ELA NAO ME QUIS

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ELANテグ MEQUIS

SHIRLEY CASTILHO


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Todos os direitos reservados desta 1ª edição à autora, protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução parcial ou total por qualquer meio, sem autorização prévia da autora. Capa: Rilke Penafort Pinheiro projeto Gráfico: SC Ferreira. contatos com a autora www.shirleycastilho.com e.mail: shirleycastilho@hotmail.com Correspondências: Tv 9 de Janeiro, 3649 Condor. Cep. 66065-520 Belém-Pa-Brasil Fontes: (OMS/UNICEF/FNUAP)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ferreira, Shirley Castilho Ela Não Me Quis/ Shirley Castilho - Belém-PA, 2006 188 p. ISBN 85-338-0498-9 1. Romance Brasileiro I.Titulo (Ficção)

CDD8869.3 Índices para catálogo sistemático: 1. Romance: século 21: Literatura brasileira 869.3 2.Século 21: Romances: Literatura brasileira 869.3

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Apresentação

Tive ímpeto de escrever uma obra ímpar e acho que consegui, apesar dela ser uma utopia. Essa ficção é inspirada na realidade e tem a pretensão de abordar o tema aborto sob uma nova ótica. Aqui deixo claro que este é um crime contra a vida. Todavia, a idéia é viajar em um mundo imaginário, onde tudo é possível, inclusive a existência da “Casa das Tristes Rosas”. Mas, caro leitor permita-me explicar o por quê desse tema. No meio de uma noite despertei de um sonho curioso e de repente me vi em frente à tela fria de um computador. Ali escrevi os primeiros capítulos e a história fluiu sem que eu pudesse interferir na minha vontade. Tenho convicção de que fui guiada por alguma força para escrever esse delírio, e ainda não sei se ele será bom ou ruim, mas suspeito que enfrentarei algumas polêmicas. Quando estava terminando o livro fui convencida a convidar um médico respeitado no Pará, pelo qual tenho grande admiração e estima a prefaciar o título e este se recusou alegando não concordar com o tema nem com o conteúdo e abordagem da história, resumindo-o em um “libelo” (grifo do próprio). Mas o meu caro médico talvez não tenha

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entendido a intenção do livro porque em nenhum momento quis traduzilo em um panfleto ou em uma tese contra a mulher que por circunstâncias diversas pratica o aborto, muito menos em um documento difamatório. Mas a polêmica antes da publicação me animou com o projeto e agradeci a recusa porque meu desejo era ter o livro assinado por alguém gaba-ritado para falar sobre a história do ponto de vista da ficção, alguém como o jornalista, escritor, poeta e presidente do Estande dos Escritores Paraenses na Feira Pan-Amazônica do Livro, Jorge Calderado, o qual me deixou honrada com suas observações. O episódio que antecede a publicação do “Ela Não Me Quis!” serve apenas para afirmar que não há o que concordar ou discordar porque na ficção tudo é permitido, mesmo que eu entre em situações possivelmente reais, que venham ou tenham acontecido. Espero que esse enredo lhe seja prazeroso e que minha quimera possa um dia torna-se realidade, se não em toda, mas em parte, reduzindo assim o número de mortes causadas por abortos, principalmente em adolescentes. Anseio também que haja mais campanhas de conscientização sobre o uso de preservativos para evitar uma gravidez indesejada e que o governo levante a bandeira e entre nessa luta para frear as estatísticas que hoje nos deprime.

Boa leitura!

Shirley Castilho autora

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Dedico este livro À minha mãe, Jovelina Castilho Ferreira, a pessoa mais importante da minha vida que tem me apoiado em todas as lutas! Te amo mãe, você é meu orgulho e minha razão de viver.

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus pela inspiração desse livro e a minha mãe, Jovelina Castilho Ferreira, que sempre me apoiou. Ao design Rilke Penafort Pinheiro, que me convenceu a mudar o título de “Casa das Tristes Rosas” para “Ela Não me Quis”, o qual teve maior aprovação pelos que leram os originais. Agradeço o incentivo dos meus irmãos Pedro Charles Castilho Ferreira e Sheila Castilho Ferreira, do meu pai Pedro da Conceição Ferreira, da minha cunhadinha querida Elisabeth Saldanha; dos meus sobrinhos Lucas Charles, Rodrigo Otávio e Bruna; e ainda dos meus amigos de infância, Luis Fernando Milhomem de Araújo, o Fefê e o Sidney. Também as minhas tias Celina Castilho, Necy e Leonor Castilho e minha adorada Jéssica Ana. Além da minha prima Graça Robert. Gostaria de aproveitar esse espaço e agradecer a minha amiga Sandra Gester, que não apenas me incentivou como me ajudou a participar da Bienal Internacional do Rio de Janeiro em 2005, quando expôs o livro “CONFISSÕES DE UMA CRIANÇA DE RUA”, além de sua adorada mãe Clívia, a qual tenho grande estima e admiração. E como não poderia deixar de fora dessa lista, agradeço o incentivo das minhas amigas Suzy Maciel, Laryssa Veríssimo, Suzi Sinimbú, Heleuzes Sarraf, Letícia Viana, Jhayanne Barros, Socorro Silva e em especial, à Socorro Santiago, que contribuiu com a história. Também aos meus

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amigos Fabrício, Paulo Cesar, Rui Vilhena. Também ao meu amigo Maciel, Presidente da Câmara de Vereadores de Mãe do Rio, exemplo de competência e honestidade e ao meu outro amigo Arnaldo, da gráfica Alfa. Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente me apoiaram nesse projeto.

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Prefácio

A jornalista e escritora Shirley Castilho solta a corda da imaginação e nos premia com uma história que vai de encontro com a realidade, e nos brinda com um livro de ficção onde o tema é, sem dúvida nenhuma, de muita coragem e persuasão com uma roupagem que desnuda os conceitos invocados por uma sociedade hipócrita. Um alerta a todos, independentemente da classe econômica, credo ou cor. É inconcebível que em pleno século XXI, apesar de toda a tecnologia disponível, onde a informação é levada ao mais longínquo rincão desse país com orientações, anúncios, vídeos, palestras, a taxa de gravidez inesperada continue a crescer vertiginosamente. Quanto mais à informação chega à camada mais necessitada, parece que a orientação sexual não é amplamente acatada por quem de direito. O aparente amadurecimento sexual precoce, nos adolescentes, evidencia a grande taxa de gravidez, cada vez mais freqüente, onde a maioria delas pode se considerar como indesejada. A falta de diálogo, não só com os pais, contribui para essa taxa elevada. No entanto, acredito que seria de grande valia um trabalho de orientação sexual por pessoas sérias e a nível colegial, feitas inclusive por ginecologistas com

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experiência e mantido pelo Estado. Muitas vezes, a condição financeira da família faz com que o novo ‘ser’ (uma nova vida) seja repugnado, em outras situações inusitadas aparece aquela que se dá o direito de manter seu corpo em forma, motivo que tem para eliminar qualquer vida uterina que venha criar deformações em seu corpo. Pior ainda quando ‘ele’ é gerado por traição ao companheiro. O arrependimento só é uma conseqüência de qualquer má atitude tomada em nossa vida. Agora reflita se houver um obstáculo externo ou interno, que prive sua satisfação dum desejo ou duma necessidade como você acata esse momento, agora imagine o ‘ser’ impedido de viver, que adjetivo você daria a esse ato. Na realidade, o texto abordado não é somente para ficar como literatura, mas para ser somado e discutido em todas as esferas da sociedade, como a do Direito, da Religião e principalmente na filosofia do Espiritismo, pois há quem acredite e defenda com veemência o outro lado da vida, como às vezes é pregado, onde a autora consegue desenvolver e envolver o leitor em uma trama que acontece na terra e no mundo espiritual quando enfoca a ‘vida’ na “A Casa das Tristes Rosas”, em diálogos exuberantes, livres e da convicção que um dia voltarão a viver. Eis que acontece um grande momento. Uma festa. E a euforia toma conta dos meninos na Casa das Tristes Rosas, pois Penélope se arrepende de fazer mais um aborto. Esses e outros ensinamentos ficarão para sempre na memória de qualquer pessoa que se dispuser a ler esta obra de arte muito bem enfocada, com harmonia no texto, e uma peculiaridade que somente a escritora consegue com grande virtude narrar episódios como se fosse uma realidade, um fato acontecido em qualquer local do mundo. Um texto original e que pode sim até retratar histórias vivenciadas no dia-a-dia. Confesso-me surpreso com os detalhes da história, no entanto, acre-dito que muito será preciso para que a humanidade mude em relação ao contexto abordado. No âmbito espiritual é um campo muito

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vasto a ser discutido. Numa visão geral afirmo com bastante convicção, autoridade e autonomia, após ler o livro, a história é maravilhosa. Com isto não quero dizer que sou ou não a favor do aborto. Quem sabe uma profunda reflexão para qualquer ato que venha ser tomado em relação a um ‘ser’ que mesmo com vida, totalmente indefeso não possa responder pelos atos vis de seus genitores. Como muito bem é colocado pela escritora, “Senhor Deus, não deixe que nenhuma mãe rejeite seu filho. Faça com que ela sempre o queira e o ame”. “Que essas rosas que hoje choram amanhã tenham sorrisos para distribuir e não lágrimas; e que nós possamos em breve ver a mão do Grande Anjo nos apresentando ao sol. Ou se não puder fazer nada disso, nos dê o poder de decidir sobre o direito de nascer”. “Ela não me quis” não é uma simples história, mas uma lição de vida onde o escopo da autora é somente registrar para gerações presentes e futuras, fatos ine-rentes ao dia-a-dia de uma população que se descuida da importância cultural, sentimental e religiosa às vezes colocando a sua própria vida em risco. A alegria de saber, o prazer de conhecer, a beleza de encontrar, a grandeza de ser, de continuar a viver, de existir, compensa qualquer luta, qualquer esforço para acordar para a realidade, pois só a Deus, uno e trino cabe, em todos os sentidos, direcionar a vida de cada ser humano, desde que gerado e que tenha vida. Vida que é permitida ser iniciada aqui ou alhures, mas somente ao Senhor cabe dar a direção final. Como é bom a Vida quando bem vivida. E,... Viva a Vida!

Jorge Calderaro Jornalista, Escritor, Poeta,Historiador e Presidente do Estande dos Escritores Paraense na VIII e IX Feira Pan- Amazônica do Livro.

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A Casa das Tristes Rosas Aproximadamente 1 MILHÃO de mulheres recorrem ao aborto clandestino todos os anos. Entre 1993 e 1998, mais de 50 MIL ADOLESCENTES foram atendidas na rede pública de saúde por causa de complicações relacionadas ao aborto, que tornou-se a quinta maior causa de internações na rede pública de saúde e a terceira maior causa de morte materna no Brasil. (Isso não é ficção, é real)

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Segundo a Organização Mundial da Saúde, 20 milhões dos 46 milhões de abortos realizados mundialmente, todos os anos, são feitos de forma ilegal e em péssimas condições, resultando na morte de, aproximadamente, 80 mil mulheres por ano, vítimas de infecções, hemorragias, danos uterinos e efeitos tóxicos de agentes usados para induzir o aborto.

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1.

Chora meu coração quando me lembro de tudo que vi e ouvi em uma sombria casa onde morei antes de eu voltar a nascer. Vou contar uma comovente história de espera e rejeição. De perguntas, muitas vezes sem respostas, e de dores e esperanças. Eu estava entrando na Casa das Tristes Rosas quando ouvi pela primeira vez o grito do sol, o choro da lua e o céu azul escurecer repentinamente. Aqueles fenômenos me deram medo, calafrio. Eu não sabia o que estava acontecendo e fiquei parada, olhando aquilo de longe. De repente escutei uma voz, uma voz que ecoava por toda a Casa e que eu não conseguia identificar de onde vinha e nem de quem era. Essa voz falou em um volume alto: "vai chegar um novo morador". Depois do anúncio, uma música fúnebre cantada por pássaros invadiu aquele lugar. O ambiente era melancólico, sombrio. Estava ali sem saber o motivo, sofri uma queda e acordei lá, depois não quis falar com ninguém, mas naquele dia algo me chamou para perto de uma porta branca, confeccionada em algodão doce: era a Casa das Tristes Rosas, uma espécie de povoado habitado por crianças excluídas do mundo por suas

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mães - crianças que foram abortadas. Recordo que a música me incomodava. Eu sentia dores pelo corpo ao ouvi-la, não por ser ruim, mas por ser fria; insípida. A canção imitava um grito que ecoava no infinito, seguindo um ritmo lento perturbador, com a missão de avisar a chegada de mais um morador. Eu fiquei encostada em uma coluna de algodão branco a espreitar aquele momento; e novamente escutei a voz e me assustei. Procurei acomodar-me em um canto discreto para observar a cena. "Que a razão ilumine a alma dessa mãe - entre Adriano" -, falou a voz. A mesma também se calou por longos minutos. Raro silêncio e um novo pronunciamento, dessa vez em um tom tenebroso. -Pobre Adriano! Está tão inconformado, queria tanto nascer. Vamos ter trabalho - continuou a voz e bradou: "Chamem as consoladoras, preparem o algodão". A voz calou-se e então eu ouvi um estrondo e uns gritos ensurdecedores, que me fizeram tapar os ouvidos e me agachar. Foi como se um cometa tivesse aterrissado ali, mas não era um cometa: era um lindo menino, de cabelos lisos e olhos puxados, que combinavam com sua pele morena, ainda manchada de sangue. Na mão direita havia gravado o nome da sua mãe: Marta Albuquerque. Aquela tatuagem me perturbou, achei estranho não ter uma igual. Parei e me observei, pesquisando cada parte do meu corpo com os olhos para ver se tinha algo parecido em mim, mas não havia nada. Fiquei por alguns minutos parada e logo retomei o juízo, sendo impulsionada por uma força estranha a seguir aquele menino.

Adriano Adriano tinha a aparência de uma criança de oito anos. Descobri que na Casa das Tristes Rosas os meses se transformavam

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em anos e se multiplicavam por dois. Fiz um cálculo rápido e vi que eu era bem maior que o menino, talvez tivesse mais de 16 anos e ai pensei: "Será que eu fui abortada com oito meses? Ou será que eu não fui abortada?" Me perguntei sem responder. Todavia, naquele momento eu estava mais preocupada em saber da vida de Adriano do que da minha. De longe o observei sendo segurado por uma grande mão branca de algodão prata, que o pôs no chão. Ele estava inconformado, gritava muito. Ah! Como gritava! Fiquei ali escondida, vendo tudo acontecer e escutando suas lamentações. Como lamentava! -Nããããããão! Não! Não! Não! Por favor, me aceite! Fique comigo! Fique comigo! Que dor é essa? Eu a quero! - dizia Adriano. O Grande Anjo, mestre daquele lugar e conhecido apenas pela voz, falou a consoladora Sheron: -Ele está em transe. Vamos dar um choque para ele se desligar da cena do aborto. Sheron se aproximou de outras consoladoras e como em um ritual elas olharam para cima e uma dezena de anjos surgiu repentinamente com as mãos cheias de estrelas quebradas de várias cores e as uniram em uma pequena nuvem de algodão, colocando-a em cima da cabeça de Adriano para dar o choque de estrelas coloridas. Mirei entre aquela cena Sheron, linda menina! Não devia ter mais que 10 anos. Soube mais tarde, nos corredores, que ela era a mais antiga excluída da Casa. A observei se aproximar de Adriano e tive ímpeto em contar os detalhes do seu rosto perfeito. A forma alongada destacava seus pequenos olhos, que combinavam com seu largo sorriso, o qual soltou em direção a ele, que se retraiu com sua presença. Sutilmente, ela o alcançou com o olhar e se apresentou: -Oi Adriano? Eu sou Sheron e estou aqui para lhe confortar. Agora fique calmo. Você é apenas mais um entre milhões que foram

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excluídos. Logo se acostumará com seu novo ambiente. -Excluído? O que? Eu fui excluído? Eu não quero ser um excluído! Não quero!Eu quero voltar! Quero nascer! Por que ela não me quis? Por que ela não me amou? Quero ouvi-la dizer olhando nos meus olhos por que fez isso comigo? Por quê? Por quê? Com o olhar seco, sem emoção, Sheron respondeu aos questionamentos de Adriano. -Nem todos estão preparados para receber um filho Adriano. A sua mãe é muito jovem, quase uma criança e não sabe reconhecer a sua importância. Talvez ela não tenha consciência do que fez. Não a culpe. -O que vai acontecer comigo agora? A onde eu estou? Que lugar é esse? -Você está na Casa das Tristes Rosas, uma casa de passagem para o retorno a vida ou para a Terra Mágica. -O que quer dizer isso? -Quero dizer que ainda existe uma chance para você. Pelas regras, se sua mãe se arrepender de tê-lo excluído você voltará a nascer. -Se arrepender? Como? Ah!(suspira) Mas se ela não se arrepender? -Aí meu querido Adriano você partirá para a Terra Mágica, onde os anjos lhe esperam para lhe confortar. Nada podemos fazer agora, a não ser preparar seu doce algodão - terminou a frase e saiu. Adriano se apressou para alcançá-la. -Espere! Espere!Espere! -Fale Adriano - disse friamente. Ele a fitou com um olhar desesperador. -Eu estou com medo, me abraça! Por favor, me abraça! Eu preciso! -Abraçá-lo? - falou surpresa com o pedido. -É. Por favor! Por favor! - pediu emocionado. Em tantos anos não acontecia algo parecido, mas Sheron o abraçou. Eu os observei e chorei em meu canto com aquela cena.

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Também queria ser abraçada. Ah! Como queria ser abraçada! Senti ciúmes daquele amplexo. Depois do abraço, Sheron o segurou pela mão, acariciou seus cabelos e o fez caminhar por um imenso jardim colorido; eu documentei tudo de longe. Enquanto Sheron levava Adriano pelo Jardim percebi que as rosas choravam quando ele passava e na minha presença elas gritavam. "Por quê?", me questionei. Eu não tinha resposta para esse quesito. Aliás, eu não tinha resposta para nenhuma pergunta; o que me frustrava, todavia queria estar mais perto de Adriano do que decifrar os meus enigmas. Isso eu também não entendia. Caminhamos até a entrada principal do grande salão da Casa das Tristes Rosas. O percurso foi longo e doloroso. No chão, um ladrilho de prata, que parecia um rio de lágrimas. Em cada esquina uma rosa gigante chorava quando Adriano passava, mas quando elas me viam, gritavam. Ele ficou assustado com o berro de uma rosa e virou a cabeça para trás, eu me escondi. Sheron também se virou, mas não conseguiu me ver. Dei uma distância maior dos dois, porém pude perceber que Adriano segurava firme a mão direita de Sheron como se ela fosse agora sua genitora. Tive ciúmes, mas não entendi o significado daquele sentimento. Ao chegar ao salão ele parou e observou curiosamente. Seu semblante atônito, coberto de lágrimas me emocionou. Ele era tão lindo, tão perfeito e frágil. Tive ímpeto de pegá-lo no colo, de correr para abraçá-lo. Ele ainda olhou para trás e voltouse para frente numa escalada de esforços para entender tudo que via e o que estava acontecendo. Eu também queria compreender, mas naquele momento não conseguia me prender em nada. Tudo era tão novo para mim quanto para ele. Estávamos assustados e deslumbrados com aquele lugar abstruso.

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O Salão Só na Santa Casa, em Belém do Pará, chegam, em média, 150 mulheres (30% adolescentes) por mês com aborto em curso, quase todos provocados. Há situações de dois abortos por ano feitos pela mesma mulher.

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2.

O salão da Casa das Tristes Rosas tem o formato de uma grande rosa branca, só que inclinada, como se estivesse debruçada. A porta, quase invisível, e se abriu quando Sheron a tocou. Ela pediu que Adriano entrasse e eu corri para não ficar do lado de fora, mas a porta cerrou-se quase em cima de mim. Tive a impressão que eu não era bem-vinda aquele lugar. Quando cheguei lá, fiquei tão assustada quanto Adriano. Vi um batalhão de crianças como ele. Havia crianças muito pequenas e crianças um pouco mais velhas que Adriano, mas nenhuma tinha a minha idade. Filmei com os olhos crianças chorando, caminhando, encolhidas, preocupadas; elas só não sorriam. As crianças, diferentes uma das outras, vestiam roupas distintas. Fiquei impressionada com tantas etnias. Elas eram brancas, pardas, negras; de traços finos, fortes e estranhos, mas todas tinham um único olhar e uma dor transparente: a dor da rejeição. Palavra forte que conheci ali, na Casa das Tristes Rosas. Adriano ficou parado, observando sem entender. Ele queria ir embora e suplicou a Sheron para não deixá-lo. Mas ela explicou que aquele era seu novo lar e ele teria que se conformar com sua condição.

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-Não fique triste Adriano! Você precisa aceitar seu destino. Aqui têm muitos excluídos como você e cada um guarda uma história parecida com a sua. Se distraia e não pense mais em Marta, pelo menos agora - aconselhou Sheron imparcialmente. -Como? Não posso esquecê-la! Não consigo! Ela é minha mãe! Ajude-me! -Preciso ir! Há outros para eu recepcionar. -Espere! - pediu. Ela ficou parada, impaciente. Sheron às vezes me irritava. Como pedir para não pensar na mãe? É claro que ele não podia. É óbvio que ele não poderia ouvir aquilo e calar-se. Naquele momento eu não sabia quem era Sheron, mas depois descobri que a meiga menina, que se tornou consoladora e que encantava a todos com seus cabelos longos, de cachos na ponta, havia sido abortada de forma cruel e que sua mãe morrera antes de se arrepender, fazendo-a escrava daquele lugar. Descobri ainda que a Casa das Tristes Rosas era também uma casa de passagem, onde os excluídos tinham a chance de voltar a nascer, mas não podiam ficar ali para sempre. Pelas regras, havia um tempo determinado, quando esse tempo esgotava os excluídos eram mandados para a Terra Mágica, de onde nunca mais poderiam sair, tendo que esquecer o sonho de nascer. Ouvi dizer que Sheron foi beneficiada por sua dedicação e teve a autorização de permanecer na Casa das Tristes Rosas para trabalhar como consoladora. Mas, às vezes, ela era cruel com suas palavras. Eu sentia agre na sua voz. O pobre Adriano estava confuso e carregava consigo um pacote de perguntas sem ingresso para respostas. Ele a olhava e coçava a cabeça, andava e se voltava para ela, lacrimejando e com uma voz em tom de suplício. -Tem alguma coisa que eu possa fazer para que minha mãezinha se arrependa logo?- interrogou com os olhos molhados, e como que seqüestrados todos os seus sentimentos, Sheron agachou-se até a direção de sua cabeça e respondeu, quase soletrando:

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-Em cada quarto há uma vista para uma Estrela e é através dela que você poderá ver sua mãe e acompanhar sua vida. Os seus sentimentos bons ou ruins chegarão até ela. Boa sorte Adriano, mas lembre-se: sua mãe é uma criança e já vi muitos casos iguais ao seu onde não há arrependimento. Então não se iluda para não se decepcionar. Ele curvou a cabeça e ficou imóvel, pensando. Eu continuei fitando-o, mas acomodei-me em uma coluna branca. De repente ele se mexeu. Imaginei que fosse caminhar, mas não, sentou-se ao chão, colocou as duas mãos no rosto e chorou por longos minutos. Eu o acompanhei como se fossemos um dueto à distância. Ali senti que não poderia abandoná-lo. Convenci-me que ficaria com ele até o final da sua história, mesmo sem saber o início da minha. Em Mãe do Rio, interior do Pará

Marta caminha lentamente por uma rua de piçarra, intimidada com os olhares alheios. Com as mãos pressionando a barriga ela tenta esconder a dor e obriga os pés a seguirem seu ritmo brando, desviando-se das mangueiras que atrapalham o percurso. Passando pelo coqueiral ela avista a irmã caçula em frente da sua casa e pede ajuda. -Aline! Aline! (estende a mão) acabei de fazer um aborto. Estou me sentindo mal, muito mal. Minha barriga está doendo muito, acho que vou morrer - disse em pranto. -Aborto? Você estava grávida? De quem? - perguntou arregalando os olhos. -Vá buscar um remédio para passar essa dor na casa da vizinha Katita, depois eu te conto. -Espere! Eu já volto. Deite-se aí! - manda Aline apontando a cama, enquanto sai preocupada batendo a porta. Aline vai até a casa de Katita, uma solitária quarentona que vive para ajudar os mais carentes na cidade. É ela que costuma doar

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alimentos para a família de Marta quando falta dinheiro. Hipocondríaca, Katita vive cheia de dores e se automedica, além de receitar remédios para todos os moradores de Mãe do Rio. Ela tem em sua casa uma verdadeira farmácia, que é abastecida toda semana com novas drogas. A vizinhança sempre recorre a ela em caso de doença, principalmente se a enfermidade aparecer à noite. Aline chegou na casa de Katita apressada, inventou uma história de dor de barriga e Katita lhe cedeu um laxante. Sem saber o que é um laxante, Aline pegou o medicamento, agradeceu e saiu correndo para sua casa, onde encontrou a irmã lamentando. Deitada na única cama do imóvel em um quarto improvisado, Marta tomou o medicamento e contou a irmã do seu envolvimento com Helinho, um colega da escola, revelando que este lhe pediu para abortar e em nome do seu amor por ele tirou o filho com a ajuda de uma amiga. -Eu emprestei dinheiro da tia Pudim e comprei um abortivo, indicado por Roberta. Tomei o remédio ontem de madrugada, pensei que o aborto fosse acontecer ainda de noite, mas aconteceu de dia, quando eu voltava da escola. Senti contrações horríveis e acabei tendo que parar. Com muito esforço consegui chegar ao cemitério e despejei ali pedaços de sangue e uma coisinha tipo um bonequinho, que eu não encarei. Senti medo! Me deu nojo! Saí de lá e quase não dava para chegar aqui. -Caramba!E agora? Meu Deus, a mamãe vai te matar. -Não! Não! Nem pensar. Eu não quero que ela saiba de nada. Só te contei porque preciso que me ajudes! - pede aflita. -Caramba! Tá bem. Mas o que eu vou fazer? Você quer que eu minta sobre a dor para a mamãe? Vou dizer que tu comeu alguma coisa na rua e passou mal. É isso? -Não! Quero que tu vá avisar ao Helinho que eu tirei o filho. Diga que assim que melhorar vou procurá-lo para combinarmos a fuga. Aline fitou a irmã assustada, mas não interrogou e saiu.

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Sozinha em casa, Marta observou à miséria a sua volta. A cama, forrada de papelão e o colchão com espessura de menos de três centímetros não a ajudavam a relaxar. Nas panelas vazias a certeza de que a comida tardaria a chegar. Mas sua fome, naquele momento, era por noticias da irmã. Filha da cozinheira Maria Antônia e do pedreiro João Melo, que morreu atropelado por um caminhão quando ela tinha três anos, Marta nunca teve nada que desejou. Passou a infância na penúria e aos 12 anos se apaixonou por Helinho, de 17 anos, filho único de uma família de classe média, que ganhou fama por iludir meninas da área baixa da cidade. Grávida aos 13, ela cometeu o crime em nome do amor, tornando-se mais uma vítima do adolescente. Educada no chicote, a rebelde Marta sentia pavor da genitora, que sempre a corrigiu com dolorosas surras. Algumas marcas no corpo viraram prova das agressões sofridas. As irmãs Talita e Mirtes fugiram de casa para não apanhar mais. João Paulo, o filho mais velho, desapareceu aos 10 anos depois de ter levado uma sova. Maria sustentava a todos com o salário de cozinheira de uma escola municipal e algumas lavagens de roupa. Aline e Marta foram as únicas a ficarem com a mãe. Aline, de 10 anos, sempre encobriu os deslizes da irmã, que volta e meia se envolvia em confusão. O pai de Adriano

Aline encontrou Helinho na porta do colégio beijando uma amiga da irmã, Rafaela, de 13 anos, e interrompeu o romance aos gritos revelando que Marta estava mal por ter tirado o filho. No auge do seu egoísmo, Helinho cachinou e Aline o interpelou. Ele ignorou a notícia e mandou avisar a Marta que estava namorando agora a sua amiga Rafaela. Aline lançou um olhar de cólera e ameaçou contar a todos sobre o que fez com a irmã, mas este a empurrou contra o muro da escola e prometeu matar todos da

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sua família se o difamasse. Aline se livrou de suas garras e saiu correndo para a sua casa, onde encontrou Marta gemendo de dor e reclamando que o remédio não fazia efeito. Sem cuidados, Aline contou a irmã tudo que viu e ouviu e Marta entrou em choque. -Eu não posso viver sem ele. Tirei meu filho por causa desse desgraçado. Agora esse maldito está com a Rafaela e eu estou aqui sofrendo de dor. Que ódio! Que ódio! E essa dor que não passa! -Fica calma, quando você melhorar poderá conversar com ele. Aline consola a irmã, que chora em seus braços. Na Casa das Tristes Rosas - Felipe.

É extraordinário como Adriano chora. Eu perdi a conta das horas que o fiquei observando chorar desde quando ele chegou aqui. Nesse mar de lágrimas surgiu outro excluído chorão: Felipe, que chamou a atenção de Adriano por chorar mais que ele. Adriano se aproximou e perguntou por que este chorava tanto. -Olha você me ganhou. Como consegue ser mais triste que eu? -Ela não me quis! Não me quis por que já tinha três filhos, não precisava ter mais um. - Como você sabe disso? -A Estrela me mostrou. Contou-me sobre a situação financeira dos meus pais e explicou que são pessoas boas, mas não tem condições de ter mais um filho, por isso a minha mãe não me quis. Sei que ela ficou triste, mas com o meu pai desempregado ela não poderia fazer nada. Então os dois decidiram que eu não iria nasceeeeeeeeeeeeeeeer. - disse em prantos. -Não chore; se acalme. Mas isso é horrível mesmo - concordou em prantos Adriano. Felipe o consolou, os dois se abraçaram e continuaram o diálogo. -Você já foi falar com a Estrela? Saber o que aconteceu com você? - perguntou Felipe acariciando o cabelo de Adriano. -A Estrela? Sim, a Estrela. É claro. Por que eu não pensei

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nisso antes? Por que eu não fui ver meu quarto e a Estrela? Estava tão confuso que nem me lembrei disso. Obrigado amigo por me alertar sobre a Estrela. Vou querer saber tudo: o que aconteceu comigo e por que eu fui jogado aqui? -Calma, vamos conversar. Eu preciso muito falar. Volte aqui! -Eu não posso agora, quero entender a minha mãe, saber por que ela não me quis. Depois a gente se fala - disse Adriano já a alguns metros de Felipe. Eu fui atrás dele. Precisava saber também o que havia acontecido? Nem eu entendia a razão de tanta curiosidade por tudo que Adriano fazia, falava ou queria saber, só sentia que precisava estar perto. Ao abrir a porta do quarto eu entrei escondida e fiquei atrás de uma almofada. O cubículo dele era forrado de algodão azul celeste. Sua cama lembrava um grande algodão redondo branco e tinha lençóis cor de prata e mel. Sua janela de marfim fazia um belo contraste com as almofadas ouro.Tudo no quarto era de algodão, até as rosas, que sempre estavam debruçadas e tristes. Ele se aproximou da janela e viu um imenso vazio, sem cor e sem brilho. Não havia sol nem lua, apenas uma única Estrela que ora estava triste, ora estava alegre. Adriano esticou a cabeça para fora e gritou por ela, que de pronto acendeu uma luz lilás e emitiu um brilho que incendiou o quarto. Meus olhos arderam. A estranha Estrela apresentou-se a Adriano, que sorriu espantado com a novidade e logo a deixou tonta com os interrogatórios. Ela contou e mostrou tudo que ele queria saber sobre a mãe. Emocionei-me ao ver que a mãe de Adriano era uma criança como eu. Adriano também se emocionou. Ele teve o que chamamos de amor à primeira vista. Triste por ver a mãe sofrendo, ele quis saber da Estrela o que poderia fazer para ajudá-la. Esta explicou que os sentimentos bons ou ruins seriam transmitidos a ela por uma corrente imaginária. Achei aquilo lindo. A história da mãe o deixou absorto. Ele

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também queria entender por que o pai tinha aquele caráter. -E meu pai? Como ele consegue ser tão mal? Por que ele obrigou minha mãe a me tirar? Por que não quis me conhecer? Ele me odeia? -Seu pai esteve um dia aqui e demorou muito para retornar. A mãe dele só se arrependeu do que fez no dia que morreu. Ele veio ao mundo por outra mãe e se revoltou. É por isso que ele não quer ter filhos. Ele não lembra, mas seu inconsciente traz o trauma da rejeição. -Então todos aqui poderão nascer? - perguntou com brilho nos olhos. -Só depende da mãe, se ela se arrepender e desejar, profundamente, vocês terão a chance de voltar. -E se ela não se arrepender? -Aí vocês seguirão para a Terra Mágica, onde todos os excluídos se encontram. -O que é a Terra Mágica? -É lugar lindo onde só tem pessoas boas. Lá você nunca sentirá dor, fome e sua memória será apagada. Terá uma nova vida, mas nunca conhecerá o carinho de uma mãe e nem a alegria de ser mimado. -Eu não quero ir para a Terra Mágica! Não quero! Não quero! Eu quero nascer, quero ser mimado. O que posso fazer Estrela? Ajude-me! Ajude-me! Por favor. Eu preciso nascer, preciso. -Eu só posso dizer que você tem que ter paciência e saber esperar! Esperar! Peça por sua mãe. Só depende dela agora. Mande sentimentos bons para ela. Pense positivo. -Vou tentar. Eu adorei você Estrela. A mesma sorriu e mandou raios. As palavras da Estrela não tocaram apenas em Adriano, mas em mim também. Soube naquele momento que eu poderia nascer. Eu só não entendia o motivo de eu estar do lado de fora da Casa das Tristes Rosas e por que não tinha uma Estrela para me contar sobre a minha

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mãe. Mas eu não poderia voltar para interrogar ao Grande Anjo, pois se ele soubesse da minha presença ali me castigaria. Decidi seguir Adriano e saber mais sobre aquele lugar que me encantava e me assustava ao mesmo tempo.

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A fuga de Marta Vinte e quatro projetos de lei sobre aborto estão em análise na Câmara. Desse total, 15 tramitam conjuntamente na Comissão de Seguridade Social e Família, sendo o mais antigo o PL

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3.

Adriano ficou mais calmo depois que conversou com a Estrela. Talvez porque conseguiu entender que a mãe fez o aborto por amor ao seu pai e não por rejeitá-lo. "E a minha mãe? O que ela fez comigo para eu estar perdida nesse lugar?" Naquele momento eu me fazia essas perguntas. Eu não sabia nada da minha vida, nem o meu próprio nome. Lembro apenas que eu cair e desmaiei, acordando na porta da Casa Azul Celeste, mas algo me levou para a Casa das Tristes Rosas, onde decidi descobrir seus mistérios, através de Adriano. Meditando no quarto Adriano parecia menos acabrunhado. Ele passou a acreditar que a mãe o queria, mas naquele momento optou pelo pai. No salão da Casa das Tristes Rosas Adriano sentia-se mais forte. O lugar onde todos os excluídos se reuniam era belo e não tinha começo nem fim. Mas, às vezes, parecia pequeno com a chegada diária de novos moradores. Cada vez que um excluído era trazido pelo vulcão, as rosas gritavam e os moradores que estavam no salão choravam, mesmo sem entender.

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Na casa de Marta

Enquanto Adriano tentava decifrar os enigmas de sua vida e a razão de estar na Casa das Tristes Rosas, sua mãe sofria as conseqüências de um aborto malfeito. O laxante aumentou as contrações de Marta, que gemia de dores abdominais. Maria chegou em casa e colocou um frango recém-abatido em cima da mesa de madeira. Sentindo a presença da filha, ela caminhou até o quarto e abriu o lençol que imitava a porta e a viu deitada, encolhida. Preocupada, perguntou o que havia acontecido e esta mentiu dizendo que tinha ingerido comida estragada na rua e estava com dores de barriga. -Toma um chá de erva-doce que passa - ensinou a mãe relaxando o semblante preocupado. -Já tomei- avisou a filha chorosa, tentando disfarçar seu desespero. No dia seguinte Marta piorou. O sangramento aumentou e ela não pode mais esconder os fatos. O agravo fez com que Maria a levasse a um Posto de Saúde, onde a plantonista revelou de pronto que ela estava com hemorragia. Exames comprovaram que se tratava de um aborto. Maria não se surpreendeu com a notícia, mas deixou claro sua indignação. -Ela precisa fazer uma curetagem, depois é só seguir os procedimentos que tudo ficará bem. Mas ela poderia ter morrido, não deveria ter abortado, observou a médica em tom de reprovação. -Eu já estava desconfiada. Eu sabia que está menina andava no mau caminho. Envolveu-se com aquele marginal, que está acostumado a estragar a vida de moças, maldito! (grita) Tu sabias Aline disso, sabia? - indagou furiosa à caçula. -Não! Claro que não mãe! Eu não sabia. - respondeu Aline se distanciando com a desculpa de ir ao banheiro. Antes de a mãe autorizar a saída, despejou: -Tu é alcoviteira, pensa que sou besta - gritou enfurecida.

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Aline correu até a sala onde Marta estava à espera da curetagem e contou que a mãe já sabia de tudo. Esta ficou assustada e sem pensar levantou-se da maca e mesmo ainda sangrando evacuou-se do hospital pela porta dos fundos. -Não faz isso Marta, não faz! - pediu Aline chorando. -Eu te escrevo mana, eu te escrevo. -Por favor, Marta, fica! Eu te amo! -Eu também te amo, mas é melhor eu ir. -Por favor! Marta, você está sangrando, pode morrer. -Não vou morrer, acredite. Qualquer coisa eu ligo para a farmácia e mando recado pelo Luizinho. -Mana! Mana! - Aline chora e Marta sai forçando os passos sem direção. Andando por atalhos ela conseguiu chegar até uma rua que dava acesso a estrada principal, onde pediu carona a um caminhoneiro. -Me ajude moço! Me ajude! Estou mal, sou do interior e não tenho ninguém, me leve para um hospital. Por favor! Mas um hospital longe daqui. Em meio a dor e ao desespero de ser flagrada pela mãe ela ainda observou que o caminhoneiro não tinha mais que 30 anos. -Suba menina, suba com cuidado! - disse aflito. O caminhoneiro, que se apresentou por João a levou a um Centro de Saúde na estrada, onde Marta foi atendida e internada para observação. Encantado pela beleza de Marta, o solitário caminhoneiro se hospedou próximo ao hospital e a esperou ter alta. Quando ela foi liberada, ele a cortejou e a convidou para seguir viagem. Sem destino, sem dinheiro e com medo de voltar para a casa, Marta aceitou a proposta de João. No meio do caminho ela contou sua história e ele prometeu ajudá-la. Enquanto Marta fugia com João, Maria mobilizava toda a cidade a procura de notícias da filha. Aline levou três surras para revelar o paradeiro da irmã. Revoltada em ser a única a ficar com a mãe desabafou após a última sova.

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-Ela ficou com medo da senhora. A senhora bate pra matar. disse em prantos. -Eu não ia bater muito nela, só dá o corretivo que é o justo. Não precisava fugir! - disse em gritos. - Agora é tarde, ela se foi. Todos se foram, agora só resto eu, mas vou logo avisando: se a senhora vier me bater de novo, eu fujo. Eu juro que fujo! Fujo mesmo! - ameaçou. A mãe ainda levantou a mão para bater, mas desistiu e caiu em prantos. Sentada no canto da cozinha, próxima ao fogão de lenha, Maria chorou e lamentou seu comportamento, suas atitudes grosseiras com os filhos e viu que precisava mudar. Lembrou-se dos frutos que foram embora e prometeu para si mesma que encontraria Marta. Antes do amanhecer um vizinho bateu à porta de Maria e avisou que o filho viu Marta pegar carona com um caminhoneiro na estrada, mas não anotou a placa. Maria chorou desconsolada e avisou a polícia. Na Estrada

Seguindo de carona no caminhão de João, Marta observava a estrada e as árvores ao redor. Com o coração apertado, ela despediu-se com o olhar de sua cidade pelo retrovisor enquanto chorava lamentando a sorte. João a consolou. O carinho do caminhoneiro a fez se sentir mais segura e de repente nasceu um sentimento de amizade. Eles almoçavam juntos, dormiam em quartos separados em cada parada, mas criaram uma intimidade ímpar. As festas em boates à beira da estrada os aproximaram. Eles brincavam, choravam e se encontravam em cada olhar distraído. Um mês depois e alguns dias a atração ficou incontrolável e abriu passagem para o amor. Recuperada do aborto ela se entregou a João, dali nasceu à raiz de um sentimento verdadeiro e forte. Ele a pediu em casamento e ela aceitou. O casal passou a viver em uma casa à beira da estrada.

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-Você não vai mais abortar. Vamos ter quantos filhos quiser menina. -Obrigada João, mas não quero mais filhos. -Não quer agora porque está com trauma. Colocar um menino de quatro meses para fora não é fácil. Mas depois que passar vai querer sim. Tenho certeza - afirmou João enquanto a alcançava para um abraço. Na Casa das Tristes Rosas

Eu e Adriano acompanhávamos a rotina de Marta através da Estrela. Ele adormecia sonhando com seu arrependimento. De tarde, íamos para o salão, onde ele contava a novidade aos amigos. Sempre entusiasmado Adriano se destacava entre os outros. Não sei por que, mas via um brilho diferente nele. Eu ficava de perto fitando tudo. -A minha mãe fugiu, talvez agora, longe do meu pai, ela se arrependa e eu possa nascer - contou Adriano a seus amigos Thiago e Felipe. Felipe abaixou a cabeça, pensou e concluiu choroso: -Para mim não há esperança. A minha mãe não me quer. Ela não precisa de mim, já tem três filhos para que vai querer mais um para aumentar a despesa? -O que é isso Felipe? Sua mãe vai se arrepender. Quem tem três pode ter quatro, cinco, seis e até dez. Tem gente que tem até mais de onze filhos? -Quem te disse isso Adriano? -A Estrela. -Tomará que seja verdade. Se ao menos eu tivesse o poder de falar com ela e explicar o quanto eu preciso nascer. Se ela conseguisse me ouvir? Ou se pudesse ver como estou sofrendo talvez se arrependesse mais rápido. Eu faria um acordo de comer um dia sim e outro não, nem sinto fome aqui, não sei por que eles se preocupam tanto com comida. Por mim eu nem comia, só queria nascer e pronto. -Se as nossas mães pudessem nos ver ou ouvir teriam vergonha de

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si mesmas - disse Adriano serenamente. -Por que você acha isso? - Indagou Felipe ajeitando o cabelo liso que escorria pelos ombros. -Por que nos rejeitar é cruel demais! Sei que cada uma tem uma justificativa, mas dói tanto em mim que não consigo entender como não pode doer nelas. -Mas deve doer. Claro que deve doer - concluiu Felipe. -Espero que doe mesmo, mas pelo que a Estrela me mostrou acho que não dói tanto assim - falou Adriano cabisbaixo. De repente Thiago interrompeu o diálogo afirmando que sua dor era menor porque tinha companhia. -Eu já me conformei. Estou aqui há três anos e minha mãe não se arrependeu e ainda me mandou dois irmãos para me consolar. -O que Thiago? Você tem dois irmãos aqui? -É, a minha mãe fez três abortos. Agora estamos na fila, mas pelo jeito ela não se arrepende mesmo. -E por que ela não quis vocês? -A Estrela me mostrou a vida dela. Ela é atriz de televisão e vive da aparência, ela acha que os filhos vão atrapalhar sua carreira. Mas eu juro que não atrapalharia em nada. Ficaria caladinho, mas acho que ela não confia muito em nós. -E por que ela não quis seus dois irmãos também? -Pelo mesmo motivo. A Estrela me disse que há uma chance da gente ir junto, se ela se arrepender, mas para isso ela terá que sofrer bastante e isso eu não quero, a amo demais. -E a onde estão seus dois irmãos? -Estão ali, no algodão doce laranja. -Pede para eles virem para cá! Thiago chama os irmãos. Tina e Thomé são lindos e muito parecidos. Sempre de mãos dadas, eles nunca se desgrudam, mas todos têm uma marca: um

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olhar distante. A mais revoltada é, sem dúvida, a Tina, de cabelos em trança e saia rodada. Eu adorava escutar as histórias deles, mas nunca me misturava porque minha idade é incompatível e não permitia. Também posso ser delatada por algum excluído, o melhor mesmo é ficar escondida. -Oi, que foi Thiago? -Esse é meu amigo Adriano e este é Felipe, eles querem conhecer vocês. -Oi Adriano, oi Felipe - cumprimenta Tina. -Oi Adriano, oi Felipe - disse Thomé. -Oi - responde Adriano -Oi - fala Felipe, despedindo-se. -Mas por que você já vai Felipe? - interrogou Adriano preocupado. -Quero conversar mais com a Estrela. Preciso tirar umas dúvidas. -Tudo bem, até mais. De cabeça baixa, Felipe tenta esconder o choro, mas todos ficam observando seu jeito carente. Um breve silêncio e a conversa continua. -Pobre Felipe, pobre de mim também. Mas eu quero saber de vocês. Como vocês se sentem? - perguntou Adriano curioso. Adriano tinha cada pergunta que me deixava até irritada. O que ele esperava escutar de alguém que está na Casa das Tristes Rosas? Eu coçava a cabeça e tremia para não interromper. Mas o meu pobre excluído era tão pequenino que eu não conseguia ficar magoada com ele por muito tempo. -Como você, excluído - respondeu Thomé. -Você parece ser a mais triste Tina, por quê? - continuou. -Por que eu seria igual a ela. Amo a minha mãe, ela é demais! Eu teria o seu rosto, seus olhos, seus cabelos, seu corpo e até sua profissão. Não consigo entender por que ela fez isso comigo. Eu já mexia, chutava a barriga dela, sei que me amou. Eu só não entendo a razão dela não me querer. O que a levou a me jogar aqui nesse lugar brumal, cheio de rosas tristes. Eu podia estar com ela, brincando, fazendo-a

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sorrir. Mas ela preferiu a solidão, por isso sou tão infeliz. -Não fique assim Tina, ela vai se arrepender e você nascerá. Acredite nisso! -Não sei não Adriano, ela já mandou pra cá o Thiago, o Thomé e agora fui eu. Quantos mais virão para a Casa das Tristes Rosas? Estou perdendo a fé, a esperança e o sonho de nascer e olhar seu rosto de perto. Está vendo essa marca no meu rosto? -Estou. O que foi isso? -Foi à marca do golpe que ela mandou me dar quando eu fui jogada aqui. -Não pense mais nisso, você está mais sentida porque ficou mais tempo com ela. É normal - falou com autoridade. -Eu tinha 19 semanas. Estava quase pronta; pronta para amá-la, mas ela não quis o meu amor, me rejeitou e me jogou em uma privada como se eu fosse um lixo, depois de autorizar um homem de branco me matar. Como foi cruel! Como doeu o seu golpe! Quisera eu ser um inseto para ver seu rosto quando o homem de branco disse que tudo estava consumado. Sou muito infeliz. - desabou em lágrimas, curvando a cabeça. Thiago, Thomé e Adriano colocaram a mão em seu ombro e prantearam. Eu também chorei. Foi a cena mais linda e triste que eu vi naquele lugar. Depois de longos minutos, Adriano segurou sua mão e garantiu emocionado, que ela seria muito feliz. Não sei o que deu nele para fazer a tal promessa. -Não chore Tina, ela vai se arrepender. Agora olhe para mim e prometa que vai ficar bem, mas antes me diz qual é o nome da sua mãe? -Lurdes, mas todos a conhecem por outro nome, o seu nome artístico. -Então pare de chorar que vou pedir para minha Estrela te ajudar. Tenho certeza que se todos pedirem não apenas pela sua mãe, mas pela mãe do seu amigo aqui, elas se arrependerão mais rápido. Vamos fazer esse pacto?

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Todos concordaram e daquele dia em diante os excluídos tornaram-se irmãos. Enquanto isso, na casa de Lurdes

A bela Lurdes, com seu corpo escultural, cabelos lisos e uma situação financeira estável, conversa com a amiga Rebeca na sua confortável sala de um apartamento duplex em Copacabana, bairro do Rio de Janeiro, às 15h de uma tarde de inverno. -Não quero mesmo ter filhos, eles só atrapalham a nossa vida. Tenho uma profissão maravilhosa e isso para mim basta. Todos me param na rua, sou atração na mídia e não vejo porque acabar com isso agora? Quando estiver com quase 40 anos aí vou pensar em filhos? -Lurdes você não se arrepende dos seus abortos? -Eu já pedi para não me chamar de Lurdes, odeio esse nome! Agora sou Penélope, Penélope! Que coisa. -Está bem, desculpe! Mas me responde: -Claro que não. Imagina só: eu no auge da minha carreira ia estragar tudo por causa de filho. Depois eles crescem e ainda te matam. Não vê os jornais? -Credo Penélope, não precisa generalizar. -Mas é isso mesmo. Você faz um sacrifício enorme para ter um filho e depois ele nem te respeita. Conheço um monte de gente que tem filho e se arrepende. Eu pelo menos não tenho esse problema - falou enquanto escovava o cabelo. -Você não tem coração mesmo. -Tenho coração, mas não podia perder as oportunidades que a vida me presenteou. Quando engravidei pela primeira vez eu tinha 18 anos e fui escolhida para ser capa da maior revista masculina do país, como eu seria a capa estando grávida? Eu sabia que depois da revista algo de bom me aconteceria e aconteceu. Você sabe? Se eu tivesse filho tudo seria diferente do que é hoje.

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-Sim, se você não queria ter filho por que não evitou. Nunca ouviu falar em pílulas? Camisinhas? Não vê televisão? Não assiste novelas? - questionou a amiga em tom irônico. -Também não precisa sacanear. A primeira vez foi inexperiência, a segunda vez foi uma distração. Apaixonei-me pelo Paulo e no momento que ele me beijou não deu tempo de pensar em preservativos, transamos ali mesmo em seu escritório e ele sumiu, me deixando com uma barriga. Está certo que eu não estava apaixonada, mas bem que ele poderia me dar uma satisfação. Tu achas que eu ia ter filho de um homem que transou comigo uma única noite e me esqueceu? Além disso, eu descobri a minha gravidez no meio de um convite para ser figurinista da novela das oito, na qual eu fui descoberta. Esse foi o aborto que eu não me arrependo mesmo. Ainda mais sendo filho daquele pilantra que abusou de mim e sumiu no mundo, Deus me livre. Estou fora! Filhos desse tipo de homem tiro quantas vezes precisar. -Credo Penélope, você ainda mete Deus nos teus abortos. Eu na verdade só lembro que você quase morreu por conta de um aborto. Foi o terceiro ou o quarto? -Não exagera Rebeca, foi o terceiro, também não sou tão ruim assim. Depois desse passei a tomar remédio, usar camisinha e fazer o cara botar para fora na hora "H", porque o último quase me levou para o túmulo e seria um pecado eu morrer justo no momento que eu estava fazendo sucesso. Está certo que teria um velório de invejar, mas amo a vida - gargalhou. -Você é louca mesmo, não se sente? Saiu até em revistas que nem você sabia que estava grávida. Lembra? -É verdade, eu estava tão empolgada com a novela que nem me dei conta do atraso da menstruação, quando vi estava quase tendo um filho no ar. Quatro meses e algumas semanas ou dias, sei lá. Nessa loucura de gravação não notei os sinais. Como eu sempre bebo achei que as náuseas eram por conta da bebida, prisão de ven-

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tre eu sempre tive e dormir muito sempre foi meu fraco. Só desconfiei quando comecei a sentir meus seios incharem, lembrei da menstruação aí me toquei que poderia estar grávida; e o pior é que eu nem sabia quem era o pai, pois estava na mídia e todos me queriam e era difícil resistir, sempre fui fraca também para homens bonitos, você sabe? - falou Penélope rindo. -Você pagou uma grana para tirar, não foi? E olha que você ainda escondeu de mim esse último. Eu, sua melhor amiga. -Nem me lembre disso. Saiu caro esse último aborto e ainda tive que ficar de licença médica por quase 30 dias por conta das complicações. Eu falei que tirava, mas agora que me lembrei desse último recuperei a consciência e não tiro mais. Prometo (fez o sinal da cruz na boca). Depois dessa lição, aprendi. A minha sorte foi que eu não peguei Aids. -Pois é você transou com tanta gente. Você é louca de pedra? -A vida é que é louca. (levanta e rodopia) -Me diz uma coisa: você não sente remorso? -De novo? Eu já disse que não. Nem um pouco. Eu tenho o direito de escolher o que é melhor para mim. E tu sabes muito bem que toda a minha gravidez não veio em um bom momento e nem os pais eram pessoas boas, mas por que a gente está falando disso Rebeca? Vamos falar de coisas agradáveis. Essa história de gravidez, aborto é muito mórbida. Tudo isso aconteceu e eu nem me lembro mais. Para que lembrar? Na hora certa vou ter filhos, mas se não for da vontade de Deus não terei. -Que Deus Penélope? Deus te deu a chance de ter três filhos e você recusou. Não mete Deus nisso de novo . -Tá bem.Você está muito sensível hoje.O que foi? Não vai me dizer que você está grávida? -Estou! E não sei se quero tirar. -Meu Deus, você está grávida? Grávida mesmo? Fala sério? Por isso é que está me enchendo com esses interrogatórios sobre os

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meus abortos? E agora? -Não sei, acabei de receber o convite para estrear na maior emissora de televisão do Brasil e o pior é que eu não tenho idéia do que vou fazer? O que você faria no meu lugar? -Eu não sei amiga. Sempre tomei minhas decisões, mas nunca vou aconselhar alguém a fazer o que eu fiz. Faça o que sua consciência pede, mas pense bem antes de escolher, você pode estar jogando sua carreira pelo ralo. Eu não quero te influenciar, mas esse campo é muito competitivo, se você perder uma chance dessas, nunca mais aparecerá uma igual. -Pois é eu tenho só 23 anos, posso ter filhos mais tarde, mas esse papel é único, como vou recusar? A novela começa a ser gravada no mês que vem e pelos meus cálculos já estou com quase três meses. Ou seja, vou começar um papel com quatro meses de gravidez, não dá? Não dá mesmo. O que faço? Ajude-me? Estou perdida, mas tenho medo de não conseguir mais dormir depois que eu abortar. -Eu não sei. É sua única chance de entrar para a televisão. Você batalhou muito para isso e apesar de ser talentosa vai ter que fazer uma escolha, a Escolha de Sofia e sozinha porque eu não vou carregar nas costas quatro abortos. -Mas você falou que não se arrependeu. Você jura que não tem remorso? Será que comigo acontecerá à mesma coisa? -É, eu não tenho mesmo. Mas com você eu não sei como vai funcionar. O que você sente por essa criança agora? -Não sei também, acho que nada. -O Roberto sabe que você está grávida? -Pois é. Também tem isso. O filho não é do Roberto.... É do meu empresário. -Do Otávio? - levanta-se Penélope do sofá surpresa. -Sim, eu me envolvi com ele na última viagem para Miami, quando eu fui gravar o comercial dos produtos Bette Saldanha.

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Aconteceu. Só que eu não imaginava que eu fosse engravidar. -Amiga, o Roberto vai morrer! Vocês estão casados faz seis anos e nunca engravidou e agora em uma escapulida você é acertada. Que sorte? Hein? - diz rindo. -Não brinca. A coisa é séria. Mas o que mais me dói é pensar que posso ser castigada pelas forças divinas por esse aborto. Sou contra o aborto, defendi minha opinião em uma campanha na televisão e agora eu não sei o que fazer? Vejo-me no meio de um tiroteio e não sei para onde ir, ao mesmo tempo penso que meu bebê não tem culpa da minha vida louca. -É difícil. Eu fiz a minha escolha e não me arrependo. Você terá que fazer a sua e não me culpe se escolher errado. -Me responde uma coisa: você é feliz realmente Penélope? -Claro que sou. Quem não seria com o que eu tenho? Tenho o corpo perfeito; todos os homens caem aos meus pés; tenho papel garantido nas novelas com horário nobre; tenho carro, um belo apartamento, dinheiro. O que posso querer mais? -Mas você está sozinha? -Espera aí meu bem. Eu estou sozinha agora porque eu quero, por opção e não por falta de companhia. Se eu quiser pego esse telefone agora (levanta-se e segura o aparelho) e trago para cá o ator de destaque na mídia e tu sabes disso. Sabes que eu posso. Não sabes? -É verdade. Eu tenho um homem maravilhoso e fui traí-lo. Eu estou tão angustiada porque mesmo que eu decida ter esse filho terei que me explicar com o Roberto e isso eu não sei como fazer? -Ou não. -Como assim? -Diz que o filho será dele e pronto. O Otávio é até parecido com ele. Aposto que não vai nem notar. -Tá doida Penélope? Eu vou para casa, preciso pensar. Estou muito confusa e você não está hoje para conselhos. Aliás, eu nem sei

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como vim aqui pedir orientação para você. Acho que mais doida estou eu em me consultar com quem tirou três filhos. -Sem ofensas. -Desculpe, é que estou preocupada com o Roberto. -Vem cá, o que tu achas que o Roberto vai fazer quando souber? -Vai deixar que eu decida. Ele sempre fez isso comigo. Nunca interferiu nas minhas decisões. -Esse é o jeito mais canalha de ser. Ele sabe que você quer muito o papel e se optar pelo filho vai perder a chance da sua vida. Por isso ele, com certeza, vai deixar a decisão na sua mão. No meu caso foi diferente. Os pais dos meus filhos nunca souberam de nada. A escolha foi só minha. O peso é só meu. Eles não tiveram chance de interferir porque eu tenho certeza que se eu contasse eles não me deixariam tirar. Pelo menos eu acho. (franzi a testa) -Você está me confundido Penélope. O que você quer que eu faça? -Eu não quero nada. Pense e decida! -Bela amiga você é. Ajudou-me muito. Imaginei que você, por ter feito tantos abortos, poderia me ajudar. -Desculpe, não sou consultora para crimes contra a vida. Eu cometi os meus e sei que um dia pagarei por eles. A decisão é sua agora. -É, eu sei. Adeus, eu vou para casa. Penélope dá um beijo na amiga e volta para sua sala. Sozinha, Penélope pega sua luxuosa taça e coloca vinho branco. Anda alguns passos e senta-se em seu tapete branco e aveludado e fica observando sua imensa e solitária sala. Pensa em Rebeca e nos seus abortos. Fecha os olhos e imagina seus filhos correndo, sujando seu sofá, quebrando sua taça, brincando de pira esconde, desarrumando tudo. Levanta-se, coloca uma música de relaxamento e é dominada por um choro compulsivo, que nem ela mesma entende. Tanto dinheiro e fama não lhe garantiram a felicidade. Lembra das decepções amorosas, do flagra que deu em seu

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namorado com uma atriz estreante, da dor e das complicações do último aborto e das palavras do médico: "era uma menina". Pela primeira vez se arrepende imaginando como seria sua vida com três filhos. Bêbada, ela jura que nunca mais abortará e deseja que os três filhos voltem de uma só vez. -Deus, me devolva meus filhos, eu os quero de volta de uma única vez. Dê-me essa chance de corrigir meus pecados, mas não conte para nenhum jornalista que eu te pedi isso, não seria bom para a minha carreira. Eu já sofri demais por amor, por acreditar nos homens. Sou bonita, tenho dinheiro, mas nenhum homem quer me assumir, não agüento mais essa solidão e sinto que estou sendo castigada pelos abortos que fiz. Ela adormece no chão da sala sobre suas lágrimas.

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Festa no Salão Atualmente, o Código Penal autoriza o aborto apenas em caso de estupro ou se a vida da mulher estiver em risco. Fora dessas duas possibilidades, a interrupção é considerada crime.

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4.

Na Casa das Tristes Rosas uma explosão de alegria entre um pequeno grupo de excluídos. -Ela se arrependeu! - pulou Thiago -Ela se arrependeu! - rodopiou Thomé -Ela se arrependeu! - gritou de joelhos Tina -O que foi meninos? - perguntou Adriano ao ver aquela euforia no Grande salão. -A mamãe chorou e se arrependeu, a gente pode voltar. Nós vamos voltar Adriano! Vamos voltar! -Só falta agora ela encontrar um pai legal e fazer aquilo que ela sabe muito bem e a gente estará lá, junto dela - disse Thiago mostrando os dentes. -Estou tão feliz Adriano. Obrigada por ter pedido pela minha mãe - agradeceu Tina beijando-o no rosto. -De nada Tina. Boa sorte para vocês - desejou Adriano cabisbaixo. A festa na Casa das Tristes Rosas o deixou arrasado. Melancólico, ele não conseguiu disfarçar sua tristeza e nem comemorar com os seus amigos. Foi se recolher ao quarto e pediu que a Estrela mostrasse sua mãe. -Não chore Adriano, sua mãe vai se arrepender - consola a Estrela.

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-Não entendo por que acontece com todos, menos comigo. Sou tão infeliz, tão triste. Você me acha feio Estrela? Acha que meu cabelo é ruim? Que meus dentes são tortos? O que tem de errado comigo? Sou feio sim, devo ser muito feio. -Claro que não. Você é o excluído mais lindo e fofo que eu já conversei. -Então por que ela não me quer? Eu já deveria estar andando a essas alturas se ela não tivesse me jogado aqui. -A gente já conversou sobre isso. Os motivos são outros. Mas você vai nascer Adriano. Eu sei disso, eu sinto, tenho fé. Tudo acontecerá no seu tempo. Acredite. -Tá bom. Vou acreditar em você, agora me mostre a minha adorada mãezinha. -O quê? -Tá surda? A minha mãe Estrela. Mostre-me ela, por favor! -Tudo bem. Em uma casa na beira da estrada

Três homens armados rendem João e Marta. -Por favor! Não machuquem meu marido. Levem o que quiserem, mas o deixem em paz - pede Marta enquanto está sendo amarrada em uma cadeira de madeira. -A gente quer a chave do caminhão - exige um dos assaltantes com uma pistola apontada para João. -Eu não vou dar!!! - grita João pensando em como foi difícil comprar o caminhão. -Dá para eles João, eles vão nos matar - suplica Marta. -Não dou! É meu ganha pão - continua resistindo. -É. Então vamos brincar um pouco com a sua mulher para ver se você muda de idéia e nos mostra a onde está essa maldita chave! - ameaça um dos assaltantes aos gritos, enquanto se aproxima de Marta e a desamarra da cadeira.

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-Não toquem na minha mulher seus malditos! Marta!Marta! -João! Socorro! João eu tô com medo! -Vamos companheiros brincar um pouco com essa belezinha maltratada. - Por favor, não!Não! Deixem-me em paz. João, João!grita Marta já no poder dos assaltantes e sem possibilidade de se render. João também grita, mas não pode fazer nada. Os assaltantes a violentam. Desesperado João aproveita a distração dos bandidos e consegue se soltar e se armar com uma faca-de-cozinha, com a qual fere mortalmente um dos assaltantes e ainda faz um deles de refém, obrigando-o a soltar a mulher. -Corre Marta, vai buscar ajuda! - pede João aos gritos. Marta olha para o homem ensangüentado e acelera os passos. Um dos assaltantes chega por trás e atira em João, que cai com a faca na mão, mas ainda consegue forças para reagir. Trava-se ali uma luta entre João e dois dos assaltantes. João é dominado e os assaltantes o liquidam, um deles ainda é atingido no abdome e cai próximo à porta da cozinha. O terceiro procura a chave do caminhão, a encontra e esquiva-se. Enquanto João dá o último suspiro chamando por Marta, esta chega ao posto de gasolina, que fica a 1 km de distância de sua casa. Desesperada ela grita por socorro e um policial, que abastece sua viatura se prontifica a ajudá-la. A viatura, com mais três homens segue em direção a sua casa. No local, sinais de luta corporal e a garagem vazia. Marta desce do carro e entra rapidamente procurando pelo marido. O silêncio a faz gritar pelo companheiro, é quando seus olhos o flagram no chão. -João? João?Fala comigo! Fala comigo! Eu trouxe ajuda amor! - grita em desespero e continua - venha aqui moço, veja o meu marido! Veja se ele está bem. O policial se aproxima, sente o pulso e sentencia.

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-Sinto muito senhora, mas o seu marido está morto. Marta pára, pensa e se joga sobre o corpo sem vida do cônjuge e chora compulsivamente. Na porta da cozinha um dos assaltantes ainda respira. Enquanto os policiais conversam, Marta tomada de ódio, pega a faca-de-cozinha que está nas mãos do marido e perfura o corpo do assaltante com mais de dez furadas em menos de 15 segundos. Os gritos finos do assaltante alarmam os policiais, que a tiram de cima da então vítima, que morre ali mesmo. Os policiais afirmam que ele ainda teria chance de viver e que ela responderá por homicídio. -E meu marido? Quem vai responder pela morte dele? Quem? -Sinto muito senhora, mas vai ter que nos acompanhar porque a senhora acabou de matar um homem. -Isso não era homem, não era gente. Eles me violentaram, mataram meu marido e roubaram o caminhão e agora eu vou ser presa? Que mundo injusto é esse? Prefiro morrer. Ao falar isso, ela se liberta dos policiais e pega rapidamente outra faca e a envia na barriga, dando um grito de alívio. Na Casa das Tristes Rosas

-Nãããããããão!!!!!!!!!!!!!!!!!!Não! Não, por favor, mãe! Não morra! Eu preciso nascer! Eu preciso nascer! Não quero ser igual ao meu pai. Não moooooooora mãe! Não moooooooora! Estrela salve a minha mãe, não a deixe ir embora, não a deixe ir. Não a deixe!- pede Adriano e desmaia. Adriano entra em transe ao ver a mãe se furar. A Estrela não consegue falar nada, também fica aflita e quando o vê jogado no chão do quarto inerte dá o alarme e chama as consoladoras, mesmo temendo as conseqüências por ter mostrado cenas violentas a Adriano sem autorização.

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Na casa à beira da estrada

Marta é levada para o hospital, onde é atendida às pressas. Os policiais prestam depoimento e a acusam de assassinato. Sem ninguém a sua espera, Marta luta contra a morte. Depois de sofrer uma parada cardíaca, ela é colocada no aparelho de oxigênio. Os médicos a operam. Na casa das Tristes Rosas

Os excluídos descobrem o que aconteceu com Adriano e fazem uma corrente para Marta sobreviver. De mãos dadas, eles formam uma roda infinita e cantam o hino dos pássaros, enquanto Adriano é atendido pelas consoladoras, levando choque de estrelas para voltar a reagir. No hospital

Uma hora depois o médico Ronildo Afonso comenta com o colega Adolfo Nunes que Marta ficará bem, pois o ferimento não atingiu nenhum órgão. Na Casa das Tristes Rosas

Os excluídos soltam as mãos e dançam no imenso algodão doce amarelo, comemorando a recuperação de Marta. Adriano volta para o quarto e pede para a Estrela mostrar-lhe a mãe novamente. -Está bom por hoje Adriano, descanse - pede a Estrela. -Eu não estou cansado, não estou, quero ver mais! Quero tocar nela, quero abraçá-la. -Tenha certeza que ela está sentindo suas vibrações e isso a fará melhorar rápido, mas seu tempo por hoje esgotou. As cenas que você viu foram muito fortes para um pequeno como você. Amanhã, meu caro Adriano, amanhã! -Por favor, Estrela, por favor! -Não insista querido. Você esgotou seu tempo.

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-Mais ninguém me falou em tempo aqui? -Mais você tem um determinado tempo para acompanhar sua mãe e não pode ultrapassá-lo. -Por favor, Estrela, por favor! -Até mais Adriano, até mais! -Estrela!Estrela!Estreeeeela!Estreeeeela! Apareça! Volte! Volte! Ficarei de mal com você.Nunca mais te contarei nada sobre o salão. Volte Estrela, não faça isso comigo! Não faça isso! Eu preciso de informações. Preciso! Olhando em direção a Estrela ele desabafa: "Mamãezinha fique boa logo e se arrependa também logo porque quero te abraçar, te beijar. Vou te passar muita luz, muita força, e muito amor. Eu te amo mamãe! Te amo! Mas tente ser boazinha, por favor, tente!" Adriano sai do quarto e vai para o grande salão, onde descobre sobre a corrente que os outros excluídos fizeram para que sua mãe sobrevivesse. Ele agradeceu, mas se manteve distante. Preferiu ficar só, mas eu não o deixei, não podia, não conseguiria mesmo me afastar dele. Estava perto o tempo todo, acompanhando seus passos de longe e o vigiando.

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O Anjo Toninho O Código Penal Brasileiro de 1940, elaborado no contexto do pós I Guerra Mundial inscreveu o aborto nos “crimes contra a vida”, com pena de um a quatro anos para quem o realizasse em outra pessoa; e de um a três anos para o auto-aborto ou por consentir.

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5.

De repente vimos um excluído rodopiando e sorrindo. A alegria do colega apavorou Adriano. Eu também fiquei surpresa, quem poderia rir naquele lugar? Tanto eu quanto Adriano nunca havíamos visto um excluído alegre ali. Ele aproximou-se e perguntou indignado o motivo de tanta comemoração. -Por que sorrir se tua mãe não te quis? -Ela se arrependeu! Eu vou voltar! Vou nascer! - afirmou rodopiando e continuou... Ela vai me amar, vai me abraçar, vai me levar na escola, nunca mais vou dormir sozinho. Eu vou nascer! Eu vou nascer! -Sério? Quando isso aconteceu? Como isso aconteceu? Por que ela não te quis e agora te quer? -Calma! Você me deixa tonto com tantas perguntas? -Minha mãe me abortou porque minha avó a obrigou, mas ela no fundo nunca quis me tirar, só foi fraca por não resistir à pressão dos pais. Mas a minha avó morreu, graças a Deus, e agora a minha mãe poderá me ter. A Estrela me mostrou ela chorando e pensando em mim. Como ela pensa lindo. Sabia que eu sou igualzinho como ela imagina. Depois que ela se arrependeu procurou meu pai e o pediu em casamento. Eles vão se casar! Eu vou vê-los daqui, através da

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Estrela. E sabe o que ela disse a ele quando conversaram? -O quê? -Que ela queria me ter e pediu para Deus mandar-me de volta. Ela disse que não queria outro, queria eu. Ela não quer outro, ela me quer! Ela me quer! Você consegue chegar perto do que eu estou sentindo agora? Consegue respirar minhas vibrações? Consegue ver vida pulando dentro de mim? Eu estou muito, mas muito feliz! Eu vou nascer! Eu vou nascer! - rodopia novamente Toninho. Adriano escuta serenamente as palavras de Toninho e sente ciúme de não estar no seu lugar. Ele só conheceu a tristeza, a solidão. -Que bom. E agora? -Agora é que ela vai se casar hoje; e eu vou assistir tudinho daqui a pouco no meu quarto. Eu sei que não vai demorar muito para eu nascer. -Que legal - observa Adriano melancolicamente. -Sim, mas quem é você, senhor interrogação? -Sou Adriano, minha mãe também está quase para se arrepender. Ela pegou uma surra, teve o marido assassinado, matou um homem, tentou se matar, mas está bem. Agora depois de todo esse sofrimento ela vai pensar e se arrepender do que fez comigo. Eu tenho certeza - falou Adriano sem confiança nas suas palavras. -Poxa! Coitada da sua mãe. Ainda bem que com a minha não aconteceu nada disso, bastou à vovó morrer e tudo ficou legal. É que a minha avó odiava o meu pai e fez de tudo para separar os dois. Ela obrigou a minha mãe a tomar o remédio do aborto para eu não nascer. Ainda bem que eu não vou conhecê-la. -Eu não sei nada da minha avó. Qualquer hora dessas peço para a Estrela me mostrá-la. -Pois eu não quero nem ver a minha. A sorte é que o meu pai é tão legal. Sabia que ele havia comprado até bola para mim? -Foi? Que pena. Você é que tem sorte, pois o meu pai man-

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dou minha mãe me matar. -Credo, que coisa? -Pois é, que coisa! Mas o que é uma coisa? -O seu pai deve ser uma coisa, pois acho que uma coisa deve ser algo muito ruim. -Então o meu pai é mesmo uma coisa. -Mas você está triste demais, não fique assim se não vai estragar a minha festa. -Não dá para ficar bem. Depois do que aconteceu com a minha mãe eu ainda descubro que tem pai legal que compra bola para o filho antes de nascer, não dá mesmo para sorrir. -Ah! É, desculpe, foi mal. Não deveria falar do meu pai. -Tudo bem. Mas me diz: como é o seu nome? -Leandro Antônio, mas meus pais vão me chamar de Toninho, não é lindo? -Toninho? É lindo sim. Mas prefiro Leandro. -Eu prefiro o que os meus pais preferem. -Leandro? Posso te fazer um pedido? -O que é? -Me deixa ver o casamento dos seus pais contigo? Estou mal hoje e meu tempo acabou. A Estrela não quer me mostrar mais nada. Não vou agüentar ficar só, preciso de companhia. -Também, depois do filme de terror que você viu não é para menos. Mas pode sim. -Obrigado. -Olha Adriano, não conta para ninguém aqui que você me viu alegre, não quero que os outros fiquem mais tristes ainda. Vou tentar me conter e guardar minha alegria só para mim, apesar de ser difícil me controlar, mas vou tentar. Você só me viu assim porque recebi a notícia naquele instante e fiquei louco, alucinado, fora de mim e dentro dela. Não sei o que me deu, mas quando soube não pensei em mais nada.

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-Como você recebeu a noticia? -O Grande Anjo mandou me chamar? -Sei, aquele que pega a gente quando caímos aqui. -É, quando ele mandar te chamar é porque você vai nascer, acredite! -Vou esperar o seu chamado, mas olha eu fiquei feliz por você. Isso dá esperança para os que ainda não foram chamados. -Obrigado amigo. Agora vamos para o meu quarto, não quero chegar atrasado no casamento dos meus pais. -Vamos! Toninho segura a mão de Adriano e o leva até o quarto, onde cede um travesseiro de algodão. -Fique quieto. Não fale nada. Só eu posso falar - avisa Toninho. -Tudo bem, não precisa ser grosso. -Desculpe, é que estou emocionado. -Está pronto? -Estou. -Estrela, estrelinha do meu coração acorde e me mostre a mãe mais linda desse mundo e de todos os mundos. Mostre-me dona Estrela a minha mãe agoooooooooooooora.- grita. Em uma igreja em Belém do Pará

Noemi desce do carro do seu tio Antônio e sobe ao altar da Igreja São Judas Tadeu, acompanhada do pai Eduardo. O noivo Antônio sorri ao ver a amada. A igreja lotada, decorada por flores sorridentes, abraça a felicidade de Noemi e Antônio. Na Casa das Tristes Rosas

-Não é lindo? - observa Toninho chorando. -É lindo! - concorda Adriano, que também se emociona. -Cala a boca Adriano, é minha mãe! -Eu só respondi o que você perguntou, que grosso!

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-Desculpe, é que estou emocionado. De volta a igreja

-Prometo amar-te e respeitar-te até o último dia da minha vida - diz Antônio olhando para Noemi. -E eu prometo te dar o filho mais lindo para completar nossa felicidade Antônio. Eles se beijam e a igreja aplaude, apesar do padre não ter gostado de Noemi ter interpretado os tradicionais votos matrimoniais. Antônio segura a esposa no colo e vai para a festa de casamento em um salão ao lado da igreja. Naquela noite eles conceberão Toninho. Na Casa das Tristes Rosas

-Sou eu, sou eu. Você viu? Você ouviu? Você prestou atenção? Ela falou de mim. Ela me quer! Ela me quer! Ela me quer! Eu vou nascer. Será hoje que eles vão me fazer. Agora é só esperar sete meses e pronto. -Que sete meses? Têm que ser com nove meses, senão você vai nascer com defeito. -Eu vou ser prematuro, já esperei demais aqui! Quero nascer logo! Eu já era para estar andando, brincando de bola agora se não fosse a minha vovozinha. -Pois eu prefiro esperar mais dois meses e nascer direitinho. -Não interfira na minha vida, serei de sete meses e pronto. -Tudo bem senhor sete meses. -É melhor você ir, eu não quero que veja a lua-de-mel dos meus pais. É muito íntimo. -Tudo bem, adeus! Toninho reflete por segundos sobre sua atitude e chama Adriano. -Espere! -O que foi?

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-Desculpe, não fica assim, vai acontecer com você também. -Eu sei. Eu sei que um dia isso vai acontecer comigo. Boa sorte To-ni-nho - responde com ironia. -Obrigado e desculpe mesmo, é que estou muito emocionado. -Tá bom, até mais. -Tchau.

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A Casa Cor de Rosa A cada minuto, uma mulher morre no mundo por complicações relacionadas à gravidez ou ao parto; são 1.600 mulheres por dia, quase 600 mil por ano, sendo que 99% dessas mortes acontecem nos países em desenvolvimento.

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6.

De volta ao salão, Adriano roda o lugar como quem busca uma resposta para seu sofrimento. Eu senti que ele queria entender porque havia acontecido aquilo na sua vida. Eu também fiquei pensando sobre estar ali. A dor de Adriano doía em mim. Enquanto o observava, também refletia sobre a minha vida. De repente eu olhei a minha volta e percebi que ele havia se distanciado. Corri para alcançá-lo, mas seus passos eram rápidos e fortes. Ele estava se aproximando de uma porta Cor-de-Rosa, decorada em ouro e prata, uma beleza singular que o paralisou, ou melhor, que nós paralisou. Encantado por tamanha formosura ele se aproximou, e com muito cuidado encostou lentamente os delicados dedinhos na porta que se abriu, mostrando-lhe milhares de crianças alegres, saltando e sorrindo. Eu fiquei impressionada. Ele entrou e eu o segui. Logo na entrada, uma das crianças veio como um imã em sua direção e saltitante perguntou? -Quem é você? -Sou Adriano e você?A pequena gargalhou com a resposta e respondeu: -Adriana. -Você se chama Adriana?

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-É! Não é engraçado? Eu vou nascer em breve. -Como assim vai nascer? -Nascendo horas. -Você não foi abortada? A pergunta veio como uma faca sobre os olhos de Adriana, que logo se distanciou indagando: -O quê? Você é filho da Casa das Tristes Rosas? -É! Moro lá, você conhece? - interroga sorrindo. -Claro! Todos aqui morrem de medo de ir para lá. Só estaremos seguros quando vermos a mão do anjo. É ela que nos leva a nossa família - explica a pequena assustada ao descobrir que fala com um morador da temida Casa das Tristes Rosas. -Agora preciso ir, adeus. -Espere! Espere. Conte-me mais. -Não posso conversar com você. Tu és um rejeitado! Quero abraçar a minha mãe e esquecer que te conheci - falou chorando enquanto corria para longe de Adriano, que a seguiu com perguntas. -Por favor, Adriana, espere! Não se vá. -Preciso ir, me deixe! Não me siga! Não me siga! -Adriana, espere! Fale comigo! Fale comigo! -Não posso. Adeus. A pequena correu e desapareceu da vista de Adriano. De pele morena e cabelos lisos como seda, Adriana era uma formosura, observei. Os outros escolhidos também correram para longe de Adriano como se ele tivesse lepra. O meu pobre excluído ficou muito mal. Enquanto eles desapareciam entre os imensos algodões, Sheron surgiu para Adriano que ainda estava tonto com a beleza do lugar. Eu logo me escondi, afinal não poderia ser descoberta. Eu não era da Casa das Tristes Rosas e tinha muito, muito medo, só não sabia de que e de quem, mas tinha muito medo. -O que fazes aqui Adriano? Não podes vir para este lado. Seu lugar é na Casa das Tristes Rosas - afirmou friamente. -Eu não queria ser um filho rejeitado. Por que ela não me quis? Sou

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tão triste, sou tão infeliz - disse chorando. -Eu sinto muito Adriano, mas Deus nos dar o livre arbítrio. Não chore aqui, está deixando os escolhidos assustados - falou observando ao seu redor. -Escolhidos? Escolhidos?Eles são os escolhidos? E eu? Eu sou um rejeitado! Um rejeitado! Pobre de mim! -Venha comigo Adriano, por favor! A bela e meiga Sheron o levou de volta à Casa das Tristes Rosas e o proibiu de voltar a Casa Cor-de-Rosa. Adriano entrou em seu quarto e devotou seu tempo às lágrimas sem se dar conta do que elas estavam fazendo com sua mãe e comigo também. No hospital

-Senhora Marta, por que choras tanto? -Que pergunta! Não sabes o que estou passando? Meu marido foi morto, minha vida foi levada com ele, à única pessoa que me compreendeu neste mundo. -A senhora vai sair daqui a pouco e será levada para a Delegacia, onde permanecerá presa até o seu julgamento. Quer que eu avise algum parente? Amigo? -Não, eu não tenho ninguém. -Tem advogado? Vai precisar. -Moço eu sou pobre. Pelo menos na Delegacia eu não vou passar fome ou ser violentada. Agora me deixe em paz com minha dor. -Eu sinto muito senhora. -Pois não sinta. Enquanto o investigador se afasta, Marta relembra seu romance com Helinho e o culpa por tudo que está lhe acontecendo. Na Casa das Tristes Rosas

-Oi Adriano, você está melhor? - pergunta Toninho ao ver o amigo sentado com as mãos no rosto.

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-Não! - responde sem vontade. -Mas faz meses que você está triste assim. Não podemos nos desesperar, temos que ter esperança, esperança, muita esperança. Hoje é dia de festa, alegria! Vamos se alegrar. -Por que eu deveria me alegrar, até a Estrela decidiu ser má comigo. Não me mostra nada. Dizem que ela foi castigada por ter me deixado ver as cenas que eu vi. Soube que posso nascer com problemas por causa disso. Agora ela está com medo de me emitir sua luz. Você sabe, a minha mãe, para variar, vive se metendo em encrencas. A última notícia que eu tive foi que ela estava indo para a prisão. Para a prisão! Pode? Eu não sei o que fazer para ajudá-la. Estou perdido e triste porque desse jeito eu não vou nascer nunca. -Poxa! Que barra hein! -Pois é, mas por que está alegre? -Eu fui avisado que vou para a Casa Cor-de-Rosa. Eu vou nascer. A minha mãe engravidou. Não é o máximo? - É! É o máximo. -Não fica assim Adriano. Você está demorando demais para se acostumar. -Me acostumar Toninho? Eu nunca vou me acostumar. -Mas se passar muito tempo vai ter que se acostumar. Tu sabes o que aconteceu com a Sheron? -Não, não sei e daí? -Ela era como nós. Mas a mãe dela morreu sem se arrepender. Ela nunca conseguiu nascer e não quis ir para a Terra Mágica, mas se conformou e hoje até alegra um pouco esse lugar com suas histórias. -Histórias, que histórias? -Você não sabia que a Sheron conta histórias? -Não, nunca ouvir dizer. -É porque você não liga para nada que acontece aqui. Concentra-se nesse mundo, que agora é o seu.

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-Você fala isso porque já vai nascer. Enquanto eu preciso esperar a minha mãe sentar a cabeça. -Agora preciso ir, eu só vim me despedir. -Adeus e boa sorte! -Boa sorte também. Quem sabe um dia a gente se encontra. Os dois se abraçam e Toninho segue para a Casa Cor-deRosa, enquanto eu e Adriano ficamos olhando ele sumir entre o imenso algodão doce branco. Adriano era um excluído inconformado com a sua situação. Não queria aceitar a rejeição da mãe. Também tinha medo de nascer através de outra pessoa que não fosse a Marta e tornar-se uma cópia do pai. Os medos de Adriano o perturbavam. Depois de um tempo, a Estrela teve autorização para voltar a emitir os raios e mostrar a mãe de Adriano. -Já se passaram muitos dias e quero vê-la agora. Por favor, Estrela. -Está bem Adriano, eu vou mostrar. Na Delegacia

Marta aparece vomitando, um guarda chama o delegado, que pede para um agente ligar para a ambulância. -Peça para um médico vir até aqui, a menina está passando mal e ela ainda é menor de idade. Sabe que isso pode dar problema para a gente. Também aqui nesse fim de mundo não há lugares para adolescentes rebeldes e ainda falam do Estatuto da Criança e do Adolescente, como cumpri-lo nessas condições? -Tô ligando chefia. Depois de meia hora chega uma ambulância e a leva para um hospital, onde é diagnosticado que ela está grávida. Enquanto Marta recebe a notícia, Adriano vibra na Casa das Tristes Rosas acreditando que nascerá, mas sua alegria é o desespero de Marta, que recusa o filho e se indigna. -Eu não quero ter esse filho! Quero tirá-lo! Odeio essa criança.

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Odeio! - grita no hospital batendo em sua barriga. As palavras de Marta para a enfermeira foram como uma faca no coração de Adriano, que interpretou que a mãe não o queria de novo. A Estrela ainda tentou explicar os motivos da recusa, mas ele não quis entender. Após o diagnóstico, Marta foi levada de volta à Delegacia e Adriano retornou para o grande salão.

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O Canto Triste O risco de morte em adolescentes grávidas com menos de 16 anos é 60% maior do que nas mulheres que têm mais de 20 anos. Já as mulheres com mais de 35 anos correm maior risco de ter bebês com anomalias congênitas, como a síndrome de Down.

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7.

Andando pelo salão Adriano entoa um canto triste, cheio de lágrimas. Sua dor se transforma em um vírus e contagia os outros excluídos. Um grande coro se forma na Casa das Tristes Rosas. De mãos dadas, os excluídos se unem em uma corrente de solidariedade e cantam a dor da rejeição. De repente o teto se abriu e caíram pétalas de rosas vermelhas. "Por quê? Por que me rejeitaste mamãezinha? Será que não pensou na minha dor, não sentiu quando me tirou? Por que tu me mataste? O golpe que destes em meu peito ainda sangra, sou tua criança e quero te acariciar, te amar e te abraça! Pense no meu sorriso. Pense na minha alegria, pense em como seríamos felizes juntos. Por que não me queres? Arrependa-se e me tenha novamente. Estou pronto para amá-la". A cantoria se estendeu por uma semana. A dor de Adriano penetrou em cada excluído e suas histórias se misturaram. Mesmo aqueles que estavam próximos de nascer se emocionaram. Sheron apareceu para Adriano e tocou em seu coração. -Adriano, não sofra tanto. Peça por sua mãe, ela vai te atender. Sua dor está afetando a todos aqui. Contenha-se, por favor! -Que direito ela tem de me tirar o direito de nascer? Por que

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é ela quem decide sobre mim? Eu não posso fazer nada Sheron? -Pode! Você pode pedir por ela. A dor que você está sentindo, ela também sente. Sheron o acaricia e ele adormece em seu colo ainda no meio do salão. Eu não conseguia dormir, não tinha sono. Na Delegacia

-Essa moça vive chorando, está chorando há uma semana sem parar. Vamos tentar conseguir um advogado para ela. O caso dela é muito triste. Qualquer um se mataria na sua situação. Coitada! Ainda por cima está grávida dos assassinos do marido. Você já descobriu algo sobre ela? Sabe de algum parente? -Descobrimos que ela veio do interior do Pará. Parece que fugiu de casa. Deve ser uma dessas adolescentes de beira de estrada que fica fazendo ponto. Vai ver o caminhoneiro se engraçou com ela e acabou casando por pena. Também pudera, a menina é linda por demais. -Vamos colocar a foto dela nos jornais para ver se alguém aparece. -Ela é tão nova e tão bonita - observa o investigador Augusto. -Não tire graça com a moça Augusto. Agora vá atrás de um defensor público e traga-o aqui. -Tudo bem delegado Adamor. Estou indo agora mesmo. Na Casa das Tristes Rosas

Sentado em um imenso algodão doce amarelo Adriano escuta um choro e se assusta. De repente vê novos colegas chegarem e se aproxima. -Oi. Sou Adriano, não chorem. Eu também me desesperei quando cheguei aqui. -Eu quero voltar! Quero a minha mãe! - lamenta Júlia. Pele branca e cabelos negros.

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-Odeio isso aqui, é tão triste - observa Antônio. -Eu também não gosto, mas não podemos fazer nada, só esperar. O que aconteceu com vocês? -Eu não sei - respondeu Júlia. -Nem eu - completou Antônio. Adriano explica que eles podem descobrir tudo sobre suas mães falando com a Estrela. No quarto de Júlia a Estrela revela que sua mãe estava traindo o marido e engravidou do amante e por isso a abortou. No quarto de Antônio, ele descobre que sua mãe o abortou para se vingar do pai que a abandonou. Adriano tenta consolar os novos amigos. -Não podemos perder a esperança, vamos orar por nossas mães. Eles se abraçam e Adriano fala: -Vamos nos dar as mãos e fazer um pedido. -Pedido? - interroga Júlia. -É, para que nenhuma outra criança seja excluída antes de nascer. Vamos pedir que a Casa das Tristes Rosas fique vazia. -Vamos! - concorda Antônio. Antônio, Júlia e Adriano unem suas dores, suas mãos e formam um círculo. Em voz alta e olhando para o teto eles pedem: "Senhor Deus, não deixe que nenhuma mãe rejeite seu filho. Faça com que ela sempre o queira e o ame. Que esta casa fique vazia e que sua mão pese no coração de nossas mães para que elas se arrependam e nós possamos nasce. Que essas rosas que hoje choram amanhã tenham sorrisos para distribuir e não lágrimas; e que nós possamos em breve ver a mão do Grande Anjo nos apresentando ao sol. Ou se não puder fazer nada disso, nos dê o poder de decidir sobre o direito de nascer". O pedido termina em um grande e longo choro.

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No meio do salão, uma nova corrente se forma e todos pedem por suas mães. Sheron se emociona e pela primeira vez eu a vi chorar. -Eu sabia que Adriano tinha algo de especial. Ele está mudando isso aqui! - confidencia Sheron a uma consoladora - as consoladoras são anjos adultos que têm sorrisos no rosto. -Desculpe querida Sheron, mas está muito grande para se emocionar com excluídos recém-chegados. Sabes que todos são assim. Você também foi assim um dia. Dos que vêm pra cá, menos de 10% voltam a nascer. As mães nunca se arrependem do aborto, sempre arrumam uma desculpa. Elas ainda têm o poder, mesmo que a lei dos homens seja rígida. Aqui cada um tem seu destino e o destino dos nossos excluídos é proteger as mães, as mesmas que os eliminaram de suas vidas. Em algum momento elas vão se arrepender, mas aí ter a chance de corrigir é outra caminhada que elas devem percorrer, e que nem sempre elas conseguem. Muitas são castigadas e mesmo arrependidas não podem voltar a ter filhos. Na Delegacia

-Delegado? Apareceu uma senhora dizendo que é irmã de Marta. Ela quer falar com o senhor? -Mande-a entrar. O investigador Augusto vai até a sala de espera e pede que Mirtes entre para falar com o delegado. -A senhora pode entrar e se sentar. -Bom dia delegado! Sou Mirtes, irmã de Marta. Eu vi o retrato nela no jornal, tenho certeza que é minha irmã, apesar de eu estar longe de casa por muitos anos. Estou aqui para ajudá-la. A onde ela está? -Que Bom. Acho que ela vai gostar de vê-la. Desde quando ela chegou aqui não parou de chorar. -Eu quero vê-la agora. O que aconteceu com ela? -Se acalme. Eu vou contar e dizer como pode ajudá-la.

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O delegado conta a Mirtes tudo que aconteceu com Marta. Depois de quase duas horas de conversa, ela é autorizada a ver a irmã. -Pode levá-la Augusto. No meio do caminho, o investigador tenta uma aproximação com Mirtes. -Oi dona Mirtes, meu nome é Augusto, quero que saibas que gosto muito da sua irmã e acho injusto o que estão fazendo com ela. -Acho que depois de tudo que aconteceu vai ser difícil ela querer outro homem. O senhor não concorda? -Mas olhe, eu sou solteiro, tenho uma casa de dois quartos de alvenaria e ganho muito bem aqui. Faria muito gosto de conhecer melhor a sua irmã. -Seu Moço, apresse os passos e me leve até ela e pare de me amolar. Eu não sou de arrumar homem para ninguém. Mirtes atravessa o corredor estreito da Delegacia. O chão sujo a enjoa. De cabelos amarrados, um blazer cinza e jeans desbotado ela quase não é reconhecida pela irmã. Aproxima-se da cela e vê Marta encolhida em um canto chorando ao lado de mais seis mulheres. Roupa de chita, pés descalços, cabelos arrepiados e pele pálida, Marta é a imagem do desespero, mas sorrir quando ouve Mirtes gritar seu nome. Seu semblante de esperança abraça a irmã com o olhar. -Marta! Marta! Sou eu, a Mirtes. Vim te ajudar minha irmã. Marta dá um pulo do seu canto e corre para frente da cela para tentar abraçar a irmã entre as grades enferrujadas de ferro. A emoção contagia o ambiente. Depois de um longo e apertado abraço, elas se olham. Mirtes conta que soube de tudo que aconteceu pelo delegado e promete ajudá-la a sair dali. Explica que está casada com um fazendeiro e tem dinheiro e três filhos. Marta conta que fugiu de casa depois de ter feito um aborto. - Vou ligar para o meu marido mandar um advogado e tirar você daqui. Tu vens morar comigo- falou sorrindo. -Eu estou grávida Mirtes. Não quero ter esse filho, o tempo

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está passando. Ajude-me a tirá-lo, por favor! -Mas Marta você já tirou um, quer tirar outro? Não pode! É pecado! Você está matando um inocente! -Não tem nada aqui, é só uma bola de sangue. O outro tinha quatro meses e eu tirei, posso tirar esse que tem apenas dois. -Mesmo assim, eu sou contra o aborto. -Eu não quero ter um filho que foi gerado pela violência. Eu nem sei quem é o pai. Foram três que me estupraram. Três! Se eu tiver esse filho vou odiá-lo. Ele é a imagem daquele dia. O dia em que eu perdi tudo, até a minha liberdade. E eu não me importo se você é contra ou a favor do aborto, porque eu sou a favor da minha felicidade e ter esse filho agora só me fará mal. -Eu sei que é ruim. Imagino o que você passou, mas tente ver com outros olhos. É uma criança que está aí dentro. Ela não tem culpa de nada. Você não se arrepende de ter tirado o primeiro? -Não! Ele era fruto de um cara que me desprezou. Não podia ter um filho daquele homem que cuspiu em mim depois que eu abortei. Sabia que eu quase morri e ele nem ligou. Ficou com minha melhor amiga. -Eu entendo, mas não me peça para ajudá-la a matar uma criança. -Tudo bem Mirtes, tudo bem. Eu só te peço que me ajude a sair daqui, o resto eu vejo depois. O importante agora é me livrar dessa cadeia, quanto ao filho que está aqui dentro eu vejo depois o que faço. -Tudo bem, então vou providenciar o advogado e volto com notícias. -Está bem, eu vou aguardar, mas não demore muito. -Farei o possível para tirá-la o mais rápido daqui. -Obrigada por vim me ajudar. -Nós somos irmãs. Não somos? Marta sorri feliz para a irmã, mas quer arrumar um jeito de tirar o filho. Só pensa nisso.

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Na Casa das Tristes Rosas

-Ela não se arrepende de ter me tirado e agora que tem a chance de se arrepender, quer me tirar de novo, como pode Estrela? Como ela não se envergonha? Eu não sou nada mesmo para ela? Ela me odeia. -Calma, ela vai repensar o que está fazendo. E tem uma coisa que você não sabe e precisa saber, meu pobre Adriano. -O que Estrela? O que mais que eu não sei? O que mais? -O filho que ela está esperando não é você. É.........é outro. -O que? Como? Não sou eu? Como pode? Por quê? -Se acalme. Ela não se arrependeu de ter lhe tirado e você só poderá nascer se isso acontecer. Ela precisa querer tê-lo de novo. Entende? -Não! Não! Eu não entendo. Então quer dizer que na barriga dela tem outro que não sou eu? Então quem é? -Eu não sei. -Como não sabe? Têm que saber. Quem é que sabe então? -Não sei. A criança deve está na Casa Cor-de-Rosa à espera da mão do anjo. -Então ela pode tirar que eu não ligo! Se não sou eu não quero que ela tenha mais nenhum filho! -Não fale assim Adriano, não seja egoísta. -Falo! Falo! E quer saber: eu vou embora para o salão. -Volte aqui Adriano! Vamos conversar. -Adeus Estrela! Adeus. -Adriano, Adriano, Adriaaaaaaaaaaaaaaaaaano. Adriano entra no salão e medita. Quer entender o significado daquele lugar que está. Quer descobrir quem é o Grande Anjo? Quem manda ali? Ele não sabe ao menos que nome dar aos seus sentimentos. Eu também queria entender muitas coisas. Tínhamos as mesmas interrogações e estávamos também perdidos, sem direção.

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A decisao

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8.

Na Praça Albuquerque um casal de namorados combina um crime contra a vida. - Você entende que não estamos prontos para esse filho. Entende? - afirma Paulo André apertando a mão fria de Belinha. - Sei, mas estou tão triste. Me abraça? - pede chorosa.. Paulo atende ao pedido e reforça. - Na hora certa vamos ter nosso filho. Agora é preciso ser forte. Eu vou com você no doutor Ácido. Ficarei ao seu lado até o final. Nós somos muito jovens, não podemos tê-lo, compreende? Eu te amo e é por isso que peço que entenda. Você não me ama Belinha? - Amo - responde com a respiração forte. - Então prova esse amor e vamos logo acabar com essa tortura e voltar para a nossa vida normal. -Tudo bem. Eu vou, apesar de não estar certa se quero mesmo isso. Mas talvez você tenha razão. -Você é forte, é nova, ainda vamos rir desse momento quando estivermos rodeados de moleques. Agora vamos. A hora está marcada e não podemos chegar atrasados. Belinha toca na barriga e chora. Sem falar nada acompanha o namorado. No seu semblante a dor precoce. Belinha entra na clínica e

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fica de mãos dadas com Paulo André. Este a beija e reafirma seu amor. Ela não crer tanto em suas palavras, no fundo queria ouvir que o filho era bem-vindo e que o final seria feliz. Mas no auge dos seus 15 anos ela não poderia esperar muito do companheiro um ano mais velho. As horas na Clínica parecem não passar. E de repente o som do seu nome dói como faca entrando no peito. Ela suspira friamente e diz: - Sou eu, chegou a hora. Paulo André a olha sorrindo dizendo que a ama e estará sempre perto dela. -Vamos Belinha. Vamos! Será rápido. Depois a gente sai para comemorar - disse friamente sem pensar no sentimento da mãe precoce, que já amava o seu filho mesmo sem ter consciência do que ele representaria na sua vida e o que teria que enfrentar para tê-lo. As palavras de Paulo André a constrangem. Ela interroga: - Comemorar? Você diz que me ama e pede para eu matar o nosso filho e ainda quer comemorar a morte dele? Como pode falar de amor Paulo André se está sendo tão cruel comigo, contigo e com ele. - O que está acontecendo Belinha? O que você está falando? A gente não combinou tudo, você quer mudar agora, agora que eu já paguei. -Ah! Agora você está preocupado com o dinheiro. Você pagou pelo crime, pois eu quero que saibas que eu vou adorar vê-lo perdendo seu dinheiro porque eu decidi neste momento que vou ter o nosso filho, ou melhor meu filho. Adeus. Belinha se desprende da mão do namorado e sai correndo. Ele a segue em passos largos e a alcança. - Espere! Espere! - Eu não vou mais te ouvir. Não quero mais esse teu amor. Me esquece e não se preocupe que eu não vou te procurar. - Mas eu te amo mesmo, só acho que não estamos preparados para ter esse filho. É loucura. E a minha faculdade? - Então por que não pensamos nisso antes? Agora é tarde, ele está aqui e não tem culpa da nossa irresponsabilidade. Eu vou

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pagar o preço e se não quiser dividir comigo. Tudo bem Paulo, eu me viro. Belinha se despede do namorado, que vai embora sem olhar para trás. Enquanto Belinha comemora sua decisão de voltar atrás e ter o filho. Ana Lúcia, 15 anos, engole dois comprimidos abortivos. -Agora já foi, vamos apenas esperar o momento e adeus dor de cabeça. -É isso aí amiga. Nós temos o direito sobre o nosso corpo e ninguém pode nos condenar por isso. Acho um absurdo criticarem a decisão de uma mulher em ter ou não ter filho - comenta Rita, de 17 anos. -Eu também penso assim. Eu só espero que essa história não dure muito e que eu não tenha qualquer complicação. -Você está com medo? -Não sei. Ainda não. -Não fica. Eu já fiz dois abortos e tudo correu bem. Daqui a algumas horas tu vai sentir umas contrações, uma espécie de cólica menstrual muito forte e aí o feto vai sair e estará livre desse problema. -Tomará. Mas depois disso vou tomar cuidado, só vou transar conforme a tabelinha, eu odeio camisinha e ainda mais o Carlos não quer usar. -O Mauricio também não gosta, e toda vez que eu peço para ele por ele vem logo com aquela conversa de que eu estou o traindo. -Mas por causa disso você já engravidou duas vezes. -É, mas ele me deu o dinheiro para tirar e tudo ficou bem. Pior foi com a Kalena que teve que ir para o hospital e quase morreu. -Sabia que ela podia ser presa, pois abortar é crime. -Que crime nada, eles vão aprovar uma lei que todo mundo poderá abortar e aí a gente não vai ter mais problema. Podemos ir direto ao hospital e dizer: "tira essa coisa aí meu" - falou gargalhando.

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-Credo Rita. Você pensa mesmo assim. -Claro, eu é que sei quando devo deixar vim um filho e não os homens. Eu sou dona do meu corpo e posso fazer o que eu quiser com ele. Agora vou estragar meu corpinho lindo, que acabei de fazer uma lipo por causa de um conceito religioso, que afirma ser pecado abortar, o que é isso? Isso é piada cara. -É, acho que você tem razão. Mas seria bom se aprovassem logo essa lei, assim eu ficaria mais tranqüila caso acontecesse de novo comigo, pois no hospital é mais seguro. -É isso que eu acho também. Mas fica calma, tudo vai dar certo, ok.

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Hora de Nascer As cirurgias pós-aborto são o segundo procedimento obstétrico mais praticado nas unidades de internação, superadas apenas pelos partos normais. No Brasil, 31% das gestações terminam em abortamento, sendo um total de 1,4 milhão de abortos por ano no Brasil.

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9.

No salão os excluídos como Adriano se espalham por todos os cantos. Uns ficam sozinhos, encolhidos. Outros se juntam, formando pequenos grupos de no máximo quatro. O alimento desses excluídos é o sentimento que existe dentro de si. No imenso salão têm a Fonte dos Sentimentos, quando eles se sentem fracos, bebem água da fonte e se fortalecem. Dependendo de cada personalidade, alguns bebem mais ódio do que amor. O inconformismo de estar ali, e a revolta de ser negado pela mãe maltratam os sentimentos dos excluídos. Olho para Adriano e vejo sua tristeza. Ele quer ver sorrisos, e não lágrimas. Está cansado de esperar acontecer algo especial naquele lugar. Intransigente, ele decide desobedecer às ordens de Sheron e segue para a Casa Cor-de-Rosa com intenção de procurar o seu irmão. "Vou conversar com ele e propor uma troca. Inventarei que aqui é melhor do que lá. Pedirei para ir em seu lugar", resmunga Adriano enquanto caminha. Seu cérebro fervilha com possíveis argumentos para convencer o irmão fazer a permuta. Voltando à Casa Cor-de-Rosa

"Semblantes cansados me deixam cansados, rostos tristes

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me deixam tristes! Eu preciso de luz, onde só terei na Casa Cor-deRosa, onde um dia sei que estarei lá! Não escondido como pretendo entrar agora, mas sendo um dos escolhidos" - disse Adriano. Eu ficava olhando e ria das suas conclusões. Como é que um escolhido da Casa Cor-de-Rosa vai trocar de lugar com ele? Pobre Adriano! Tão imaturo; tão ingênuo. Olhando para trás, para os lados, para cima e até para baixo Adriano segue calmamente; e com delicadeza entra sutilmente na Casa proibida. Eu o segui. Desconfiado e com medo de ser descoberto, ele anda lentamente, observando de longe as crianças prontas para nascer. Escondendo-se entre os pilares de ouro e prata, Adriano sente uma mão tocar seu ombro e rápido reage. Eu gargalhei com sua reação. Foi cômico. -Quem é? - Interroga com rapidez. Um menino, de olhos escuros e cabelos claros, sorri e sai correndo. - Aí! Que susto! Pensei que fosse a Sheron - fala sozinho. Eu sorri do seu jeito desajeitado. Depois alguns minutos de caminhada pela elegante Casa Cor-de-Rosa ele percebe passos e se volta para trás, e sorri ao ver uma linda menina de cabelos cacheados e olhos maiores que a boca e o nariz. -Que olhos grandes? Quem é você? -Eu sou Sâmara e você? -Adriano. -Você vai nascer quando? - pergunta curiosa esticando a cabeça em sua direção. Adriano pára, pensa em Adriana que fugiu ao saber que ele era da Casa das Tristes Rosas e decide mentir. -Vai demorar um pouco, o parto da minha mãe está muito complicado. E você? -Bem, eu estou quase pronta. Já tenho mãos, pés, cabelo,

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meu sexo está visível, acho que com dois meses estarei mamando. -Mamando? - arregala os olhos surpreso. -É? Você não sabe o que é mamar? -Não! Quer dizer, acho que sei, mas tive um problema de memória e acabei esquecendo. Você pode me lembrar? -Tá. Agora preste atenção que você não terá outra aula dessas de graça. Quando nascemos a gente mama no peito da nossa mãe. Os peitos são duas bolas que ficam debaixo do pescoço. Essas bolas podem ser pequenas ou grandes, moles ou duras, mas o importante é que nessas bolas tem um bico no meio que saí um líquido branco chamado leite. Ele é nosso alimento até seis meses de vida. Aprendi isso na aula de sobrevivência. -Aula de sobrevivência? Que aula é essa? -Credo, você é gazeteiro mesmo. Faltou a todas as aulas. Vou te explicar: Se você sentir fome deve chorar e bater as mãos. Se sentir dores, chore e bata as mãos e os pés. É o código para os pais. -Código? -Agora preste atenção: você não pode tomar nada além do leite materno. Se sua mãe lhe der outro líquido para beber, vomite e chore, chore muito. A nossa vida, quando chegarmos lá, será de choro e sono, pelo menos nos primeiros meses. -Hum! Poxa! Que coisa! E eu pensei que quando eu nascesse ia parar de chorar. Acho que vou desistir, deve ser muito ruim nascer. -O que é isso? É ótimo. Terá um monte de gente fazendo carinho em você e todos te amarão, principalmente seus pais. Pelo menos eles eu garanto que vão te amar. -Você quer nascer mesmo? -Quero! Por que você não quer? -Quero! Quero sim. Sâmara e Adriano andam pela Casa Corde-Rosa. Ele fica encantado com a beleza do lugar e até esquece o seu objetivo: procurar o irmão. A casa é repleta de rosas brancas, vermelhas e amarelas,

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mas todas muito sorridentes e sem espinhos, diferente das da Casa das Tristes Rosas. No piso há pétalas brancas. De repente Sâmara recebe um chamado. Uma voz grita seu nome."Sâmaaaaaaaaaaaara!Sâmaaaaaaaaaaaaara!" -Eu preciso ir - avisa e apressa os passos. -Ir? Mas para onde você vai? -Acho que chegou a hora. Vou nascer! Serei prematura. -O que? Você vai nascer agora? Poxa! Eu quero ver! -Então venha! - puxa Adriano pela mão e corre. Eu e Adriano a seguimos por um caminho longo. No percurso Adriano tropeçou várias vezes porque não se conteve em olhar as crianças alegres daquele lugar. De repente Sâmara pára e pede para ele esperar. Olha fundo em seus olhos, o beija sutilmente e se despede. -Agora eu preciso ir, espere aqui! -Você volta? -Não sei, mas se eu não voltar te encontrarei em algum lugar. -Eu te encontro lá! Espere-me! Sâmara, não se esqueça de mim! -Eu não vou te esquecer! Adriano fica gritando seu nome por alguns minutos. -Sâmara! Sâmara! Sâmara! Os seus gritos chamam a atenção dos escolhidos. E como um relâmpago Sheron surge em sua frente.Eu tremi quando a vi e temi por ele. -Sheron? - olha surpreso Adriano com sorriso acanhado. -Você desobedeceu de novo Adriano as regras! Você será castigado. Agora venha comigo! -O que vai acontecer Sheron? -Você saberá em breve. Agora me siga. -Me desculpe, eu só queria conhecer melhor essa Casa. Desculpe-me. -Não é a mim que você deve pedir desculpas e nem sei se suas desculpas serão aceitas. Você foi avisado e desobedeceu.

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Agora seu destino pode ser mudado. -Como assim Sheron? -Eu não sei, mas já ouvi histórias de excluídos que foram condenados a não nascer porque desobedeceram as ordens de comportamento da Casa das Tristes Rosas. -Não! Por favor, não! Eu quero nascer! -O seu destino não está em minhas mãos. Venha comigo! Enquanto Adriano segue com Sheron, Belinha sente as dores do parto e segue com a mãe Olinda para a maternidade. Paulo André havia sumido de sua vida. - Por que ele não quis a gente mamãe? - Porque ele não te amava querida. Você não precisa dele agora, tem a mim, seu pai, seus irmãos e daqui a pouco terá Pedro Henrique em seus braços. As duas se abraçam no banco traseiro do táxi. Na maternidade o parto corre bem e Pedro Henrique vem ao mundo sadio. Ao ver o filho pela primeira vez Belinha se emociona e lembra o dia que queria tirá-lo. Em pensamento diz olhando fixa em seus sensíveis olhos: "Como pude pensar em matá-lo? Que pecado seria? Como eu estaria agora? E como eu te amo meu filho, como eu te amo". Nesse momento, Belinha recebe a notícia de que Paulo André quer vê-la. Sem receio ela o recebe. Ele entra desnorteado pelos olhares condenatórios de Olinda e segue em direção a Belinha. Toca em sua mão e acaricia o filho. - Que lindo! Ele é a coisa mais linda que eu já vi na vida. Volta ao olhar a Belinha. - É. Ele é lindo mesmo - concorda chorando. - Você me perdoa Belinha? Será que eu posso pedir para voltar e ser o pai do seu filho? -Nosso filho, ele é nosso filho Paulo André. -Sim, nosso filho. Você quer casar comigo e ter um monte de crianças iguais a essas? Ela abre um sorriso azul e espicha a cabeça esperando um beijo. Eles se beijam e Pedro Henrique dá seu primeiro sorriso.

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Em Belém, na Avenida Presidente Vargas, um protesto em favor da legalização do aborto. Rita segura uma bandeira chorando e segue em coro: "Temos o direito de decidir sobre o nosso corpo". Em meio à multidão uma mulher puxa Rita pelo braço e a espanca. Alguns manifestantes interferem na briga. A mulher grita: -Essa louca matou minha filha. Você matou filha! Matou minha Ana Lúcia. Sua assassina! -Eu não matei ninguém sua louca! Ela fez o que achou certo, se o governo tivesse legalizado o aborto ela não teria morrido, teria sido assistida por um médico e não um farmacêutico, por isso estou aqui, pedindo a legalização do aborto. Ela morreu por falta de assistência, foi por isso que ela morreu. -Não! Ela morreu porque você a aconselhou a tirar o filho, sua estúpida. Eu vou matar você, vou processá-la e fazê-la pagar pelo crime que cometeu. Sua assassina! Você carregará para sempre o remorso de ter matado a minha filha e todos os seus filhos, sua assassina! Assassina! Os manifestantes afastam Luzia, que não se conforma com a morte da filha por complicações no aborto. Rita a ignorou e seguiu na manifestação. Horas depois, ela desabafou com uma amiga. -Eu amava a Ana Lúcia. Ela era minha melhor amiga, jamais pensei fazer mal a ela. Fiquei com ela desde o momento em que ela tomou as pílulas até o fim. Fui eu que segurei sua mão quando ela se foi. Até hoje penso nela e a escuto chamando pela mãe. Mas isso a dona Luzia nunca vai saber. -Nós sabemos disso Rita, não se culpe. Essas coisas acontecem, por isso estamos aqui lutando pela legalização do aborto, disse Cristine, de 18 anos, que carrega nas costas três abortos. -Pois é, mas as pessoas não entendem. A mãe dela me culpa. Quando a Ana Lúcia começou a se sentir mal, eu achei normal porque a reação de uma pessoa para outra varia. Vi que ela estava sangrando muito e também achei natural, só comecei a sentir medo quando a

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vi pálida. Ai procurou o Afonso, que trabalha na Farmácia e ele fez o que pode, quando a gente viu que a coisa era grave mesmo fomos para o Hospital do Pronto Socorro, mas nem chegamos a dar entrada, ela morreu em meus braços. -Esquece isso, vamos continuar lutando para que casos como o de Ana Lúcia não ocorram mais. -É isso amiga. Legalização já! E agora minha luta será maior porque devo isso a Ana Lúcia.

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O Castigo de Adriano No Brasil, em 2004, foram realizados 1.600 abortos legais previstos na constituição, que tratam de risco de morte para a mulher e de gravidez resultante de estupro.

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Sheron levou Adriano por uma porta estreita, que mal pude passar. Eu tinha pavor do Grande Anjo e tomei muito cuidado para não ser descoberta. Se me pegassem ali, sabe Deus o que poderia acontecer comigo, mas precisava acompanhá-lo, queria saber o que iriam fazer com ele. Coitado! Ele só queria conhecer melhor a Casa Cor-de-Rosa. Entramos e logo em seguida escutei um som vibrante e a voz do Grande Anjo. Uma voz doce e aveludada que tinha até cheiro de chocolate. Adriano se assustou, colocou as mãos no rosto e perguntou: -Quem é você? -Ouça, não pergunte - avisou o Grande Anjo. -O que vai acontecer comigo? Não me castigue! Eu prometo não entrar mais na Casa Cor-de-Rosa. -Ouça Adriano, você foi advertido e desobedeceu, agora terá que cumprir sua pena. -Eu sei, mas eu não faço mais! Prometo, prometo mesmo! disse choroso. -Ouça Adriano, deixe-me falar. -Tudo bem, eu deixo, mas fale logo o que vai acontecer comigo.

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-Na Casa Cor-de-Rosa você viu e conversou com crianças que foram escolhidas, que estão prontas para nascer. Isso não podia acontecer. Eu poderia condená-lo a não nascer. -Não! Por favor, não! -Deixe-me continuar Adriano. -Desculpe, continue... -Mas eu vou lhe dar mais uma chance: a última! A última entendeu Adriano? Entendeeeeeeeeeeeeu? (gritou) -Sim! Entendi e obrigado. Mas o que vai acontecer comigo? -Você ficará em isolamento e não poderá falar com a Estrela por um período gestacional. -O que? Que período gestacional? O que é isso? -Você ficará só, sem contato com os outros excluídos para meditar sobre seu comportamento por nove meses e mesmo que sua mãe se arrependa nesse período não poderá nascer. -Mas eu não posso esperar tanto assim, preciso nascer logo. -Adriano? Escute! Não me interrompa. Você tem uma eternidade aqui. Muitas mães não se arrependem nunca do aborto. A contagem do tempo é diferente para nós. Agora não me faça mais perguntas e acompanhe a Sheron. -Seu Grande Anjo deixe-me ver o seu rosto? -Nunca! Nunca! (grita) Ninguém nunca viu meu rosto Adriano.Vá com a Sheron e não me convença de arrepender-me da minha generosidade. -Mas eu não quero ficar sozinho, tenho medo! - fala Adriano chorando e perguntando se não poderá mesmo ter contato com a Estrela. -Vá Adriano! Sheron o acompanhe. -Vamos Adriano agora! Sheron o puxa pelo braço e o faz caminhar. Ele ainda estende a mão pedindo piedade. Mas o Grande Anjo ignora.

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O Castelo de Gelo

Eu fiquei desesperada quando ouvi o Grande Anjo. Eu não poderia ficar perto de Adriano. Sheron o acompanhou até um Castelo de Gelo. -Sheron, me diga que lugar é este? - perguntou aflito. -Não se preocupe Adriano, eu sempre que puder virei te ver. Eu sou a única que tem permissão para entrar aqui. Entendeu? A única. -Entendi! Mas tenho medo! Tenho medo de ficar sozinho! -Não tenha, eu estarei sempre por perto. Agora entre e fique calmo, lembre-se que o seu castigo poderia ser pior. -Está bem, vou tentar! Adriano entra no Castelo de Gelo e eu o observo do lado de fora. Não pude entrar, não consegui driblar Sheron. Fiquei angustiada, com o coração apertado. As portas se fecharam e eu mordi os lábios para não gritar por ele. Fiquei em pânico por não conseguir estar ao seu lado. Um sentimento de impotência me dominou, senti uma dor ímpar, minha alma encolheu ao perceber que não poderia estar com meu Adriano. Não sabia o que estava se passando lá dentro. Mas decidi ficar de plantão do lado de fora. Na Delegacia

-Senhora Marta, o advogado que a sua irmã indicou conseguiu um habeas corpus. Agora a senhora responderá o processo em liberdade, mas não poderá sair da cidade sem prévia autorização. Tudo Bem? -Sim - respondeu sorridente. -Agora venha comigo, sua irmã está lhe esperando - fala o investigador ao abrir a cela. Marta o segue e abraça a irmã na Delegacia, agradecendo por tê-la tirado dali. Na casa de Mirtes, ela conhece os sobrinhos Lucas, Rodrigo e Bruna. Ainda distante do mundo e abalada pelos acontecimentos de

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outrora, Marta preferiu o isolamento. Pensava apenas em se livrar da barriga que a incomodava. A irmã a colocou no quarto de Bruna, a caçula da família. Naquele dia Marta só desejou dormir e assim fez, prolongando o sono por quase dois dias seguidos. Quando a irmã despertou, Mirtes perguntou sobre o filho e esta avisou que não o terá. A irmã reprovou sua atitude, mas disse que não interferirá na decisão, alertando que também não a ajudará a cometer o crime. Marta, no auge dos seus 14 anos já vivera tantas aventuras que não queria mais ter nenhuma. Marcada pela rejeição do primeiro amor e pela tragédia do segundo, ela só queria paz em sua vida. -Você jamais terá paz se cometer mais um crime desses. -Eu não posso ter esse filho. Ele é maldito! -Não fale isso Marta! Eu só te perdôo porque tu és ainda uma criança. -Não quero ter esse filho Mirtes, não quero! Não preciso dele. -Então tenha o filho e dê, mas não tire o direito dele nascer. Você não tem esse poder de escolher sobre a morte ou sobrevivência de um ser. -Tenho sim minha irmã e mesmo que você não me ajude, vou tirar! E se não me quiser aqui também não tem problema. (engoli o choro e completa:) - Eu posso me virar sozinha. -Pára com isso! Faça o que quiser, mas não saia daqui. Eu te amo minha irmã e só quero o teu bem. Mas eu não consigo entender como você não sente remorso em querer matar uma criança. -Pára de falar besteira, eu não vou matar criança nenhuma. Isso aqui (bate na barriga) é uma bola de sangue apenas, deixa de ser dramática Mirtes. Em Mãe do Rio muitas meninas tiram filho como tiram dente. O problema é que se eu tiver sua ajuda correrei um risco menor e se eu fizer isso sozinha posso ter complicações, como eu tive da última vez. -Meu Deus do céu! Você fala em matar uma vida tão naturalmente que me dá até medo. Olhe para você Marta? Você não tem nem seio

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formado, mal fez 14 anos e já tem um aborto nas costas e agora quer fazer mais um. Você prestará conta com Deus por isso. -Tá bom, deixa que com Deus eu me entenda! No meio da conversa, chega o marido de Mirtes. Marta fica impressionada com a diferença de idade de um para o outro. "O fazendeiro Álvaro Campos poderia ser avô de Mirtes" - pensa Marta ao vê-lo e imagina que a irmã o escolheu para poder mudar de vida e não por amor. Um muito prazer e seja bem-vinda e nada mais. Álvaro é um homem reservado e de pouca conversa. E Marta também não estava interessada em prolongar os diálogos, queria mesmo era se livrar da barriga. Depois de uma semana ela ainda não havia conseguido planejar o assassinato do feto. Mas uma reportagem na televisão sobre o alerta a um medicamento que estava causando aborto espontâneo chamou sua atenção. Ela anotou o nome do remédio em um papel e guardou, convencida de que aquela era a forma mais natural de cometer o crime. Em meio a um jantar, Marta avisa que terá o filho. A irmã a abraça feliz. Depois de três dias, pede dinheiro para comprar um remédio para enjôos. Mirtes dá a quantia solicitada e está vai até a farmácia e adquire o remédio. Com a arma do crime na mão, abre um sorriso satânico e decide ainda na rua tomá-lo, certa de logo terá sua libertação. Em Maceió, Alagoas

Enquanto Marta caminha para mais um aborto, Selma Santos, de 30 anos, grávida de oito meses decide ter o filho mesmo sabendo que o mesmo está em face de deformação congênita e não tem possibilidade de sobrevida. Depois de enfrentar uma batalha judicial para pedir autorização e abortar o filho que tanto desejava, decidiu ir até o final da gestação, nem que fosse para enterrá-lo. Na

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solidão do quarto, Selma confessa as paredes amareladas a sua dor, enquanto espera o marido Sandro chegar do trabalho. -Eu que tanto te desejei meu filho, que tanto sonhei nós dois juntos, brincando, caminhando, passeando no lago da Trindade, agora sei que terei que entregá-lo a morte, mas não levarei a culpa de condenálo a este fim. Perdoe-me se eu quis sacrificá-lo. Nem sei como pude pensar assim, mas hoje vejo que estava errada e agradeço a demora da justiça que me deu tempo de refletir sobre o meu ato. Eu o amo, mesmo que não tenha consciência desse sentimento. Sandro entra no quarto e vê a esposa chorando. Ela avisa que decidiu ir até o fim na gestação e ele a abraça feliz com sua escolha. -Vamos amá-lo Selma e não teremos que carregar a culpa de matar o nosso próprio filho. -Desculpe Sandro se não o ouvi antes, mas agora percebo que estava errada, nem sei a razão, mas sinto que eu preciso deixá-lo vim. -Mesmo que ele viva por alguns minutos faremos desse minuto uma eternidade e o lembraremos dele para sempre. -Você está certo amor. Eu vou ter o nosso filho e ele se chamará Samuel como você deseja. O casal se abraça e chora. Sandro se agacha e beija a barriga de Selma.

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O Vulcão A mulher que sofre um aborto espontâneo (ou perda da gravidez) precisa de atenção médica oportuna e com empatia.

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Adriana caminha saltitante pela Casa Cor-de-Rosa quando sente fortes dores. Agacha-se e tenta se cobrir com as mãos. De repente vê sangue escorrer pelo seu corpo. Assusta-se e grita! Seu grito incomoda os escolhidos, que correm avisando da chegada do vulcão. Adriana fica atônita, não entende o desespero na Casa Cor-de-Rosa e tenta se mover, mas não consegue. Suas mãos e pés estão com câimbras. De repente todos os escolhidos desaparecem, e ela se vê sozinha. Fica com medo, grita por nomes e ninguém responde e aí surge o temido grande vulcão, que a suga sem oportunidade de defesa. O pedido de socorro não adianta. Ninguém pode salvá-la do seu destino. -Socorro! Socorro! Estou sendo levada, ajudem-me!Ajudem-me! Está doendo muito!Tem algo me matando! Socorro! Socorro! Socorro! Não! Nããããããããããão! Nãããããããããããããõ! Na casa de Mirtes

Marta grita de dor. -O que está acontecendo Marta? -Eu não sei, mas minha barriga está doendo muito.Tá doendo! -O que você tomou? Você fez o aborto?

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-Não, apenas tomei o remédio para enjôo. -Que remédio? -O remédio que eu vi na televisão que dizia que era bom para esses sintomas. -Você está grávida, não pode tomar remédio sem orientação médica, vou te levar para o hospital agora mesmo. Espere vou buscar um táxi. Na Casa Cor-de-Rosa

Os escolhidos choram por um minuto e pedem pela salvação de Adriana. "Salvem a Adriana, Salvem a Adriana. Salvem cada um de nós do grande vulcão, da grande mancha". De repente Samuel se aproxima e fala aos escolhidos. -Peçam por mim também, eu quero ficar com minha mãe e com meu pai. Um anjo se aproxima de Samuel e diz que sua missão é dar harmonia a seus pais e que ele voltará muito rapidamente para a Casa Cor-de-Rosa. -Se seus pais o aceitarem e o amarem como você é e o deixarem vir, eles o terão de volta em um tempo muito breve. Cada um aqui Samuel tem uma missão e você terá que aceitar a sua; e saiba que você é um privilegiado, pois muitos como você não conseguem ficar aqui até o fim, sendo condenados a irem para a Casa das Tristes Rosas. E você nem imagina como é estar lá, em uma casa onde as rosas choram. Samuel abraça o anjo, sorri e agradece pelos esclarecimentos e confessa se orgulhar dos pais. Na Casa das Tristes Rosas

Eu estava na frente do Castelo de Gelo esperando a Sheron chegar para eu entrar quando escutei novamente um estrondo. Era um novo excluído que descia pelo vulcão. Afastei-me por um momento da frente do Castelo de Gelo e fui ver quem era. E qual surpresa

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tive ao identificar o novo morador? Era Adriana, a menina da Casa Cor-de-Rosa, mas o que ela estava fazendo ali? Meu Deus como ela gritava, como estava inconformada, me lembrou até Adriano. O mesmo ritual aconteceu: choque de estrelas, consoladoras, Sheron e o caminho para o grande salão da Casa das Tristes Rosas. Decidi segui-la porque achei estranho uma moradora da Casa Corde-Rosa estar ali. Durante a caminhada percebi que Sheron a levava para o quarto de Adriano e aí concluir que a coincidência do nome não era à-toa: os dois eram irmãos, Sheron revelou que ela teria em breve companhia. Eu precisava contar para Adriano tudo que eu havia visto, voltei correndo para frente do Castelo, com a esperança de que Sheron viesse falar com ele. Fiquei ali por longas horas, talvez dias ou semanas, não sei bem direito e como vi que ela não aparecia decidi me apresentar para Adriana. A irmã de Adriano

-Oi Adriana - disse timidamente. -Quem é você. É anjo? -Não sei. Mas me conte o que aconteceu? Por que saiu da Casa Corde-Rosa e veio para cá? -Casa Cor-de-Rosa? Que Casa Cor-de-Rosa?Eu não sei do que você está falando. - disse espantada. Ali percebi que todos os excluídos da Casa das Tristes Rosas haviam passado um dia pela Casa Cor-de-Rosa, mas não tinham essa memória, por isso Adriano gostava tanto de estar lá. Parei por um momento e continuei a conversa. -É que eu te vi lá quando fui com um amigo. -Amigo? Que amigo? Aí eu contei tudo para ela. Adriana chorou muito, ficou revoltada e acreditou que a visita do irmão a fez sair do percurso e ser sugada pelo vulcão para cair na Casa das Tristes Rosas. - Foi ele que me fez vim pra cá, foi ele! Tenho certeza!

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-Talvez não, eu sei que ele foi castigado por ter ido duas vezes lá, mas acho que você não faz parte do castigo, talvez sua mãe tenha cometido outro aborto. Você já falou com a Estrela? -Não, ainda não quero falar com ninguém agora. Nós conversamos por um longo tempo e no final pedi que Adriana não contasse para Adriano que me conhecia, inventei que eu era o seu anjo da guarda e não podia ser vista. Ela acreditou. No Hospital. (o médico fala de Marta)

-Ela teve um aborto espontâneo causado por um medicamento que já vitimou várias grávidas. Esse não é o primeiro caso. Só está semana atendemos cinco moças que abortaram por tomar esse medicamento, mas o que me espanta é que estamos alertando a sociedade através da televisão - explicou o médico Trindade. -Ela vai ficar bem doutor? - perguntou Mirtes preocupada. -Vai, é só descansar por uma semana e fazer o resguardo. No leito Marta sorri, aliviada por ter se livrado do filho. Mirtes se pune por ter emprestado o dinheiro a ela. Na Casa das Tristes Rosas

Eu estava cansada de ficar em frente ao Castelo de Gelo e desistir de esperar Adriano quando vi Sheron se aproximar. Rapidamente me escondi e quase que se encostando a ela consegui entrar. Pobre Adriano estava com o rosto inchado de tanto chorar. Meu coração se apertou, queria de qualquer maneira confortá-lo, eu o amava tanto e nem sabia por que, mas aquele pequeno tocava fundo na minha alma. Cada lágrima sua feria-me por dentro. Era um sentimento novo que não tinha explicação, algo maior que eu, que me fazia esquecer de mim e pensar só nele. Sheron se aproximou e conversou um pouco. Ela deu pistas da nova companhia, mas não revelou quem era. O lugar que Adriano estava era todo de gelo. Sua cama, os móveis e a decoração do

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castelo eram de gelo, mas eu e nem ele sentíamos frio. Sheron se despediu e foi embora. Adriano abaixou a cabeça e chorou pedindo para ela ficar, mas ela explicou que não podia e saiu. Eu não resistir e me mostrei. Ele gritou. Afastou-se e eu tapei sua boca com a mão, dizendo que era sua amiga. Mas ele ficou atônico, talvez por nunca ter visto alguém do meu tamanho. Aí eu abri o verbo. -Eu conheço a sua história, te acompanhei de longe desde quando chegou aqui, fique calmo. -Mas eu nunca te vi! Fique longe de mim - pede se afastando. -Não tenha medo, a gente pode ser amigos. Entrei aqui escondida para te fazer companhia, posso ser castigada por isso, não vê o quanto me arrisquei por você? -E por que você fez isso? - falou manso e curioso. -Eu não sei, mas senti que precisava. Depois que eu contei alguns detalhes de tudo que eu sabia a seu respeito ele se acalmou e até me abraçou. E como era chorão demais, chorou mais um pouco. Revelei que sua mãe havia feito outro aborto e que sua irmã estava no seu quarto à sua espera! -A minha mãe é muito mal. A odeio! Odeio! -Não odeie sua mãe Adriano. Ela é uma criança. -Quer saber? Eu não quero ser filho dela! Não quero mesmo. Prefiro ir para a Terra Mágica a ter que nascer daquele monstro, daquela coisa. Como pode fazer isso comigo e agora com a minha irmãzinha? Ela não tem coração, não pensa na gente, é egoísta. Eu não me conformo. Não me conformo mesmo. -Cuidado com suas palavras Adriano, o Grande Anjo pode interpretar mal e mudar os planos para o seu destino ou até mesmo te condenar a não nascer. -Não fale isso, desculpe. Desculpe você tem razão. Eu não posso odiar minha mãe. Preciso compreender seus motivos, vou tentar pelo menos, mas está tão difícil arrumar justificativas para esses atos, está tão difícil.

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Adriano chora. Depois de algum tempo ele pergunta da irmã. -Me conte como ela é? -Você a conhece. -O que? Eu a conheço? Como? -Lembra da menina que você viu na Casa Cor-de-Rosa, que tinha o nome parecido com o seu? -Sei, a Adriana, que fugiu de mim com medo. -É. Ela é sua irmã. -O que? Ela é minha irmã? Tem certeza? Adriano ficou surpreso e gargalhou e eu perguntei por que ele estava rindo. -Bem-feito! Ela estava com tanto medo de mim, temia vir pra cá e agora está aqui, no mesmo lugar que eu. - Não fale assim Adriano, ela está sofrendo igual a você. Terá que dar força para ela superar essa dor. -É verdade, desculpe anjo. Mas qual é mesmo o seu nome? -Meu nome? -Sim, você deve ter um nome? -Sabe que eu não sei, nunca ninguém me perguntou o meu nome, mas pode me chamar de Anjo da Guarda. -Anjo da Guarda? Legal. Então você é meu Anjo da Guarda? -Pode ser. Na verdade eu não sei quem sou e nem de onde vim. Eu não sei nada de mim. Só sei que gosto muito de você, mas não sei por quê. -Eu também acho que gosto de você - disse Adriano sorrindo. A gente se abraçou e ficou grudado por um bom tempo. Depois eu disse para Adriano que sairia um pouco para ver como estava Adriana, mas prometi voltar. Ele estava mais feliz e menos angustiado. Sai do Castelo e fui ver Adriana.

Na Casa Cor-de-Rosa

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Tomé,Tina e Thiago se dão às mãos e seguem viagem. -Eu prometo que seremos muito felizes - diz Tomé. -Eu prometo que não brigarei com vocês - afirma Tina. -Eu quero ser o primeiro a nascer- exige Thiago. -Vamos deixar de conversa. Temos um encontro com a nossa mãe, que grita por nós- ressalta Tina. -Vamos!!! - falam juntos e saem correndo para encontrar a mão do anjo. Na Casa de Penélope.

-Me acode Bárbara! Me acode! Eles vão nascer, vão nascer. A amiga com a pequena Sâmara no colo chama o porteiro do prédio pelo interfone e a leva ao hospital. O pai, um artista plástico comple-xado, ignora a notícia do nascimento dos trigêmeos, quando Rebeca o avisa. O parto de Penélope é rápido e a bela atriz se emociona ao ver seus anjinhos pela primeira vez. -Eles são lindos Penélope! -Acho que Deus me castigou, me mandou três de uma única vez porque com esse trio vou pagar todos os meus pecados - diz gargalhando. -Que castigo, foi benção! -Eles vão se chamar Tina, Thomé e Thiago! -Que lindo! Você decidiu o nome deles agora? -Foi. Tive uma visão e veio esses nomes na minha cabeça. -Sinto te dizer que o pai não veio - avisa Rebeca triste. -Não tem problema. Agora não preciso de mais ninguém, estou completa e cheia de trabalho - festeja. -É isso aí amiga. -Eu passei muito tempo da minha vida preocupada em me promover, em querer ser alguém e agora vejo que não precisava de nada do que conseguir, pois a fama não me trouxe felicidade. Os meus filhos sim são o verdadeiro significado da felicidade. Não devia estar em mim

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quando fiz aqueles abortos, hoje me arrependo muito mais, pois eles poderiam estar aqui agora comemorando comigo o nascimento dos seus irmãos. -Não pense Penélope mais nisso, agora você é outra mulher. -Com certeza sou mesmo. Sou uma mulher completa e feliz. -Você será muito feliz! -Agora eu sei que isso é possível, pois o código da minha felicidade é Tina, Thomé e Thiago. Rebeca sorri contente com a felicidade da amiga. -Eu tenho uma novidade para te contar. -O que foi? -Fui convidada para ser protagonista da próxima novela das seis. -Protagonista? -É? Vou estrear de carrão de sena. Não é o máximo? -Eu estou pasma! É raro isso acontecer. -Acho que Deus quis me premiar pelo sacrifício de ter rejeitado aquele papel em nome de Sâmara. Olhando-a hoje não consigo me imaginar sem ela e pensar que cogitei em tirar a vida da minha filha. Que loucura! -É verdade! Deitada agora aqui e vendo meus anjinhos concordo que foi horrível o que eu fiz, hoje percebo que abortar é matar. Aliás, é o pior crime porque aquela que tem o poder de gerar vida tem também o poder de eliminá-la. Que bom que você teve mais juízo que eu. -E tem mais: o Roberto me perdoou pela traição e voltou a morar comigo. -Que bom amiga! Que bom! Rebeca se aproxima de Penélope e beija sua testa. Na Casa das Tristes Rosas

Ao sair do Castelo de Gelo fui encontrar Adriana, que para variar estava chorando. Ela chorava tanto quanto o irmão. Quando ela me viu abraçou-me com força, contando-me que soube que sua mãe

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havia a abortado de forma calculista. -Eu não tenho culpa do que aconteceu com ela. Eu queria nascer! Por que ela me condenou pelo que o meu pai fez? -Estupro é muito traumático, as mulheres que são violentadas não querem ter nada que as lembrem do que passaram e sua mãe ainda é uma criança. -O meu sorriso a faria esquecer de tudo. Ela não podia ter feito isso comigo, não podia! A onde está o meu irmão? Eu o quero agora! -Ele ainda está de castigo. Fique calma Adriana. -Quero vê-lo Anjo! Preciso dele perto de mim. -Acho que ele não vai demorar muito para sair. Eu a abracei por longos minutos. Na casa de Mirtes

-Mirtes? Arrumei um emprego!- comemora Marta. -Que ótimo, agora vê se toma juízo. Marta começa a trabalhar em uma loja de sapatos. Na primeira semana se apaixona pelo colega Arivaldo e inicia um namoro. Na casa da irmã comenta sobre o romance e Mirtes a alerta para o uso de preservativos. Marta escuta o conselho e promete que usará camisinha. Na Casa das Tristes Rosas

-Eu odeio camisinha! -O que você está falando Adriana? Deixa de besteira! -É! Eu odeio mesmo! Odeio com toda a minha força! Se não fosse essa tal de camisinha eu poderia estar na barriga da mamãe. -Você se esqueceu que a sua mãe precisa se arrepender primeiro para depois você nascer. -Sei, mas ela nunca vai se arrepender de ter me tirado. Eu fui fruto de uma violência, como ela vai se arrepender? -Calma, ela vai se arrepender sim. Mas não fique triste. Eu tenho uma novidade para você.

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-Qual é? -Ouvi dizer que Adriano sairá em breve do Castelo de Gelo. -Legal, vou dar muita porrada nele quando o vê - diz sorrindo. No hospital em São Paulo

Carmem é encaminhada com urgência para a sala do obstetra Almerim. O médico avisa que ela está com hemorragia e corre risco de perder o bebê. Antônio, marido de Carmem, chora.O médico Almerim a atende, mas não consegue salvar a criança. Na Casa das Tristes Rosas

Estava conversando com Adriana quando ouvimos um novo estrondo. Uma luz estranha invadiu o lugar. Gritos nos amedrontaram e logo vimos que teríamos companhia. -Está Casa está ficando pequena para tantos excluídos. É mais um. -Eu tenho muita pena dos que vêm pra cá! -Eu também. De repente vimos se aproximar uma menina pálida, branca como papel. Ela não chorava,estava calma e caminhava tranqüilamente. Aproximamos-nos dela e perguntamos seu nome e por que estava tão serena. -Eu estou aqui por destino.Minha mãe me quer, ela só não está preparada agora. -Não entendo! -Minha mãe teve um aborto espontâneo. -A minha também! -Mas a minha está sofrendo, pois ela me quer e logo eu voltarei. Estou aqui só de passagem. E você? -Não, minha mãe me odeia. Chamo-me Adriana e você? -Liziene. Com licença, vou ver a Estrela e saber como está minha mãe. Eu e Adriana achamos muito estranho àquela branquinha.

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No Hospital de São Paulo

Carmem estava inconformada com a perda, Antônio a consolava. Mas nada a fazia se sentir melhor. -Quero meu bebê de volta! A quero de volta Antônio! Por que Deus fez isso comigo? Por quê? -Eu não sei amor, a gente vai ter outro, eu prometo que te darei muitos filhos, se acalme! -Eu não quero outro, quero este que se foi. Quero este! Na Casa das Tristes Rosas

-Calma mamãe eu já vou voltar.Não fique triste, logo estarei em seus braços! - disse Liziene olhando para a Estrela. Quatro meses depois Liziene é chamada para a Casa Cor-de-Rosa. No salão

Estava no grande salão quando ouvi um grito agudo. Era Adriano que saltava em minha direção.Ele havia saído do castigo. Ao ver Adriana ele sorriu e a abraçou, eu me uni a esse abraço, mas contei a eles que não poderia aparecer porque não era da Casa das Tristes Rosas. Fortalecido pela companhia da irmã, Adriano se sentia mais feliz. -Agora somos um em dois. Precisamos estar unidos para nascermos junto, igual como aconteceu com Thiago, a Tina e o Thomé. -Quem são eles? -Meus amigos.Eles se foram. -Tá! A gente vai se unir. Na casa de Mirtes

Marta anuncia seu noivado com Arivaldo e avisa que visitará a mãe e a irmã Aline. Mirtes gosta da novidade. Uma semana depois Marta volta à Mãe do Rio, pede desculpas à mãe e conta que está no

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caminho certo e que encontrou Mirtes. Maria a abraça e revela que Aline está grávida de Helinho. Marta se revolta com a notícia, tenta bater na irmã, mas é impedida por Arivaldo que a acompanhou na viagem. -Você me traiu Aline. Me traiu? Eu confiava em você e olha o que fez comigo? Isso é horrível demais! Eu te odeio! Te odeio! -Aconteceu, eu não tive culpa. Você foi embora, não deu notícias e eu acabei me envolvendo com ele. Me apaixonei assim como você se apaixonou. Entende? Marta chora, Aline também. Depois de muito diálogo, interferência da mãe, do namorado, Marta se aproxima da caçula e pergunta: -E ele vai assumir? -Não. Ele fez a mesma coisa que fez com você, cuspiu em mim. Marta fica com ódio de Helinho, pois a irmã tem apenas 12 anos. Promete se vingar e ameaça matá-lo. A mãe tenta acalmá-la e explica que criará o neto. Com cuidado, Maria pede que a filha vá embora com seu namorado por temer o reencontro dela com Helinho. Marta volta para casa de Mirtes, mas não esquece a imagem da irmã grávida. Na Casa das Tristes Rosas

Adriano apresenta sua irmã à Julia e a Antônio. Adriana olha para Antônio e se apaixona e este a corresponde. -Será que um dia a gente poderá se casar e ter filhos? - pergunta Antônio ao se aproximar da meiga Adriana, que abaixa a cabeça timidamente para não encará-lo. -Quem sabe, se a gente nascer - responde sorrindo e continua - Mas se a gente se perder? -O amor nos encontra. -Que lindo Antônio! -Vamos parar por aqui, que esse lugar não é para isso não. -Deixa de ciúmes irmão.

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De repente uma voz chama Antônio ao seu quarto. Este corre. Nós fomos atrás e ficamos do lado de fora. Esperamos um bom tempo lá e de repente escutamos gritos, choro. Antônio sai do quarto em prantos. O abraçamos e ele contou que sua mãe foi morta pelo pai e que ele terá que ir para a Terra Mágica. Sua chance de nascer havia acabado ali. -Eu não vou mais nascer! - revela Antônio em prantos. Adriano fica preocupado e se agarra em mim. Eu o abraço. A dor de Antônio é compartilhada pelos outros excluídos, que cantam em solidariedade. A voz do Grande Anjo o chama. Este não quer ir, se enleia a Adriano, que chora ao ver o desespero do amigo e nada pode fazer. Adriana ainda dá o primeiro e último beijo nele. Sheron aparece e os desaparta, levando-o consigo. Todos choram o destino de Antônio. Antônio grita como quem está indo para a forca, mas o Grande Anjo avisa que tem um presente para ele. Eu fiquei de longe vendo todo aquele movimento. Doeu em mim a dor de Adriano. Adriana estava meio confusa. Ela era pequena demais, foi abortada muito cedo e não compreendia os acontecimentos, mas senti medo no seu olhar. Aquele dia abalroou todos ali. Confesso que até eu fiquei chocada. O casamento de Marta

Marta entra na igreja de branco e diz sim a Arivaldo. Naquela noite ele pede que ela lhe dê um filho. Ela sorri e o beija. No casamento, Maria se reconcilia com a filha Mirtes e pede que esta a ajude a encontrar o restante dos filhos. Aline exibe a barriga de sete meses com orgulho ao lado de Helinho, que forçado pelos pais, assumi a paternidade. Marta ainda o ama, mas sabe que precisa esquecê-lo. Ela se aproxima de Aline e a abraça, dizendo que a perdoa. Mas ignora Helinho virando a cara. -A sua barriga está grande.

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-É, eu me acho linda de barriga. O Helinho assumiu o filho. -É, eu tô vendo. -Talvez se você não tivesse tirado o seu ele poderia ter te assumido. -Não me lembre disso agora Aline. Eu fiz o que era o certo. -Você me vendo hoje com ele não se arrepende? -Não sei, sinceramente eu não sei, mas estou feliz com Arivaldo. Acho que ele será um ótimo marido e pai. -Boa sorte minha irmã! -Para você também. Marta toca a barriga de Aline e sente o bebê mexer. Ela se emociona e por um momento inveja a caçula. -Você já sabe o que é? -É homem, deu no ultra-som. -Homem? E que nome você vai dar? -Helinho Júnior. -Eu ia colocar o nome do meu filho Adriano .Acho lindo esse nome. -Você quer que eu coloque o nome de Adriano no meu filho? Se você quiser, eu coloco. -Não, claro que não, é bonito Helinho Júnior. Marta segue para a lua-de-mel com Arivaldo. Aline vai para Mãe do Rio, mas no meio do caminho sente contrações e acaba parando no hospital de beira de estrada, onde dá à luz a Antônio. -Mas o nome não era Helinho Junior Aline? -Mudei, ele tem cara de Antônio. Será Antônio! -Tudo bem, mas eu preferia Helinho Junior - resmunga Helinho. Na Casa das Tristes Rosas

Adriano e a irmã comemoram o casamento de Marta. Eles se abraçam e pedem para nascerem juntos. Mas Marta deseja naquela noite ter uma filha. Na casa de Marta Três meses depois.

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Marta vomita na pia. Na semana seguinte desmaia no supermercado, suspeitando dos sintomas ela faz o exame de farmácia e constata a gravidez. Eufórica, avisa o marido e os dois comemoram. Agora o filho é bem-vindo. Na Casa das Tristes Rosas

Adriano e a irmã comemoram e fazem festa no salão. Sheron se aproxima e pergunta o motivo da felicidade. Eles contam sobre a mãe e esta explica que quando uma criança é concebida imediatamente é enviada à Casa Cor-de-Rosa, onde espera o momento de nascer. -Algum de vocês foi chamado pelo Grande Anjo? -Não! - respondem juntos. -Então, sinto informar que vocês ainda terão muito que esperar! -Espere Sheron! Explique-me? Como pode? A mamãe está grávida e estamos nós dois aqui. Se não é a gente, quem é? -Vai ver ela não se arrependeu dos abortos, teve o desejo de ter outro filho e não vocês. Isso acontece muito. Adeus crianças! Estou cheia de trabalho, acabaram de chegar mais sete novos moradores. Às vezes eu odiava a Sheron. Parecia que ela tinha prazer em fazê-los infelizes. Custava deixá-los acreditar. Custava! Adriano e a irmã ficaram lúgubres, sentaram ao lado de uma coluna e choraram abraçados. Dava para ver que eles haviam perdido a esperança. Acreditaram que não iriam nascer mais. Eu sinceramente não entendia a necessidade de tanto sofrimento. Julia e Felipe tentaram confortar os amigos, que nada queriam. De repente Felipe é chamado pelo Grande Anjo. "Feliiiiipe! Feliiiiiiiiiiiiiiiipe!". -Sou eu? Vocês estão escutando? Sou eu! É a voz do Grande Anjo! Em uma confeitaria no centro do Rio de Janeiro

Laura conta para o marido Orlando que engravidou de novo.

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Ele suspende o olhar e antes de qualquer pronuncia ela avisa: -Amor eu não vou mais tirar filho, peguei barriga e agora irei até o fim. Sei que a gente não está em situação boa, mas tive um sonho horrível onde eu via um anjinho manchado de sangue. Acordei chorando e me arrependi daquele aborto que fiz, aí naquele momento jurei que nunca mais faria o mesmo. -É querida, onde come três, come quatro. Vamos ter o moleque ou a moleca. Os dois se abraçam.Laura sorri orgulhosa. -Este é meu marido. Essa gravidez Samuel é Deus me dando uma segunda chance, você entende? -Pode ser. Ele será bem-vindo! Vou rezar para arrumar um emprego. -Você vai conseguir amor, tenho certeza! Eles se abraçam felizes e preocupados.Orlando está desempregado há cinco anos e vive apenas do salário da mulher, que faz doces para uma confeitaria da periferia. Na Casa das Tristes Rosas

-Eu não te falei Felipe! Agora vá, corra! -Obrigado por tudo que fez por mim aqui Adriano. Você é muito especial. Sei que acontecerá com você também e poderá sentir essa mesma felicidade que eu estou tendo agora. Eu vou esperar vocês em algum lugar e sei que os encontrarei de novo. Boa sorte para você e para sua irmã. -Obrigado Felipe. Você é um bom amigo e merece ser feliz. Tenha uma boa mãe - disse Adriano choroso. Adriana acaricia seu rosto e o abraça. Era horrível vê-los assim, naquela impaciência, observando todos os seus amigos indo embora. Na casa de Marta

Marta acaricia a barriga quando sente um líquido descer entre as pernas. Suspeita que a bolsa estourou, liga para o marido e pega um táxi para o hospital. No caminho ocorre um acidente de carro em

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cascata que atinge o táxi que está. Ela bate a cabeça. Em segundos uma ambulância aparece para socorrer os feridos. Marta é levada às pressas para um hospital público, onde é submetida a uma cesariana. O parto complica, mas o filho nasce sem nenhum problema. Arivaldo chega ao hospital combinado com a mulher e não a encontra. Na televisão da sala de espera a notícia do acidente anuncia que uma grávida está ferida. Ele reconhece a mulher na TV e vai ao seu encontro no hospital público. Marta tem uma parada cardíaca e é transferida para a Unidade de Tratamento Intensivo. Dois dias depois ela começa a melhorar e vai para o quarto, onde vê pela primeira vez o rosto da filha. Emocionada, Marta a acaricia e diz para o pai que ela se chamará Adriele. Na Casa das Tristes Rosas

-Adriele? Que nome? - fala desdenhando Adriana. -Eu também não gostei, preferia Adriana. -Obrigada irmão, mas e aí?O que a gente faz agora? Ela está toda babona por essa Adriele e nós aqui estamos esquecidos. -É, acho que nossa situação piorou. Ela nunca vai se arrepender de ter me tirado, ainda mais agora com o filho da minha tia com o meu pai. -Pior sou eu que a faço lembrar das agressões que ela sofreu. Também meu pai hein? Vou te contar, sujeito mal que dói. -É? Estamos ferrados mesmo Adriana. E você Anjo da Guarda, o que acha disso? -Acho que vocês são lindos e vão ter um final feliz. Eles gargalham juntos. Na casa de Marta Dois meses depois.

Marta não consegue se afastar de Adriele. Está encantada pela filha. Arivaldo chega em casa e a flagra brincando com a peque-

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na. Na cama, já deitada ao lado do marido, Marta confessa que está adorando ser mãe e fascinada em descobrir os segredos da maternidade. Seus sentimentos por Adriele a surpreendem. -Sabe Arivaldo, pela primeira vez eu me sinto arrependida de ter tirado aquele filho. Ele não tinha culpa de nada, poderia estar aqui conosco agora.Se eu pudesse voltar atrás no tempo não teria feito o que fiz. Juro que não faria isso de novo! Como pude ser capaz de tirar meu filho? -Não pense nisso amor, já temos a nossa filha, estamos felizes e é isso que importa, o que passou, passou. A gente ainda vai ter muitos filhos, eu te garanto. -Vou tentar não pensar mais nisso! Mas não consigo. Do primeiro não me arrependo, mas deste último chego a sofrer profundamente. Na Casa das Tristes Rosas

Adriano chora e Adriana não consegue festejar o arrependimento da mãe. Ela já ama o irmão mais que Marta. -Não fique assim mano, eu não vou, se me chamarem eu não vou, juro que não vou deixá-lo aqui sozinho. -Ela não me quer Adriana.Ela não me quer.Ela prefere você, fruto de uma violência a mim.Ela se arrependeu de ter tirado você e não eu. A minha chance acabou, acabou! Ficarei aqui para sempre ou até acabar meu tempo e seguir para a Terra Mágica, onde cumprirei meu destino de ser anjo. Eu nunca vou nascer, nunca! -Mano! Não fale assim.Não vou nascer sem você, me recuso! -Mas você não tem esse poder Adriana, quando for chamada terá que ir. -Eu não vou Anjo da Guarda, eu não vou! Juro que não vou! -Eu quero morrer! Minha mãe não me quer! Enfie-me uma Estrela no peito e me deixe partir - diz em prantos. -Eu já não conseguia nem olhar para Adriano. Seu sofrimento me feria como uma espada. E pior é que eu estava impotente, não podia fazer

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nada, não sabia como agir. Eu o amava mais que tudo e precisava reagir, mesmo que para isso eu arriscasse o meu destino. Foi aí que tomei uma decisão: ir ao encontro do Grande Anjo. Comuniquei aos dois e fui. Eles ainda tentaram me impedir, mas não puderam me deter. Eu estava decidida a fazer qualquer sacrifício por Adriano. Na Casa Cor-de-Rosa

Enquanto o Anjo da Guarda seguia seu caminho, na Casa Cor-de-Rosa Samuel se despedia alegre dos amigos para encontrar a mão do anjo e cumprir sua missão. Na Maternidade Hora de Nascer

-Chegou à hora filha, você sabe dos riscos que corre, mas a parabenizo porque é uma mulher corajosa - disse o médico Sebastião à Selma, que estava de mãos dadas com o marido. O parto é um sucesso. Sandro se emociona ao ver o filho, que mesmo com deformações visíveis é amado de forma particular. O menino ainda sorri para o pai, que o leva para a mãe, a qual o beija ainda manchado de sangue. Minutos depois Samuel, batizado ainda na sala de cirurgia, tem uma parada cardíaca e morre. Selma e Sandro lamentam, mas ficam felizes por tê-lo deixado vir ao mundo. -Vou guardar para sempre seu primeiro e último sorriso - disse Selma, fragilizada pela dor da perda do filho que decidiu amar mesmo sabendo que ele tinha data e hora para morrer.

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O Destino de Vida Ao introduzir instrumentos no colo uterino para induzir um aborto, se pode cortar ou perfurar o colo, o útero e outros órgãos internos. A lesão mais comum é a perfuração da parede uterina.

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12.

No caminho para falar com o Grande Anjo encontrei Sheron, que me olhou assustada.Eu não falei nada e passei por ela sem dizer o que pretendia.Sai da Casa das Tristes Rosas e invadi a Casa Azul Celeste. Ao entrar gritei pelo Grande Anjo. Ele respondeu que estava a minha espera. Fiquei surpresa e com medo. Uma força me conduziu a um reservado e lá o esperei se manifestar. Apenas a voz dele veio ao meu encontro. -Quantas perguntas você tem para mim? Veio pedi por Adriano? -Sim, como sabes? -Ingênua! Aqui eu sei de tudo. Nunca se importou em saber o que a trouxe aqui? Ignorou sua história para viver de outrem e hoje arrisca seu destino para ajudar um pobre excluído. Palmas para você! Anjo que não se preocupa em descobrir o próprio nome. -Nome? -Sim.Você tem um nome Anjo da Guarda. Aliás, gostei disso, vou sugerir que haja Anjos da Guarda para todos os mortais. Eu escutei aquelas palavras e não entendi o sarcasmo, mas não interrompi, senti que aquela seria a hora de decifrar meus enigmas. Deveria ter algo especial para mim, pois o Grande Anjo, que

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nunca falava com ninguém, estava me dando tanta atenção. Ao mesmo tempo em que eu o observava sentia medo do que ele poderia me falar. Imaginei mil coisas, pensei na minha mãe. De repente seu rosto veio à minha mente e mesmo sem entender a vi chorar e me pedir perdão. Não compreendi a mensagem, mas sabia que o Grande Anjo teria uma revelação sobre mim naquele momento. Fiquei basbaque e ele continuou, embalado pelo meu silêncio envernizado. -Seu nome é Vida. Que nome lindo hein? Ele resume você. Ele reflete tudo o que você representa hoje e representará amanhã. -Vida? Vida? Meu nome é Vida? Gostei - falei admirada e ainda confusa. -Só que o seu nome é também uma ironia. Sabe Vida, você caiu aqui e devia estar na Casa Azul Celeste, mas, no entanto se atreveu a desobedecer às normas de comportamento e se castigou. -Como assim me castiguei? -Você já deveria ter nascido de novo, mas preferiu seguir Adriano na sua caminhada. Sua atitude foi louvável e por isso a deixamos pensar que estava nos enganando. Sabíamos que você chegaria até aqui um dia e chegou. Vou lhe contar o que aconteceu com você, ou melhor, vou desvendar os segredos da Casa Azul Celeste. A Casa Azul Celeste foi preparada para crianças assassinadas pelos pais, que tem prioridade para nascer de novo. A passagem da Casa Azul Celeste para a Casa Cor-de-Rosa é curta, apenas o tempo de tratar as feridas. -Eu fui morta pela minha mãe? Por quê? - logo entendi a mensagem de outrora e lagrimei com a revelação. Eu fui morta depois de nascer. Isso é mais cruel do que o aborto. -Agora isso não importa. Você não se lembrará de nada quando voltar a nascer; e seu lugar na Casa das Tristes Rosas está vazio há muito tempo. -Mas eu não quero nascer. Não agora, quero ajudar Adriano,

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quero pedir por ele. Imploro que faça alguma coisa. Dou minha vez para ele, mande-o no meu lugar. -Mas você precisa nascer para ajudá-lo.Aqui acabou a sua missão. Estou comovido com sua alma generosa. Mas agora terminou a brincadeira, você terá que ir embora, precisa nascer! -Por favor! Deixe-me ficar, preciso estar perto de Adriano, preciso saber dele. Eu não quero ir, me recuso! Castigue-me, mas não me afaste dele. -Vida!Vida! Você é bela. Ah! Se todos fossem como você. Preste atenção: existem planos para você e para Adriano.Agora precisa cumprir a sua parte. Deixe-o aqui conosco. -Eu não quero ir! Por favor! -Escute Vida, preste atenção no que eu vou dizer: um choro virá acordá-la pela manhã e a noite descobrirá a sua recompensa. Você mudou seu destino Vida. Tudo que fez aqui não foi em vão. Não chores mais, cumpra seu papel. -E Adriano?Permita-me olhá-lo pela última vez. -Não! Sheron vai levá-la até à Casa Cor-de-Rosa. Você nascerá ainda hoje. -Hoje? -Sim, daqui à uma hora! Vá, está atrasada. Ainda tentei insistir, mas não adiantou. Sheron segurou na minha mão de uma forma que não pude me soltar. Eu queria ver Adriano, me despedir dele e de Adriana. Pensei em como ele ficaria triste se soubesse que eu estava partindo para sempre.Eu estava indo embora e a irmã também já ia. Pobre Adriano, como doía saber que não poderia mais estar ao seu lado. Passamos em frente à Casa das Tristes Rosas e num impulso me libertei das mãos de Sheron e corri, corri muito e ela veio atrás de mim. Entrei gritando e logo Adriano veio ao meu encontro. O abracei e disse que estava indo embora para sempre. Ele segurou na minha mão com olhar desesperador pedindo para não abandoná-lo. Mas naquele momento não mandava nas minhas von-

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tades. Prometi que nunca o esqueceria. Sheron me alcançou. -Não Anjo da Guarda! Não me abandone, preciso de você! -Eu não sou Anjo da Guarda, me chamo Vida, descobri hoje. -Vamos Vida! Deixe-a ir Adriano. -Não! Não! Por favor, não! O que vão fazer com você? Castigaram-te por mim? -Não meu amor! Você não tem culpa de nada. Um dia a gente vai se ver. -Vida!Vida!Vida!Viiiiiiiiiiiiiiiiiiiiida! Viiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiida! -Adriano! Adriano! Eu te amo! -Eu também. Adriano segurou na minha roupa e Sheron o tirou, levandome com ela até a Casa Cor-de-Rosa. Nunca vou esquecer o seu olhar; e o choro acanhado de Adriana que viu a cena quase que hipnotizada. Adriano era o retrato do desespero. Entrei na Casa Cor-de-Rosa de cabeça baixa, Sheron se despediu e eu pedi que ela olhasse Adriano por mim. A porta se fechou e ela não falou nada, apenas sorriu e me agradeceu. Não entendi. Ali encontrei Felipe que logo me abraçou. Rodei aquele lugar e vi crianças sorrindo e felizes. Eu não estava feliz, queria estar perto de Adriano. Um anjo se aproximou de mim querendo saber por que eu era tão grande.Expliquei que havia passado do tempo de nascer, mas tive outra chance. -Eu vou nascer logo, sabia? -Eu também. Disseram-me que seria ainda hoje.Qual o seu nome? -Rafael e o seu? -Vida! -Vida!Que nome lindo. Enquanto conversava com aquele simpático anjo veio o grande vulcão e o levou de perto de mim.Fiquei assustada com o

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fenômeno, me abracei a Felipe e um outro anjo veio me dizer que toda vez que aquele vulcão aparecia era porque uma criança dali havia sido enviada para a Casa das Tristes Rosas. -Então aquele anjinho foi abortado? -Sim, ele foi. -Maldita mãe, pobre anjinho. Que sina morrer resignado por nunca ter sido desejado e daqui a pouco estará no esgoto lodoso da rejeição. Na Clínica do Doutor Perez, na Bahia.

-Acabou! Você está livre Mônica, livre e virgem. -Tem certeza doutor? Não ficou nadinha aí mesmo? -Nada, nada, nada. Agora é só você descansar e esperar 40 dias para voltar a praticar as atividades sexuais. Quer ver o feto? falou enquanto o colocava em um vidro esterilizado. -Não, nem pensar! Quero esquecer isso aqui! -Semana passada sua amiga René esteve aqui fazendo mais um aborto. Vou aumentar o preço, a demanda está muito grande - diz gargalhando. -Mas eu nem sabia que ela estava grávida. -Estava com pouco tempo. Dessa vez foi mais simples e rápido. -Credo Doutor Perez, o senhor faz abortos e ainda brinca. -Não! Quem brinca são vocês e brincam mal, brincam sem camisinha. Eu só faço o trabalho que vocês fariam de maneira arriscada. Aqui vocês têm segurança, conforto e ainda calibragem para voltar a ativa. -Eu espero nunca mais precisar vim aqui.Só tirei esse filho porque sou muito nova e meus pais me matariam se soubesse da gravidez. Acabei de entrar na faculdade, não posso arriscar minha carreira por um filho. -Muito bem pensado. Agora vá que tenho que fazer mais cinco interrupções hoje; e ainda dar plantão no Hospital Municipal de

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Nossa Senhora de Lurdes. -Boa sorte! -Que entre a próxima! - Chama o assassino de diploma. Mônica pega um táxi e segue para sua luxuosa casa. A amiga René a espera ansiosa, querendo saber detalhes do crime. -Aquele doutor é muito cínico. Ele mata friamente e ainda quer me mostrar o cadáver. -Que cadáver?Tá doida? -Eu tinha um feto, estava de quase quatro meses. Tomará que não aconteça nada comigo e que Deus me perdoe por este crime. -Pára de drama eu já tirei dois e estou ótima e o melhor é que o doutor Perez ainda dá uns pontinhos para ficarmos zeradas. -É, mas eu estou fora.Vou me cuidar de agora em diante, nunca mais quero passar por isso. Na hora senti um alivio, mas depois vim para casa e fiquei mal. Só fiz isso porque tenho apenas 18 anos e meus pais depositam todos os seus sonhos e esperanças em mim. Seria a morte eu aparecer grávida. -E tu achas que eu fiz dois abortos por quê? -Porque tu és maluca, transa sem camisinha e é uma assassina fria. -Espera aí? Assassina não! Maluca sim.(gargalha). Gata não dá para resistir.De repente a gente tá lá no maior clima e rola, como pensar em camisinha? Não dá, mas prometo que agora vou me cuidar! Na Casa das Tristes Rosas

Novamente outro morador chega na Casa das Tristes Rosas. Tão abalado quanto Adriano. Nem choque de estrelas conseguiu reanimar Rafael, que estava totalmente inconformado. Mas Adriano se aproximou dele e o consolou. Depois de uma breve conversa, Adriano descobriu que seu mais novo amigo conheceu Vida na Casa Cor-de-Rosa.

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-Então você conheceu a Vida? -Sim, pouco antes de vim pra cá! - informa Rafael choroso. -Quer dizer que ela vai nascer? -Sim. Eu só não entendi porque ela não queria ir. -Ela não queria ir? Por quê? -Eu não sei, eu só sei que quero a minha mãe! Queria entender o que aconteceu para ela tomar essa atitude? Será que ela não pensou que estava me furando a sangue frio? Será que ela não imaginou que eu sentiria dor, medo quando aquele objeto cortante chegasse perto de mim e me levasse a vida? Será que ela não me quis nem por um momento? Será que ela não sentiu que eu já a amava? Por que ela fez isso comigo? Por que a minha própria mãe me assassinou? Por quê? -desabafa em prantos. -Por que as mães não pensam na gente quando estamos dentro dela. Elas acham que vamos atrapalhar sua rotina, nos consideram um problema. Elas não sabem que na bola de sangue existe vida.Conheço excluídos aqui que foram abortados quando tinham dias e outros com mais de cinco meses. -Elas são assassinas frias, egoístas - diz Adriana. -Também não é assim Adriana, não pega pesado. Você daqui a pouco vai nascer porque a mamãe se arrependeu. -Vocês são irmãos? -Somos! -Credo, a sua mãe é pior que a minha. -É, mas ela teve motivo muito forte e já se arrependeu de me ter jogado aqui e ela vai mudar eu tenho certeza. -E a gente não pode fazer nada? -Pode!Temos que ficar aqui pedindo que elas se arrependam de terem cometido esse crime. -Você acha que minha mãe vai se arrepender do que fez comigo? -Só se ela se livrar da amizade com a tal René.Pelo que

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vimos na Estrela, a René é a pior espécie de ser humano. -Será que os filhos da René estão aqui? -Devem estar, mas aqui há tantos? Como vamos descobrir? -Perguntando. -E por que você quer encontrar os filhos da René? -Porque vou pedir ajuda a eles. Vocês me ajudam a encontrá-los? -Ajudamos! -Claro! Na casa de Marta Marta faz o exame de farmácia e descobre que está grávida e festeja com a filha Adriele e o marido. -Você terá um irmãozinho querida, um irmãozinho. -Tomará que seja homem? -O que vier será bem-vindo. Vamos comprar champanhe e comemorar. Na Casa das Tristes Rosas

-Eu não gostei do meu pai.Acho que terei problemas com ele. -Só porque ele prefere homem, relaxa, quando ele te ver vai se apaixonar. -Eu estou com medo, não quero te deixar! -Tudo bem, eu não vou me desesperar quando você for. Ficarei aqui esperando para te encontrar. O importante é que você seja feliz. De repente a voz do Grande Anjo invade o quarto e chama Adriana. Adriano agarrou-se a ela e pede que fique. Eles se abraçam. Adriano confessa o medo de ficar só e avisa que não agüentará vê-la partir. Adriana o acaricia e promete não ir, mas Sheron surge como mágica e agarra-a pelo braço, levando-a para a Casa Cor-de-Rosa. Adriano entra em transe, desmaia e leva choque de estrelas coloridas. Adriana segue inconformada e triste por Adriano. Sheron a

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faz entrar na Casa Cor-de-Rosa e deseja boa sorte. Na casa de Marta

A gestação de Marta apresenta complicações. Começa com pequenos sangramentos que são contornados com tratamento, mas o pior para ela é o sobrepeso. Aos quatro meses ela engordou 8,5 quilos. Seu apetite aumentou, nada a satisfaz, quando mais come, mais quer. Sua nova estética a amedrontava. Marta admirava seus 60 quilos bem distribuídos em 1.62m de altura, porém a gestação lhe apresentou doenças como a pressão alta e o estresse, adquiridas quando alcançou 80 quilos aos seis meses. O sobrepeso afastou seu atencioso marido. No começo ela não ligava porque estava enjoando muito, mas com o tempo passou a sentir falta dos mimos de Arivaldo. Olhava-se no espelho e sentia-se feia. O rosto inchado e marcado por cloasmas a deprimiam, assim como as estrias chamativas da barriga. As alterações no corpo a faziam nutrir ódio pelo filho no ventre. Acreditava que o rebento era uma maldição e se arrependeu de tê-lo desejado. Agredia a barriga com socos, dizendo odiar o próprio filho. "Olha o que você fez comigo? Seu maldito. Olha como estou? Como fiquei...", dizia olhando no espelho. As madrugadas escuras ao lado da filha, que lhe fazia companhia quando esperava o marido que não retornava do trabalho a foram desgastando emocionalmente. Culpou a gestação pela tragédia que se anunciava no casamento. Arivaldo não a desejava mais, tratava-a com desprezo e indiferença. O espelho passou a ser o promotor da sua metamorfose. Sentia que não voltaria a ver refletido novamente seu corpo airoso. No desespero de uma noite ingeriu calmante acima do prescrito para grávidas com a intenção de pôr fim a gravidez e salvar o casamento. Naquele momento valia tudo para ter Arivaldo, até a morte do filho. No auge dos seus 16 anos, doente pela seita das esquias que

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se destacavam em realy shows, novelas, comerciais, capas de revistas, Marta não conseguia aceitar a obesidade. Perdera a auto-estima, e se entregara a depressão. Os calmantes a levaram a U.T.I. O marido chegou a casa e descobriu que a mulher tentou o suicídio e foi socorrida por uma vizinha, a qual chamou uma ambulância e cuidou de Adriele. Tomado de remorso pelo comportamento, Arivaldo prometeu mudar se a mulher e o filho se salvassem. Marta passou por um processo de desintoxicação. Depois de dois dias voltou para a casa. Arivaldo cumpriu os horários, mas Marta continuava a engordar. Na Casa das Tristes Rosas

Adriano observava a vida da mãe através da Estrela e se preocupava com a irmã. "Ela não vai resistir voltar de novo pra cá. Por que será que minha mãe tem que fazer tanta loucura? Por que ela não muda? Ela nem estar tão feia assim com alguns quilos" - observa Adriano sozinho no quarto. No salão Adriano conversava com amigos sobre sua mãe. -Como está Rafael? -Pior, minha mãe só pensa nos seus pais e no que eles querem. Não sente remorso por ter feito o que fez comigo e ainda está cada vez mais grudada com aquela terrível assassina. Eu estou arruinado! Preciso encontrar um jeito de afastar a René da minha mãe. Com ela por perto eu nunca vou nascer. -E a minha mãe que está com a Adriana na barriga e tentou se matar porque engordou alguns quilinhos. -Quantos? -Uns 20 e poucos. Vinte e poucos? Qual o peso e a altura dela? -1.62 de altura e agora mais de 80 quilos. Por quê? -Cara sua mãe está uma porca! -Não chama a minha mãe de porca, ela só está um pouquinho

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acima do peso, mas daqui a pouco ela emagrece e tudo ficará bem. -Tomará. Ah! Eu descobrir que um dos filhos da René foi para a Terra Mágica e tem dois com o tempo quase esgotado aqui. Coitados! Na Casa de Marta

Marta não consegue melhorar seu humor, apesar de Arivaldo não dormir mais fora de casa. Na internet descobre um site de uma comunidade de deprimidos e lê depoimentos de pessoas que usaram cocaína para ficarem relaxadas. Incentivada por uma amiga virtual ela passa a consumir droga. Os pedidos são feitos pela internet, através de um site que aceita cartão de crédito. Na Casa das Tristes Rosas

Adriano chora encostado em uma coluna de algodão. -Por que você está chorando Adriano? -Minha mãe agora virou viciada. Ela vai matar a Adriana! Eu não sei mais o que fazer. Ela está ficando doida! Por que será que ela não toma jeito. Ela já aprontou tudo que alguém normal e anormal podia aprontar, será que ela não podia ficar quieta agora. -E por que ela está fazendo isso? Por que está se drogando? -Para ficar alegre. Ela pensa que ninguém gosta dela. Mal sabe que eu sou louco por ela. Mas a minha maior preocupação mesmo agora é a Adriana.Coitada da minha irmãzinha, ela vai nascer com problemas. -Não fique assim Adriano.Vamos nos abraçar e pedir luz para sua mãe. - Não sei se vai adiantar, mas vamos tentar. Eu estou tão riste, tão desistimulado de continuar lutando para nascer. Fico pensando se será que ela vai ser uma boa mãe para mim. - Claro que vai. Rafael e Adriano se abraçam. Os pássaros sobrevoam suas cabeças e os excluídos entoam um canto triste.

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Olhe para mim agora e sinta o meu amor! Toque-me sem me ver para eu transmiti o meu calor! Abrace-me com as mãos e me dê um sorriso. Eu vou te escutar...Eu vou me abrir... Eu vou choraaaaaaaaar...Quando eu te ver pela primeira vez, Mas não se assuste... é apenas a minha timidez. Não feche os olhos para mim, estarei contigo por toda a vida! Hoje posso ser apenas uma impressão, Uma sensação, mas tenho tanto amor dentro de mim. E ele será todo seu se me aceitares. Mas não me deixes partir antes de eu chegar! Não faça escolhas para se arrepender! Deixe-me te amar e te corresponder, Eu sou parte de você! A Hora de Adriana Na casa de Marta

O consumo de cocaína faz Marta perder alguns quilos. O marido, totalmente ausente de sua vida não percebe a mudança de comportamento nem as olheiras profundas que chamam a atenção. Arivaldo está mais preocupado com o trabalho e os amigos. Marta passa a maior parte do tempo sozinha com a filha, tanto que quando sente as primeiras contrações pede ajuda por telefone a irmã Mirtes. Mirtes a leva a um hospital particular. Com apenas 28 semanas ela dá a luz à Adriana, que nasce com pouco mais de 1,5kg. A pele avermelhada, coberta de lanugo, permite ver os vasos sanguíneos mais grossos. Totalmente frágil, Adriana é levada imediatamente para incubadora. Os pulmões dela não estão suficientemente preparados para sua função e ela não tem força muscular para respirar sozinha. Precisa receber assistência respiratória mecânica. Enquanto Adriana é atendida pelos pediatras, Marta luta contra a 136


morte. A força do parto a faz ter uma parada cardíaca. Na Casa das Tristes Rosas

Adriano acompanha toda a cena do seu quarto junto com o amigo Rafael. -Você viu como a Adriana encolheu? -É mesmo. Ela está horrível, com cara de joelho. -Não fale isso da minha irmã. -Mas ela está bem estranha. Você não acha? -É! A verdade é que ela não ficou bem daquele tamanho.Mas espere! Preste atenção! Está acontecendo alguma coisa com a minha mãe - fala Adriano roendo as unhas e batendo as pernas. No Hospital

Os médicos tentam reanimá-la. Marta não reage. Aparelhos de choque e nada. O obstetra Mauricio Andrade é chamado, junto com outro especialista, mas nada é possível fazer. Às 15h40 de uma segunda-feira nublada a mãe de Adriano morre na sala de obstetrícia. Os médicos lamentam a perda. Na incubadora Adriana chora descontroladamente e passa a respirar com mais dificuldade. Uma enfermeira avisa o médico de plantão para medicá-la. -Eu não sei o que aconteceu doutor. Ela estava bem e de repente piorou, começou a chorar e bater os pezinhos e as mãozinhas. -Talvez ela tenha sentido a morte da mãe. Vamos levá-la para a UTI. -O que? A mãe morreu? -Agora mesmo ouvi o doutor Eduardo comentar. Sofreu uma parada cardíaca após o parto. Pobre menina, não chegou nem a conhecer a filha. -Meu Deus? Que coisa horrível? Tão nova, tão criança. Já avisaram o pai?

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-Já! Isso é coisa de droga, quer apostar? As olheiras dela e os dedos resumem o diagnóstico. Na Casa das Tristes Rosas

As consoladoras tentam reanimar Adriano com choque de estrelas, mas ele não reage, parece querer ir junto com a mãe. Totalmente inerte, ele torna-se um boneco de pano nas mãos das consoladoras. Sheron se aproxima e o pega no colo. Rafael chora sem parar. -Eu estava do lado dele quando ele viu a mãe morrer. De repente ela apareceu em um lugar estranho, olhou para ele e pediu perdão. Ele também vai morrer Sheron? -Aqui não existe morte Rafael. Ele só não quer reagir. O que ele viu foi forte demais! -E agora o que vai acontecer com ele? -Vou levá-lo até o Grande Anjo. -Eu posso ir junto? -Não!Fique aqui! -Por favor, Sheron! -Não Rafael, fique! -O que vai ser de mim Sheron, eu preciso do Adriano, o amo como um irmão, não deixe que nada aconteça de mal para ele. Cuide dele, por favor - fala chorando. -Eu vou cuidar, me espere aqui Rafael!

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O Grande Anjo De acordo com os cálculos da OMS e de outras organizações, a América Latina tem a taxa mais alta de abortos em condições inadequadas: anualmente cerca de 4,6 milhões, ou seja, 40 de cada 1.000 mulheres em idade reprodutiva sofrem abortos.

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13.

Com Adriano em seus braços, Sheron caminha até o Grande Anjo. Diante de um pedestal ajoelha-se e o ergue para frente: "Oh! Grande Anjo, eu que nunca lhe pedi nada venho até sua presença suplicar por Adriano. Ajude-o! Sua mãe morreu sem se arrepender do que fez com ele, mas não deixe que tenha um futuro como o meu, reescreva a sua história, ressuscite Marta, dê a ele a chance de nascer, eu o imploro em nome da minha dedicação! Eu o imploro. Oh! Grande Anjo!". E o Grande Anjo, conhecido apenas pela voz, se apresenta fisicamente a Sheron como a figura de um homem tatuado por cicatrizes. Têm no rosto marcas horrendas que causam repulsa. O vestido longo acetinado branco ainda deixa transparecer as queimaduras, perfurações no corpo. Sua aparência é arrepiante. Sheron teme por Adriano, levanta-se rapidamente e dá três passos para trás. O anjo pronuncia: "Não tenhas medo de mim Sheron. As marcas foram causadas pelos homens, pelas mulheres. Eu era um ser perfeito, mas as tragédias me afetaram, me lesionaram. Só o que ficou intacto foi a minha voz". Com olhar cabisbaixo ela escuta o anjo sem se mover do lugar e segura cada vez mais forte Adriano como se o quisesse pro-

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tegê-lo. -Cada vez que uma mulher abortava, eu via as minhas feridas se abrirem e sangrarem. As rosas desse lugar são regadas com sangue podre, por isso elas choram. Todo dia preciso fazer novos curativos. Eu não agüento mais! Preciso fazer algo para mudar.... O Grande Anjo pára por um momento. Anda em volta de Sheron e pede que ela lhe dê Adriano. Sem conseguir encarar suas marcas, ela ainda hesita. Ele acaricia seu ombro e pede que não se preocupe. Sheron o entrega. O Grande Anjo anda alguns metros e o coloca sobre uma pedra de cristal, modelada em formato de útero. Adriano fica desvanecido e Sheron chora observando o filme. O Grande Anjo se afasta e Adriano reage. Sheron sorri lacrimejando e agradece. Adriano interroga sobre o lugar e se assusta com a face do Grande Anjo. Este o interpela. -Nunca esqueça a minha face Adriano. Eu sou a vida, eu sou a morte, eu sou o retrato do mundo, eu sou a dor e o conforto, eu sou vento e sofro, EU SOU O ABORTO - gritou e seu grito teve um eco nunca jamais ouvido naquele lugar. Momentos de silêncio e ele retornou. - Mas preste atenção Adriano; você terá uma missão e deve cumpri-la. -Que missão? E a minha mãe?Ela morreu? Você é quem mesmo? Estou confuso! -A missão você saberá no momento certo e a sua mãe lhe aguarda agora. Deves partir imediatamente. -Eu vou nascer? Então minha mãe não morreu? Ela está viva? Você a ressuscitou? Não acredito? É verdade? E minha irmã? Ela está bem? -Vá Adriano, está atrasado.Não esqueça da sua missão! -Que Missão? O que eu tenho que fazer? -Você saberá, você sentirá!

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-E você quem é mesmo? -Eu sou o ABORTO. -Desculpe, mas você é horrível! É nojento! Adeus! -Eu sei, mas você me ajudará a mudar! -Como?- fala enquanto se afasta. -Vá embora Adriano.Sua mãe lhe espera. -Obrigado!Adeus! Adeus Sheron. -Adeus meu adorado Adriano. Adriano sai correndo, mas volta e abraça a amiga. -Vou esperar por você Sheron, não demore! -Meu querido Adriano, vou sentir sua falta! -Não sinta, eu estou feliz! Adeus! Adeus! Adeus! Eu vou nascer! Eu vou nascer! Eu vou nascer! Vou nascer!Vou nascer! Vou nascer! - saiu saltitante e antes de entrar na Casa Cor-de-Rosa, voltou à Casa das Tristes Rosas e deu um último abraço em Rafael, prometendo fazer milagre para ele nascer. Rafael ficou desesperado, mas feliz pelo amigo.

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A felicidade de Adriano A cada ano ocorrem aproximadamente entre 36 e 53 milhĂľes de abortos no mundo. Isso ĂŠ uma tragĂŠdia.

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14.

Em Belém do Pará

Seis de março, 7 horas da manhã. Vida escuta um choro e desperta. -O que aconteceu? O que foi isso? - pergunta ao marido. -Não foi nada amor. É a vizinha do lado que acabou de chegar da maternidade com seu filho. Logo, logo será você. É bom se acostumar. Como o tempo passou tão rápido. Você lembra quando a gente se conheceu? -Claro! Você estava chegando a Belém e no meio de tanta gente naquela rodoviária a vi sozinha, como se uma redoma a tivesse protegendo para mim. Foi mágico, foi lindo, foi amor à primeira vista mesmo. Sentimento que pensei existir apenas em filmes e novelas. -É verdade. Eu senti a mesma coisa. E nós éramos tão jovens. -Nós somos jovens, mas nosso amor foi tão intenso que na primeira vez que nos encontramos intimamente você engravidou. -E o mais bonito foi você dizer que queria muito esse filho que estou esperando (toca a barriga). -E eu quero mesmo. Sempre sonhei ser pai e acho que ele veio na hora certa e para a família certa. Ele é muito amado.

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-É sim. -Só a minha avó é que não gostou de ver a neta se apaixonar e engravidar aos 16 anos. Ela acha que me apressei demais! -Pode ser, porém o importante é que estamos felizes! Vida e Maurício se beijam O nascimento de Adriano

Enquanto isso Adriano segue correndo até a Casa Cor-deRosa gritando sobre seu futuro. Ao entrar na tão sonhada casa acena para todos os anjos e brada que é um dos escolhidos. Uma voz grita seu nome e ele sorri. -Mas já? Nem bem cheguei aqui. Mas tudo bem! Estou com pressa mesmo. A felicidade explode pelos poros de Adriano. O eco do seu nome na Casa Cor-de-Rosa é música para seus ouvidos. Ele grita: "Sou eu, estou atrasado, vou nascer! Vou nascer! Vou nascer!" Adriano entra por uma porta de algodão branco e some na transparência. Ele não tem visão de nada, mesmo assim anda até o infinito e quando pensa que está perdido vê uma mão gigante se aproximar e não sente medo. Vai ao seu encontro e essa mão o pega por inteiro e o leva ao seu destino. No hospital em Belém do Pará

-Nasceu!Nasceu! É homem! É homem! É um lindo menino de cabelos lisos, olhos puxados e pele morena, a cara da mãe. Parabéns mamãe! -Cadê? Quero vê-lo, rápido! Por favor! -Calma! Você verá seu filho! Que adolescente apressada! -Ele está sorrindo. É o primeiro bebê que eu pego que não chora! Isso é incrível! -Olhem! Ele não fecha a boca, parece até que quer falar. E como é grande - observa o enfermeiro. -Me deixem vê-lo, tragam-no aqui, por favor! - pede aflita ten-

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tando alcançá-lo com o olhar espichado. -Que mãe apressadinha, estamos limpando-o para você! -Quero vê-lo sujo mesmo, tragam-no para mim. -Aqui está o seu bebê Vida! Nascido em 06 de março às 22h30. Quando vi aquela criança na minha frente reconheci o meu Adriano e lembrei imediatamente das palavras do Grande Anjo: "Um choro virá acordá-la pela manhã e a noite descobrirá a sua recompensa". Adriano era a minha recompensa. Soube ali porque o amei desde que o vi. Ele nasceria de mim. Estava no meu destino. E eu tinha o dom de saber, mas ele não lembrava, mas devia sentir. O meu lindo bebê sorriu surpreso e feliz ao identificar-me, e naquele momento o mundo todo parou. Só existia eu e ele. Ficamos nos olhando e nos amando ali na frente dos médicos que terminavam a cirurgia. Eu acariciei seu cabelo e o coloquei para mamar. Ele sugava o meu peito sem tirar os olhos de mim, como se estivesse aliviado por eu ser sua mãe. E como eu o amava. Tanto amor que não cabia no meu peito. Uma felicidade azul me contaminou como vírus. Seus olhos me fitando faziam-me chorar de emoção. Estávamos apaixonados um pelo outro. Era um prazer íntimo que só nós conseguíamos entender. Meu sorriso brilhava de satisfação de tê-lo em meus braços. Tão pequeno e frágil, que dependia de mim, que nasceu do meu ventre para tornar minha vida cor-derosa. "Meu filho! Meu filho!" - não cansava de repetir. -Vai se chamar Adriano!Adriano Bonâncio! Ele tem cara de Adriano! Eu fui para o quarto e descansei pouco. Ele chorava quando eu me afastava. Eu senti que ele tinha medo de me perder. Na hora da visita Adriano conheceu o pai, um jornalista dedicado às causas sociais, do qual ele teria, com certeza, muito orgulho e minha avó Sueli, única parente viva. -Ele não é lindo vó?

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-É lindo sim Vida, agora vê se toma juízo! Onde já se viu uma menina de 16 anos ter um filho. Duas crianças - concluiu. -Pára com isso, a gente vai dar conta do moleque, não é amor? -É Mauricio, nós vamos amá-lo muito! Os dias se passaram e fui para casa com meu adorado filho, como se este fosse um grande prêmio, o meu oscar por ter sido boa filha e boa neta. Adriano era fascinante, não chorava e dormia pouco, diferente das outras crianças. Nunca ouvi falar de criança mais risonha. Ele ria sempre de tudo. Quando eu o encontrava sujo de fezes ou urina ele sorria envergonhado como se quisesse me pedir desculpas. Como era fascinada por ele não o deixava reclamar da fome, pois seu alimento, o leite materno, era dado regularmente e só o vi chorar quando tentei trocar o leite por um chá recomendado por minha avó. Meu pequeno se recusou a tomar e enquanto não voltei a dar o leite do peito não parou de bater os pés. Entendi a mensagem e o alimentei com o leite materno até ele completar seis meses. Depois desse período, passei a alimentá-lo conforme orientação de uma nutricionista. Eu não conseguia fazer nada na minha vida a não ser olhar suas doces trapalhadas e tentativas de andar. Como me privar desses momentos? Como não me deliciar com a chegada do seu primeiro dentinho? Das primeiras tombadas e seu cacoete de esconder o rosto com as duas mãos. Que coisa linda? Eu amava vê-lo esconder o rostinho gordo com as mãos. Maurício virava criança junto do filho. Mas ele não tinha muito trabalho para fazê-lo feliz. Meu pequeno gargalhava de tudo e se jogava no chão quando via o pai fazer caras e bocas ou imitar algum animal. Nós éramos muito felizes, tão felizes que dois anos depois resolvemos ter mais um filho. Dei a luz a Rafael, que teve a graça de nascer através de mim. Ele e Adriano tornaram-se grandes amigos.

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Na Casa das Tristes Rosas -Quem é você? -Acabei de chegar, sou mineirinho e você quem é? -Sou Gustavo, estou aqui a pouco tempo também. Minha mãe é uma garota de programa e pegou Aids. Ela achava que eu não poderia nascer por causa da sua doença e decidiu me tirar. -Que triste. Eu ainda não sei nada de mim. Leva-me para conversar com a Estrela. -Tudo bem. Vamos. Mineirinho e Gustavo foram ver a Estrela e descobriram que Mineirinho era mais um filho de René. -A sua mãe é conhecida aqui. Logo quando cheguei me perguntaram se eu era filho dela. Soube que já passaram mais de quatro por aqui e três já foram para a Terra Mágica. -Então ainda tem um aqui? Você sabe quem é? Como eu o encontro? -É Alice. Ela é a mais triste dessa Casa. Não conversa com ninguém e vive chorando. -Por que isso tem que acontecer? -É nosso destino. Só sofro porque se a minha mãe soubesse que eu poderia nascer saudável ela não tinha me tirado, mas a falta de informação a fez cometer um crime contra mim e contra ela. Isso é muito triste porque sei que ela sofreu também ao me tirar. -E a minha mãe? Tem desculpas para ela? -Acho que não, mas ouvi dizer que seu destino não seria compensador. Mas olhe? Veja quem está ali. -Quem? -Sua irmã Alice. Gustavo se aproxima de Alice e sem uma palavra ele a abraça. Esta sente algo profundo e corresponde o abraço. Depois de longos minutos eles conversam e decidem perdoar a mãe pelo que ela fez.

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-Ouvi dizer que novos tempos estão chegando e o momento agora é de perdoar. Parece que o Grande Anjo está mudando e está concedendo a chance de muitos aqui nascerem através de outras mães. Se a nossa não nos quer, quem sabe conseguimos nascer por alguma que sonha com nosso sorriso. -É isso aí Gustavo, vou parar de chorar por quem nem pensa em mim. No Rio de Janeiro

René se apaixona por Murilinho, que sonha em ser pai. Eles casam e ele exige que ela lhe dê um filho, mas tantos abortos a deixaram estéril e agora ela sofre querendo satisfazer o desejo do seu amor. Todos os tratamentos são em vão e Murilinho a abandona. Desesperada, René comete suicídio.

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Uma Utopia Entre 1973 e 2000 se realizaram quase 33 milh玫es de abortos legais nos EUA (Dados do Relat贸rio elaborado por peloObservat贸rio Regional para a Mulher de Am茅rica Latina e o Caribe Setembro 2005).

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15.

O destino trouxe até mim a oportunidade de unir Adriano, Rafael, Adriana e Adriele, as quais adotei depois de um infortúnio. Elas também estavam no meu destino e tudo aconteceu na hora certa, no momento que tinha que ser. Imaginei a felicidade de Adriano e de Rafael com a notícia e num dia muito especial contei a novidade que encheu nossa casa de alegria. -Oi meus filhos, quero lhes apresentar essas lindas menininhas. Elas agora são suas irmãs? Adriano sorriu feliz e saltou em direção a Adriana, sufocandoa com um abraço tão forte que fez Adriele chorar de ciúme. Depois da cena, expliquei que havia as adotado porque elas ficaram órfãs. -O pai teve um acidente de carro depois que saiu de uma festa totalmente alcoolizado e as duas foram morar com a tia Mirtes, que é mulher do irmão do meu pai. Eu a conheci e ela me disse que não poderia ficar mais com as meninas e as entregaria para a adoção, aí eu resolvi trazê-las para morar com a gente. O que vocês acharam da surpresa? -Adorei! Vou amar ter duas irmãs - disse Adriano grudado em Adriana que estava muito contente. Rafael, mais tímido sorriu feliz. -Que bom? Então vamos fazer um bolo? -Vamos? 153


A felicidade em minha casa estava completa. Eu, Adriano, Rafael, Adriana e Adriele vivíamos fazendo bagunça. Éramos uma família feliz e invejada. Os anos se passaram. Eles cresceram. Cada um ao seu estilo. Adriano queria ser médico para salvar vidas, Adriana sonhava com os livros - desejava ser professora porque acreditava na educação como meio transformador da sociedade; Rafael estudava para Matemática - adorava fazer cálculos; e Adriele queria ser estilista. Esta era a mais sonhadora. Imaginava-se correndo o mundo, mas conheceu Milano no primeiro ano de faculdade e se apaixonou. Um ano depois ganhou uma bolsa para estudar na França e rompeu o namoro, mas duas semanas antes de viajar descobriu que estava grávida. Dividida entre o amor de Milano e sua oportunidade de trabalho, Adriele decidiu tirar o filho e confidenciou o plano a irmã Adriana. -Não! Não!Não faça isso! É um crime! -Hoje em dia todo mundo faz isso! Eu não posso acabar com meu sonho por causa de um filho não planejado. Adriano, que escuta a conversa atrás da porta, entra no quarto e interpela. -Você não tem o direito de tirar uma vida, não tem esse poder. -Isso aqui é apenas uma bola de sangue. Eu tenho 18 anos e sei muito bem o que devo ou não fazer. -Minha querida irmã, nessa bola de sangue existe vida, esperança. Seus sonhos não podem ser maiores que essa vida que está dentro de você. Se você o matar estará matando um pouco de si também. Ele já faz parte de você. -Não faça isso Adriele, você não sabe o que está querendo fazer. Adriele se afasta, anda pelo quarto e grita: -Parem vocês dois de me atormentar.Vou fazer o que acho justo! Adriana se aproxima com carinho e fala calmamente. -Não Adriele. O justo para você poderá não ser o justo para ele. -Mas que ele?Aqui não tem ele, aqui não tem nada! (bate na barriga)

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-Têm sim, você tem uma vida e será uma assassina se matar um ser que não pode se defender. Pense em uma criança de colo. Você teria coragem de matar uma criança de colo? -Claro que não. Vocês estão doidos? (gritou novamente) -Pois minha irmã tenha certeza que é a mesma coisa. Eu estudei isso há pouco tempo. Vou até fazer parte de uma campanha contra o aborto. Você sabia que depois de fecundada a célula se dividi e o embrião, que você chama agora de "bola de sangue", começa a se desenvolver até a terceira semana. Na quinta semana começa a formação dos membros, face, orelhas, nariz e olhos. Na nona semana o bebê está completo, totalmente formado fisicamente. Na décima quarta semana ele cresce pela nutrição através da placenta. Na décima nona semana o bebê se mexe e percebe o mundo através dos sentidos. Na vigésima terceira semana ele começa a chutar, chupar o dedo e até urinar e escutar. Na vigésima sétima semana ele estará quase pronto para nascer e daí vai até completar 37 semanas, quanto ele finalmente poderá vir ao mundo sem qualquer risco. E você vai perder todas essas fases por uma viagem idiota, por ser egoísta. Pense nisso Adriele! Descubra com quantas semanas você está e se é capaz de matar uma criança que vai te amar quando te vê pela primeira vez. -Pára, pára, páaaaaaaaaaaaaaaaaaara! - gritou Adriele. Depois desabafou num choro constante. Os irmãos a abraçaram, depois a deixaram sozinha. No quarto, ela fecha os olhos e imagina o rosto, o nariz e todas as outras características do filho, que a princípio rejeitava. Faz os cálculos e vê que está com mais de sete semanas e que os irmãos têm razão. Decide desistir da viagem e assumir a gestação. De noite, ela conta a decisão para os irmãos e os três choram abraçados. Vida apóia a gravidez. Milano assume o filho e decide se casar com Adriele. Meses depois, nasce Sheron.

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-Que apressadinha você, hein? Coisa linda da mãe - diz enquanto amamenta a filha. -Qual o nome que você vai dar a ela Adriele? -Vai se chamar Sheron! -Sheron? Indaga Adriano surpreso? -É, eu gosto desse nome. Vou homenagear uma atriz que sou apaixonada. -É um belo nome Adriele - concorda Vida sorrindo. -Eu preferia Marta - opina Adriana. -Não! Acho lindo também Sheron- completa Adriano. Rafael, sempre calado, nunca fala nada. -Minha fofinha, queria homenagear a mãe, não é? - observa Vida. -È. Eu nem cheguei a conhecê-la. -Deixa de tristeza Adriana, hoje é só felicidade! Anos mais tarde

Os anos se passam e a estatística alarmante sobre o crescimento do número de abortos chama a atenção de Adriano, que decide fundar um movimento para lutar contra o crime. De casa em casa, de empresa e empresa, Adriano consegue o apoio de diversas instituições públicas e privadas para financiar suas campanhas publicitárias, que ganham notoriedade pela ousadia e criatividade. Antônio se apresenta como voluntário para trabalhar no Movimento Pela Vida. Adriana sorri quando o vê. -Sinto que te conheço de algum lugar? -Eu sou filho da Aline. Acho que não se lembra de mim porque quando eu te vi tu eras muito pequena e depois você sumiu! -Fui adotada pela Vida. -Que bom. Soube que ela é ótima. -É, sim! É a melhor pessoa que conheci. Mas seja bem-vindo Antônio ao nosso movimento. Em pouco tempo Adriana estava namorando Antônio. Outros

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voluntários apareceram para engajar a luta. Toninho, Felipe, Tina, Thomé, Thiago, Juliana, Liziene, entre outros. As peças publicitárias, com atores mirins que encenavam o momento do aborto como um filme de terror impressionou a opinião pública. O slogan do movimento virou uma frase célebre: " Você teria coragem de matar uma criança recém-nascida? Se você for capaz, aborte! Se não for una-se a nós!" E assim milhares de pessoas uniram-se aos irmãos Adriano, Adriana, Rafael e Adriele na luta contra o aborto. Juliana, Tina, Tomé, Thiago e ex- filhos da Casa das Tristes Rosas, que tiveram a chance de nascer fizeram uma imensa corrente na terra pelo fim do aborto. Adriano conheceu Sâmara em um programa de televisão. Rebeca, sua mãe, era uma das convidadas para falar sobre o tema aborto. Ela esbarrou em Adriano no corredor. Os olhares se cruzaram e uma mágica sensação de bem-estar os aproximou. De um simples oi para a troca de telefone foram minutos. -Você quer jantar hoje à noite comigo? -Quero! -Então, tá! Te pego na sua casa depois das 20h. -Tudo bem. Eu vou te esperar! -Pode esperar. No jantar aconteceu o primeiro beijo e o namoro foi inevitável. É amor, paixão. Sâmara passou a trabalhar no movimento com Adriano e um ano depois eles se casaram. Adriano desejou de pronto ter um filho, mas Sâmara não conseguia engravidar. Os tratamentos não davam resultado e ela caiu em depressão. Um dia Sâmara chegou em casa arrasada com o resultado do último teste de gravidez que deu negativo. Adriano não conseguia encará-la e saiu. Aflito, andou até sem rumo e decidiu parar e se ajoelhar próximo a uma árvore, onde pediu a uma estrela que sua esposa engravide. Quando retornou a casa recebeu a tão desejada notícia.

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-Estou grávida? -Como? -Os médicos haviam se enganado. Eles acabaram de me ligar. -Graças à estrela. -O que? -Nada, esquece, o importante é que vamos ter nosso filho. O casal se beija. As constantes campanhas de conscientização para o uso de preservativos, as divulgações mensais de número de mortes por abortos, a prisão de médicos como o Dr. Pericles e a extinção de abortivos, aliado a uma educação rigorosa nas escolas, que depois de aprovada uma lei, passaram a ensinar sobre uma matéria sobre sexo criaram uma nova geração de adolescentes, mais conscientes e preparados. Tudo isso contribuiu para a extinção da Casa das Tristes Rosas, que foi desativada por falta de moradores. O rosto do Grande Anjo voltou a ser como antes. Meses se passaram e Adriano convidou a esposa para um passeio em uma praça. Sentado em um banco, Adriano promete amála por toda a vida, esta o corresponde e no meio desse romântico momento Adriano ouve uma voz de longe e olha para trás. Sâmara também vira o rosto e ambos reconhecem na voz da meiga e delicada Sheron, que traz companhia. -Será que posso me unir a vocês na luta contra o aborto? O tio coruja a abraça. -Não existe mais luta Sheron, a gente conseguiu! Não haverá mais abortos, não haverá mais tristes rosas, eu cumpri a minha missão. Ainda hoje saiu um novo relatório confirmando que não foi registrado nenhum caso de aborto nos últimos cinco anos. Estou muito feliz! Por isso que afirmo que cumpri sim a minha missão. -Não, você não cumpriu. -Não? -Não!Falta você batizar o meu filho.Eu estou grávida!

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-Grávida? E a Adriele sabe disso? -Sabe e me apoiou. -E esse elegante rapaz é o pai? -Sim. Algo contra? - responde o estranho. -Espere! Eu conheço essa voz de algum lugar? -Qual o seu nome? -Alberto. -Alberto? -Oi Adriano? Não se lembra de mim? Adriano pensa, coça a cabeça e retorna: -Seu rosto? Qual o foi o cirurgião que o restaurou? -Um muito especial - respondeu sorrindo misteriosamente. -E como você veio parar aqui? -Estou aqui para lhe agradecer. Você tornou o mundo melhor. -Eu só cumpri a minha missão. De repente chegou Vida, Adriele, Adriana e os amigos Felipe, Tina, Thomé,Thiago e Juliana. -Acho que conheço você de algum lugar - falei sorrindo. -Também tenho essa impressão - disse Alberto. Vida se aproximou do filho mais querido e o abraçou sem dizer nada. E nesse momento todos se uniram num grande laço fraternal. De repente Sâmara gritou anunciando que sua bolsa havia estourado. Foram todos para o hospital. Adriano acompanhou a cesariana da mulher e quando viu o filho sair, ainda sujo de sangue, o pegou das mãos do médico e o levantou sorrindo. Todos estavam do lado de fora vendo a cena pelo vidro, mas conseguiram ouvi-lo dizer emocionado, com o filho nos braços: "Viva a Vida!". Também gritamos do lado de fora: " Viva a Vida!" Tudo depende de nós, só basta queremos para termos um mundo melhor.

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O nascimento da Vida Todo mundo tem direito de nascer. NinguĂŠm tem o direito de tirar uma vida, mesmo que ela seja imperceptĂ­vel.


O inicio...

parte 1 A fecundação- Milhões de espermatozóides chegam até o óvulo. A fecundação ocorre e inicia-se o processo de replicação celular e formação do Zigoto, que por sua vez irá se desenvolver até chegar no estágio de embrião. 30 dias- Logo após a fecundação, o ovo começa a se dividir em mais células. Na 3ª semana, apresenta forma tubular, com esboço da cabeça, coração, tubo neural e uma cauda. Na quarta semana, o embrião é formado por milhões de células, com esboço da maioria dos sistemas vitais. Seu tamanho nesta etapa é de 6mm. SEIS SEMANAS- Nessa fase, o embrião mede apenas alguns milímetros, mas já se identifica seu batimento cardíaco. É a vida se desenvolvendo em apenas um mês e duas semanas. A foto ilustra bem esse momento. Imagina interromper o nascimento da vida nessa fase tão sublime. DOIS MESES- Na oitava semana, o embrião transformase em feto. Os principais órgãos estão desenvolvidos. Pode-se perceber o esboço de um rosto. As narinas estão formadas e os ouvidos, em formação. Os dedos, mais nítidos, ainda estão ligados por membranas. Braços e pernas aumentaram. Nesta fase, o feto tem 2,5 cm, o equivalente a um morango. TRÊS MESES- O feto começa a se parecer mais com um bebê. Ele já movimenta os lábios, faz biquinho e beicinho. Os dedos das mãos e dos pés apresentam unhas. O intestino é capaz de absorver glicose. A calota craniana completa sua ossificação. Seu peso é em torno de 13g e altura entre 7 e 9 centímetros. QUATRO MESES- O feto está sendo nutrido pela placenta - que equivale ao "enraizamento" do mesmo. Por isso diminuem os riscos de aborto espontâneo. Sobrancelhas e cílios estão crescendo e a pele é bem fina, deixando ver as redes de vasos sangüineos. Na 16º semana já chupa os polegares. Muitos abortos são cometidos nesta fase. Veja como é cruel matar um ser já formado e quase pronto para a vida. 163


O inicio...

parte 2 CINCO MESES- É o período de maior crescimento. Mede em torno de 22 centímetros e pesa 300 gramas. Na vigésima sema-na nascem cabelos. Braços e pernas estão bem desenvolvidos. O feto é bastante ativo (até reage a ruídos externos), mas passa por períodos de quietude

SEIS MESES - É uma das fases mais linda da gestação. O feto ainda não acumulou gorduras e está magrinho. As glândulas sudorípadas estão em formação. Com os músculos dos braços e das pernas desenvolvidos, exercita-se bastante, mas passa por períodos de calmaria. Na vigésima quarta semana pesa cerca de 600 gramas e mede em torno de 32 centímetros. SETE MESES- A pele está vermelha e enrugada. Possui mais papilas gustativas do que terá ao nascer - seu paladar é muito aguçado. Ainda não tem surfactante, substância importante para o funcionamento respiratório. É por isso que os prematuros necessitam de cuidados especiais. Na vigésima oitava semana o feto já pesa um quilo e mede 36 centímetros. OITO MESES- Na trigésima segunda semana, o bebê é praticamente igual ao que será ao nascer. Já diferencia claro e escuro. Por falta de espaço, pode permanecer sempre com a cabeça para baixo, em posição para o parto. Este período, onde o feto mede 41 centímetros, é onde ganha mais peso e chega a 1,8 quilos. NOVE MESES- O bebê está pronto para nascer. Um bebê saudável pesa em média 3,4 quilos e mede cerca de 51 centímetros.

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