhas. Para este tema elegi o poema “isto” (2013) que carece de complexidades tipográficas, mas que está armado como uma coluna: “¿ // um / ps / iu / de / pe / dr / a / psi // que / es / quis / o / a / qui / est / e // quis / to / es / qu / is / it / o / é // po / es / ia / ou / sou / eu / que / ex // isto // ?” Uma leitura decantada revela o seguinte resultado: “¿um psiu de pedra psique esquiso aqui este quisto esquisito é poesia ou sou eu que ex isto?” A primeira observação é que o sinal “¿” não se usa em português, características que lamentam muitos escritores porque impede saber quando começa uma pergunta. Isto quer dizer que a ação interrogativa inclui toda a oração e não sua parte final. Depois temos a interjeição “psiu” que é de pedra. “ Ou é de “pedra-psique”? Segue um “esquiso aqui” que é problemático. Posso pensar que é “esquizo”, raiz grega que significa “separado”, por exemplo na palavra “esquizofrênico”, que qualifica ao enfermo que possui uma mente “cindida”, mas a ausência do “z” acaba com essa possibilidade. Provém do verbo latino “exquīrere”, que significa “inquirir”, cuja forma final em espanhol deu em “esquisar” – que significa “buscar, escudriñar” – e que em português desapareceu. Não obstante, tanto em português como em espanhol, conservou-se o adjetivo proveniente do particípio “exquisitus”, que resultou em espanhol em “exquisito” e em português “esquisito”. Esta palavra – que é uma das favoritas para exemplificar os “falsos cognatos” entre o espanhol e o português – em ambos casos tem o sentido de “procurado diligentemente, escolhido”, mas enquanto em espanhol tomou a conotação positiva de “refinado”, em português inclinou-se pela de “raro, estranho”. A aparição mais adiante da palavra “es-
quisito” e a tendência de Augusto a fazer esse tipo de ressonância em seus poemas reforça a proposta de que “esquiso aqui” significa “busco aqui”. Ou seja, um “psiu” de pedra psique busco aqui este quisto esquisito que é poesia ou sou eu-que-existo? Ou a comparação se detém em “poesia” e a frase final está separada como uma segunda interrogação: “ou sou eu que existo?”? Isto é, o sujeito se pergunta se sua própria existência é a que gera a dúvida sobre se esse “psiu” de pedra-psique é um quisto esquisito que é poesia. É necessário acrescentar que essa sensação de estranhamento do sujeito acentua-se com a separação gráfica de existo em ex isto. Em outras palavras, “sou eu que estou fora (‘ex’) de ‘isto’”? Por isso a sensação de alienação? Poderia então ensaiar uma pontuação que, desde logo, encerra possibilidades: “um psiu de pedra psique, busco aqui este quisto raro, é poesia ou sou eu que existo?”. Enfim, como se pode notar, todos os elementos dificultam/tornam rara/enriquecem a leitura. Outro exemplo mais simples desta disposição em coluna é “pós” (2012), que é um jogo perfeito de sonoridades, alternâncias de acentuação e sintaxe que afetam os significados: “és / pó / só / pó // se / és/ pó / sê // es / se / pó // po / es / ia”. É necessário ressaltar que o uso do “tu”, em português, é regional (usa-se principalmente no Rio Grande do Sul), e em poesia tem um valor diferenciador, um tanto declamativo e enobrecedor, que começou a entrar em desuso no século XX. A tipografia está construída a base de pontos, obviamente grãos de pó, e o título pode ser lido como o plural de “pó” – todos somos grãos de pó – ou como o prefixo “pós”, que significa “depois”, “posterior”, como “pós-modernidade” ou “pós-datado”, e que no poema instaura um tom de certa superação que é celebratória mas que caminha na beira do final.
pós
35
desumano
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A insignificância da existência e seu paralelo com a poesia repetem-se em “desumano” (2004), que serve como pórtico do livro: “des / aprender / de uma vez / todas as línguas / em -al em –ol em –ão / em –ego em –im em –ano / em –ês / poesia / não têm / porquês // esquecer / esquecer / esquecer / emude / cer des / umano // para vol / ver a ser / no nano / uni vers / o / da minh / a mudez // humano”. O poeta quer desaprender todas as línguas, porque a poesia não tem porquês, e deseja esquecer tudo até um inumano emudecer, para voltar a ser humano no minúsculo universo de sua mudez. Um detalhe importante é a fragmentação da palavra “universo”, que nos remete tanto a sua etimologia (universus, de unus, uno, e versus, mudado, convertido; em outras palavras, o todo, a unidade), como a palavra “verso”, que pode se entender também como “linha poética”, e ao desprendimento do “o” como símbolo do indivíduo e sua qualidade ínfima refletida também pelo prefixo “nano”. Em contrapartida desta diminuição, a superação celebratória está retratada na silhueta em forma de flecha virada para cima, que a mancha tipográfica do poema desenha na página branca. Já se falou bastante da negação e da negatividade na poesia e ensaística de Augusto de Campos. Parte dela reflete-se no prefácio intitulado “Outronão”, em que o poeta comenta que o volume talvez seja o último “bônus” de seu trabalho poético. Explica que a origem do título Outro surgiu do estranhamento diante do enigma de encontrar em alguns discos americanos a palavra: “custei a me dar conta de que se tratava de um termo musical, uma palavra-valise que sai de in para out, invertendo o sentido de intro”. Daí também surgiram os títulos das seções: “Outro” contém os poemas; “Intro”, as “intraduções”; “Extro”, as “outraduções” – um neologis-
mo mais idealizado pelo poeta e que, por sua natureza, vêm a somar-se às “homenagens” e aos “profilogramas”, como peças que se afastam da tradução específica de textos para traduzir o temperamento artístico de um criador; “Notas”, onde dá referencias para explicar a origem de alguns trabalhos; “Deserrata”, um poema que joga com o tema das notas intituladas “Errata”; e finalmente “Clip-poemas”. Comento algumas das “outraduções” para concluir a resenha. A outradução “o polvo (vieira)” (2011) consiste em três parágrafos tomados do Sermão da sexagésima do padre Antonio Vieira (1608-1697) – segundo indicação do próprio Augusto nas “Notas”, que descrevem um polvo. No original, o jesuíta português utiliza a imagem para dar uma lição moral mostrando a hipocrisia por meio do animal,
enquanto Augusto se concentra na beleza da descrição poética. Os três parágrafos, em uma tipografia que tem um halo violeta sobre um fundo preto, vão se deformando de forma ondulatória ao largo das outras três páginas, até tornarem-se ilegíveis como letra, mas não como silhueta, pois pouco a pouco vão se assemelhando a um polvo ou à mancha de tinta que deixa. A apresentação do poema é justamente a inversa de como a descrevi: na verdade, o polvo aparece primeiro em imagem e logo se define em letra. Outro poema interessante é “occhiocanto (omaggio a scelsi 2)” (2010), dedicado a Giacinto Scelsi (19051988), compositor italiano que experimentou diversos aspectos da música, como os timbres e os microtons, e cuja obra mais famosa é Quattro pezzi su uma nota sola (1961) que joga precisamente com os
o polvo (vieira) (4)
37
o polvo (vieira) (3 e 1)
38
occhiocanto (omaggio a scelsi 2)
timbres, modulações e durações de uma só nota que podem dar os instrumentos de uma orquestra. A “outradução” é uma imagem composta por pequenos quadros em diversos tons de cinza, de aproximadamente meio centímetro, com os quais se compõe o close up de um olho. À distância de leitura, aprecia-se vagamente a imagem, mas se distanciar-se o suficiente, é possível apreciar a direção da pupila e outros detalhes. É como se ampliasse uma imagem digital em branco e preto até perceber os pixels. Possivelmente é um olho de Scelsi. A ideia do “canto de um olho”, sugerida pelo título, propõe um paralelo entre a imagem e obra do autor: os quadrados, que são todos iguais em sua forma, como o que é a nota musical em Quattro pezzi, podem construir uma imagem variando seus tons, tal como a mesma nota, executada de diversas maneiras em diferentes instrumentos, pode construir uma peça. Esta “outradução” de
Augusto tinha já como antecedente “pó de tudo (scelsi)” (1993), “intradução” que aparece em Despoesia e cuja disposição gráfica imita a capa do LP onde Scelsi publicou seus Quattro pezzi. Para encerrar, quero referir-me à “deserrata” (2003), poema que aparece justamente no lugar em que se costuma colocar as notícias de erratas. Viva vaia (Poesia 1949-1979) (2001) inclui uma lista de seis erratas, por exemplo: “P.5 – 4ª linha, onde se lê ‘é você’ leia-se ‘é você’”. Assim, “deserrata” nos diz, em forma de coluna e com a mesma tipografia de pontos usada em “pós”: “on / de / se // lê // le / ia / se // le / ia / se / vê”. O encerramento de Outro é rotundo, como sua própria capa, e nos demonstra como a poesia pôde conviver com o mundo da imagem, ao ponto de convidar-nos a ver para ler. Augusto de Campos, Outro, Editora Perspectiva, São Paulo, 2015, 109 pp. 39
Notas 1
Vários destes registros sonoros estão recolhidos nos CDs
que acompanham os livros Grupo Noigandres, Cosac Naify, São Paulo, 2002, 80 pp. e Poesia Concretra: o projeto verbivocovisual, Artemeios, São Paulo, 2008, 256 pp., ambos pela curadoria de João Bandeira e Lenora de Barros. 2
Cf. Ricardo Araújo, Poesia visual vídeo poesia, Editora
Perspectiva, São Paulo, 1999, 178 pp. Em seu livro, Ricardo Araújo narra com detalhes a construção deste poema e de outros, como “Crisantempo” de Haroldo de Campos, e oferece entrevistas com Augusto, Haroldo, Cid, Décio, Arnaldo e Julio Plaza. Tive a sorte de presenciar uma demonstração dos avanços desse trabalho em uma estação de trabalho Silicon Graphics no Centro de Computação Gráfica do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Universidade de São Paulo (USP), por convite de Haroldo e Ricardo, em 1993. *tradução do espanhol: Caio Nunes
40
NOVOS ÍNDICES PARA
“MÚSICA DE INVENÇÃO” por Daniel Scandurra
”Na medida em que a criação encara a história como linguagem, no que diz respeito à tradução, podemos aqui estabelecer um paralelo entre passado como ícone, como possibilidade, como original a ser traduzido, o presente como ÍNDICE, como tensão criativo-tradutora, como momento operacional e o futuro como símbolo, que dizer, a criação à procura de um leitor. ” (Julio Plaza no livro Tradução Intersemiótica, de 1989, p. 8) ”Este livro é para quem curte a música com amor & rigor. O poeta, tradutor e ensaísta Augusto de Campos vem realizando um trabalho essencial de crítica e divulgação musical em nossa terra de ”surdos-músicos”. Foi o primeiro a abordar compositores como Webern, Varèse, Cage, Boulez e Nono, e a divulgar verdadeiros ”terremotos sonoros subterrâneos” como Antheil, Cowell, Nancarrow, Scelsi e Ustvólskaia, entre outros tantos. Da música e poesia provençal à poesia de John Cage, Música de Invenção é um mosaico de épocas, autores e temas que apresenta ao leitor brasileiro um larco espectro da criação musical que precisa ser conhecido. Complementa o livro, uma tradução perfeita de Pierrot Lunaire de Schoenberg, já apresentada em concerto. Reunindo textos escritos a partir de 1957, Música de Invenção é um documento único sobre a vida musical e cultural brasileira das últimas décadas. Por tudo isso, este é certamente o livro mais importante sobre o assunto publicado no Brasil, obrigatório para os interessados e estudiosos da música criativa. Depois do Balanço da Bossa, o poeta do pós-tudo agora nos lança na pós-música dos silêncios, sons e ruídos. Prazer do texto e dos ouvidos, juntos. Só cabe, então, saudar: ” – Música, maestro Augusto!” (Livio Tragtenberg, na contracapa da primeira edição do livro Música de Invenção 1, de Augusto de Campos, lançado em 1998 pela ed. Perspectiva)
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“Caro Augusto, Como vai você? Como vai Lygia? Como anda 2017? Espero que estejam todos bem! Apresento a primeira versão do Índice Onomástico e do Índice das Composições Citados que acabo de organizar do seu livro MÚSICA DE INVENÇÃO n.1. Envio anexados aqui, duas versões simplificadas em word de cada, uma organizando os nomes ou músicas por ordem alfabética e outra por ordem de quantidade de citações de cada qual. Comentei contigo ano passado que estava finalizando este processo, e finalmente consegui. Foi um tanto trabalhoso, você deve imaginar, mas muito prazeroso também. Encontrei relíquias que gostaria de compartilhar contigo assim que possível, por exemplo esse mini documentário sobre Ustvolskaia com a participação de Reinbert de Leeuw e um cantor teatral um tanto exagerado (na certa já viu, mas vai aí o link: https://www.youtube.com/watch?v=ninHa6TqgqM&t=1119s), ou uma execução despretenciosa ao vivo de Sinister Resonance, de Henry Cowell (https://www.youtube.com/watch?v=zIZ5vt6a6Uc) dentre outros infinitos links que sigo catalogando em busca dos mais significativos e das gravações de boa qualidade, O resultado do índice onomástico me espantou mais do que eu pude prever, você cita ao todo 509 nomes (!!), mais que o dobro da quantidade total de páginas do livro. E são curiosas as constatações possíveis a partir dos índices, a simples listagem das pessoas mais citadas, ou das músicas mais citadas, por exemplo, já nos oferece uma especie de paideuma crucial da música desde 1880 (Satie e Debussy), até 1990 (Ustvólskaya e últimos trabalhos de Cage). 42
Eis as pessoas citadas em mais de 10 páginas do livro: Nome
Datas
Total de páginas com citações
John Cage
1912-1992
75
Arnold Schoenberg
1874-1951
64
Pierre Boulez
1925-2016
57
Anton Webern
1883-1945
56
Igor Stravinski
1882-1971
40
Ezra Pound
1885-1972
38
Edgard Varèse
1883-1965
35
Charles Ives
1874-1954
27
George Antheil
1900-1959
27
Giacinto Scelsi
1905-1988
26
Erik Satie
1886-1925
24
Karlheinz Stockhausen
1928-2007
20
J. Jota de Moraes
1943-2012
18
Luigi Nono
1924-1990
18
Alban Berg
1885-1935
17
Conlon Nancarrow
1912-1997
15
Henry Cowell
1897-1965
15
James Joyce
1882-1941
15
Galina Ivânovna Ustvólskaia
1919-2006
14
György Ligeti
1923-2006
13
Stephane Mallarmé
1842-1898
13
Claude Debussy
1862-1918
12
Gertrude Stein
1874-1946
12
Robert Craft
1923-2015
11
Virgil Thomson
1896-1989
11
Décio Pignatari
1927-2012
10
1938
10
Reinbert de Leeuw
Quanto ao índice das composições, ele ainda está em fase de apuração e hipertextualização (planos de fazer um site e uma exposição), foram catalogadas 390 composições, também mais do que a quantidade de páginas do livro (275 páginas), o que é assombroso. Eis as composições com mais de 4 citações no livro:
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Compositor
Composição
Antheil, George
Ballet Mecanique
Stravinski, Igor
Sagração da Primavera
Schoenberg, Arnold
Pierrot Lunaire, Op. 21 *
Varèse, Edgard
Ionisation
Webern, Anton
Op. 22_ Quarteto
Webern, Anton
Op. 6_ 6 Pieces For Orchestra
Pound, Ezra
Le Testament De Villon
Webern, Anton
Op. 5 Sätze For String Quartet
Webern, Anton
Op. 27_ Piano Variations
Webern, Anton
Op. 21_ Symphony
Cage, John
Sonatas and interludios para piano preparado
Nono, Luigi
Prometeo
Nono, Luigi
La lontananza nostalgicaa utopica futura
Satie, Erik
Balé Parade
Stravinski, Igor
Les Noces (O Casamento)
Thomson, Virgil / Stein, Gertrude
Four Saints in Three Acts
Ustvolskaia, Galina
Composição 1 – Dona Nobis Pacem
Antheil, George
A Jazz Symphony
Nono, Luigi
...sofferte onde serene...
Scelsi, Giacinto
4 Pezzi
Ustvolskaia, Galina
Grande Dueto para Violoncelo e Piano
Ustvolskaia, Galina
Composição 2 – Dies Irae
Ustvolskaia, Galina
Composição 3 – Beneditus qui Venit
Varèse, Edgard
Déserts
Webern, Anton
Op. 19_ 2 Lieder
Webern, Anton
Op. 24_ Concerto For 9 Instruments
* (sem contar páginas com a tradução dos textos/poemas utilizados por Schoenberg, de Albert Giraud)
44
Ano Comp
Total De Págs. Com Citações
Links
1923-25
17
https://youtu.be/pZ5iZ-cOb58
1913
15
https://youtu.be/QF1pTRR8l20
1912
13
https://youtu.be/KsIATAaR-X0
1929-1931
9
https://youtu.be/a9mg4KHqRPw
1930
9
https://youtu.be/osiEgrrzTVI
1909-1910 1928
8
https://youtu.be/qzqjNGM6Nxw
1919
7
https://youtu.be/h87wzHikkwc
1909
7
https://youtu.be/0DL9rbcrLVo
1936
7
https://youtu.be/ZEtqEzPakxA
1928
6
https://youtu.be/Xq2gwuKDPnY
1946-1948
5
https://youtu.be/26K9f8n6ymU
1984
5
https://youtu.be/5n-JuMnzVgA
1988-1989
5
https://youtu.be/X-CKVm8MXxU
1917
5
https://youtu.be/_Chq1Ty0nyE
1914-23
5
https://youtu.be/vsXR81dLjjE
1928
5
https://youtu.be/_GrYgNNOc28
1970-71
5
https://youtu.be/FkNZldE6Y2Y
1925
4
https://youtu.be/zJr4c5oq_uE
1976
4
https://youtu.be/6yw4i1w4QKE
1959
4
https://youtu.be/MfTjz6emd7c
1959
4
https://youtu.be/jTTQNM6u8yY
1972-1973
4
https://youtu.be/pnZ0UBC07Ow
1974-75
4
https://youtu.be/eRlaF_7qhPE
1950-1954
4
https://youtu.be/Q__g0tgC2wE
1926
4
https://youtu.be/G42CwVlD2JU
1934
4
https://youtu.be/pVQambrIKNo
45
Quanto a necessária reedição do Música de Invenção 1, espero que a editora não vacile. Estamos há exatos 10 anos do lançamento da última edição e tb há quase exatos 20 anos do lançamento da primeira edição, ao menos efemérides ñ faltam! Mas a grande questão é que o livro está esgotado e merece ser relançado agora que a internet está bastante rápida e repleta de materiais raros e carentes de estímulo ao acesso. Enquanto isso, seguirei no garimpo e seleção de pérolas online, eis um ótimo audiovisual com Boulez jovem regendo a Sagração da Primavera com l’Orchestre de Radio-Canada em 1963: https://www.youtube.com/watch?v=QF1pTRR8l20 Feliz em estarmos em contato. Grande abraço. Daniel Scandurra” (Junção de 2 emails enviados para Augusto em 29/4/2017 e 1º/5/2017)
“Caro Daniel, (...) Não sei porque as editoras brasileiras negligenciam essa parte da editoração, que acho tão importante. Já comecei e fiz a leitura de muitos livros a partir dos índices onomásticos ou temáticos, e isso facilitou enormemente a compreensão das obras, franqueando-me outras vias de acesso. Mas essa prática, que é comum nas edições americanas ou européias, quase não existe por aqui. (...) Entendo que há uma crise grande no setor, o público só lê o que os jornais e revistas de massa apontam como best sellers. As distribuidoras atrasam os pagamentos de editoras de pequeno e médio porte, demorando às vezes mais do que os 90 dias contratuais para pagar, depois de levar os 55% de praxe… Os leitores brasileiros sofrem de um infantilismo crônico, e apesar do grande apreço que tenho pela tecnologia e pelo mundo digital, tenho que reconhecer que as facilidades e comodidades dos aparelhos de comunicação estão empobrecendo muito a linguagem e a leitura, o brasileirês anda cada vez mais estropiado e o público superficial. (...) Forte abraço, Augusto” (trechos de resposta de Augusto em email de 3/5/2017) 46
ÍNDICE REMISSIVO MÚSICA DE INVENÇÃO 1 Editora Perspectiva 1ª edição 1997
A Abbado, Claudio: 218 Abreu, Tuzé de: 89 Adorno, : 211 Ady, : 219 Ajemian, Maro: 151 Alais, Alphonse: 75, 113 Alighieri, Dante: 19, 20 Álvares, Paulo: 229 Amirkhanian, Charles: 188, 191, 205, 209, 248 Anderson, Margaret: 198 Andrade, Oswald de: 10, 73, 75, 77, 88, 139 Andrade, Mario de: 27, 38, 73 Antheil, George: 10, 23, 24, 28, 29, 80, 114, 115, 185, 192, 193, 195–198, 201, 202–209, 237, 238 Antoni, Eric: 180 Antunes, Arnaldo: 151 Apolinaire, : 76 Araripe, Tiago: 22 Arden, David: 229 Arditti, Irvine: 239 Arnaud, Noel: 77 Atenágoras, : 129 Aurenga, Raimbaut d’: 20 Auric, : 75 B Bach, : 98, 107, 119, 156, 192 Barrault, Jean-Louis: 155 –157 Barrère, Georges: 119 Bartok, Bela: 23, 87, 105, 106, 185, 207, 215 Bartsch, : 20 Bashô, : 151
Beach, Sylvia: 193, 201 Beach, Sylvia: 198 Beardslee, Bethany: 42 Beckett, L.C.: 148 Bedford, Agnes: 27 Beethoven, : 28, 95, 96, 134, 218 Benjamin, Walter: 218 Benn, Gottfried: 219 244 Berg, Alan: 10, 37, 87, 95, 99, 101, 102, 105, 106, 111, 114, 140, 164, 211, 215 Berio, Luciano: 87, 212, 213, 221, 239, 241 Bernhardt, Sarah: 41 Beths, Vera: 205, 209 Binckley, Thomas: 19, 21 Blake, William: 234 Blois, Louis: 224, 225 Blok, : 219 Bologna, Ronaldo: 39 Borges, : 151 Born, Bertran de: 20 Bornelh, Giraut de: 20 Boulder, John: 163 Boulez, Pierre: 11, 32, 37–39, 41, 42, 87, 95, 97, 98, 99, 102, 104–106, 108, 109, 113, 118, 121, 122, 134, 140, 142, 143, 153–161, 182, 191, 211, 213, 219, 221, 222, 239, 241, 243, 244, 247, 254 Bour, Ernest: 39 Bowman, : 176 Brancusi, : 10, 205 Brasil, João Carlos Assis: 79, 81 Brassens, Gerges: 22 Bratke, Marcelo: 100 Brecht, Bertold: 212 Brion, Jean-Claude: 174 Brizzi, Aldo: 181, 214, 219, 233 Brown, Norman O.: 129, 139 Brown, Earl: 182 Buarque, Chico: 20, 22 Bunger, Richard: 128 Busoni, : 30, 192
47
C Cacciari, Massimo: 219 Cage, John: 10, 13, 23, 24, 30, 40, 73, 75, 76, 77, 80, 85, 87–89, 95, 105, 106, 114, 122, 127–130, 133–135, 137–144, 147– 161, 163, 164, 174, 180, 184, 187, 191, 193, 206, 208, 209, 211, 213, 216, 225, 231–233, 237, 239, 241, 242, 244, 247, 254 Cagney, James: 197, 198 Calder, : 10, Campion, Thomas: 28, 208 Campos, Haroldo de: 77, 140–142, 151, 152, 155, 213, 217 Campos, Roland de Azeredo: 150 Cardenal, Peire: 20, 21 Carpeaux, : 77, 142 Carpentier, Alejo: 103 Carrega, Ugo: 179 Carrillo, Julián: 88 Carter, Elliott: 247 Carvalho, Eleazar de: 38 Castro, Fidel: 213 Castro, Willys de: 157 Cerha, Friedrich: 39 Char, René: 158 Chase, Gilbert: 196, 202, 206 Chaucer, : 19, 27 Chopin, : 207 Chuang-tse, : 130 Chung, Chou-Wen: 122 Ciccolini, Aldo: 75 Citkovitz, Israel: 208 Clair, René: 76 Claudel, Paul: 155, 156 Coburn, Alvin: 198 Cocteau, Jean: 28, 39, 79, 80, 208 Codax, Martin: 22 Colombo, Cristóvão: 156 Copland, Aaron: 193, 202, 208 Corbusier, Le: 121 Cordeiro, Waldemar: 157 Cordeiro, Waldemar: 142 Costa, Gal: 40 Covarrubias, Miguel: 200 48
Cowell, Henry: 10, 23, 115, 133, 153, 192, 205, 206, 231–234, 237, 238, 247 Cowell, Sidney: 233 Cozzella, Damiano: 77, 137, 144 Craft, Robert: 42, 96, 97, 98, 102, 104, 107, 108, 196, 211 cummings, e. e.: 10, 23, 141, 147, 155, 157–159 Cunningham, Merce: 127, 128, 134, 141 D Daniel, Arnalt: 17, 20, 27 Debussy, Claude: 27, 38, 76, 80, 95, 113, 115, 119, 173 Dellapiccola, Luigi: 175, 185 Denísov, Édison: 221, 226 Dickinson, Emily: 225 Dolmetsch, Arnold: 27 Dreyer, Frank: 229 Duarte, Rogério: 87 Duchamp, Marcel: 10, 105, 130, 134, 139, 142, 143, 159, 198 Duprat, Rogério: 77, 128, 133, 137, 141, 144, 151, 153 Dworecki, Perez: 39 E Earle, Brown: 87, 182 Eberle, Gottfried: 219 Eimert, Herbert: 102, 109 Einstein, Albert: 205 Eisler, Hanns: 111, 122, 197, 212 Elchmer, Nagib: 140, 150, 151, 213 Eliot, T. S.: 28, 242 Eluard, : 212 Emerson, : 148 Epifânio, : 129 Escribano, Marie-Therese: 39 F Falla, : 27 Feldman, Morton: 10, 87, 159, 164, 174,
180, 206, 239, 243 Ferneyhough, : 164, 173, 242, 244 Ferreti, Edmar: 39 Fitzgerald, Scott: 23 Franco, : 188 247 Franco, Walter: 20 Freeman, Keith: 30, 31 Freund, Marya: 40 Frobenius, Leo: 203 Fuhrman, Roderich: 201, 202 Fuller, Buckminster: 75, 134, 139, 148 G Galvão, Patrícia: 38, 73 Gandhi, : 130 Garland, Peter: 248 Gaudi, : 150 Genet, : 241 Gennrich, : 20 George, Stefan: 107, 108 Gershiwin, : 24, 33 Gesualdo, : 97 Gielen, Michael: 213 Gil, Gilberto: 20, 40, 87, 175 Gilbert, Stuart: 201 Gilberto, João: 98, 175 Giraud, Albert: 37, 40, 43, 44 Glass, Philip: 173 Goethe, : 108 Goldbeck, Fred: 118 Goldwin, Joscelin: 232 Golschman, Vladimir: 201 Górecski, : 229 Gotlleb, Gordon: 196 Gould, Glenn: 99, 154, 180 Graves, Morris: 129 Greenaway, : 10, Gregório, Nicola: 39 Griffith, Paul: 40 Griffiths, Graham: 99 Grindenko, Tatiana: 213, 217 Grünewald, José Lino: 77 Guarnieri, Camargo: 73 Gubaidulina, Sofia: 221, 223
H Haba, Alois: 88 Halbreich, Harry: 174, 175, 182 Halle, Adam de La: 28 Harper, Heather: 97 Harrison, Lou: 191, 233, 237 Hartleben, Otto Erich : 37, 43 Hemingway, Ernst: 23, 198 Hendrix, Jimi: 40 Herzog, George: 206 Higgins, Dick: 139, 141, 232 Hiller, Lejaren: 127, 129 Hindemith, : 197 Hirayama, Michiko: 174, 176, 181 Hirsbrunner, Theo: 224 Hitler, Adolf: 111 Hoelderlin, : 215, 218 Hughes, Robert: 29, 30, 31 Hughes, Allen: 127 Huidobro, : 116 I Imbs, Bravy: 201 Isaac, Heinrich: 108 Ives, Charles: 10, 13, 23, 29, 77, 80, 81, 87, 88, 105, 106, 114, 142, 164, 174, 180, 188, 193, 205, 208, 221, 225, 232, 233, 239, 247 J Jdanov, : 73, 111, 122 Jemnitz, : 41 Jobim, Antonio Carlos : 175 Jone, Hildegard: 97, 109, 110 Joplin, Scott: 79, 81, 196 Joyce, James: 10, 28, 105, 108, 128, 129, 135, 149, 155, 157, 158, 164, 193, 198, 201, 208 Jung, : 129
49
K
M
Kafka, : 215 Kagel, : 241 Kaltenecker, Martin: 216 Khliébnikov, : 219 King, Martin Luther: 130, 135 Klee, : 10, 159 Klein, Walter: 185 Koehler, Egon: 185 Koellreuter, : 142, 157 Kontarsky, Bernhard: 220 Kraus, Karl: 108 Kremer, Gidon: 213, 216 Krenek, Ernst: 23, 80, 96, 105, 111, 203 Kubala, Zygmunt: 39 Kubrik, : 175 Kupper, Anneliese: 39 L
Macdonald, Ian: 222 Machado, Antonio: 217 Maderna, Bruno: 212, 239, 241 Maiakóvski, Vladmir: 212 Maliévitch, : 10, 105, 224 Mallarmé, Stephane: 76, 142, 153–158, 161 Malov, Oleg: 222 Marcabru, : 20 Marjevols, Bernart Sicart: 22 Marnat, Marcel: 42 Marti, Claude: 21, 22 Martin, Grace-Lynne: 97 Martinis, Luciano: 179, 184, 186, 216 Massine, : 79 Matogrosso, Ney: 22 Matos, Gregório de: 22 Mauberley, Hugh Selwyn: 192 McAlmon, Robert: 193 Mcluhan, Marshall: 135, 148 McPhee, Colin: 202 Medaglia, Júlio: 39, 144 Méfano, Paul: 181, 213, 214 Mellers, Wilfred: 206 Mendes, Gilberto: 77, 144, 163 Mendonça, Newton: 175 Messiaen, : 164, 207 Metzger, Heinz-Klaus: 106, 184, 185, 217 Metzmacher, Ingo: 219 Michaux, Henri: 182 Mikhashoff, Yvar: 248 Milhaud, : 23, 76, 80, 155, 156, 198, 209 Miller, Henry: 23 Milosz, : 219 Moldenhauer, Hans & Rosaleen: 98, 110, 111 Mondrian, : 10, 105, 118, 159 Montale, : 176 Monteaux, Pierre: 226 Moraes, J. Jota de: 29, 39, 137–144, 215 Moraes, Renado de: 87, 175
Laine, Cleo: 40, 42 Lamaire, Frans C.: 222 Lamarr, Hedy: 208 Lavaud, : 20 Leeuw, Reinbert de: 29, 30, 31, 77, 99, 196, 205, 209, 222, 229 Leger, Fernand: 198 Leibowitz, René: 75, 96, 102, 107, 122 Levi, Bill: 75 Levine, Joseph: 99 Levit, Richard: 22 Lewis, : 205 Ligeti, György: 175, 176, 180, 188, 216– 218, 233, 239, 241–243, 247 Liszt, : 218 Liubimov, Alexei: 229 Lourié, Arthur: 226, 237 Lucrécio, : 219 244 Lukomska, Halina: 97 Lumumba, Maurice: 212
50
Morton, Jelly Roll: 81 Mossolov, : 221, 223, 226, 237 Mozart, : 201 Mullens, Joe: 202 Murail, Tristan: 242 N Nancarrow, Conlon: 10, 173, 176, 187, 188, 191, 193, 207, 209, 210, 242, 243, 244, 247, 248 Nattiez, Jean-Jacques: 153, 154 Nestrovski, Arthur: 173, 188, 191, 192 247 Nietzsche, : 219 244 Nin, Anaïs: 122 Nixon, Marni: 97 Nono, Luigi: 10, 164, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 233, 239, 241, 242 243, 244 O Obuhov, Nikolai: 88, 226 Oliveira, Willy Corrêa de: 77, 144 Ornstein, Leo: 237, 238 Osawa, Seiji: 127 Ouellette, Fernand: 119 Oullette, Fernand: 102 Ovídio, : 219, 244
Perotinus, : 119 Perse, St. John: 119 Pessoa, Fernando: 151 Pestalozza, Luigi: 217 Petrarca, : 19 Petrassi, Goffredo: 185 Peyser, Joan: 154 Pfaff, Luca: 174 Piatigorsky, Gregor: 97 Picabia, : 75, 76, 113 Picasso, Pablo: 10, 76, 79, 105, 106, 205, 206 Pignatari, Décio: 24, 77, 121, 137, 140, 142, 144, 151, 152, 213 Pilarczyk, Helga: 39, 42 Piston, Walter: 188 247 Poe, Edgar Allan: 173 Poirier, Alain: 224, 225 Pollini, Maurizio: 99, 215 Ponsseur, : 106 Popov, : 223, 226 Poulenc, : 75 Pound, Ezra: 10, 17, 20, 23, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 41, 44, 80, 105, 115, 134, 139, 142, 150, 155, 157, 158, 159, 185, 192, 193, 195, 197, 198, 201, 203, 204, 205, 206, 207, 213, 219, 242, 244 Pratti, Ugo: 207 Price, Paul: 87, 104, 237 Prokofiev, : 223, 237 Protopopov, Sierguei: 226
P Q Pagano, Caio: 77 Pärt, Arvo: 221, 229 Partch, Harry: 88 Passos, John dos: 23 Pasternak, : 219 Paz, Juan Carlos: 140, 203 Paz, Octavio: 139 Peitieu, Guilhem de: 20 Peress, Maurice: 195, 198, 202, 206, 209 Perle, George: 42 Perloff, Marjorie: 150
Quasha, George: 139 R Rachewiltz, Mary de: 205 Radulescu, Horatiu: 164, 233, 242 Ramakrisha, Sri: 129 Ravel, : 38 Raynouard, : 20 Raynouard, Man: 201 Reich, Steve: 239* 51
Reynaud, Madeleine: 155, 156 Ribeiro, João: 44 Righi, Leonardo: 39 Rilke, Rainer Maria: 108, 244 Rimbaud, : 159, 214, 248 Ripellino, Angelo: 212 Rockwell, John: 29 Roldán, Amadeo: 102, 237 Rorem, Ned: 28, 193, 206, 207 Rosberry, Eric: 223 Rosen, Charles: 97 Rosenfeld, Paul: 105 Rosenfeld, Anatol: 140 Rosenthal, Maurice: 77 Roslavetz, Nikolai: 226, 237 Rostand, Claude: 97, 107, 109 Rostropóvitch, : 229 Rothenberg, Jerome: 139 Rousseau, : 29 Rudel, Jaufre: 20 Rudge, Olga: 28, 29, 198, 205 Ruggles, Charles: 10, 23, 115, 208 Rummel, William Morse: 27 Rummel, Walter Morse: 17, Russolo, Luigi: 207, 208
S Safo, : 192 Saghaard, Jean Noel: 39 Saint-Saens, : 75 Salaris, Claudia: 179 Samuel, Claude: 156 Samuel, Robert: 153 Sandri, Giovanna: 179 Santana, Rodrigo: 87 Sartre, Jean Paul: 212 Satie, Erik: 10, 24, 29, 30, 73, 74, 75, 76, 77, 79, 80, 81, 95, 96, 105, 113, 134, 141, 197, 207, 208, 237 Scarnecchia, Paolo: 174 Scarpini, Pietro: 40 Scelsi, : 10, 159, 164, 173, 174, 175, 52
176, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 214, 215, 216, 217, 221, 225, 226, 233, 242, 243, 244 Schaeffer, Pierre: 140 Schaeffner, André: 40, 41, 44, 134 Schafer, R. Murray: 28, 29, 192, 203 Scherchen, Herman: 121 Scherer, Jacques: 155 Schiff, Heinrich: 229 Schirmer, : 174 Schleiermacher, Steffen: 237 Schnittke, : 221 Schoen, William: 30 Schoenberg, Arnold: 10, 23, 30, 33, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 47_73, 75, 87, 95, 99, 101, 102 | 105, 107, 111, 113, 114, 115, 133, 140, 159, 181, 185, 211, 212, 213, 215, 232, 233, 253, 254 Schoenberger, Elmer: 223 Schroeder, Marianne: 237 Schubert, : 30, 98, 107 Sciarrino, : 164 Scriabin, : 181, 185, 218, 226 Seeger, Charles: 231, 232 Sessions, Roger: 188 247 Shattuck, Roger: 75, 76 Shostakoviski, : 122, 197, 221, 222, 223 Silva, Conrado: 144 Siohan, Robert: 101 Slonimsky, Nicolas: 102, 103, 188, 206, 247 Smalley, : 173 Smetak, Walter: 11, 85, 87, 88, 89, 175, 176 Sousândrade, Joaquim de: 22 Stálin, : 221, 237 Stein, Gertrude: 23, 24, 33, 105, 139, 141, 142, 155, 158, 208, 213, 232 Stein, Erwin: 40 Stein, Leonard: 41 Steiner, George: 13 Stenze, Jurg: 215 Stern, Isac: 97 Stettheimer, Florine: 24, 33 Stockhausen, : 29, 73, 87, 89, 95, 105, 106, 122, 142, 143, 164, 211, 212, 213,
221, 231, 233, 239, 241, 254 Stokovski, : 115 Strauss, : 30, 80, 102 Stravinski, Igor: 23, 28, 37, 38, 73, 80, 87, 95, 96, 99, 101, 103, 105, 106, 113, 114, 115, 118, 119, 158, 192, 196, 198, 204, 205, 206, 207, 209, 211, 212, 222, 223, 224, 226, 231, 232 Subotnik, : 164 Sumsion, Calvin: 130, 141 Surinach, Carlos: 195 Sverner, Clara: 32, 79, 81, 85, 98, 100, 110 Swed, Mark: 229 T Tablada, : 116 Tarkovski, Andrei: 213, 216 Theremin, Leon: 233 Thomson, Virgil: 23, 24, 28, 33, 158, 202, 207, 208, 213, 225, 238 Thoreau, Henry David: 88, 128, 129, 130, 135, 139, 148 Tobey, Mark: 184 Tosatti, Vieri: 174 Toscanini, : 33 Trakl, : 108 Tsvietáieva, Marina: 225 Tsvitáieva, : 164 Tudor, David: 159 Tung, Mao Tse: 135 U Ustvolskaia, Galina Ivânovna: 10, 164, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 229, 237, 242, 243, 244 V Valéry, Paul: 138 Varèse, Edgard: 10, 23, 32, 85, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 113, 114, 115, 116, 118, 119, 121, 122, 133, 140, 142, 164, 174, 175, 197, 198, 205, 206, 207, 208,
213, 233, 237, 239 Varèse, Louise: 113, 118, 224, 224 Veloso, Caetano: 20, 40, 87, 88, 175 Ventadorn, Bernart de: 20, 22 Verbit, Marthanne: 209 Verlaine, : 43 Vermeil, Jean: 237 Vidal, Peire: 20 Villa-Lobos, Heitor: 22, 38, 103, 118, 207 Villon, : 19, 22, 28 Viniers, Williaume li: 28 Vischnia, Maria: 39 Vischniegradski, : 226 Vishniegradski, Ivan: 88 Vivaldi, : 28 Vivier, Odile: 103, 113, 121 Volta, Ornella: 73, 76 W Wagner, : 207 Wagner-Stiedry, Erika: 41 Webern, Anton: 10, 27, 29, 32, 37, 38, 39, 73, 75, 77, 80, 85, 95, 96, 97, 98, 101, 102, 103, 104 | 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 113, 114, 115, 119, 122, 134, 140, 143, 154, 157, 158, 159, 188, 211, 212, 215, 233, 239, 247, 253, 254 Weid, Jean-Noel von der: 173, 174, 176, 180 Weill, Kurt: 23, 27 Weiss, Adolph: *, 233 Wellez, Egon: 40 Whiteman, Paul: 196 Williams, Emmet: 232 Williams, William Carlos: 207 Wiser, William: 198 Wiser, William: 201 Wishart, : 173 Wisnik, José Miguel: 38 Wittgenstein, : 148, 150, 244 Wolff, Jan: 222 Wolff, Klaus Dieter: 77 Wolff, Christian: 163
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X Xenaquis, : 121, 180, 239
ÍNDICE DAS MÚSICAS CITADAS POR ORDEM ALFABÉTICA DE COMPOSITOR E ANO DE COMPOSIÇÃO
Y Yates, Peter: 206 Z Zagrosek, Lothar: 203 Zanni, Amilcar: 39 Zappa, Frank: 104, 122 Zehme, Albertine: 41, 44 Zeller, Hans Rudolf: 180 Zenck, Martin: 180 Zukofsky, Paul: 127, 239W
ANTHEIL, GEORGE Airplane Sonata (1922): 209, 233 Jazz Sonata (1922): 80, 238 Sonate Sauvage (1922/23): 209, 238 Primeira Sonata para violino e piano (1923): 195, 205 Segunda Sonata para Violino e Piano (1923): 195, 205 Little Shimmy (1923): 209 Segunda Sonata para Violino, Piano e Tambor (1923): 195 Ballet Mecanique (1923-24-25 *): 28, 114, 192, 193, 195, 196, 197, 198, 201, 202, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 273 Quateto para Cordas n1 (1924): 195 A Jazz Symphony (1925): 80, 195, 196, 209 Quarteto para cordas n2 (1927rev 1943): 202 Transatlantic (1927-1928): 202, 203, 209 La Femme 100 Têtes (after Max Ernst) (1933): 209 Helen Retires (1934): 202 Quarteto para cordas n3 (1948): 202 Sonata numero 4 (1948): 209 Terceira Sonata para Violino e Piano: 195, 205 BARTÓK, BELA: String Quartet No.1, Op.7_ I. Lento (1909): 85, 114 String Quartet No.1, Op.7_ II. Poco a poco acca (1909): 85, 114 String Quartet No.1, Op.7_ III. Introduzione. A (1909): 85 String Quartet No.2, Op.17_ I. Moderato (1915-1917): 85 String Quartet No.2, Op.17_ II. Allegro molto c (1915-1917): 85 String Quartet No.2, Op.17_ III. Lento (1915-1917): 85
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BEETHOVEN: 5ª Sinfonia: 95 BERG, ALBAN 4 Pieces for Clarinet and Piano (1913): 114 Wozzeck (1917-1922): 114, 269 Lulu: 80, 102 Concerto de Câmara: 115 O Vinho: 102 BOULEZ, PIERRE Eventuellement... (1952): 140 Messagesquisse – Mensagensaio (1976): 241 Dialogue de l’Ombre Double – Biálogo da Sombra Dupla (1982-1985): 241 2a Sonata para piano: 100, 154, 159, 265 3a sonata para piano: 154, 155, 157, 265 Le Marteu Sans Maître: 38, 158, 265 Cummings is der Dichter: 159 Estudos sobre um som: 265 La Naissance du Verbe: 159 Le Soleil des eaux: 265 Livre pour Quatuor: 159 Polifonia para 17 Instrumentos Solistas: 265 Quarteto para ondas Maternot: 265 CAGE, JOHN Bacchanale (1938): 128, 133, 254 Second Construction (1940): 151, 163 Third Construction (1941): 151, 163 A Maravilhosa Viúva das 18 Primaveras (1942): 135 The Wonderful Widow of Eighteen Springs (1942): 158 Amores (1943): 133, 254 Sonatas and interludes para piano preparado (1946-1948): 133, 140, 150, 163, 254 Quarteto de cordas em Quatro Partes (1950): 151, 163 Concerto para Piano Preparado (1951): 134, 157, 254 16 Danças (1951): 150, 157 Music of Changes Book I (1951): 154 Paisagem Imaginária n.2 (1951): 134
Música das Mutações (1952): 134 Paisagem Imaginária n.5 (1952): 134 HPSCHD (1967-1969): 127, 257 Cheap Imitation (1969): 30, 127 Sounds Received Anonymously (1969): 127 Musicircus (1970): 127, 128 62 Mesostics Re Merce Cunningham (1971): 127 Mureau (1971): 127 Os Cantos de Maldoror Pulverizados pela Própria Assistência (1971): 127 WGBM-TV (1971): 127 Bird Cage (1972): 127 Etcetera (1976): 127 Lecture on the Weather (1976): 127 Renga with Apartment house (1976): 127 Roaratorio, an Irish Circus on Finnegans Wake (1981): 135 Postcard from heaven (1983): 164 Europeras (1987-1991): 241 Freeman Etudes: 127, 239 Atlas Borealis com as 10 trovoadas: 135 CARDENAL, PEIRE Tartassa ni Voutor: 21 CARRILLO, JULIÁN Sonata Quase Fantasia (1926): 256 Concertino (1927): 256 Tepepan: 256 CLAUDEL: Christophe Colombe: 265 COWELL, HENRY The Tides od Manaunaun (1911 -12): 232*, 234 Adventures in Harmony (1911): 232 Dynamic Motion (1914-15): 234, 237 Time Table (1914-1915): 237 Amiable Conversation (1917): 234 Fabric (1917*): 234 Snows of Fujyiama (1922): 234 The Hero Sun (1922): 237 Aeolian Harp (1923): 234, 237 55
Fairy Answer (1924): 234 Harp of Life (1924): 234 Ensemble (1925 1956): 115 The Banshee (1925c*): 234, 237 Tiger (1928c*): 234, 235, 237 Sinister Resonance (1930c*): 234 Ostinato Pianíssimo (1934): 237 Elastic Musics: 233 Mosaic Quartet: 233 The Voice of Lir: 237 DEBUSSY, CLAUDE Canções de Bilitis / Chansons de Bilitis (1887-): 76 Noturnos / Trois Nocturnes (1899): 76 Golliwogg’s Cakewalk (1908): 80 Minstrels (1910): 80 Jeux 4 pianos 1_2 (1912): 113, 115 Syrinx (1913): 119 FELDMAN, MORTON Intersections: 159 Projections: 159 GERSHWIN Porgy and Bess: 24 GIL, GILBERTO A Voz Do Vivo (1969): 40 GUBAIDULINA, SOFIA 10 prelúdios (1974): 223 In Croce (1979): 223 HABA, ALOIS Quarteto de cordas n.1 (1919): 256 Quarteto de cordas n.5 (1923): 256 Duo para Violinos (1927): 256 Makta (mãe) (1931): 256 HALLE, ADAN DE LA Le Jeu de Robin et Marion: 28 IVES, CHARLES 1ª Sonata para Piano (1902-1909): 80 56
The Unanswered Question (1906) (1906): 10, 225 Três Peças para Piano (1923-1924): 256 JOBIM, TOM / MENDONÇA, NEWTON Samba de uma nota só: 175 JOPLIN, SCOTT Mapple Leaf Rag (1899): 79 The Easy Winners (1901): 79 The Cascade (1904): 79 Stoptime Rag (1910): 79 KRENEK, ERNST Johny Spielt Auf (1927): 80, 203 LIGETI, GYÖRGY Volumina (1961-62): 218 Lux Aeterna (1966): 175, 218 Atmosphères: 175 Concerto para Piano e Orquestra: 243 Requiem: 175 LOURIÉ, ARTHUR Formes en l’air (1915): 226 MAHLER 6ª Sinfonia de Mahler: 94 MILHAUD Coéforas (1915): 156 Trois Rag Caprices (1918): 80 Création du Monde (1923): 80 L’Homme et son Désir: 155 Le Boeuf sur le Toit: 155 Saudades do Brasil: 155 MOSSOLOV 3 Esboços Infantis op 18 (1926): 226 4 Anúncios de Jornal (1926): 226 Zavód (1927): 226, 237* NANCARROW, CONLON Studies for Player Piano: 173, 248
NONO, LUIGI Variazioni canoniche (1950): 214 Polifonica-Monodia-Ritmica (1951): 214 Il Canto Sospeso (1956): 212, 217 Intolleranza (1960): 212, 214, 220 Ha venido, Canciones para Silvia (1960): 217 Canciones a Guiomar (1962-63): 217 A Floresta é Jovem e Cheia de Vida (1966): 212, 213 Ricorda cosa ti hanno fato in Auschwitz (1967): 218 Non consumiamo Marx (1969): 213 Al gran sole carico d’amore (1975): 214 ...sofferte onde serene... (1976): 214, 215, 219, 242 Guai ai gelidi mostri (1979): 244 Con Luigi Dallapiccola (1979): 219 Fragmente – Stille, An Diotima (19791980): 215 Das atmende Klarsein (1980-1981): 219 Quando stanno morendo. Diario Polacco 2 (1982): 219 Omaggio a György Kurtág (1983, 1986): 219, 220 Prometeo (1984): 214, 215, 218, 219, 241 A Carlo Scarpa, architetto, ai suoi infiniti possibili (1984): 213, 215, 216 A Pierre. Dell’azzurro silencio, inquietum (1985): 219 No hay caminos, hay qye caminar... Andrej Tarkovskij (1987): 213, 215, 217 Post-prae-ludiun per Donau (1987): 219 La lontananza nostalgicaa utopica futura (1988-1989): 213, 215, 217, 218, 241 “Hay que caminar” sognando (1989): 213, 215, 217 OBUHOV, NIKOLAI Livro da Vida: 256 Poemas Litúrgicos: 256 ORNSTEIN, LEO Wild Men’s Dance (1914): 238 Suicide in an Airplane (1915): 238 Impressions de Notre Dame: 238
PARTCH, HARRY 17 Líricas de Li Po: 257 Castor & Polux: 257 Ciclo Monofônico: 257 Dois Excertos de James Joyce: 257 POPOV Sinfonia de Câmara em Dó Maior, Op. 2 (1927): 226 POUND, EZRA Le Testament (1919): 10, 27, 28, 30, 31, 115, 198, 213 Cavalcanti (1931): 29 PROKOFIEV The Steel Stride (1926): 237* RAVEL, MAURICE Três Poemas de Stephane Mallarmé (1913): 38 Bolero: 237 ROLDÁN, AMADEO Ritmicas (1930): 237 RUGGLES, CARL Man and Mountains: 115 SATIE, ERIK Sarabande no. 2 (1887): 76, 79, 83 Sarabandes No. 1 (1887): 76, 79, 83 Sarabandes No. 3 (1887): 76, 79, 83 Je te veux (1887): 76, 79 Gymnopédie n°1 Lent et Douloureux (1888): 76, 79 Gymnopédie n°2 Lent et Triste (1888): 76, 79 Gymnopédie n°3 Lent et Grave (1888): 76, 79 Gnossiennes n°5 (1889): 30, 76 Gnossiennes n°4 (1891): 30, 76 Gnossiennes n°1 (1893): 30, 76 Gnossiennes n°2 (1893): 30, 76 Gnossiennes n°3 (1893): 30, 76 Vexations (1893): 77, Gnossiennes n°6 (1897): 30, 76 57
Pièces froides Air à faire fuir e Danses De Travers _ peças frias (1897): 76, 83 Pièces froides Air à faire fuir n°2 (1897): 76, 83 Pièces froides Air à faire fuir n°3 (1897): 76, 83 Pièces froides Danse de Travers n°2 (1897): 76, 83 tendrement (1902): 76, 79 Prelúdios flácidos para um Cão – 4 Préludes Flasques (Pour Un Chien) 1. Voix D’ (1912): 76 Le Piège De Méduse A Armadilha da Medusa (1913): 75, 76, 79 Esportes e Divertimentos (1914): 76 Três valsas distintas do Afetado Enfadado – Les 3 Valses Distinguées Du Précieux Dégoûté 1 (1914): 76 Balé Parade (1917): 76, 77, 79, 81, 207 Socrate (1917-1918): 30, 76, 113 Furniture Music / Música de mobiliário / Musique d’ameublement (1917-1923): 76 Belle Excentrique (1920): 81 Furniture Music Möbelmusik: Chez un bistrot (1920): 76 Entr’acte (1924): 113 Mercure (1924): 76 Relâche (1924): 76 Filho das estrelas: 83 Pedaços em forma de Pêra: 83 Com Roupa de Cavalo: 83 SCELSI, GIACINTO Rotativa (1929): 185, 226 Poème pour Piano n. 2 (1936/1939): 181 Quartetos de corda (1944 e 1964): 174 Cinque Incantesimi (1953): 181 Quatro Illustrazioni (1953): 181 Coelocanth (1955): 182 Tre Canti Sacri (1958): 174, 180 4 Pezzi (1959): 173, 174, 175, 180 Kya (1959): 174 No (1960): 174 Khoom (1962): 174, 181 Cantos de Capricórinio (1962/1972): 181 58
Trio para cordas n. 3 (1963): 181 Quarteto n. 4 (1964): 182 Dança de Shiva (1967): 174 Trilogia – as Três idades do Homem (1967): 174 Okanagon (1968): 174, 176 Konx-om-pax (1969): 182 Antífona (1970): 174, 176 3 Preces Latinas (1970): 174 Pranam I (1972): 174, 176 Duetos para 2 Violinos e para Violino e Violoncelo (1972): 174 Pranam II (1973): 174, 176 L’Ame Ailé/L’ame Ouverte (1973): 181 In Nomine Lucis (1974): 174, 176 Pfhat (1974): 181, 182 Aïtsi (1974): 182 Kho-lo (1976): 181 Maknongan (1976): 181 Ko Tha (1978): 174 Quarteto n. 5 (1984): 182 Musique Sacrée: 174 SCHOENBERG, ARNOLD op 16 Farben (1909): op 20 Herzgewächse (folhagens do coração) (1911): 253 Pierrot Lunaire, Op. 21 Part 1_ Co (1912): 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 47, 49-69, 113, 115, 259, 269 op. 22 Quatro Lieder com orquestra (1913-15): 253 Five Piano Pieces Op 23 (1920 1923): 113 Serenade Op. 24 (1_7) (1921-1923): 115 Op. 9 Sinfonia de Câmara: 99 SHOSTAKOVITCH Quinteto para Piano em Sol Menor Op. 57 (1940): 222 SMETAK, WALTER Preludiando com Joseba (1974): 89 Sarabandas (1974): 89 Interregno – Walter Smetak & Conjunto de Microtons (1980): 85, 176
STEIN, RICHARD H. Peças de Concerto em Quartos de Tom para Violoncelo e Piano Microtônico (1906): 255 STOCKHAUSEN, KARLHEINZ Estudo II (1956): 267 Licht: 29 STRAUSS, RICHARD Don Quixote: 207 STRAVINSKI, IGOR Zwesdoliki (O Rei das Estrelas) (1911): 259 Tsaraiuki (1912): 259 Sagração da Primavera La consagración de la primavera Le sacre du printemps (1913): 37, 39, 87, 95, 99, 113, 114, 115, 198, 204, 211, 224, 260, 261, 262 Three Japanese Lyrics (1913) (1913): 38, 114, 259 3 Peças para Quarteto de Cordas (1913): 114 3 Peças para Quarteto de Cordas (1914): 192, 260 Pribautki (1914): 260 Les Noces (O Casamento) (1914-23): 114, 115, 207, 231, 260 Berceuses du Chat (Acalantos do Gato) (1915): 260 Renard (A Raposa) (1917): 114, 115, 260 Estudo para Pianola (1917): 192, 207 Canção do Rouxinol (1917): 192 História do Soldado (1918): 80, 260, 261 Ragtime para 11 instrumentos (1918): 80, 261 3 Peças para Clarineta (1919): 114 Pulcinella (1919): 261 Sinfonias para Instrumentos de Sopro (1920): 261 Mavra (1922): 261 Octeto (1923): 261 Édipo Rei (1927): 261 Apolo (1928): 261 O Beijo da Fada (1928): 261 Sinfonia dos Salmos (1930): 261
O Jogo de Cartaz (1936): 261 Missa (1948): 261 The Rake’s Progress (A Carreira do Libertino) (1951): 261 Cantata (1951-52): 261 Septeto (1952-53): 211, 261 3 songs for Shakespeare (1954): 211, 261 In Memorian Dylan Thomas (1954): 211, 261 Canticum Sacrum (1956): 261 Threni (1958): 211, 261 Movements (Movimentos para Piano e Orquestra) (1958-59): 211, 261 Um Sermão, Uma Narrativa e Uma Oração (1961): 261 O Dilúvio (1961-62): 261 Abraão e Isaac (1964): 261 Variações (1965): 261 Requiem-Cânticos (1966): 261 Agon: 211, 261 Pássaro de fogo: 87, 259 Petruchka: 114, 259 Rossignol: 114, 259 THOMSON, VIRGIL Sonata de Chiesa (1926): 24, 225 THOMSON, VIRGIL / STEIN, GERTRUDE Four Saints in Three Acts (1928): 24, 28, 33, 208, 213 The Mother of Us All (1947): 24, 208 Capital Capitals for 4 Male Voices (1927): 24, 208 USTVOLSKAIA, GALINA Concerto para Piano (1946): 227, 229, 275 Sonata n. 1 para Piano (1947): 227 O Sonho de Stenka Razin (1948): 222 Sonata n. 2 para Piano (1949): 227 Trio para Violino, Clarineta e Piano (1949): 222, 227 Octeto (1950): 222, 227 Sonata n. 3 para Piano (1952): 227 Sonata para VIolino e Piano (1952): 227 12 prelúdios para Piano (1953): 227, 229 59
Sinfonia n. 1 (1955): 227, 275 Sonata n. 4 para Piano (1957): 227 Fogo nas Estepes (1958): 222 Grande Dueto para Violoncelo e Piano (1959): 223, 224, 227, 229 Dueto para Violino e Piano (1964): 222, 227 Composição 1 – Dona Nobis Pacem (1970-71): 222, 224, 225, 227, 243 Composição 2 – Dies Irae (1972-1973): 222, 224, 225, 227 Composição 3 – Beneditus qui Venit (1974-75): 222, 224, 225, 227 Sinfonia n. 2 (1979): 227, 275 Sinfonia n. 3 (1983): 227, 275 Sinfonia n. 4 (Prece), para trompete, gongo, piano e Contralto (1985-87): 227, 275 Sonata n. 5 em 10 Movimentos (1986): 222, 227, 229 Sonata n. 6 para Piano (1988): 227, 229 Sinfonia n. 5 (Amém) (1990): 222, 227, 275 VARÈSE, EDGARD Amériques (1918-1921 e 1927): 113, 115, 205 Offrandes (1921): 103, 113, 118 Hyperprism (1922-1923): 103, 118 Octandre 1. Assez Lent 2. Très Vif Et Nerveux 3. Grave, Animé Et Jubilatoir (1923): 103, 113, 118 Intégrales (1924-1925): 103, 113, 118 Arcana (1925-1927): 103, 118 Ionisation (1929-1931): 32, 87, 101, 102, 103, 104, 115, 133, 233 Ecuatorial (1932 1934): 119, 122 Dénsité 21, 5 (1936): 119 Étude pour “Espace” (1947): 119, 122 Déserts (1950-1954): 121, 142, 197, 198 Poeme Electronique (1957-1958): 121, 122 Varèse_ Nocturnal (1968*): 121 VENTADORN, BERNART Can Vei la Lauzeta Mover: 22
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VILLA-LOBOS Choros: 118 Noneto: 118 VILLON Ballade des Dames du Temps Jadis: 22 WEBERN & BACH Ricercare: 98, 107, 254 WEBERN, ANTON Op. 1 Passacaglia For Orchestra (1908): 107, 113 Op. 2 Entflieht Auf Leichten Kähnen (1908): 99, 107 Op. 5 Sätze For String Quartet 1. He 2. S 3.Se 4. Se 5. (1909): 97, 98, 107, 108, 114, 115, 267 Op. 6_ 6 Pieces For Orchestra 1. Etwa 2. Bewe 3. Zart 4. 5. Sehr 6. Zart (19091910 e 1928): 96-97, 99, 108, 114, 182, 253, 254 Op. 10_ 5 Pieces For Orchestra 1. Seh 2. Leb 3. Seh 4. Fli 5. Seh (1911-1913): 97, 108 Op. 9 6 Bagatelles quarteto de cordas (1913): 108, 114, 267 Op. 11 3 Little Pieces For Cello & P~1 (1914): 108, 114 Op. 13_ 4 Lieder 1. Wiese Im Park 2. Die Einsame 3. In Der Fremde 4. Ein Winterabend (1914-1918): 108 Op. 12_ 4 Lieder 1. Der Tag Ist Verga 2. Die Geheimnisvoll 3. Schien Mir’s, Als 4. Gleich Und Gleich (1915-1917): 108 Op. 14_ 6 Lieder 1. Die Sonne 2. Abendland #1 3. Abendland #2 4. Abendland #3 5. Nachts 6. Gesang Einer Gefa (1917-1921): 108 Op. 15_ 5 Sacred Songs 1. Das Kreuz 2. Morgenlied 3. In Gottes N 4. Mein Weg Ge 5. Fahr Hin, O (1917-1922): 108 Op. 16_ 5 Canons For Soprano And 2 Clarinets 1. *** 2. Dormi Jesu, Mater 3. Crux Fidelis 4. Asperges Me, Domi 5. Crucem Tuam Adora (1923-1924): 99, 108
Op. 17_ Traditional Rhymes, I. (1924): 108, 109, 233 Op. 18_ 3 Lieder 1. Schatzerl Klein 2. Erlösung 3. Salve Regina (1925): 96, 99, 110 Op. 19_ 2 Lieder 1. Weiß Wie Lilien 2. Ziehn Die Schafe (1926): 96, 98, 99, 110 Op. 20_ String Trio 1. Sehr Langsam 2. Sehr Getragen (1927): 108, 110 Op. 21_ Symphony 1. Ruhig Schreitend 2. Variationen (1928): 96, 97, 108, 109, 267 Op. 22_ Quartet 1. Sehr Mässig 2. Sehr Schwungvoll (1930): 80, 96, 97, 101, 102, 108, 109, 267 Op. 24_ Concerto For 9 Instruments (1934): 96, 97, 108, 109, 267 Op. 23_ 3 Songs From Viae Inviae (1934): 108, 109 Op. 25_ 3 Lieder 1. Wie Bin Ich Froh 2. Des Herzens Purp 3. Sterne, Ihr Silbe (1934-1935): 110 Op. 26_ Das Augenlicht (1935): 110 Op. 27_ Piano Variations 1. Sehr Mäs 2. Sehr Schn 3. Ruhig, F (1936): 32, 85, 97, 99, 107, 110, 267 Op. 28_ String Quartet 1. Mässig 2. Gemächlich, 3. Sehr Fliess (1937-1938): 107, 110 Op. 29_ Cantata #1 1. Zündender Licht 2. Leicht Bewegt, 3. Tönen Die Selig (1938-1939): 107, 110 Op. 30_ Variations For Orchestra (1940): 107, 110 Op. 31_ Cantata #2 1. Schweigt Auch D 2. Sehr Tief Verha 3. Schöpfen Aus Br 4. Leichte Bürde D 5. Feindselig Ist 6. Gelockert Aus D (1941-1943): 96, 107, 110 Schubert, German Dances, Arr. Webern: 98, 107 Quinteto para Cordas e Piano: 107
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INVENÇÃO
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CONTRAPOEMAS Augusto de Campos
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CAVE MIDiA$ 64
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AMICA VERITAS 66
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POEMANIFESTO 2017 68
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MERCADO(variante) 70
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ARTIGOS/ ENSAIOS
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DADOS OS DADOS: MALLARMÉ VERNE* Augusto de Campos
Quelle cacophonie! Quel déchirement des tympans! Voilà qui rappelle bien cet orchestre improvisé, dirigé par le prince de Joinville, dans un village inconnu d’une région brésilienne! C’est à croire que l’on éxecute sur des « vinaigrius » quelque horrible symphonie — du Wagner joué à rebours!
Jules Verne - L’île à hélice
Jules Verne, 1828-1905, Stéphane Mallarmé, 1842-1898. Não parece, à primeira vista, uma conjunção estranha e herética? No entanto, eles foram contemporâneos, notáveis e notórios por mais de vinte anos, pelo menos de 1876 até a morte do poeta em 1898, por mais diversa que fosse a literatura que praticavam. Mallarmé publicaria seus primeiros poemas em jornais e revistas em 1862, ainda muito jovem. Mas só a partir de 1876 se tornaria um autor mais evidente
com o seu Après-midi d’un faune, acrescido no ano seguinte pela edição de Poésies. Quanto a Verne, já em 1863 faria grande sucesso com o livro, Cinq Semaines en Ballon, na sequência de peças de teatro e das primeiras obras em prosa. Dou por evidente o antagonismo literário entre os dois escritores. Lembrar que Hetzel apresentou a Verne, no seu Avertissement de l’éditeur às Voyages et aventures du capitaine Hatteras, como um opositor de l’art pour l’art ( “l’art 73
pour l’art ne suffit pas à notre époque ”). E que os gostos artísticos do seu editado eram bastante conservadores. Não demonstrava nenhum interesse pelos poetas simbolistas, pelos pintores impressionistas ou por músicos como Debussy ou Satie, seus contemporâneos. Suas preferências literárias se explicitam, por exemplo, no capítulo X de Paris au XXe siècle, com a citação dos clássicos Hugo, Goethe, Heine, Musset, no que se refere à poesia, e, por outro lado, na sua sátira à música do futuro, « musique cacophonique », tema que reaparece em L’île à hélice, com a nomeação dos programas de quartetos de Mozart, Haydn, Beethoven, Mendelssohn, e no máximo uma menção indireta a Saint-Saëns… O pianista dos rumorosos clusters, Quinsonnas, que pretende “étonner son siècle”, parece uma caricatura premonitória de Schoenberg, cuja primeira peça dodecafônica sairia do piano… e assinala seguramente o desapreço de Verne pelas dissonâncias satiedebussyanas do seu tempo. Porém, desde 1848 Charles Baudelaire vinha traduzindo contos de Poe. A partir de 1856, com a publicação de Histoires Extraordinaires, tornou-se conhecido como o grande difusor da sua obra. Nouvelles histoires extraordinaires apareceria no ano seguinte. Les Aventures d’Arthur Gordon Pym, de Nantucket, o único romance de Poe, viria em 1858, vinte anos depois de seu lançamento nos Estados Unidos, com pouco sucesso e muita polêmica. Precisamente em 1863, Baudelaire revelaria ao público francês o não menos compreendido ensaio poeano, Eureka, e em 1865, Histoires grotesques et sérieuses. Não foi Baudelaire o primeiro escritor francês a chamar a atenção sobre Poe, mas foi “o intermediário essencial, maior, entre o escritor americano e, não somente a França, mas também toda a Europa conti74
nental”, como acentua Michel Brix em seu ensaio “Baudelaire, disciple d’Edgar Poe ?” 1 Apenas um estudo literário se destaca na vasta obra de Júlio Verne. Justamente “Edgar Poe et ses oeuvres », estampado na revista Musée des Familles (1864)2. Nele reconhece a sua dívida para com o poeta francês. Além de enfatizar a grande afinidade entre Poe e Baudelaire, adota a tradução deste para as referências que extrai dos textos poeanos. Há quem sustente que Verne não dominava a língua inglesa e por isso teria recorrido às traduções de Baudelaire. De todo modo, o eventual desconhecimento do idioma não invalida o fato de que usou a tradução baudelairiana, com grandes elogios, e até uma comparação precisa entre o temperamento artístico dos dois escritores. Entrelaçam-se, assim, as literaturas de Verne e a de Baudelaire sob o prisma do interesse pela obra de Edgar Allan Poe. Autor de imenso sucesso em seu próprio país e fora dele, porém desprezado pela intelectualidade francesa, que considerava o romance de aventuras literatura inferior, só na segunda metade do século XX encontrou Jules Verne a sua « re-visão », sem que chegasse ele, assim, a ver-se literariamente redimido em vida. É consenso geral que foi Michel Butor, um dos mais proeminentes autores do “nouveau roman”, poeta e crítico, além de romancista, quem o ressuscitou para o respeito literário num estudo publicado em Répertoire 13 Precedeu-o Roland Barthes, num breve texto referido ao cinquentenário da morte de Verne, mas numa abordagem superficial que, mesmo comparando desfavoravelmente o Nautilus de Nemo ao “Le Bateau ivre” de Rimbaud, tem o mérito de haver chamado a atenção para as relações entre as duas obras4.
Já Butor soube introduzir uma nova perspectiva na análise da obra de Verne, alargando o horizonte das pesquisas e focalizando aspectos inobservados e relevantes da modernidade de sua obra. Mas não acrescentou outros nomes, além do óbvio, de Poe, à sua interlocução, a não ser os trazidos do repertório surrealizante — Max Ernst, Henri Rousseau, Michaux, Lautréamont e Breton —, aqui mencionados na ordem em que aparecem no ensaio, sem contar a citação do próprio Seconde Manifeste Surrealiste. Nenhuma referência a Mallarmé, que aparecerá em outro contexto na edição de Répertoire 2 (1964) , em “Mallarmé selon Boulez”. Butor voltaria ao tema da obra de Verne em outros artigos, conferências e entrevistas. Não me consta que Mallarmé tenha entrado em alguma de suas numerosas reflexões sobre a obra de Verne, que tão precocemente reabilitou. Não obstante reconheça, numa entrevista concedida a Michel Launay, a influência que sobre ele teve “o Mallarmé revolucionário, como o comprenderam os concretistas brasileiros”5, Rimbaud permaneceu a personalidade poética mais significativa de seus interesses literários e de sua empatia. Em 1989, publica Improvisations sur Rimbaud, livro no qual vê o poeta, em seus dias na África, como um personagem verniano. Numa entrevista dos últimos anos, Butor, que morreu em 24 de agosto de 2016, aos 89 anos, escolhe “Les Illuminations” como o livro que mudou a sua vida. Vinha de publicar uma antologia de Victor Hugo, o que parece indicar que eram outras e as mais diversas as suas motivações. Foi a partir dos anos 60 que passaram a ser realçados literariamente alguns traços peculiares da estilística verniana, como a sua paixão pelos crip-
togramas, inspirada em Poe, e seu gosto peculiar pelos jogos verbais, anagramas, aliterações, paronomásias, e pelas enumerações surpreendemente sonoristas de vocábulos científicos, como em muitas passagens de 20.000 léguas submarinas, geralmente suprimidas nas edições populares. Percebeu-se, só então, devido à marginalização da obra verniana, que a tinham apreciado autores modernos como Jean Cocteau, Alfred Jarry, Blaise Cendrars e Guillaume Apollinaire. Deste afirma-se que teria dito a propósito da obra de Verne: “Que estilo! Só substantivos.” Mais surpreendente foi a descoberta do relacionamento de Raymond Roussell, outro escritor tardiamente rcconhecido, com a sua obra. O audacioso autor de “Locus Solus” não só o visitou, como chegou a escrever numa carta, entre outros elogios:
Mon admiration pour lui est infinie. Dans certaines pages du Voyage au centre de la Terre, de Cinq semaines en ballon, de Vingt milles lieues sous les mers, de De la Terre a la Lune et de Autour de la Lune, de L’Ile mystérieuse, de Hector Servadac, il s’est élévé aux plus hautes cimes que puisse atteindre le verbe humain.
Não faltaram surrealistas à redenção de Verne, já que em França o surrealismo é até hoje “a mais completa tradução” canônica de todos os futurismos e vanguardismos. Faltou a bênção de Breton, mas “excomungados”, como Jacque Vaché, o apreciavam. Raymond Queneau e Georges Perec, representando o grupo da OuLiPo, o entronizaram em seu mundo referencial, de uma perspectiva diferente, marcada pelo artifício matemático. Cortazar o admirava, 75
como evidencia La vuelta al día en ochenta mundos (1967), embora Borges preferisse H.G.Wells. Em suma, Julio Verne foi pouco a pouco reconhecido entre alguns dos mais instigantes mestres literários da modernidade. E as edições de suas obras, famosas pelas encadernações e ilustrações policrômicas Hetzel, que haviam sido vulgarizadas pela editora Hachette, desde 1914, em magras adaptações para a juventude, voltaram a ser recuperadas nas edições íntegras originais. Porém, isso só veio a ocorrer a partir de 1966 — centenário da publicação das Voyages et Aventures du capitaine Hatteras — quando as obras de Verne tornaram a ser impressas sem reduções, em livros de bolso, alguns muito bem comentados e anotados, e quase sempre com as ilustrações originais. Mais adiante sobrevieram, pouco a pouco, em facsímile, as edições em grande formato, com todos os parâmetros e paramentos gráficos hetzelianos. Não esquecer que Duchamp, a quem não faltava aguda percepção literária, alude certamente ao romance de Verne, Rayont Vert, em sua instalação de mesmo título (1947). De Buenos Aires pedira, em 1918, em carta de 26/10/1918 a Jean Crotti, o envio de cinco ou seis exemplares de Un Coup de Dés, na edição NRF, de 1914, além de outras publicações, como a revista Soirées de Paris, onde tinham sido publicados os primeiros caligramas de Apollinaire, e outros livros referentes ao cubismo, para uma exposição que não chegou a realizar-se.6
turas marítimas das “viagens extraordinárias” de Julio Verne. E até uma tese muito bem fundamentada foi proposta, assinalando pontualmente não apenas afinidades mas a provável influência da obra de Verne sobre o poema de Rimbaud. Em Rimbaud e Jules Verne: Au sujet des sources du Bateau Ivre (1991) , Atsuko Takaoka, da Universidade de Osaka, resume e aprofunda o estudo entre o poema de Rimbaud e a obra de Verne.7 A hipótese, sugerida, segundo ele, por François Ruchon já em 1929, e desenvolvida por outros autores, é a de que o poema teria sido afetado fortemente, em tema e vocabulário, pela obra de Verne, o de As Aventuras do Capitão Hatteras (1864) e de As Vinte Mil Léguas Submarinas (1870), em particular. De fato, há fortes coincidências, a despeito das diferenças entre a linguagem poética e a prosaica. Como acentua Roger Borderie, em prefacio à edição de Les Voyages et Aventures du Capitaine Hatteras8, Rimbaud, ao escrever, em seu “Bateau Ivre” (1871), “Et j’ai vu quelque fois ce que l’homme a cru voir.” há de se ter recordado da frase que Julio Verne põe na boca do personagem Aronnax, deslumbrado com a visão do universo marítimo proporcionada pelas largas escotilhas do “Nautilus”, em 20.000 Léguas Submarinas: Je voudrais avoir vu ce que nul /homme n’a vu encore, quand je devais payer de ma vie cet /insaciable besoin d“apprendre.
Nos inúmeros estudos sobre Verne não vi, porém, nada que o ligasse à obra de Mallarmé, aparentemente nas antípodas do modelo literário de Verne. O “barco bêbado”de Rimbaud, no entanto, veio a ser mais de uma vez aproximado das aven-
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A influência de Baudelaire, tanto sobre Rimbaud quanto sobre Mallarmé, é indiscutível. Vêm-nos à mente, desde logo, poemas como “L’Albatros” (1857) e “Le Voyage” (1861):
L’ALBATROS
O ALBATROZ
Souvent, pour s’amuser, les hommes d’équipage
Às vezes, por gracejo, a rude marinhagem
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Apanha um albatroz, ave alva e alta dos ares,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Que segue, lentamente, o navio em viagem,
Le navire glissant sur les gouffres amers.
Até os mais hostis e os mais amargos mares.
A peine les ont-ils déposés sur les planches,
Jogados no convés, pobres criaturas mancas,
Que ces rois de l’azur, maladroits et honteux,
Vêem-se esses reis do azul, rotos e enxovalhados,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Deixar penosamente as grandes asas brancas
Comme des avirons traîner à côté d’eux.
A seu lado jazer como remos quebrados.
Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule !
Como o alado viajor está feio e sem graça!
Lui, naguère si beau, qu’il est comique et laid !
Antes tão belo, agora é cômico e obscuro!
L’un agace son bec avec un brûle-gueule,
Um, o cachimbo em brasa, o bico lhe espicaça.
L’autre mime, en boitant, l’infirme qui volait !
Outro imita, coxeando, o voador inseguro!
Le Poète est semblable au prince des nuées
O Poeta é igual ao príncipe dos céus,
Qui hante la tempête et se rit de l’archer ;
Que escarnece do arqueiro e ri do trovoar;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Exilado no solo em meio aos escarcéus,
Ses ailes de géant l’empêchent de marcher.
As asas de gigante o impedem de voar.
De LE VOYAGE
De A VIAGEM
VIII
VIII
Ô Mort, vieux capitaine, il est temps! levons l’ancre!
Ó Morte, mestra-mor, é a hora! Levantemos
Ce pays nous ennuie, ô Mort! Appareillons!
Âncora! Este país nos entedia, Morte!
Si le ciel et la mer sont noirs comme de l’encre,
Se o céu e o mar são negros como o breu, nós temos
Nos coeurs que tu connais sont remplis de rayons!
Raios de luz no coração que afronta a sorte!
Verse-nous ton poison pour qu’il nous réconforte!
Dá-nos o teu veneno que nos reconforta,
Nous voulons, tant ce feu nous brûle le cerveau,
Vamos, em nosso afã de buscar um renovo,
Plonger au fond du gouffre, Enfer ou Ciel, qu’importe?
Mergulhar nesse abismo, Inferno ou Céu, que importa?
Au fond de l’Inconnu pour trouver du nouveau!
No fundo do Imprevisto à procura do novo!
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Não há registro de qualquer manifestação de Verne sobre as obras quer de Rimbaud quer de Mallarmé. Deste, no entanto, conhece-se uma apreciação do autor de Viagem ao redor do Mundo em 80 dias, numa de suas crônicas, de 1874, para a revista que criou e dirigiu, La Dernière Mode, a propósito da representação teatral do famoso livro: Ainsi, au moment où Paris regarde, non sans un véritable intérêt, sortir de la désuétude, afin de les y faire rentrer sciement,
cette féerie, ce drame, cet atlas vivant de géographie, joint, à tout le reste les noms populaires de Dennery et du très-curieux Jules Verne.9
“A fantasia, o drama, o atlas vivo de geografia” da obra-prima do “curiosíssimo Julio Verne” são, pois, reconhecidos no texto mallarmeano, demonstrando que o poeta não era indiferente ao celebrado criador das ”voyages dans les mondes connus et inconnus”.
les pièces reprises par la
Porte Saint-Martin de ce noble Casimir Delavigne, à commencer par Don Juan d’Autriche, il n’ignore pas qu’extraordinaire, vraiment par le seul chiffre des
francs, le Voyage autour du Monde,
dépenses
invoquées,
150.000
São evidentes, na poesia de Mallamé, os temas da viagem, do naufrágio, dos gelos e do branco, em muito devidos à herança de Poe e Baudelaire. Lembrese o celebrado “Brise Marine” (1866):
BRISE MARINE
BRISA MARINHA
La chair est triste, hélas! et j´ai lu tous les livres.
A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.
Fuir! là-bas fuir ! Je sens que des oiseaux sont ivres
Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres,
D´être parmi l´écume inconnue et les cieux!
Ébrios de se entregar à espuma e aos céus imensos.
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux
Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos,
Ne retriendra ce coeur qui dans la mer se trempe
Impede o coração de submergir no mar
O nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe
Ó noites! nem a luz deserta a iluminar
Sur le vide papier que la blancheur défend
Este papel vazio com seu branco anseio,
Et ni la jeune femme allaitant son enfant.
Nem a jovem mulher que preme o filho ao seio.
Je partirai ! Steamer balançant ta mâture,
Eu partirei! Vapor a balouçar nas vagas,
Lève l´ancre pour une exotique nature!
Ergue a âncora em prol das mais estranhas plagas!
Un Ennui, désolé par les cruels espoirs,
Um Tédio, desolado por cruéis silêncios,
Croit encore à l´adieu suprême des mouchoirs!
Ainda crê no derradeiro adeus dos lenços!
Et, peut-être, les mâts, invitant les orages
E é possível que os mastros, entre ondas más,
Sont-ils de ceux qu´un vent penche sur les naufrages
Rompam-se ao vento sobre os náufragos, sem mas-
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots...
Tros, sem mastros, nem ilhas férteis a vogar...
Mais, ô mon coeur, entends le chant des matelots!
Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do mar!
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Ou o menos cursivo, “Le Pitre Châtié” (1887, primeira versão, 1864)), onde o poeta é alegorizado como um nadador his-
triônico, o traidor que acaba por entregar a sua obra à água pérfida dos gelos.
LE PITRE CHÂTIÉ
O HISTRIÃO CASTIGADO
Yeux, lacs avec ma simple ivresse de renaître
Olhos, lagos com a embriaguez de quem renasce,
Autre que l’histrion qui du geste évoquais
Além desse histrião que o meu gesto desvela
Comme plume la suie ignoble des quinquets,
Como pluma um ignóbil pó que a lâmpada mostrasse,
J’ai troué dans le mur de toile une fenêtre.
Perfurei no mural de crepe uma janela.
De ma jambe et des bras limpide nageur traître,
Com perna e braço, límpido traidor que nada,
A bonds multipliés, reniant le mauvais
A golpes multiformes, renegando a face
Hamlet ! c’est comme si dans l’onde j’innovais
De Hamlet! como se na onda eu inovasse
Mille sépulcres pour y vierge disparaître.
Mil tumbas para virgem submergir em nada.
Hilare or de cymbale à des poings irrité,
Hilário ouro de címbalo ao pulso que o irrita,
Tout à coup le soleil frappe la nudité
Súbito o sol fustiga a nudez infinita
Qui pure s’exhala de ma fraîcheur de nacre,
Que pura se exalou do nácar do meu ser,
Rance nuit de la peau quand sur moi vous passiez,
Noite amarga da pele onde passas sem ver,
Ne sachant pas, ingrat! que c’était tout mon sacre,
Ingrato! que era o altar de todos os meus zelos
Ce fard noyé dans l’eau perfide des glaciers.
Um fardo que se foi na água infiel dos gelos.
Não há como não associar tais peças à incerta busca poética do desconhecido ou do imprevisto aos mares glaciais, renitentemente perseguidos pelas atormentadas viagens imaginárias de Verne em Aventuras do Capitão Hateras (1864) e em Vinte Léguas Submarinas (1870).
tema sem pensar na hipótese de estar trilhando o caminho de uma interpretação já descoberta e palmilhada. Parece, no entanto, que a maioria dos estudiosos de sua obra não se deu conta da intertextualidade dessas obras com a de Mallarmé, tendo-se fixado na referência ao « Bateau ivre » e a Rimbaud. O nome de Jules Verne não aparece no índice onomástico da longa tese de Thierry Roger (2008), L’archive du Coup de dés. Étude critique de la réception de Un Coup de dés jamais n’abolira le hasard (1897-2007),11 publicada em livro em 2010, que identifica, pontualmente, todos os estudos conhecidos até então sobre o último poema de Mallarmé. Ouso imaginar, portanto, que os maiores estudiosos do poema de Mallarmé não se deram conta da aproxima-
No correr do tempo, à medida que começou a frutificar a reabilitação de Verne para os altos estudos literários, cresceu extraordinariamente a ensaística sobre a sua obra, analisada sob os mais variados aspectos. O livro Jules Verne: Narratives of Modernity, organizado por Edmund Smyth, reunindo ensaios de vários autores, dá uma medida da versatilidade com que ela é hoje vista.10 Tão grande a sua amplitude que é difícil abordar o
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ção que julgo vislumbrar entre as obras dos dois grandes autores. Nesse sentido, chamou-me atenção um fato literário, cuja sincronicidade não vi assinalada quer nos estudos vernianos mencionados quer nos mallarmeamos, mas que me parece extremamente curioso e significativo. Em 1897, um ano antes da morte de Mallarmé, publicam ele e Verne os seus mais arriscados livros. De Jules Verne apareceria Le Sphinx des glaces, a sua temerária continuação das Aventuras de Arthur Gordon Pym, de Poe : o romance verniano foi aparecendo em folhetins no Magasin d’éducation et de recréation, de 1o de janeiro a 15 de dezembro, e acabou sendo
Página da revista Cosmopolis
80
lançado em livro pelo editor J. Hetzel em 22 de novembro, na sequência das Voyage extraordinaires, com toda a pompa das publicações de luxo da coleção : 68 ilustrações, 20 grandes gravuras fora do texto em cromotipografia, por George Roux, e um mapa, do próprio Verne. Em 4 de maio de 1897, viria a público, estampada na revista internacional Cosmopolis a primeira versão de Un coup de dés jamais n’abolira le hasard. Publicação incompleta, sem o desdobramento das páginas pretendido por Mallarmé, mas seguindo aproximadamente as variações tipográficas espacializadas do poeta. Os originais enviados por Mallarmé haviam sido recebidos em fevereiro, conforme carta de 4 de março de André Lichtenberger, o diretor da revista.
Hoje estão divulgados esboços manuscritos do poeta aos quais se atribuiram as datas de fevereiro-março.
Manuscrito de Un Coup de Dés
A edição de Un Coup de dés, da NRF, de 1914, não respeitou totalmente as instruções tipográficas de Mallarmé, e adotou os tipos Elzevir, de que ele não gostava. Faltam-me dados sobre a tiragem dessa edição. Mas ela só foi reimpressa em 1940. A terceira edição, de que tenho um exemplar, saiu em 1952. Assim se mantiveram até hoje, embora contrastadas por outras,
supervenientes, que se pretendem mais fiéis ao projeto mallarmaico, a partir de um retorno mais ortodoxo às provas e ao Didot, como a edição de Mitsou Ronat e Tibor Papp, de 1980, a de Michel Pierson et Ptyx, de 2004 e a Ypsilon de 2007. Alguns dos menos conhecidos e mais ousados romances de Verne só foram editados, volto a sublinhar, a partir da década de 1960. 81
Página da edição da NRF, 1914.
Página da edição de Michel Pierson & Ptyx, 2002.
82
A paisagem imaginária das duas obras, — Le Sphynx des glaces e Un coup de dés — pontuada por uma semântica onde repontam “le hasard”, “la folie”, “l’abîme”, “le naufrage”, entre reiterados termos náuticos e marítimos, apresenta enormes afinidades, apesar de sua antinomia. O “alvo” do gelo, nas viagens exploratórias de Verne aos polos, e a página branca e naufrágica de Mallarmé se cruzam, sob a influência co-
mum da derradeira aventura enigmática de Poe/Pym. Expressão “sintetico-ideográfica” uma, “analítico-discursiva” a outra, para usar de uma fórmula apollinairiana. Mas parece impressionante para mim a afinidade entre o vocabulário de Verne e de Mallarmé, que retoma, em 1898, ano de sua morte, em 9 de setembro, o tema do naufrágio no poema sobre Vasco da Gama, “Au seul souci de voyager ”.
AU SEUL SOUCI DE VOYAGER
À SÓ TENÇÃO DE IR ALÉM DE
Au seul souci de voyager
À só tenção de ir além de
Outre une Inde splendide et trouble
Uma Índia em sombras e sobras
Ce salut soit le message
Seja este brinde que te rende
Du temps, cap que ta poupe double
O tempo, cabo que ao fim dobras
Comme sur quelque vergue bas
Como sobre a vela da nave
Plongeante avec la caravell
Mergulhando com a caravela
Écumait toujours en ébats
Espumante a ávida ave
Un oiseau d’annnce nouvelle
Da novidade sempre vela
Qui criait monotonement
A cantar com monotonia
Sans que la barre ne varie
Sem jamais volver o timão
Un unutile gisement
Uma jazida ali à mão
Nuit désespoir e pierrérie
Noite demência e pedraria
Par son chant refété jusqu’au
Que se reflete pelo casco
Sourire du pâle Vasco
Ao riso pálido de Vasco
Ambos os escritores idolatraram Baudelaire e, sobretudo, Edgar Allan Poe, que Mallarmé descobriu em 1860. Verne não tornou explícita em seus romances a admiração por Baudelaire, mas seu único ensaio crítico fala por si mesmo, e a presença do tema de l’inconnu, presente até mesmo nos subtítulos dos seus romances, acusa mais influência de Baudelaire (“au fond de l’Inconnu pour trouver du nouveau !”)‚ do que a de qualquer outro poeta. Ambos, à sua maneira procuraram
chegar a uma obra totalizante e universal. Mallarmé : « un livre qui soit un livre (...) : le Livre persuadé qu’au fond il n’y a qu’un (...). L’explication orphique de la terre (...) Prouver par les portions faites que ce livre existe, et que j’ai connu ce que je n’aurai pu accomplir » (carta a Verlaine, 16.11.1885); « un Livre, explication de l’Homme » (carta a Vittorio Picca, publicada em 27.11.1886). Verne : « Mon but a été de dépeindre la Terre, et pas seulement la Terre, mais l’univers, 83
car j’ai quelquefois transporté mes lecteurs loin de la Terre dans mes romans » (1884). Mais : Verne : « ...pour les quelques ouvrages que j’ai encore à faire, et qui, dans ma pensée, compléteront la peinture de la Terre sous la forme du roman. » (carta a Louis-Jules Hetzel, filho do grande editor, 13 de outobro de 1890). E não seria o caso de contrastar o « Grand Livre » de Paris au XXe siècle, a obra que Verne escreveu e Hetzel recusou, em 1863, com o Livre ideal de Mallarmé ? Esse futuro « Grand Livre de la maison de banque », que Verne imaginou para os anos 1960, obra requintadamente tipográfica, com « ses encres multicolores » que « relevaient vivement les rapports et la pagination » e seus números onde se destacam, em cores complementares, os francos em vermelho escarlate e os centavos em verde escuro ― alegoria profética da tirania financeiro-mercadológica dos nossos tempos ? São dois « Livros » totalizantes e opostos mas que se encontram na famosa frase do poeta : TOUT EXISTE POUR ABOUTIR EN UN LIVRE. E que têm em comum, ainda, o referencial ligado à tipografia excepcional desses Livros imaginários, o de Mallarmé preludiado por seu Un Coup de Dés. Timothy Unwin, em Jules Verne ― Journeys in Writing12 , observa « a tensão dos escritos de Verne entre o seu projeto totalizante e universalista e a sua fragmentação », assinalada por vários estudiosos, e lembra que Marie-Hélène Huet vê, nas últimas obras vernianas, « um certo sentido de abdicação » em relação a um projeto que ele reconhece impossível, concluindo que « c’est ainsi que le projet ambitieux qu’Hetzel avait assigné au jeune écrivain se trouve realisé par son échec même »13.
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Mallarmé. Verne. Fracassucessos.
Tendo consultado abundante literatura sobre Julio Verne, só encontrei uma referência sobre uma aproximação entre as obras dos dois grandes escritores, sem que tenha podido precisar a sua fonte. Aparece ela, num texto não assinado que encontrei na Wikipedia a respeito de um outro romance da última fase de Verne, Le Testament d’un excentrique, publicado em 1899, dois anos após Le Sphinx des Glaces e Un Coup de dés14 : Dans Le Testament d’un excentrique, tout au contraire, les déplacements des concurrents ne s’exposent qu’au hasard, par les dés que fait rouler imperturbablement Tornbrock. Ils n’ont aucun moyen d’enrayer cette machine. Ils ne sont pas maîtres de leur destin, ils sont des pions aux mains du hasard, et, pour eux, aucune feuille de route. On peut penser alors au poème de Stéphane Mallarmé, Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, d’autant que Verne cite le poète dans son roman.
De fato, apesar de tal citação não se referir a Mallarmé, mas sim a versos de Leconte de Lisle, esse novo romance mais do que extraordinário tem tudo a ver com o Coup de dés mallarmeano, e quem sabe não terá sido de alguma forma influenciado por ele. Le Testament d’un excentrique é um livro no qual o acaso e os dados desempenham um papel central. Como assinala Marie-Hélène Huet, em sua introducão ao livro, na edicão Pléiade (2016) [10], foi ele escrito em 1897, entre 7 de março e 22 de setembro, entregue ao editor Hetzel em 28 de julho
de 1898, apresentado como um folhetim no Magasin d’éducation et de récréation, de 1° de janeiro a 15 de dezembro de 1899, e por fim publicado em volume in 8°, ilustrado, em 27 de novembro desse ano. O livro começa mencionando a data em que se situa o evento imaginário : “Un étranger, arrivé dans la principale cité de l ‘Illinois le matin du 3 avril de 1897, aurait pu, à bon droit, se considérer comme le favori du Dieu des voyageurs”. Volto a frisar que a revista Cosmopolis, com Un Coup de dés, saiu em 4 de maio de 1897. A história do romance mais que extraordinário de Verne tem o seguinte tema. Um milionário norte-americano excêntrico prevê, em testamento, que sua fortuna seja distribuída em herança por meio de um jogo conhecido como « jeu de l’oie » (jogo do ganso), jogo clássico de azar, em formato de espiral, com 63 casas. Cada uma corresponde a um dos cinquenta estados da União, catorze delas repetindo o de Illinois. Os concorrentes serão seis, determinados por escolha aleatória, e mais um, oculto sob a sigla de XKZ. Ao lance de dois dados, terão por obrigação viajar para as cidades que forem sorteadas, e deverão aguardar por prazo determinado novo sorteio, indo ao acaso, de estado em estado. Segundo o testador, um jogo no qual “le pur et seul hasard dirige ceux qui luttent sur le champ de bataille pour remporter la victoire”. A narrativa, com os seus incidentes minuciosamente datados, se passa entre os dias 3 de abril e 15 de julho, com os concorrentes, sorteados de dois em dois dias, partindo de 1º a 13 de maio de 1897. De uma carta de Verne a Hetzel, 28 de julho de 1898, a propósito de Le Testament d’un Excentrique, que tem algo de seu próprio testamento: « j’en ai absolument fini avec les enfants qui cherchent leur père, les pères qui cherchent leurs enfants, les femmes qui cherchent leurs maris, etc. » .Verne parece estar farto das
concessões familiares e ter a intenção de concentrar-se mais do que nunca na estrutura aleatória do seu romance, ainda que a pressão de Hetzel o tenha compelido inevitavelmente ao “happy end”. A primeira tradução para o português de Le Testament d’un Excentrique vem de ser publicada pela editora Carambaia, em tradução de Regina Schöpke e Mauro Balladi (julho de 2017). Edição, de resto, muito bem cuidada, elegantemente ilustrada com fotos e trechos de mapas antigos da União. Eu teria preferido encartar à edição a estampa do “Nobre Jogo dos Estados Unidos da América”, difundida pelas edicões Hetzel, e um mapa dos Estados Unidos com as cidades percorridas. Seriam muito úteis para a degustação das aventuras e correrias trepidantes dos jogadores pelos vastos territórios daquele país. Mas esta é uma consideração de ordem prática, que não empana o valor da iniciativa. Conforme acentua Arthur B. Evans, no estudo “Jules Verne and The French Literary Canon”, incluído no já citado Jules Verne ― Narratives of Modernity) : “Embora seus romances estejam cheios de referências a Dieu, la Providence e le Créateur, eles igualmente citam le hasard, le destin e la fatalité como as forças ocultas que governam os atos dos heróis e vilões” 15. Suas concessões a Deus ou à Providência parecem ser um modo de contemporizar com a pressão do editor Hetzel, que cuidava de amenizar a irreligiosidade fundamental de Verne (v. em L’Île à hélice a violenta sátira à “guerra civil” entre católicos e protestantes, que leva à destruição da ilha artificial do futuro). Hetzel, como se sabe, recusou o manuscrito de Paris au XXe siècle, mostrando-se um vigilante censor da obra de Verne, apesar de todo o grande apreço que lhe tinha. E Verne chegou a modificar a identidade de Nemo para atender às restrições do editor. 85
“Hasard“ é, efetivamente, palavra-tema relevante, pervadindo todas as suas obras. É talvez a chave última que justifica as « verossimilhanças » inverossímeis
que fazem com que as extraordinárias aventuras de Jules Verne se tornem possíveis e não totalmente imaginárias. Alguns exemplos significativos :
AVENTURES DU CAPITAINE HATTERAS
PARIS AU XXe SIÈCLE
— Vous êtes, répondit Hatteras d’une
— Oui, je ris, répondit Michel, car il ne
voix à peine contenue, vous êtes un
m’arrivera jamais d’avoir mêm un
homme qui prétend accorder au ha-
mètre cube de terre ! à moins que le
sard et à la science une même part
hasard...
de gloire ! Votre capitaine américain s’est avancé loin dans le nord, mais le
— Comment ! le hasard ! s’écria le pia-
hasard seul...
niste ! voilà pourtant un mot que tu ne comprends pas, et de qui tu te sers !
— Le hasard! s’écria Altamont ; vous
— Que veux tu dire ?
osez dire que Kane n’est pas redevable
— Je veux dire que hasard vient d’un
à son énergie et à son savoir de cette
mot arabe, et ce mot signifie difficile !
grande découverte ?
Pas autre chose ; donc en ce monde, il
— Je dis, répliqua Hatteras, que ce nom
n’y a que des difficultés à vaincre ! et
de Kane n’est pas un nom à prononcer
avec de la persévérance, et de l’intelli-
dans un pays illustré par les Parry, les
gence, on s’en tire !
Franklin, les Ross, les Belcher, les Penny, dans ces mers qui ont livré le passage du nord-ouest à l’anglais Mac Clure... — Mac Clure !, risposta vivement l’Américain, vous citez cet homme et vous vous élevez contre les bénéfices du hasard ? N’est pas le hasard seul qui l’a favorisé ?
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LE SPHINX DES GLACES Mon projet était de rester quelques semaines de la belle saison dans cette dernière île. De là, je comptais repartir pour le Connecticut. Cependant je n’oubliais pas de réserver la part qui revient au hasard dans les propositions humaines, car il est sage, comme l’a dit Edgar Poe, de toujours« calculer avec l’imprévu, l’innatendu, l’inconcevable, que les faits collatéraux, contingents, fortuits, accidentels, méritent d’obtenir une très large part, et que le hasard doit incessament être la matière d’un calcul rigoureux ».
Não há de ser só o acaso que faz aproximar os dois escritores franceses dos mesmos temas e das mesmas visões, ainda que por vias diversas e até mesmo opostas. O tardio reconhecimento de ambos, nos estudos de maior profundidade e espessura literária, um por sua suposta obscuridade e outro por sua suposta comunicabilidade, aponta para uma compreensão de suas obras sob perspectiva mais abrangente. A primeira edição completa, projetada por Mallarmé para o seu Un Coup de dés estava prevista para apenas 200 exemplares. Mallarmé desejava que o seu poema fosse impresso com a tipografia Didot, conforme projeto que confiou ao editor Ambroise Vollard, e a composição começou com essa tipologia, caracterizada pela serifa delgadíssima. Chegou a ter numerosas provas (há quem afirme que já se encontraram treze) que o poeta mostrava a alguns amigos e distribuía entre eles. Alfred Firmin-Didot (1828-1913), descendente da famosa família de impressores, a quem as provas mallarmaicas eram implacavelmente remetidas, achava que Un Coup de dés era “obra de um louco” e relutava em publicá-la. Vollard acabou desistindo. Por acaso, os tipos Didot aparecem na
palavra « Excentrique », em semicírculo, no título da página de rosto da primeira edição de Le Testament d’un excentrique. Em 1962 foi lançado o livro Mobile de Michel Butor. Saudei-o, no ano seguinte, no estudo “A Prosa é Móbile”. depois incluido no livro À Margem da Margem (1989). Analisei então o texto tipográfico espacial e colagístico de Butor, sob a ótica do « lance de dados » mallarmeano e da linguagem ideogrâmica dos Cantos de Ezra Pound. Vejo agora que essa prosa experimental e aleatória, subtitulada ― é bom lembrar ― « Étude pour une représentation des ÉtatsUnis », há de ter recebido a influência do « testamento de um excêntrico ». É o que observa Marie-Héléne Huet, em seu prefácio a esse romance, na publicação das obras completas de Jules Verne pela edição Pléiade, sendo certo que o Testament de Verne já estava embrionariamente desenhado no romance Le Tour du monde en quatre-vingts jours, como a ensaísta o demonstrou em sua monografia, Around the world in Eighty Spaces16 , na qual, entre outras considerações, publica um anúncio da editora Hetzel, de 1873, onde os incidentes do “jogo entre a matemática e o acaso” aparecem projetados graficamente nas casas de um “Jeu de l’Oie”. A homonímia de muitas cidades dos Estados Unidos, importante elemento estrutural de Mobile, também enfatizado por Marie-Hélène Huet, está explicitamente prevista no capítulo intitulado « La péregrination d’Harris Y. Kimbale », onde Verne se refere aos homônimos da cidade de Jackson, “quatre au Michigan, au Mississipi, au Tenessee et dans Ohio, et deux Jacksonville, l’une dans Illinois, l’autre dans Floride, à plusieurs milliers de milles de la Californie”. As últimas décadas, aguçadas pelo enciclopedismo digital, nos propiciam dados que não tínhamos antes, reunidos num espectro amplo que nos ajuda a « ver com olhos 87
novos » e « livres » o obscuro e o claro de muitos enquadramentos canonicamente limitados. Dados os dados, fica proposta, para a nossa perplexidade, mais esta linguaviagem
88
extraordinária, que reúne sincronicamente ― coincidência ? ironia ? sátira ? ― as obras de dois grandes autores antitéticos, afetados pelo mesmo e singular tema do acaso.
HOMMAGE À MALLARMÉ VERNE*
89
Notas * Uma versão reduzida deste ensaio foi publicada na revista
8
eletrônica VERNIANA, dedicada aos estudos sobre Júlio
Gallimard, Folio Classique, 2005.
Verne, volume 10 (2017-2018), em 20 de dezembro de
9
2017. <http://www.verniana.org/volumes/index.en.html.>
18 octobre 1874, Mallarmé Pléiade, 1965, p. 786.
1
Michel Brix, “Baudelaire, disciple d’Edgar Poe?”,
Romantisme, 2003, nº 122, Maîtres et Disciples, pp. 55-69. 2
Musée des Familles. Tomo 31. No 7, abril de 1864,
pp. 193-208. 3
Les Voyages et Aventures du Capitaine Hatteras,
Oeuvres Complètes Poésie-Prose, “La Dernière Mode”,
10
Jules Verne - Narratives of Modernity, edited by
Edmund J Smyth, essays by him, Arthur B. Evans, Daniel Compère, Timoty Unwin, Sarah Capitanio, David Platten, David Meakin, Trevor Harris,
Michel Butor - Répertoire 1- “Le Point suprême et l’âge
Andrew Hugill, Terry
Hale, William Butcher. Liverpool University Press, 2000.
d’or à travers quelques œuvres de Jules Verne”, Paris:
11
Minuit, 1960 [1949].
roger.pdf Thierry Roger — L’archive du « Coup de Dés ».
4
Roland Barthes - Mythologies - “Nautilus et le Bateau
Ivre”, Paris: Aux Éditions du Seuil, 1957. 5
http://www.theses.paris-sorbonne.fr/these.thierry.
Etude critique de la réception d’« Un coup de dés jamais n’abolira le hasard » de Stéphane Mallarmé, 1897-2007.
Résistances - Conversations aux Antipodes - Michel
Paris, Classiques Garnier, juillet 2010.
Butor et Michel Launay , Paris, Presses Universitaires de
12
France, 1983, pp 25-26:
Liverpool University Press, 2005, p. 32. 13
“La façon dont ils l’ont lu a certainement
Minard, 1973, p. 167. 14
sa poèsie ”concrète” ce que Mallarmé
que. Segundo foi apurado, o texto em questão é de Michel
entendait
Kotalrek, publicado anteriormente sob o pseudônimo de
comme
physique
du
livre.
https://fr.wikipedia.org/wiki/Le_Testament_d’un_excentri-
Allors que certains représentants brillants
Hyperbone. Falecido há dois anos, tem dois artigos publica-
de
dos na revista J.V., do antigo Centro de documentação Jules
la
conscience
littéraire
française
traditionelle (Valéry, Blanchot) se sont
Verne. Dados fornecidos por Garmt de Vries e Volker Dehs.
éforcés d’interpréter les audaces du Coup
15
Ob. cit., p. 19.
de dés comme une façon de nier l’aspect
16
Marie-Hélène Huet. Around the World in Eighty Spaces.
physique du livre par lui-même, les
Princeton University Library
Brésiliens, comme un Claudel avant eux,
Chronicle, vol. LXXIV, No 3, Spring 2013., vol. LXXIV, No
si merveillusement parfois sensible au
3, Spring 2013.
changement, on su en recevoir l’évidence
* Sobre trecho do mapa desenhado pelo próprio Verne para
“sauvage”. (…). Au Brésil le blanc de la
Les Voyages et Aventures du Capitaine Hatteras (1866)
plein lequel il faut se tailler l’ombre bienfaisante d’un chemin.”
Marcel Duchamp — Una obra que no es obra ”de arte”,
Gonzalo Aguilar e outros. Fundación Proa, Buenos Aires, 2008, pp 115-116. Atsuo Takaoka - Rimbaud e Jules Verne: Au sujet des
sources du Bateau Ivre (1991) ir.library.osaka-u.ac.jp/ dspace/bitstream/.../1/gallia_30_043.pdf
90
Extraordinaires. Essai sur l’oeuvre de Jules Verne. Paris,
ont en particulier su développer avec
au lieu d’un desert vide, c’est le désert
7
Marie-Hélène Huet. L’Histoire des Voyages
approfondi et éclairé la mienne. Ils
page ce sera le jungle écrasé de soleil où
6
Timothy Unwin. Jules Verne ― Journeys in Writing.
POSSÍVEL LEITURA DO FRAGMENTO GALÁTICO 1 MULTITUDINOUS SEAS Armando Sérgio dos Prazeres
91
se eu lhe disser que o mar começa você dirá que ele cessa se eu lhe disser que ele avança você dirá que ele cansa se eu lhe disser que ele fala você dirá que ele cala e tudo será o mar e nada será o mar
Haroldo de Campos
A metáfora do mar como um livro ou do livro como um mar poderá funcionar, assim desejamos, à maneira de reluzente farol nesta leitura que ora empreenderemos sobre o fragmento “multitudinous seas”, o terceiro dos cinquenta que compõem o livro Galáxias, de Haroldo de Campos. Obra que escapa às classificações de gênero e escola literária, as Galáxias foram lançadas em 1984 pela Ex Libris e reeditadas em 2004 pela Editora 34. Se para Haroldo “a viagem como livro e o livro como viagem” (2004, p. 119) constitui um tema recorrente em Galáxias, para nós, o mar-livro ou o livro-mar será a imagem que vai-e-vem, que vem-e-vai, como ondas, pelas quarenta e três linhas do multitudinoso fragmento. Podemos, desta feita, considerar que o fragmento conduz o leitor a uma viagem ao mar aberto e revolto da poesia, na qual o dramaturgo e poeta inglês William Shakespeare iça as velas e dá a partida, lançando no texto haroldiano a voz de Macbeth, protagonista da tragédia homônima, quando do seu atormentado monólogo após manchar o trono de sangue: “multitudinous seas incarnadine” (linha 1). Indo para o final da página, vislumbramos uma espécie de transcriação de Haroldo 92
para esta fala macbeth-shakespeareana: “multitudinoso mar purpúreo” (linha 41). No fragmento galático, a frase de Macbeth/Shakespeare jorra sangue noutras frases, entre elas, as de Homero, que, ao lado do bardo inglês, será a outra voz-guia a soprar as velas que transportarão o leitor pelas ondas textuais da página-mar. Tais vozes conferirão contornos à imagem do livro como um “mar multitudinário”, onde tudo cabe, tudo sabe, como um “oceano se abrindo como uma vulva violeta” (linha 3). Imagem que fomentará a apreciação total, inclusive erótica, do leitor, uma “erótica da linguagem como exploração das modalidades do visível, do audível, do táctil”, como disse certa vez Haroldo sobre a elaboração do poema Ciropédia ou A Educação do Príncipe, obra que, tal a tessitura galática, almejava “dialetizar a questão da ruptura dos gêneros (poesia/prosa)” (1992, p. 270). A certo passo do fragmento o leitor se depara com outra construção metafórica, análoga às descritas acima: “o mar como um livro rigoroso e gratuito” (linha 18). Rigor e acaso, princípios, a nosso ver, direcionadores da carta náutica de todas as Galáxias (as de Haroldo e de outras tan-
tas empresas poéticas radicais). Não esqueçamos estas palavras do Poeta: “Meu livro Galáxias (1963-1976) é um ensaio de abolição das fronteiras entre poesia e prosa, que busca aliar rigor construtivista e proliferação neobarroca” (2013, p. 203). Nas veias do fragmento, se o mar de Macbeth é feito pelo transbordamento do sangue de inocentes em nome de seu plano de ascensão ao poder, o mar homérico (poderíamos dizer homárico, transfundindo com sangue haroldiano nossas palavras) não será menos um trono manchado do sangue da guerra entre gregos e troianos cantada na Ilíada. Guerra, diga-se de passagem, transcriada por Haroldo em dois volumes (Mandarim, 2001; Arx, 2002). No multitudinoso fragmento, porém, outras vozes vêm dar o ar da graça: Esta celebração do mar-livro começa por
um
verso
de
Shakespeare
(Macbeth, II, cena II), referência ao mar multitudinoso, que de verde
Metamorfose do livro em mar ou do mar em livro? Como bom poeta barroco que é, Haroldo nada exclui. Deste modo, recria com palavras a explosão ruidosa do mar, faz-nos acompanhar a gradação de cores que o mar atinge ao longo do dia, leva-nos a perceber a textura, o brilho de suas águas e o branco de suas espumas. Coloca em nossos ouvidos os movimentos das marés, a turbulência e a mansidão das águas. Para se ter uma noção, entreguemo-nos à experiência verbo-mar: “a primeira tinta da aurora”, o “roçar rosa da dedirrósea agora aurora” (algo como os dedos rosas da manhã), o “polifosfóreo noturno agora sob estrelas extremas mais liso e negro como uma pele de fera um cetim de fera um macio de pantera”, “o mar polifluente se ensafirando a turquesa se abrindo deiscente como um fruto que se abre e apodrece em roxoamarelo”, “o mar cor de urina sujo de salsugem e de marugem de negrugem e de ferrugem”. Sobre esse barroquismo do mar, Eugenio d’Ors nos fala:
se transmuda em vermelho-sangue, verso da predileção de Ezra Pound e
Qué gran tentación romántica el
também de Borges. Termina com o
mar! Su masa informe, su caos, ori-
vocábulo grego polüphloisbos (“po-
gen de toda a vida, pero privado de
lissonoro”), aplicado por Homero
las estructuras de la vida y su infinito,
(Ilíada, I, 34) ao bater das ondas
y su indefinición... El mar es subli-
na praia. Odorico Mendes, tradu-
me. Esto, en el lenguaje de las artes,
tor “macarrônico” dos poemas ho-
equivale a decir que es Barroco; ya
méricos (“a dedirrósea aurora”), é
ha advertido Woelflin el barroquismo
também invocado de passagem, na
esencial del género pictórico llamado
tradição épico-marinha da língua
“marina” (d’ORS, 1964, p. 145).
portuguesa, que remonta a Camões, maneirista, pré-barroco (CAMPOS, 2004, p. 121-122).
Ao findar a página com a palavra “polüphloisbos”, vocábulo que vem a condensar todo o rumor do mar, dá-nos a sensação de que o texto, a essa altura, cumpre uma espécie de metamorfose marinha, ensaiada desde o início da página.
A sensação é como se, em vez de palavras, lêssemos por meio de búzios, como se encostássemos nosso ouvido a uma concha e deitássemos à paisagem acústica do mar. Ouçamos um pouco: “o oceano oco e regougo”, as “maretas esfarelando ao vento”, o “maroceano soprando”, “o mar gárgulo e gargáreo gorjeando gárrulo”. Explorando as possibilidades expressivas do 93
fonema “eme”, recorrente do início ao fim da página, o poeta faz-nos a um só tempo ouvir e ver o ronco das ondas, a arrebentação nas pedras, o vento arrepiando a pele do mar, a agitação das vagas, as procelas em alto-mar: “multititudinous”, “multituidinário”, “miúdas migalhas”, “maretas”, “suas plumas mas o mar mas a escuma mas a espuma mas a espumaescuma do mar recomeçado recomeçando”, “mar mareado”, “mar manchado”, “mas o mar reverte mas o mar verte”, “mareando marujando marlunando marlevando marsoando”. Quando dissemos há pouco que o texto cumpre ao final sua metamorfose marinha, estávamos salientando o caráter metamórfico da linguagem haroldiana, que aqui, como em vários outros fragmentos, vai aos poucos se transformando na matéria narrada. Isto é, discorrendo acerca das qualidades e propriedades do mar, por meio de construções lexicais que plasmam semântica e morfologicamente essas características, a linguagem acaba por personificar o mar, embutindo em “polüphloisbos” “todo o rumor do mar”, esta “palavra-búzio que homero soprou e que deixa transoprar”2. Podemos dizer que este vocábulo, carregado de significações do signo mar, atua também como sonoridade onomatopaica, um ruído mesmo, como se o fragmento findasse com o estrondo das ondas aos ouvidos e olhos do leitor. Corrobora esta nossa consideração a oralização de dezesseis fragmentos realizada pelo Poeta para o CD isto não é um livro de viagem, lançado em 1992, também encartado na 2ª. edição de Galáxias. Dando-nos a perceber a ênfase ao acento oral do texto galático, Haroldo finaliza sua leitura do fragmento “multitudinous seas” prolongando o fonema “s” (ésse) do referido vocábulo homérico, até o apagar de sua fala, como se mínimo espocar das gotículas das ondas sibilasse em sua língua: “polüphloisbossssssss”. 94
Quanto a este aspecto oral do fragmento, não poderia nos escapar aqui uma analogia com o conto Meu tio, o Iauaretê, de Guimarães Rosa. O conto recebeu de Haroldo um ensaio que pôs em destaque a metamorfose da linguagem ali contida, por meio das sonoridades onomatopaicas da língua portuguesa e do tupi-guarani: O conto é um longo monólogo-diálogo (o diálogo é pressuposto, pois um só protagonista interroga e responde) de um onceiro, perdido na solidão dos gerais, que recebe em seu rancho a visita inesperada de um viajante cujos camaradas se extraviaram. O onceiro, meio-bugre, desfia sem parar a sua fala, contando casos de onças e de zagaieiros, bebendo cachaça, tentando entreter o hóspede e fazê-lo dormir, com algum propósito maligno que sua conversa ora vela, ora revela (CAMPOS, 1992, p. 59).
Passos adiante, Haroldo começa a evidenciar, com meticuloso interesse, a metamorfose do onceiro em onça, que corresponde rosianamente à transmutação da linguagem textual em linguagem onceira: À medida que a história flui, o que parecia bravata do tigreiro para assustar seu hóspede (“Cê tem medo? Mecê, então, não pode ser onça... Cê não pode entender onça”; Mecê acha que eu pareço onça? Mas tem horas em que eu pareço mais. Mecê não viu”; “Eh, onça é meu tio, o jaguaretê, todas”; Então eu viro onça mesmo, hã. Eu mio”; “Onça é meu povo, meus parentes”; “De repente, eh, eu oncei”), os “causos” de caçada e morte, de gente comida de onça e de jaguaretês carniceiros, só familiares para o zagaieiro, que lhes conhecia os nomes e as manhas, tudo vai convergindo para
o clímax metamórfico. Este não é apresentado, mas presentado, presentificado pelo texto (CAMPOS, 1992, p. 61).
Presentificação que, segundo Haroldo, se resolve assim: A transfiguração se dá isomorficamente, no momento em que a linguagem se desarticula, se quebra em resíduos fônicos, que soam como um rugido [grifo nosso] e com um estertor (pois nesse exato instante se percebe que o interlocutor virtual também toma consciência da metamorfose e, para escapar de virar pasto de onça, está disparando contra o homem-iauaretê o revólver que sua suspicácia mantivera engatilhado durante toda a conversa): “Ui ui mecê é bom, faz isso comigo não, me mata não... Eu – Macuncôzo... Faz isso não, faz não... Heeé... Hé... Aar-rrâ... Aaâh... Cê me arrhoôu... Remuaci...
Rêiucàanacê...
Araaã...
Uhm... Ui... Ui... Uh... uh... êeês... êê... ê... ê...” (CAMPOS, 1992, p. 62).
Estamos cientes de que se trata de duas obras distintas enquanto gêneros literários – um conto e um... Um o quê?! Poema prosístico? Prosa poética? Proesia, como queria Caetano no lançamento de Galáxias? Transpoema?... Galáxias não se define, vive-se. Dito assim, não estamos pretendendo uma análise comparativa em sentido estrito. O que urge estabelecermos entre a obra do autor mineiro e o fragmento galático é o fato de que em ambos os textos a linguagem se traveste gradativamente no objeto narrado. Neste aspecto, o conceito de travestimento enquanto disfarce e ambiguidade nos auxilia a pensar a camuflagem da linguagem, a relação inextricável do referente com o significante, que em Guimarães Rosa per-
formatizam o homem-onça e em Haroldo de Campos a palavra-mar. Isto posto, não apenas no fragmento que ora nos debruçamos como em toda a dimensão de Galáxias, o modo de contar se transmuda no que é contado. Ou, nas palavras de nosso poeta, “o objeto da demanda é o próprio ‘ser’ do conto, o ‘quem’ da narração (como se poderia dizer, à maneira de Guimarães Rosa)”3. A linguagem se metamorfoseia porque é ela mesma a protagonista da cena galática, cujos procedimentos técnico-criativos, aquilo que Haroldo nomeia de “dispositivos fono-prosódicos”, são suas artimanhas de artificialização barroca, esta operação lúdica que abre na consciência do leitor as portas da imaginação para uma viagem transformadora e criativa. Insistamos na ideia do livro como um mar e das páginas como folhas. Talvez com este excerto do fragmento em leitura realizemos a analogia: “esse livro que se folha e refolha que se dobra e desdobra nele pele sob pele pli selon pli”. Em “folha e refolha” parece chegarmos a ouvir a um só tempo o farfalhar do manuseio das páginas do livro e os ruídos do ritmo ininterrupto das ondas do mar. Páginas e ondas fluindo e refluindo como se as leituras de Galáxias e do mar coincidissem em aparência e transcurso, ressaltando ainda a ideia de leitura contínua e intercambiável. Em “dobra e desdobra”, atentamos para as camadas incessantes de significâncias da linguagem galática, dos signos que geram outros signos, das palavras que são conduzidas e conduzem a outras palavras, compondo assim uma cadeia de interpretantes sem fim, “pli selon pli” (dobra sob dobra), conforme pratica Haroldo, remetendo-nos às noções barrocas de infinitude e abertura, ecoando, também, a Dobra de Leibniz via Deleuze: 95
Dobrar-desdobrar já não significa simplesmente tender-distender, contrair-dilatar,
mas
envolver-desenvolver,
involuir-evoluir. O organismo define-se pela sua capacidade de dobrar suas próprias partes ao infinito e de desdobrá-las não ao infinito, mas até o grau de desenvolvimento consignado à espécie. Desse modo, um organismo está envolvido na semente (pré-formação dos órgãos), e as sementes, como bonecas russas, estão envolvidas umas nas outras até o infinito (encaixe de germes) (DELEUZE, 1991, p. 21).
Ativada nossa imaginação, chegamos a ver aqui uma profusão de ondas, umas se formando e desformando sob e sobre as outras, sendo cada uma delas unidade de onda e totalidade de mar. A esse respeito, acode-nos Haroldo: A ideia norteadora – a viagem como livro e o livro como viagem – abarca tudo isso. É uma vertebração semântica que dá unidade subliminar à proliferação das diferenças na escritura galática. Viagem paródica, homérica [grifo nosso] e psicodélica ao mesmo tempo. Livro ivro (“Bateau îvre”) onde cabe o vivido, o lido, o treslido, o tresvivido... Visões vertiginosas, de quadros, de lugares, de pessoas, de presenças (históricas e mitológicas) aparecem e desaparecem ao longo da tessitura verbal, do mar de sargaços da linguagem [grifo nosso] (CAMPOS, 1992, p. 271).
Esta citação, referenciada ela mesma em outras possíveis presenças, como a do poeta francês Arthur Rimbaud (“Bateau îvre”), parece fortalecer a metáfora do “mar como um livro” ou do “livro que ao mar reverte”. Ainda quanto à citação, atentemos: “Visões vertiginosas de 96
quadros, de lugares, de pessoas, de presenças”, aparecendo e desaparecendo? Isto está nos cheirando a cinema. Palavras de Haroldo: “Valho-me frequentemente de processos cinematográficos, tais como o corte e a montagem, a fusão, o flashback e o flashforward (CAMPOS, 1992, p. 274). Não foi por acaso que o cineasta carioca e amigo do Poeta, Julio Bressane, transcriou para o código audiovisual a “vertebração semântica” das Galáxias, através do díptico videográfico Galáxia albina (1992) e Infernalário: logodédalo galáxia dark (1993). “Haroldo, vamos filmar as Galáxias! As Galáxias são cinema, Haroldo! Cinema!”, enfatiza Bressane no diálogo com o Poeta, que abre a primeira parte do díptico. E este fragmento sobre o qual por ora nos ocupamos foi um dos principais vetores mobilizados no processo de tradução lítero-cinematográfica, que levou em conta antes a essencialidade do texto galático do que a literalidade de seus conteúdos página a página. Em Galáxia albina, por exemplo, o mar “cor de urina sujo” de Macbeth “suja” os planos e as sequências do filme, recriando com imagens e sons a mortificina que rei e rainha (Lady Mabeth) tramaram para subirem ao trono. Nesta recriação audiovisual, o “polüphloisbos” do mar homérico assoma-se ao jorro de sangue shakespeareano, como se assomam e se cruzam na mesma página galática as fúrias das personagens Aquiles e Macbeth. Mas, se as Galáxias já são cinema, como disse Bressane, vejamos que técnicas o “poeta-cineasta” Haroldo de Campos utiliza para a construção desta narrativa híbrida, que mistura procedimentos literários e cinematográficos, considerada pelo próprio poeta como um “audiovideotexto, videotextogame” (CAMPOS, 2004, p. 119):
Jogo com técnicas de narrativa que fraturam, transgridem, tornam ambíguos o espaço e o tempo épico, os caracteres. Altero os registros retóricos. Dissemino as citações que dão uma entonação multíplice às “falas” e confundem as “vozes” narrativas. “Por quem os signos dobram?” – pergunta um dos fragmentos das Galáxias. Daí o tom “detetivesco” que o livro acaba assumindo, de uma certa perspectiva de leitura, pois a negaça da intriga passa, por si mesma, a ser intrigante... (CAMPOS, 1992, p. 275).
Atentos a estas declarações, sobretudo no que tange à disseminação das citações que geram múltiplas falas, chegamos a ouvir no fragmento “multitudinous seas” não apenas as vozes de Shakespeare e de Homero, mas um mar de vozes, que, como ostras, incrustam-se umas nas outras. Passos acima, trouxemos uma citação do Poeta na qual ele afirma que o verso inicial “multitudinous seas incarnadine”, extraído da peça do poeta inglês, configura um “verso da predileção de Ezra Pound e também de Borges”. Sobre Ezra Pound, saiba o leitor: poeta e tradutor americano, autor dos Cantares, uma epopeia labiríntica de citações e recriações, tendo alguns trechos transcriados pelos irmãos Campos e por Décio Pignatari. Sobre Jorge Luis Borges, escritor argentino, autor do Aleph, agrupamento de contos histórico-maravilhosos cujo liame constitui aquele “miradouro aléfico” citado por Haroldo para qualificar a estrutura dos fragmentos galácticos (CAMPOS, 2004, 119). Ao final da referida citação, vale retomar, o poeta ainda faz alusão a Camões, “maneirista, pré-barroco”. Assim, parodiando Julio Bressane, “as Galáxias são Barroco, Haroldo, Barroco!”. Se mais quisermos, não podemos negar que a linguagem do cinema, com seus procedimentos como o corte e a montagem,
a fusão, o flashback (recuo no tempo) e o flashforward (avanço no tempo), conforme declaração de nosso poeta, flerta com a linguagem-montagem do Barroco. A transversalidade citacional do fragmento, movendo-se como ondas dentro de ondas, “poliflui” deste modo o “verde vário” de vozes que Haroldo de Campos invoca das profundezas e da superfície do oceano das literaturas para trafegar por mares para sempre navegáveis pelo leitor, pois este deve estar ciente de que a leitura, assim como o mar, jamais terá fim. O mar, amor do pescador. O “livro mar”, amor de Haroldo de Campos. O mar, essa “vulva frouxa no seu mel”, enchendo os olhos, como “uma árvore de verde e se vê azul é roxo é púrpura é iodo é de novo verde glauco verde infestado de azuis e súlfur e pérola”. Mar que, como o livro, também é “fel”, “cor de urina sujo de salsugem”, pois tanto o mel quanto o fel são ondas do mesmo mar chamado vida. E é da vida, da linguagem e do homem, que tratam as Galáxias. Um mar de intertextualidades (Homero, Shakespeare, Pound, Borges, Camões e outras vozes por estas perpassadas), de neologismos hiperbólicos que salientam a polifonia barroco-galática (poliglauco, polifluente, poliestentóreo, polilido, polipantera, polifosfóreo, multitudinoso, multitudinário), de estrangeirismos sugerindo o entrecruzamento de línguas e culturas (do inglês, multitudinous seas incarnadine; do francês: pli selon pli; do grego, óinopa pónton, polüphloisbos). Tudo isto um mar como fonte de conhecimentos que se oferece ao mar de conhecimentos já navegados pelo leitor. Um mar aberto como um “livro aberto”, para ser lido/navegado, porque ler/navegar será sempre preciso. Viver, também. Só assim, imaginamos, poder-se-á baixar âncoras no “mar depois do mar depois do mar”. 97
Referências bibliográficas
Notas
BORGES, Jorge Luis. O aleph. São Paulo: Companhia das
1
Letras, 2008.
de Campos e o Barroco: a criatura de ou(t)ro - ensaios
CAMPOS, Augusto de, PIGNATARI, Décio, CAMPOS, Haroldo
para um guia das Galáxias, orientada pelos professores
de. Ezra Pound: Poesia. São Paulo: Hucitec, 1985.
doutores Francisco Ivan da Silva (UFRN) e Manuel
CAMPOS, Haroldo de. Transcriação. Org. Marcelo Tápia e
Simplício Geraldo Ferro (Universidade de Coimbra),
Telma Médici Nóbrega. São Paulo: Perspectiva, 2013.
defendida no âmbito do Programa de Pós-graduação em
________. Galáxias. Org. Trajano Vieira. São Paulo:
Estudos da Linguagem – Literatura Comparada da UFRN,
Este ensaio faz parte da tese de doutorado Haroldo
Editora 34, 2004.
em 2016. A conversão da tese em livro está em processo.
________. Metalinguagem e outras metas: ensaios de
2
Frase contida no frag. 45, “mais uma vez”, p. [101].
teoria e crítica literária. São Paulo: Perspectiva, 1992.
3
Cf. Galáxias, p.120, ob. cit.
DELEUZE, Gilles. A Dobra: Leibniz e o Barroco. Trad. Luiz B.L. Orlandi. Campinas: Papirus, 1991.
d’ORS, Eugenio. Lo Barroco. Madrid: Aguilar, 1964.
Galáxia albina, dir. e roteiro Julio Bressane e Haroldo de Campos, produção Vídeo Track e Julio Bressane, São Paulo, 1992, betacam, color e p&b, 40 min.
Infernalário: logodédalo – galáxia dark, dir. Julio Bressane, roteiro Julio Bressane e Haroldo de Campos, produção Vídeo Track e Julio Bressane, São Paulo, 1993, betacam, color e p&b, 40 min.
Isto não é um livro de viagem, CD com 16 fragmentos de galáxias, Haroldo de Campos, produção Arnaldo Antunes, São Paulo, Editora 34, 1992.
SHAKESPEARE, William. Macbeth. Trad. Beatriz ViégasFaria. Porto Alegre: L&PM, 2013.
98
GALÁXIA
HAROLDO 99
DEPOIMENTO DE AFFONSO ÁVILA SOBRE HAROLDO DE CAMPOS
100
(O depoimento foi colhido oralmente, durante enfermidade de Affonso Ávila, em setembro de 2012)
A amizade entre os poetas começou com a mútua oferta de livros, quando ainda não se conheciam pessoalmente. Em 1961, eles se conheceram no II Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, em Assis, cujo organizador, Jorge de Sena (por sinal, ligado por laços de família a Fernando Pessoa) ofereceu um almoço aos participantes, em sua casa. Nesta ocasião os participantes de várias regiões do Brasil puderam fazer contatos uns com os outros pela primeira vez. Nesse congresso foi apresentada uma tese de Décio Pignatari, propondo o “salto participante” dos concretistas, o que os aproximou do grupo Tendência, de Belo Horizonte. Houve troca de endereços entre os dois grupos e, no retorno a Belo Horizonte, Affonso e sua esposa, também poeta, Laís Corrêa de Araújo, se detiveram em São Paulo, onde foram convidados para conversar com Haroldo de Campos em sua casa. Affonso era, nessa época, colaborador titular do Estado de São Paulo. A partir desse primeiro contato presencial, começou-se a articular uma rede de escritores e críticos em torno da ideia de vanguarda participante. João Cabral de Melo Neto esteve, por essa época, com Ávila em BH. Affonso apresentou, por correspondência, Luiz Costa Lima ao poeta pernambucano. Também nessa época, o poeta mineiro conheceu João Alexandre Barbosa. Benedito Nunes fora já apresentado a Haroldo em Assis e passou a fazer parte dessa rede. Foi preparada a Semana de Poesia de Vanguarda, por iniciativa de Affonso Ávila, na Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (na época ainda UMG). O cartaz foi criado por Décio Pignatari.
Desde então, Haroldo e Affonso firmaram uma amizade que durou até a morte do primeiro, em 2003. Affonso chegou a estar presente em reunião do CPC, em casa de Ferreira Gullar, mas, ao contrário deste, nunca rompeu com os concretistas, por aderir desde o início à ideia da necessidade da pesquisa formal em poesia. Entre 1968 e o fim da década de 70, vários escritores e críticos estrangeiros procuraram a casa de Affonso por indicação de Haroldo, quando foram a Minas conhecer Ouro Preto e outras cidades históricas. Entre esses contam-se Michel Butor, Roman Jakobson, Tzvetan Todorov, Koellreuter, Curt Lange, além de numerosos paulistas, entre os quais os compositores Rogério e Régis Duprat, Gilberto Mendes e Damiano Cozzella. Affonso se recorda de ter ouvido Murilo Mendes definir Haroldo de Campos como uma “força da natureza”. Nas décadas de 80 e 90, Haroldo esteve diversas vezes em Belo Horizonte. Nessas ocasiões, pedia sempre para jantar no restaurante Tavares, especializado em caças (capivara, cutia, etc.). Na Universidade Federal, recorda-se Affonso que Haroldo foi uma vez recebido por um público reduzido, supostamente por não ser bem aceito por um bom número dos professores. A professora Leda Martins, que também criou laços de amizade com Haroldo, foi a responsável pelo convite. Affonso esteve entre os primeiros críticos a fazer resenhas sobre a obra de Haroldo, tendo sido também mencionado por ele em ensaios e entrevistas. A correspondência entre os dois tem importância histórica e está sendo preparada para publicação por Júlio Castañon Guimarães. 101
SOBRE OS AUTORES ARMANDO SÉRGIO DOS PRAZERES. Doutor em Estudos
AFFONSO ÁVILA (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1928 –
da Linguagem – Literatura Comparada (UFRN-2016).
Idem, 2012). Poeta, ensaísta e pesquisador. Em 1953, pu-
Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP-2001).
blica O Açude e Sonetos da Descoberta. Em 1957, passa
Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (UFRN,
a publicar no suplemento literário de O Estado de Minas.
1996). Autor dos livros Pau e Pedra: o Seridó esculpido por
No mesmo ano, integra a revista Tendência, de repercussão
Luzia Dantas e Dimas Ferreira (Sebo Vermelho, 2013) e
nacional. Em 1961, conhece os poetas Augusto de Campos
Palavra-Som-Imagem: ensaios para ler-ouviver (8 Editora,
, Décio Pignatari e Haroldo de Campos , no 2º Congresso
2016). Co-autor e editor de Literatura e Cinema: Gregório
Brasileiro de Crítica e História Literária e passa a colaborar
de Matos, Sor Juana Inés de la Cruz, Haroldo de Campos
na revista Invenção; dois anos depois, organiza a Semana
(Offset Editora, 2014). Pesquisador do Barroco e da obra
Nacional de Poesia de Vanguarda. Sob influência dos seus
do poeta, crítico e tradutor Haroldo de Campos.
estudos seiscentistas, escreve Código de Minas (1969). Nas
AUGUSTO DE CAMPOS. Poeta, tradutor, crítico literário e
e Barrocolagens (1981) e preside e organiza, em Ouro Preto,
musical, e ensaísta. Forma-se em Direito pela Faculdade do
um congresso sobre barroco e arquitetura. Nos anos 1990,
Largo de São Francisco. Publica seu livro de estreia, O Rei
publica O Visto e o Imaginado (1991 - Prêmio Jabuti). Em
Menos o Reino, em 1951. No ano seguinte, participa da cria-
2003, recebe o prêmio Apca, com A Lógica do Erro (2002).
décadas de 1970 e 1980 lança Cantoria Barroca (1975)
ção do grupo Noigandres e edita uma revista com mesmo nome, ao lado de Haroldo de Campos (1929 - 2003) e Décio
DANIEL SCANDURRA é músico, poeta e designer gráfico.
Pignatari (1927), com quem também organiza o movimen-
Pesquisa e realiza traduções e instalações intersemióticas
to da poesia concreta. Em 1956, participa da 1ª Exposição
em redes, rios e ruas. Participou da criação do site http://
Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna
codigorevista.org/ que mantém disponível online todos os
de São Paulo (MAM/SP), e dois anos depois é publicado
números da importante revista de poesia Código (concebi-
o Plano-piloto da Poesia Concreta. Na década de 1960,
da por Antonio Risério e Erthos Albino de Souza, por quem
com Haroldo e Décio, edita a revista literária Invenção.
foi editada, em Salvador-BA, de 1974 até 90). Acaba de
Em poesia, publicou Caixa Preta, Poemóbiles, Viva Vaia,
lançar na internet um álbum/filme com a banda Eueueu,
Despoesia, Não e Outro, entre outros trabalhos. Como tra-
aqui: https://youtu.be/5n-NgwUs-ys.
dutor, Augusto de Campos divulga em português autores como Ezra Pound, Stephane Mallarmé, James Joyce, E.E. Cummings e Vladímir Maiakovski. No campo da crítica literária e do ensaio publica as antologias Re-Visão com as obras de Sousândrade e Pedro Kilkerry, respectivamente, e Pagu: Vida-Obra. Estudioso da música erudita de vanguarda, publicou os livros Música de Invenção 1 e 2.
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INEZ
XINGYUE
ZHOU
licenciou-se
em
Literatura
Inglesa pela Universidade de Pequim e doutorou-se em Literatura Comparada pela Universidade de Califórnia Santa Bárbara, onde é investigadora no Centro das Humanidades Interdisciplinares. O seu interesse de pesquisa inclui poesia americana, poesia luso-brasileira, estética do lixo, e poética comparada sino-ocidental. Foi bolsista na Fundação Calouste Gulbenkian (2015-6) e no Centro de Referência Haroldo de Campos (Casa das Rosas, 2017), onde desenvolveu pesquisa sobre a teoria do ideograma e da tradução por Haroldo de Campos.
RODOLFO MATA é tradutor e professor de literatura latino-americana
na
Universidade
Nacional
Autônoma
do México. É autor dos livros de poesia Parajes y paralajes (Aldus, 1998), Temporal (CNCA, 2008) e Qué decir (Bonobos, 2011), e do poema eletrônico Silencio vacío
(http://unoyceroediciones.com/,
Valencia,
2014).
Organizou diversas antologias sobre autores brasileiros, além de traduzir e prefaciar outros tantos, como Haroldo de Campos, Paulo Leminski, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Antonio Candido e Sebastião Uchoa Leite.
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gestão
realização