Revista Circuladô Dezembro 2020

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aparece a encenação da companhia de Zé Celso Martinez Correia d’O rei da vela. Eu, aliás, quando o Zé Celso estava fazendo essa encenação, ele me pediu para escrever sobre a peça como preparatório a essa encenação. E eu realmente escrevi dois artigos no Correio da Manhã do Rio. Artigos só recentemente reunidos e que só recentemente vieram a ser publicados na edição da Globo da peça O rei da vela, reunidos e transformados como prefácio. Mas o que foi interessante nessa explosão que aconteceu com essa encenação é que em vida Oswald jamais viu seu teatro ser encenado. Mesmo o mais importante historiador do teatro, o crítico de teatro brasileiro, o Sábato Magaldi, na sua História do teatro brasileiro, de 1962, diz que o teatro de Oswald teatralmente não funciona, que o Oswald, apesar de cheio de ideias, é um escritor extremamente criativo, mas que o trabalho dele não tomou em consideração o específico do teatro, portanto, não podia ser representado. Depois disso, a bem da verdade, isso precisa ser registrado, o Sábato Magaldi se transformou no maior defensor do teatro do Oswald. Desde 64 ele reviu sua posição e finalmente escreveu inclusive uma tese universitária sobre Oswald de Andrade em que ele dá a Oswald a precedência sobre Nelson Rodrigues, que é um dos outros vultos da criação de um teatro novo no Brasil. Mas até 62 se desconfiava da encenação do teatro de Oswald. E curiosamente um homem do teatro europeu, o Rogerio Jacob, que viveu no Brasil no período e deu aula na Universidade do Rio Grande do Sul, ele sim soube ver, na mesma época em que o Sábato tinha dúvida sobre a teatralidade, a prova de palco. O Jacob disse que havia prometido a Oswald, antes dele morrer, encenar o teatro de Oswald, mas que seu teatro tinha aquela beleza extremamente nova, como 138

aquela de Apollinaire, de Ubu rei de Jarry, o teatro de agitação de Maiakovski, e disse assim: “agora que Oswald morreu e está num céu de anjos antropófagos, eu quero dizer que vou encenar O rei da vela”. Só que o Jacob voltou para Itália e quem cumpriu a promessa de forma extremamente criativa foi o Zé Celso. E aí de fato houve o estouro. Através da montagem do teatro de Zé Celso, o teatro de Oswald passou a interessar à música popular e a ter uma difusão extremamente grande, o cinema do Júlio Bressane, do Rogério Sganzerla, o chamado udigrudi, o cinema marginal, o próprio Glauber que tinha uma relação também com esses tipos de aspectos criativos e com o udigrudi, o cinema marginal – que está cada vez mais sendo discutida –, basta ver que o último filme dele, A idade da terra, que tem muito mais a ver com o cinema do Sganzerla e do Bressane do que com o Cinema Novo, que já estava naquela época agonizante. Mas, enfim, o Hélio Oiticica nas artes plásticas, a música popular através de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto etc., Oswald passa a ser integrado entre os valores cultuados pelos jovens. Até certo ponto, Oswald virou um personagem como Bocage, na literatura portuguesa, jovens que talvez nunca tivessem lido com mais atenção tinham o Oswald como modelo existencial, tinham Oswald como uma espécie de Malasartes, Macunaíma, capaz de todas as transgressões. Era uma recepção empática, simpática, aurática, embora não crítica. Mas isso também não era mal, na medida em que era a mudança de um certo comportamento. Para um homem que foi tão carenciado como Oswald, que os contemporâneos achavam detestável e os moços amavam, eu acho que a prova do amor é importante. Eu não sou crítico a respeito dessa recepção acrítica, eu acho que é uma fase, não de leitores mas de curtidores que de


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