LIVRO A PRINCESA MÁ

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Dedido esse livro Ă minha mĂŁe Jovelina Castilho, a quem me ensinou o segredo da vida.

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A Princesa Má

Recreio na escola Trindade Corrêa. Ana joga mingau quente na colega Letícia. Gritos, correria e risos de Ana. Sempre Ana sorri quando faz algum mal. Enquanto Letícia é socorrida pelas professoras, Ana é levada até a sala da Diretoria. A diretora liga para a mãe, que não pode se ausentar do trabalho e pede para tia ir buscar a filha. Ana é liberada, mas a diretora adverte que ela só poderá voltar a escola se vier acompanhada da mãe. Em casa, Ana volta a rotina. De noite, a mãe pergunta o que aconteceu. - Nada mãe, apenas me defendi de Letícia que queria jogar mingau em mim e eu joguei primeiro nela. - É verdade isso Ana? - Sim, eu juro! 5


-Muito bem. Amanhã vou conversar com a diretora e se saber direitinho dessa história. É a terceira vez que me causa problema esse mês com seus colegas. Mas me conta: “por que a Letícia queria jogar mingau em você?”. - Porque ela tem inveja de mim, dos meus cabelos, da minha roupa. Ela não tem dinheiro para comprar essas coisas e fica com raiva. Eu não faço nada mãe. Eu juro! -Tudo bem, amanhã vejo direitinho o que aconteceu. Agora vá para o seu quarto e faça seu dever de casa. Preciso me concentrar em um projeto para entregar na quarta-feira. - Boa noite mãe! Eu te amo! - Boa noite querida! Durma com Deus! Ana vai para o quarto, tranca a porta e liga o computador. Em seu mundo particular ela mostra o que realmente é. Sem capa e sem rosto, Ana comemora suas travessuras em uma rede social com o nome fictício de “Princesa Má”. 6


A Princesa Má tem milhares de seguidores que curtem, compartilham todas as aventuras sórdidas da menina nada ingênua e inocente, que se disfarça de filha perfeita. É na rede social que Ana trama seus próximos passos e dá conselho para outras meninas e até meninos

agirem

de

forma

nada

convencional.

-A dica de hoje é: “Temos de ser cruéis. Os fortes sempre são cruéis. Se você baixar a cabeça, eles vão pisar em você”. E

os

comentários:

“Princesa,

hoje

um

meni-

no puxou meu cabelo na escola e corri para me defender. O que devo fazer nesse caso?” Resposta: “Deve enfrentá-lo. Encontrar uma arma maior e atingi-lo. Não chore! Não leve isso para a Diretoria, resolva você mesma! Mostre que é bem mais má que ele e pode ser muito cruel também. Os meninos têm medo de meninas más”. 7


E é nessa magia interativa que Ana ganha mais popularidade a cada dia. No seu silencioso mundo, sem afeto da mãe, que nunca tem tempo para conversar e saber como a filha vive, Ana cria sua própria história e inventa personagens para seu dia a dia. São três horas da manhã e Ana continua atendendo a demanda de conselhos solicitados à Princesa Má. Comentário: “Ana, me apaixonei a primeira vista pelo novato que chegou ontem na escola, mas ele nem ligou para mim. O que faço para chamar sua atenção?” Resposta: “Seja diferente. Atravesse na frente dele, caia em cima dele, pise no pé dele (sem querer) e depois peça desculpa. Ele vai te olhar

e quan-

do ele te olhar, vire a cara e vá embora. Tenha certeza que ele vai te procurar e vai te notar no recreio”. Ana dá conselhos de todos os tipos, sempre com 8


o toque ácido, um pouco assustador para uma menina

sem

qualquer

experiência

amorosa.

E vamos saber um pouco de como surgiu essa Ana. Ana nasceu em 14 de junho, em uma noite de muita luz. O parto foi difícil! Sua mãe sofreu muito e Ana precisou ficar por dois meses internada. Quando voltou para a casa, todos os olhares, mimos foram dedicados a ela. Nunca houve um NÃO para Ana. Ela sempre recebeu tudo que pediu, menos atenção materna. A mãe, Sofia, uma arquiteta meio enrolada e atrapalhada em seus empregos, era focada apenas em ganhar dinheiro. Ana foi criada pelas inúmeras babás que passaram pela casa. Sempre agressiva, Ana nunca foi repreendida. A mãe entendia que sua revolta era pela saudade que tinha dela e pela ausência do pai, que foi embora antes da filha nascer. Assim, Ana foi criada em creches e pelas babás. O contato com a mãe era apenas de manhã no café e a noite. 9


A conversa entre as duas não existia. Era bom dia e boa noite apenas. Nos fins de semana, Sofia achava que tinha direito de se divertir com seus amigos e deixava Ana com as babás e de vez em quando com a tia Alice. Assim, Ana decidiu criar seu mundo, com seus amigos imaginários e virtuais. Seus desejos nunca foram problemas. Ana teve sempre tudo que quis. Do vestido mais caro a boneca do comercial. Celular e notebook sempre são atualizados pelos lançamentos e Ana se transformou em uma menina introspectiva, que dá conselhos na internet com pseudônimo. Mas Sofia, também concentrada em seu mundo, nunca conseguiu ver a filha do jeito que ela é. Na Diretoria - Dona Sofia, Ana vive aprontando aqui. Ontem ela jogou mingau na colega. Outro dia bateu em um menino de 6 anos, além dela viver agredindo verbalmente os professores. Nós não sabemos mais o que fazer com ela. 10


- Dona Assunção, se a senhora que é diretora de uma escola como essa me diz que não sabe o que fazer com a minha filha, que é educada aqui, o que quer que eu faça? - Que a senhora a eduque, que converse, que chame a atenção, que veja quais são seus problemas, que a coloque em um tratamento para melhorar seu comportamento. A educação é compartilhada. - Essa Ana que a senhora me descreve eu não conheço. A minha filha é uma menina dócil, meiga, sensível, que passa o dia em casa estudando. Eu quero provas dessa menina má que a senhora me diz que Ana é. Eu não vou brigar com ela porque a senhora está dizendo isso. Me prove que ela é assim, e depois a gente conversa. Mas aviso uma coisa: quero que minha filha seja protegida aqui, pois se acontecer algo com ela, eu processo essa escola. A mensalidade aqui é maior que a parcela do meu carro, então cuidem dela como se fosse um pedaço de brilhante. 11


E preciso ir, pois tenho um projeto para apresentar hoje. - Dona Sofia, vamos provar que sua Ana não é tão meiga e santa como a senhora pensa. Ana, explique para sua mãe porque jogou mingau em sua colega ontem. - Eu já contei para ela diretora. - Meu Deus, essa menina é muito articulosa. O que ela lhe contou Dona Sofia? -Contou que apenas se defendeu. Foi isso. Agora preciso ir mesmo. Meu amor, fique com Deus e se cuide. Se precisar, se defenda mesmo, ouviu Ana? - Sim mamãe! Pode deixar. Sofia foi embora e a diretora ficou ali, imóvel sem poder se mobilizar para nada. Aliás, Ana era uma das poucas alunas que estava em dia com a escola. A inadimplência 12


tinha atingido quase 50% dos alunos. A escola não poderia se dar ao luxo de expulsar uma aluna como Ana. Precisava encontrar um meio de ajustar a conduta da menina. No recreio Ana encontra as amigas - Oi Ana, pensei que fosse ser suspensa por ontem, disse Bruna, uma das amigas fiéis de Ana e a única que sabia de sua identidade na internet. -E desde quando eu sou punida por algo? Respondeu Ana sorridente e continuou...Eu quero ser como um cara que conheci ontem na internet. -Que cara Ana? - Adolf Hitler. Um dos meus seguidores me mandou coisas muito legal dele. Escuta só essa desse cara. “Uma mentira dita cem vezes, torna-se verdade um dia”. Não é o máximo? A mamãe jura que eu sou a filha perfeita. 13


Ela acredita nisso, então seja feita sua vontade. É uma mentira dita cem vezes e que hoje se tornou verdade. - Legal Ana, mas eu consigo mentir para a minha mãe. Ela senta na minha frente e me olha fixa nos olhos e me obriga a contar minha rotina todos os dias. É como se ela me hipnotizasse. É assim desde criança. - É por isso que vive de castigo. A verdade nem sempre é querida. A verdade pode ser dolorosa. E como disse meu novo ídolo Hitler: “Quando maior a mentira, maior é a chance de ela ser acreditada”. Por isso sou o que minha mãe quer que eu seja e somos felizes assim, nós duas, cada uma em seu canto curtindo a sua mentira favorita. Um dia, quando ficar bem famosa na internet conto para ela que a Princesa Má sou eu. - Tua mãe amiga é mais alienada que a Berna (amiga das duas). Tua mãe não tem nem Facebook. Ela nem deve ter ouvido falar dessa “Princesa Má” que tu inventou. 14


- Mas quando ela estourar ela vai saber. Sabe quantos seguidores eu tenho? Mais de três milhões. E é gente de todo o mundo! Meninas que querem ser como eu. Você podia criar uma personagem para você também. - Nem pensar, minha mãe ler tudo que faço na internet. Ela vistoria meu computador todos os dias. É pior que polícia. -Que chato! Minha mãe não tem tempo para isso. Também jamais deixaria ela chegar perto do meu computador. Tudo que ela quer é que eu esteja em casa e fique no quarto quietinha, bem quietinha....gargalha. De noite na casa de Ana. Sofia bre

pensa Ana

e

no

que

decide

a

diretora

conversar

com

falou a

sofilha.

-Ana, fiquei pensando no que a Dona Assunção falou. Você é essa menina má que ela disse? 15


- Claro que não mãe! Essa mulher me odeia porque eu não sou boba. Eu estudo e leio muito na internet e, às vezes, sei mais que as professoras e isso irrita elas. Eu apenas não sou uma aluna que escuta tudo e aceita todas as verdades que a professora diz que é. Eu opino, tenho respostas, argumento. -Meu amor, que orgulho da sua mãe. Você é tão inteligente, tão linda, tão perfeita! Nem sei se mereço uma filha assim. Eu te dou tão pouco de mim e você se tornou a melhor das filhas. Obrigada meu amor! -Mãe,

tudo

bem!

Eu

sou

feliz

assim!

Te-

nho tudo que quero e você. Não preciso de mais nada, nem de pai! Nunca me fez falta! -Me

perdoa

por

não

ter

te

dado

um

pai?

-Não preciso disso mãe. Minhas amigas que tem pai só reclamam. Eles pegam no pé delas, colo16


cam de castigo e vivem reclamando de tudo. Eu que não queria ter alguém para mandar em mim. Com a senhora eu posso tudo e poder tudo é o máximo. -Às vezes me assusto com suas palavras, filha. Um dia me apresenta esses livros que você ler. - Tá! Mas a senhora nunca ler nada. Não gosta! -Não é que eu não goste. Não tenho tempo para ler. Preciso trabalhar muito. Mas gosto que leia. Aliás, seu cartão adicional chegou e está liberado para comprar o que quiser de livro. - Oba mãe! Obrigada! Eu posso ter um site? - Site? Site de quê? - Site. Um site para eu colocar tudo que gosto na internet, só que terá meu nome ou um nome que eu escolher. 17


Posso contratar alguém para fazer um site para mim? -Pode sim meu amor. Mas isso custa muito caro? -Não sei, mas aviso antes de fechar tá! -Tá bom! Faça o que lhe fizer feliz! Ana abraça a mãe e sobe para o quarto. Anuncia

a

novidade

a

seus

seguidores

e

contra-

ta um web design para desenvolver seu site. - Meu domínio quero que seja: “A princesamá.com”. Vou postar vídeos, dicas e textos de autores que me inspiraram. -Ok Ana, vou fazer o orçamento e te passo. - Rápido. Até amanhã! Não tenho tempo para perder. Não pode ser muito caro porque minha mãe pode barrar, ok. 18


- Tudo bem amiga. Vou caprichar no orçamento para você. Mas qual é a dica de hoje? -“O sucesso é a única sentença justa para o certo e o errado.” Do meu autor preferido! Anote para a vida. Isso vai te levar além do que pode ir. -Credo, eu não entendi nada. O que quer dizer. - Esquece, você não vai entender mesmo nada. Faz meu site que é mais lucrativo para você. Deixa que eu pense. Na Escola Aula de história - A Revolução industrial foi um conjunto de mudanças que aconteceram na Europa nos séculos XVIII e XIX. A principal particularidade dessa revolução foi a substituição do trabalho artesanal pelo assalariado e com o uso das máquinas... explica o professor. 19


Ana está focada no celular, respondendo seus seguidores. O professor percebe sua falta de atenção e a repreende: - Ana, onde teve início a Revolução Industrial? -A industrial eu não sei, mas a tecnológica sim! Todos na sala riem. - Ana, vou te perguntar de novo. Onde teve início a Revolução Industrial e me responda sem gracinha. -Ok

professor!

Na

Inglaterra!

É

isso?

-Por enquanto. Agora desliga esse celular e presta atenção na aula! -Tudo bem, pode falar aí que eu escuto. O professor

continuou,

mas

Ana

não

desgrudou

do celular e ele a mandou para a Diretoria. 20


Ana tirava as melhores notas, sempre gostou de ler e estudar. Mas sua indisciplina com os professores e sua agressividade com os colegas a destacavam negativamente na escola. No recreio - Ana desse jeito vai acabar sendo reprovada. Tu passa mais tempo na diretoria do que na sala de aula e ainda vão falar para tua mãe, lembrou a amiga Bruna. - Isso aqui não vai me dar futuro. Eu vou negar quando ela me perguntar. “Não é a verdade que importa, mas a vitória”. -Que frase é essa? - De Hitler. Você não conhece. -Nem

quero.

Você

está

pirando

com

esse

cara amiga. Melhor parar de ler esse doido. 21


- Ele pode até ser doido, mas tem algumas coisas que são muito legais e posso aplicar na vida. Um dia todos aqui vão me conhecer e quando eu ficar famosa vou pisar em cada um desses professores que hoje me olham como se eu não fosse ninguém. Três meninas passam por Bruna e Ana. Ana tem um surto de ódio e avança em cima delas e empurra as três, que caem no chão. Ela tira da mão de uma a mochila, abre e joga todos os itens da mochila em cima do trio. A professora Rebeca ver tudo e repreende Ana. -Que tipo de monstro tu é menina? Nem adianta mais chamar a tua mãe, que parece pior que tu. Ana se revolta com a frase da professora e parte

para

cima

dela,

agredindo-a.

O

portei-

ro ver a cena e tira Ana de cima da professora. -E agora, sua louca? Vai me mandar para a Diretoria de novo? Eu já passei por lá hoje? 22


- Não vou mandar não porque você é um caso perdido. Por mim, já deveria ter sido expulsa dessa escola. - É, mas sou eu que pago teu salário sua pobre! Vai comprar roupas que prestam, se veste igual mendiga! Não pode ter respeito dos alunos desse jeito. Quem vai respeitar uma pessoa assim? Olha teu celular? Tem deve ter whatzapp. Tenho pena de gente assim como você. Morre! Morre! Morre maldita! - Meu Deus, essa menina é o demônio! O demônio! A professora sai chorando e Bruna rir de toda a cena. De

noite,

Bruna

vai

falar

com

a

mãe

- Oi Filha, como foi seu dia hoje? - Normal. - Como normal? Não aconteceu nada? Você fez cocô direitinho? 23


- Que mania mãe de perguntar todo dia se fiz cocô. Duvido que alguma mãe de alguma colega minha faça esse tipo de pergunta. Isso é muito particular. -Não meu amor, isso é preocupação? Se seu intestino está funcionando bem é sinal de saúde e me preocupo com sua saúde. Geralmente pré-adolescentes como você tem prisão de ventre. E isso tem que ser levado a sério. - Tá bom! Fiz, que nojo! É só isso? - Não! Quero saber tudo, tudinho e todos os detalhes da sua rotina hoje. Eu trabalho o dia inteiro e só tenho esse tempo para saber de você. Não pode me negar isso Bruna? - E se eu mentir? Como vai saber se falo a verdade? - Que história é essa de mentir? Combinamos que nunca mentiríamos uma para a outra. O que está aconte24


cendo com você? Com quem está conversando Bruna? -Com

ninguém

que

não

conversava

an-

tes. Com as mesmas pessoas de sempre, só estou

um

pouco

com

a

mente

mais

aberta.

- Que história é essa de mente aberta Bruna? Por que você mentiria para mim? As pessoas mentem porque tem algo a esconder, algo que não seja legal, que não tenham orgulho de mostrar. Você fez ou está pensando em fazer alguma coisa que não tenha orgulho? -Não mãe, que paranoia? Eu só falei por falar. - Paranoia? Que Linguajar é esse? Estou ficando preocupada com você. Anda, pode começar a contar tudo que aconteceu hoje e quero saber desde a hora que entrou no colégio, qual foi a página do livro que abriu, com quem conversou, o que viu, o que fez...tudo dona Bruna e nem pense em mentir porque conheço cada múscu25


lo da sua boca e vou saber se está falando a verdade. - Credo. Tudo bem, vou contar. Cheguei na escola e me sentei ao lado da Ana como faço todo dia. Ela irritou o professor por ter ficado no celular durante e aula. - E você achou o quê desse comportamento da sua amiga? - Nada demais! Até rir! - O quê? Você riu de uma provocação que sua colega fez ao seu professor, o mestre que está lhe ensinando a ser alguém melhor? Você acha isso correto? Achou bonito? - Achei engraçado! - Engraçado? Pois vou te contar um segredo: isso não foi piada para achar engraçado! Imagina que você estuda cinco anos, se forma e vira professor. Aí você passa a noi26


te preparando uma aula para dar aos seus alunos e quando começa a falar com eles, tem alguém que atrapalha seu trabalho, zomba de você. Isso é triste, é doente. Você não pode apoiar sua colega, tem que ajudá-la a entender que errou. Você me diz que quer ser professora não é? -Quero,

quero

muito

ser

professora.

- Então, imagina se é você que está dando aula e tem um aluno seu que fica grudado no celular sem lembrar que você está ali tentando passar conhecimento, mostrando tudo que aprendeu para ensinar. Você, como professora, vai achar divertido ser zombada por um aluno? -Não havia pensando assim. - Mas pense! A melhor maneira de ver os erros é se colocar no lugar da pessoa. Minha filha construa sua identidade olhando pelo lado coeso das coisas. O que não é normal, o que não é comum, está errado. Não apoie essas atitudes. Mas continuando... 27


Depois dessa cena deprimente, o que aconteceu? - Ela foi mandada para a Diretoria, depois saiu e voltou com mais ódio e aí jogou três meninas da outra turma no chão. - E você fez o quê? - Eu não fiz nada. - Nada como? Você gritou? Pediu ajuda? Sorriu? Ou ficou parada? Quais foram seus sentimentos diante dessa cena? - Credo mãe, estou me sentindo num interrogatório policial? - Quais foram seus sentimentos Bruna diante dessa cena? - Eu rir, achei engraçado...falou baixinho. 28


- Achou engraçado? Mais uma vez você achou engraçado uma cena de terror como essa? Meu Deus? Onde errei? A gente conversa toda noite e parece que tudo é em vão? Você não está conseguindo aprender nada Bruna! Como pode achar engraçado alguém machucar outra pessoa? E se uma das meninas fosse você? Você riria também? Acharia engraçado? Responde Bruna? Responde? (aos gritos) - Não mãe, claro que não! - Então por quê achou engraçado sua colega machuca outras meninas? - Não sei, na hora achei engraçado, mas agora pensando bem, não é engraçado não! -Filha, precisa se afastar da Ana. Essa colega está deixando você desequilibrada. Se continuar assim serei obrigada a mudar você de escola. Não quero uma má influência dessa na sua vida. 29


-Não

mãe!

A

Ana

é

minha

melhor

amiga.

-Não existe isso de melhor amiga. Existem companhias saudáveis, pessoas que façam você crescer como ser humano e não denegrir os outros. Se gosta dela, aconselhe a ser uma pessoa melhor. Agora vai ficar sem celular e sem computador por dois dias por ter rido de situações vergonhosas. Amanhã vou comprar um livro sobre Behaviorismo para você entender como funciona o comportamento humano. Vai trocar o mundo virtual pela leitura desse livro. Até amanhã pensa no que fez e principalmente, fecha os olhos e se coloca no lugar do professor humilhado e das meninas que foram agredidas. Esse exercício vai te fazer bem! - Mas mãe, eu não fiz nada demais! Rir não é crime! - Rir é ser conivente com o crime, é apoiar a ação, é reforçar o ato de covardia. 30


- Mas eu só tenho 12 anos. - É criança? Então agora você é um bebê e não sabe o que faz? Se não sabe, tudo bem, estou aqui para te ensinar e um dia vai me agradecer por ser assim. Agora vá e não discuta. - Mãe? - Bruna, não vou falar mais! Mas obrigada por falar a verdade! Isso mostra que nem tudo está perdido. -Poderia ter mentido e agora vou ser castigada por isso. Acho que podemos negociar com o castigo, pelo menos podemos adiar o início dele. Poderia liberar pelo menos hoje o computador e amanhã quando trouxer o livro começa o castigo. - Como você está ardilosa Bruna? Onde está aprendendo isso? Mas tudo bem, vou ceder porque você disse 31


a verdade. Pode usar o computador hoje e seu castigo passa a vigorar a partir de amanhã. Vai ficar reclusa até terminar de ler o livro. E não é apenas ler. Vai ter que me explicar o que entendeu. Estamos entendidas mocinha? -Sim

senhora!

Aceito

o

castigo

e

prome-

to pensar na cena que me fez rir. Obrigada mãe! - Vá dormir e fique sabendo que hoje vou dormir triste, pois sua atitude me deixou com vergonha, humilhada, mas esperançosa de poder te ensinar ser uma pessoa melhor. -Desculpa mãe, prometo não te fazer sofrer tanto. Nem imaginava que ia ser tão chocante o que fiz. Credo, eu é que fiquei chocada. Boa noite! - Boa noite e não esqueça de pensar na nossa conversa! Na casa de Ana 32


- Oi Mãe, tudo bem? - Tudo filha. Alguma novidade? - Não, tudo certo! Vou para o quarto estudar! -Ok, estou cheia de trabalho mesmo hoje e nem posso te dar atenção, mas se precisar é só chamar. - Fique tranquila. Eu já esquentei a comida, tomei banho e agora vou estudar, ver um filme e saber como anda a construção do meu site. O cara já me mandou o orçamento vai dar menos de 3 mil, tudo bem? - Tudo bem! Pode usar o cartão, mas ver se dá para parcelar. - Tá, acho que dá sim. Em quantas vezes? - Pelo menos em três está bom! 33


- Mãe, posso comprar um tênis novo, acabaram de lançar? - Claro! Pode sim! Mas cuidado com esses sites piratas. Está tendo muito golpe na internet! - Pode deixar, eu sou esperta! - Eu sei e tenho muito orgulho disso, agora vai e me deixa trabalhar! - Tudo bem. Mas é que a senhora acabou de chegar do trabalho e ainda vai continuar trabalhando? - Preciso querida, e não faça perguntas tolas. Vá para sua internet e me deixe aqui com meus projetos. - Te amo mamãe - Também te amo! Até amanhã! 34


- Boa noite! Ana sai distanciando o olhar da mãe, que parece está desligada do mundo. No seu mundo particular, Ana volta a sua rotina e a incorporar a “Princesa Má”. Dessa vez a amiga Bruna aciona os conselhos da amiga. - Tá vendo, falei para você mentir. É isso que dá falar a verdade.Agora vai pagar e ainda vai ter que ler esse livro que deve ser chato para caramba. -Pior que a mamãe me fez pensar sobre o que você fez Ana. Acho que não foi legal mesmo. - O que é isso Bruna? Está me recriminando? Você é uma menina idiota, toia, que parece um bebê que tem que contar para sua mãe até se caga. Se toca garota? Eu sei o que faço e só os fortes estarão ao meu lado. - Não estou brigando com você Ana. Calma! 35


- Agora eu que estou brigando com você! E se falar comigo amanhã vai levar um soco na cara para aprender a ser uma menina má como eu. Eu sou forte, você é fraca e o mundo é dos fortes. Isso sim que deve aprender sua burrinha! Vá ler seu livro para idiotas e fala para sua mãe que ela não é Deus para ensinar o caminho da verdade. A verdade não existe. O que existe são os fatos. “Torne a mentira grande, simplifique-a, continue afirmando-a, e eventualmente todos acreditarão nela, já dizia Hitler. -Meu Deus, me perdoe Ana, não quis te magoar. -Mas magoou sim. Agora vou falar com meus seguidores, que são mais inteligentes que você. Imagina só, ficar de castigo porque riu do que eu fiz. Essa sua mãe mesmo é doida de pedra. Você tem que reagir, brigar, gritar. Você não fez nada! Sua burra! Quem fez fui eu! Não pode pagar pelos crimes dos outros! Não pode! Pensa nisso! Pensa nisso! 36


- É, acho que você tem razão. Vou pensar amiga, até amanhã! - Não fala comigo amanhã. Ainda estou com raiva de você! Bruna foi dormir confusa. De um lado, o conselho da mãe e do outro, da melhor amiga. Opiniões distintas de pessoas que ela amava e não queria perder. Ela realmente não sabia quem deveria seguir. Mas aos 12 anos, a voz de comando de Ana ecoava mais forte em sua mente. Revoltada com o castigo da amiga, Ana montou uma estratégia para ganhar mais seguidores e propôs a criação de lideranças em escolas. Ela queria criar um exército de meninas más. E propôs que as meninas publicassem suas maldades no site que ela teria na internet. A cada maldade, estrelas surgiriam e quanto mais estrelas, mas força a menina má teria, pelo menos no mundo virtual de Ana. 37


Uma semana depois, o site de Ana estava online. Sua amizade com Bruna havia sido restabelecida. Bruna leu o livro que sua mãe comprou e continuou jogando limpo, contando a verdade e sendo castigada quando a mãe achava que merecia e para cada castigo, mas um livro era lido. Mas Bruna ainda estava confusa entre o certo e o errado. Enquanto Bruna ainda formava sua personalidade, Ana aprimorava seus requintes de maldades. No seu site, a cada dia aparecia mais meninas más, que colecionavam maldades realizadas nas escolas. Comentário do site - Hoje peguei a Renata no banheiro e rasguei sua saia e ainda ameacei bater no seu irmão se ela contasse o que eu tinha feito. Ele ficou tremendo de medo. (Princesa Má da Escola Teodoro Freitas) Comentário do site – Cuspi na merenda do Clécio e obriguei ele a beber. Foi muito irado. (Princesa Má da Escola Tenente Mendonça) 38


Comentário do site -

Descobri que a Ju mens-

truou e espalhei pela escola. Pior, tirei a saia dela no creio e ela ficou de calcinha aparecendo o absorvente. Todo mundo se divertiu muito hoje.

(Prin-

cesa Má da Escola Estadual Monteiro Lobato) comentário site – Peguei o Duda no banheiro e joguei tinta branca na cara dele para ele deixar de ser negro. Minha mãe disse que negro mancha as pessoas. Quando ele saiu todo sujo de branco ainda foi cercado pelos meninos do primeiro ano que jogaram a mochila dele no chão. Isso foi demais! (Princesa Má da Escola Silva Mendes). O Site princesama.com começou a ganhar popularidade. Muitas vítimas identificaram suas fotos no site e os pais começaram a denunciar. Enquanto isso, Ana estava se sentindo a rainha da festa, a dona do bolo e sem temer mal algum aumentava seu exército de seguidores. Mesmo com várias denúncias, a polícia não con39


seguia chegar a identidade da autora do site, pois Ana usava o pseudônimo de Princesa Má. Também a polícia não era muito esforçada em descobrir esse tipo de crime. Mas um fato mudou tudo. A Direção da Escola de Ana marcou uma semana de férias em uma fazenda e todos os alunos foram convidados. Ana não queria ir, mas quando soube que a escola havia proibido os alunos de levarem celular e notbook achou interessante quebrar a regra e desafiador contrariar as professoras. Na casa de Ana - Mas minha filha vai conseguir ficar uma semana sem celular e notebook? - É uma experiência mãe. - Então tá! Mas me promete que ficará bem! 40


- Claro! Na casa de Bruna - Vai ser ótimo essa experiência para você, aproveite a natureza. Ela nos ensina a pensar. - Tá certo mãe! - E não se esqueça de fazer sempre o certo. Se afaste do que não é correto. Você não é uma criança mais. - Tudo bem! Pode deixar! - Vá com Deus meu amor! Vou ficar em oração para que volte feliz e saudável. - Obrigada mãe! Bruna e Ana eram filhas de mães solteiras, mas a criação foi diferenciada, pois a mãe de Bruna, mesmo com 41


todas suas tarefas sempre tinha tempo para ouvir a filha, já Sofia só dava atenção para o lado material da filha. Os alunos se encontraram na escola. Entraram no ônibus e foram para a fazenda. Ana sentou ao lado da Bruna e estava feliz! Ana arquitetava sozinha seus planos para a temporada de férias. Na revista antes de entrar no ônibus, Ana escondeu o celular dentro do tênis e ficou feliz por enganar as professoras. Enquanto Bruna fazia o exercício aconselhado por sua mãe para se colocar no lugar do outro, Ana era totalmente incapaz de executar essa ação. Ela via os seres humanos como peças de xadrez, como se fossem os peões para a sua própria diversão e estava destinada a fazer da semana na fazenda um momento único em sua vida e nas dos outros. Bruna sabia que ela estava trazendo o celular e sua maior dúvida era contar ou não para sua mãe, pois tornarase cúmplice do ato da amiga ao não deletar sua ação. 42


Chegando na Fazenda, os alunos foram se acomodar na Grande Casa Verde Amarela, uma mansão do século XIX com 30 quartos, 20 banheiros, salas espaçosas e uma decoração rústica. A ideia da Direção da escola era tirar os adolescentes do mundo virtual e fazer eles valorizarem a natureza, aprender história, ensinar a importância da sustentabilidade, da preservação do meio ambiente. Ana dividiu o quarto com Bruna e mais duas meninas e odiou. - Não quero ficar com elas aqui. Confessou a amiga Bruna. - Mas não pode expulsá-las, vai ter que aceitar. - Vamos ver se vou aceitar. Ana molhou a cama das colegas que iam ficar no quarto e elas tiveram que se acomodar em outro quarto. A professora Ana Paula logo percebeu que a ação foi provocada por Ana, mas decidiu não se 43


manifestar para não criar tumulto no primeiro dia. - Tudo bem Ana. Espero que não mate sua amiga Bruna essa semana. Pode ficar apenas com ela nesse quarto, mas saiba que sei que foi você que molhou as camas das meninas. - Nem adianta me ameaçar sua magrela nojenta. Eu toco fogo aqui se contar para alguém que fui eu, entendeu? - Não quero confusão. Já percebi que você é doente! Estou saindo! - Melhor assim, senão vai sobrar para você! A professora sai e Ana gargalha. Bruna já não consegue rir do que ver e Ana estranha. - O que foi Bruna? Por que está assim? 44


- Assim como? - Calada. - Nada. Só não achei engraçado dessa vez! - Humm. Tá! Deixa pra lá! Vamos conhecer esse lugar. Agora que me livrei daquelas duas nojentas, podemos ficar mais à vontade. Ana explora o local com Bruna e encontra uma menina da sua idade lavando roupa no lago. - Oi? Quem é você? A menina olha assustada e responde: - Eu? Sou Maria e você? O que faz aqui? - Eu sou Ana. Sou estudante vim passar a semana no casarão. Você mora por aqui? 45


- Moro. - E por que está lavando roupa? Cadê sua mãe? - Está com meu pai ajudando na lida. - Lida? Que lida? O que é isso? - No trabalho. A gente cria galinhas, planta verduras e vende na feira. - Poxa, que legal! Disse Bruna! - Que legal o que? Tá doida? Então você não estuda? - Sim, estudo, mas estamos de férias agora!. - Então nas suas férias vai lavar roupa? - É! Ajudo a minha família. Todos aqui fazem isso. 46


- Tá! A gente se ver então por aí. A menina não responde e fica olhando Bruna e Ana se afastarem. Bruna estranha a amiga não ter feito nada para a moça do lago. - O que está tramando Ana? - Eu, nada! Por quê? - Pensei que ia jogar a minha no lago, mas não tratou mal e nem fez nada contra ela. Você está bem? - Ah, que coisa! Eu não sou má não! - Hum...sei! Ana passa o dia como uma menina normal, brinca com as outras colegas, escuta as explicações dos 47


professores sobre o local sem questionar, rir ou fazer piada. Todos estranham, mas não falam nada. De noite, quando todos se recolhem Ana sai sem ser vista do quarto, mas Bruna percebe o movimento e vai atrás da amiga. Escondendo-se entre as árvores, Bruna caminha na ponta dos pés para Ana não perceber que está sendo seguida. Ana se aproxima da casa onde a menina do lado disse mora. Ela avista a menina de longe e a chama. A menina se aproxima e interroga: - O que você quer? - Brincar. - Brincar agora? - É? Não quer brincar? - Brincar de quê? 48


- De se esconder. Desconfiada, Maria diz não, e se afasta, mas Ana a pega pelo braço e a arrasta em direção ao lago. Maria tenta gritar, mas Ana tampa sua boca e diz que vai matar seus pais se ela fizer escândalos Maria tenta se livrar, mas não consegue. Bruna ver tudo de longe e fica assustada e não sabe o que fazer. Lembra do conselho da mãe. “Ponha-se no lugar da vítima”. Ana arrasta Maria e consegue chegar até o lago. Lá ela empurra Maria para dentro da água e começa a gargalhar. Maria fica assustada e pede para ela ir embora. Quando Ana se afasta tropeça em uma pedra e cai. Ao cair assusta uma cobra que reside no lago e é picada na perna. Desesperada Ana grita por socorro e Maria consegue sair da água e vai ajudar seu algoz. Bruna 49


fica com medo de aparecer e volta para o casarão, onde acorda as professoras e conta o que aconteceu. Enquanto Maria tenta ajudar Ana, esta sem perceber a gravidade do seu ferimento e acreditando que Maria pretende se vingar pega uma pedra e fere Maria na cabeça, Maria cai e é mordida pela cobra. Minutos depois chegam as professoras e acionam a ambulância. Os pais de Maria logo aparecem e fazem os primeiros socorro, aplicando gelo na região da ferida para diminuir a circulação sanguínea e evitar que o veneno se espalhe. No hospital, o médico avisa que as duas foram salvas pela ação imediata dos pais de Maria. Bruna decide contar o que aconteceu e denúncia a amiga à Polícia. O passeio é interrompido e Ana vai do hospital para uma casa de recuperação de menores. A mãe fica chocada ao saber de tudo que aconteceu. 50


Bruna conta para Sofia tudo que Ana aprontou na escola e do site de conselhos para meninas serem más. Sofia vai conversar com a mãe de Bruna e pede ajuda. - Eu nunca tive tempo para ela e achava tudo perfeito, mas agora vi que não é e quase perco a minha filha, que ao tentar fazer o mal para um inocente também foi atingida. - É preciso ter tempo para conversar Sofia. As meninas não podem crescer sozinhas. Elas precisam ser regadas com carinho e atenção. Ainda bem que a Bruna fez a coisa certa e você vai conseguir salvar a Ana também, Mas agora ela precisa de tratamento. Ana ficou seis meses na clínica de recuperação de menores porque foi acusada de tentativa

de

homicídio

pelos

pais

de

Maria.

Ao voltar para a casa, Sofia tentou conversar com a filha e prometeu ser uma nova mãe. 51


- Eu quero que você me dê uma chance de te ajudar querida! Por que te dar prazer fazer mal às pessoas? - Eu só queria que a senhora me visse. Eu só queria atenção das pessoas. Eu queria ser famosa, mas não quero ser presa. Não quero voltar para aquela clínica mamãe. O que posso fazer? - Seja a menina boa e não a Princesa má. Não precisa ser princesa para eu te amar e nem para os outros te amarem, precisa ser apenas alguém normal. Quem disse que as pessoas famosas são mais amadas? Em que livro está escrito isso? -Não sei! Eu não sei porque fiz todas aquelas coisas. Me ensine a ser a menina boa então. - Eu vou te ensinar, mas precisa me ajudar também porque ainda não sei como funciona essa coisa de 52


mãe e filha. Mas agora que quase te perdi, vi que preciso aprender. Que tal aprendemos juntas? Eu, que fui a mãe má por não te dar tanta atenção como poderia ter uma filha boa? - Me perdoe mamãe! - Me perdoa minha filha! As duas se abraçam e tentam construir um novo caminho, sabendo que é preciso reconhecer os erros, perdoar, mas acima de tudo, amar! E amar é cuidar, olhar e vigiar.

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