CABALA E SIMBOLOGIA BÍBLICA:
BREVE ANÁLISE DO CANTO III DE A MÁQUINA DO MUNDO REPENSADA1 Monalisa Medrado Bomfim
Sair de si... isso é apenas uma parte da coisa, uma parte do todo, pois a dificuldade talvez para alguns seja justamente voltar a si, já que vivem naturalmente, normalmente, integralmente, fora de si.
Julio Bressane, Beduíno2
O interesse de Haroldo de Campos pela cultura judaica nasceu de algumas amizades cultivadas ao longo da vida, entre elas com o casal Jacó e Gita Guinsburg, o ensaísta Boris Schnaiderman e o crítico e teórico Anatol Rosenfeld, mas cresceu significativamente, sobretudo, quando o poeta começou a traduzir os textos bíblicos do hebraico3. Haroldo de Campos não se considerava um místico, tampouco religioso, pelo contrário, se autodesignava agnóstico (CAMPOS, 1999). Assim, antes do cunho religioso, a tradução bíblica tem razões práticas, torna-se uma tarefa desafiadora, pois o texto é permeado de expedientes poéticos4.
A trajetória haroldiana de estudo da língua hebraica e tradução dos textos bíblicos ocorre em forma de espiral, pois, conforme empreende a tradução, cresce a necessidade de se aprofundar na língua, encaminhando-o a novos textos, que exigem outras traduções e assim por diante. Dentro dessa rede de textos e palavras, aparecem aqui e ali os elementos cabalísticos. O eco dessas leituras cabalísticas foi brevemente observado no Canto III de A máquina do mundo repensada (2004a). Haroldo de Campos ficou imerso no estudo do hebraico por seis ou sete anos, segundo o próprio poeta (CAMPOS, 2002), assim, além de dicionários e uma 113