Jornal Mundus XII

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VERSÃO DIGITAL EDIÇÃO REVISTA

Acordo nuclear entre Brasil, Irão e Turquia a 17 de Maio de 2010 gera polémica.

FOTO: AFP

“A iniciativa do Brasil (e da Turquia) parece, pelo menos, ter agitado as águas e

ter reconhecido que ainda há possibilidades intermédias por explorar.” “Sistema de Subsidiariedades” “Sabendo que a subsidiariedade é definida em função dos diferentes ‘graus de autoridade’ existentes, tornase difícil imaginar a existência de uma escala de subsidiariedades num sistema internacional que é por definição classificado como ‘anárquico’ Ana Catarina Silva, Pág. 3

Cooperação Espacial “Europa e Rússia querem que o espacial aporte todo seu contributo ao desenvolvimento de seus poderes nacionais.” Francis Rodrigues, Pág. 11

Paula Lopes, pág. 9

“Socialismo de Mercado”

“Esta capacidade de combinar um regime autoritário de partido único com uma política económica cada vez mais capitalista, ou seja, o “socialismo com características chinesas”, é verdadeiramente única. “ Carmen Mendes, Pág. 13


MUNDUS

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Editorial Já estamos em Junho e o ano lectivo de 2009/2010 vai se despedindo, com trabalhos, prazos, exames, correria e uma grande dose de cansaço. O mais in-

Índice

Globalização

Um sistema global de subsidiariedades?

Pág. 3

o tempo volta a ser lento, e, as férias tornam-se numa mera palavra cujo significado é tão desejado e idealizado, mas mantido no distanciamento.

As Organizações Internacionais e o seu papel no cenário mundial

Pág. 4

Aos caloiros de 2009/2010 foi-lhes apresentada uma vida cheia de novidades,

Direitos de Propriedade Intelectual no século XXI: que conhecimento está a ser globalizado? Pág. 5 e 6

trigante é que só agora, no fim, parece-nos que o tempo passou tão depressa, que tanto foi feito mas que tanto ainda é preciso fazer. Assim, contrariamente,

de desafios, de dificuldades, de dúvidas e, sobretudo, de alegrias, de convivência e de descobertas. Aos finalistas, uma etapa da vida é fechada e um

objectivo é conseguido, mas a meta ainda não será esta para muitos que continuarão o seu percurso académico. Desta forma o Pelouro da Informação apresenta, em tom de despedida, a última e terceira edição deste ano lectivo, do Jornal MUNDUS, que contou com a participação activa e interessada dos alunos da licenciatura e mestrado do curso de RI e dos seus professores. A XII edição debruça-se sobre uma variedade de temáticas, desde os novos actores na cena internacional, o intervencionismo, a questão nuclear, a economia, à política espacial europeia e, ainda, o relato da experiência do aluno Nel-

son Coelho no MEU 2010 e a sua dinâmica didáctica. Por fim, o Pelouro da

Informação agradece a contribuição de todos aqueles que tornaram possível a publicação desta e das restantes edições do Jornal MUNDUS. O Pelouro da Informação do NERIFE/AAC

Ana Catarina Silva Denise Bernuci Caio Araújo

Estado VS Organizações Internacionais Inês Diogo

Pág. 7

Paz e Conflitos

Humanitarismo, Desenvolvimento e Segurança: conexões e desconexões Pág. 8 Raquel Freire e Daniela Nascimento

Nuclear

O Brasil e o nuclear: percepções e confusões

Pág.9

O acordo nuclear Irã, Turquia e Brasil e a política externa turca do governo AKP

Pág. 10

Paula D. Lopes

Rafael R. Oliveira

Cooperação Espacial

Espaço para a Terra - Soyuz,matriochka russa na Amazónia europeia Francis Rodrigues

Economia e Política

Pág. 11

Caixa de Pandora: Os erros do passado ignorados no presente.

Pág. 12

China: liberalismo económico e autoritarismo político

Pág. 13

A reemergência endémica de movimentos reaccionários de direita na Europa

Pág. 14

Rúben Vaz

Carmen Mendes

Filipa Pestana

Social

Liderança e líderes no séc. XXI Uma relação anacrónica.

Pág. 15

Alexandre Manaia

‘Selective’ memories and Historical revisionism Márcio A. Cabral

Experiência de Vida

Experimentar em Estrasburgo : Model European Union 2010 Nelson F. Coelho

MUNDUS

“RIflexão”

A Dura “RIalidade” – o nosso curso contado às crianças (e aos outros)

Pelouro da Informação do NERIFE/AAC Coordenadora: Denise Bernuci da Silva

Pág. 17 e 18

Pág. 19

João Figueiredo

Últimas

E-mail: mundus@nerife-aac.org Telefone: 239790500 NERIFE/AAC Faculdade de Economia da UC Av. Dias da Silva, n.º 165 3004 - 512 Coimbra

Pág. 16

Balanço do 13º Mandato do NERIFE-AAC Samuel Vilela - Presidente NERIFE-AAC.

Tiragem: 300 exemplares

Pág. 20

O conteúdo de qualquer artigo publicado é da exclusiva responsabilidade do seu autor e não vincula o NERIFE-AAC, salvo a página 20.


GLOBALIZAÇÃO

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Um sistema global de subsidiariedades? Ana Catarina Silva Estudante da Licenciatura em Relações Internacionais Faculdade de Economia Universidade de Coimbra

A palavra « subsidiariedade » provém do latim subsidiarii, que significa “reserva, recurso, apoio”. Neste contexto, podemos interpretar a dimensão política do termo a partir do seu significado literal, já que “a subsidiariedade é o carácter do que é subsidiário, ou seja, do que se junta ao elemento principal de forma a reforçá-lo”. Na sua aplicação ao âmbito político, a subsidiariedade significa mais especificamente que a responsabilidade sobre determinado assunto deve ser exercida pelo nível mais baixo das “autoridades” competentes, já que é esse que se encontra mais próximo dos cidadãos, sendo que os níveis superiores apenas intervêm quando determinado problema ultrapasse a capacidade e os meios da acção do nível mais “baixo”.

A noção de descentralização aplicada nalguns países baseia-se nesta mesma lógica, de acordo com a qual algumas matérias são delegadas às colectividades territoriais, enquanto os domínios de high politics como a diplomacia ou a defesa permanecem competência do nível Estatal. Ao falar-se de subsidiariedade é normal apresentar-se o exemplo da aplicação do princípio na União Europeia, mas outros sistemas políticos – nomeadamente de Estados federais – aplicam o mesmo princípio. Ainda assim, em todos estes exemplos o elemento “central” parece continuar a ser o Estado (mesmo se no primeiro caso este é uma das “unidades” mais pequenas, enquanto no segundo corresponde ao nível de decisão superior, a autoridade central), o que parece levarnos, de alguma forma, ao que é defendido pelos teóricos realistas de relações internacionais. De facto, quer ao nível dos Estados federais, quer no contexto de Organizações Internacionais, parece que é a partir das funções exercidas pelo Estado que se determinam as funções a “atribuir” às outras unidades do sistema.

O debate sobre a subsidiariedade é ao mesmo tempo um debate normativo – sobre que funções devem ser atribuídas a cada um dos níveis de governação, nomeadamente sub-nacional (local ou regional), nacional ou supranacional – e um debate político, já que são decisões políticas que estão na base dessa distribuição.

Assim, podemos questionar-nos sobre se um «sistema global» de subsidiariedades é c o n cebível para o futuro. Desde logo, uma possível resposta a esse questionamento requer que tentemos definir o que é um “sistema global”. No domínio das relações internacionais, um sistema pode definir-se como um “conjunto de disposições jurídicas, de instituições políticas, de meios técnicos e de métodos que constituem a organização política, económica e social de um país ou grupo de países”.

Todos estes elementos estão relacionados entre si através de relações que se caracterizam pela interdependência, pelo que o sistema deve ser dotado de uma capacidade de regulação, nomeadamente através de mecanismos de autoridade que sejam capazes de assegurar respostas adequadas aos desafios que se colocam.

Sabendo-se que a subsidiariedade é definida em função dos diferentes “graus de autoridade” existentes, torna-se difícil imaginar a existência de uma escala de subsidiariedades num sistema internacional que é por definição classificado como “anárquico” (precisamente devido à ausência de uma autoridade que se sobreponha àquela possuída pelos Estados graças à soberania, princípio “intocável” que permanece na base de todas as relações estabelecidas entre estes). Mesmo o direito internacional, que se supõe servir para regular as acções de todos os actores do sistema, não é vinculativo a menos que os Estados a tal se submetam voluntariamente pela ratificação dos tratados internacionais.

“Sabendo-se que a subsidiariedade é definida em função dos diferentes “graus de autoridade” existentes, torna-se difícil imaginar a existência de uma escala de subsidiariedades num sistema internacional que é por definição classificado como ‘anárquico’ ”. Um exemplo de aplicação: a União Europeia O Tratado da União Europeia (Tratado de Maastricht ) contém as bases do princípio de subsidiariedade tal como aplicado no âmbito da União: “In areas which do not fall within its exclusive competence, the Community shall take action, in accordance with the principle of subsidiarity, only if and in so far as the objectives of the proposed action cannot be sufficiently achieved by the Member States and can, therefore, by reason of the scale or effects of the proposed action, be better achieved by the Community” (TUE, Artº 5).

Este é um dos princípios essenciais do direito comunitário, pois refere-se à repartição de competências entre a EU e os Estados-membros, e assegura a preservação das competências destes últimos, sem todavia deixar de salvaguardar a possibilidade de intervenção ao nível da União quando as dimensões de um problema ultrapassem a capacidade eficaz de resposta por parte de um Estado.

Jacques Delors – antigo presidente da Comissão Europeia – entendia já o princípio de subsidiariedade numa extensão que se prolongava até ao nível internacional, quando descrevia “a real equilibrium between the Community level, the national level and the local level [and] I dare also add the international level..." (Delors, 1991, p. 11).

Como conceber então a transposição da aplicação deste princípio ao nível regional – no contexto das instituições que se desenvolvem há vários anos) – para o plano mundial, num sistema composto por uma multiplicidade complexa de actores diversos e marcada pela interdependência crescente relacionada com os fenómenos de globalização e da global governance? Aplicação aos diferentes domínios do sis-

tema internacional

Vários autores sugerem que o sistema internacional carece cada vez mais de coordenação, devido aos já referidos processos de globalização que provocam a intensificação da interdependência e a proliferação de « regimes internacionais » (como os acordos comerciais multilaterais ou convenções referentes a questões ambientais). A resposta deve evoluir, segundo alguns deles, na direcção de um modelo de multi-level governance, à semelhança do que se passa na União Europeia.

Neste contexto, podemos identificar propostas de aplicação do princípio de subsidiariedade no âmbito de certos acordos económicos e comerciais, com base na ideia da aplicação dos acordos multilaterais apenas quando os objectivos não possam ser atingidos através de acordos bilaterais ou regionais. Trata-se de propostas complexas e questionáveis, mais que poderiam configurar uma aplicação a nível global da subsidiariedade, constituindo assim uma resposta, ainda que parcial e pouco evidente, à questão inicialmente colocada.

Poderemos, então, afirmar que um sistema global de subsidiariedades não será sequer concebível até que os Estados abdiquem de uma parte significativa da sua soberania em prol de uma ou várias instituições verdadeiramente supranacionais, que possam intervir quando a acção destes não é suficiente? De acordo com a teoria (neo)realista de relações internacionais, tal situação permanece ainda longe da concretização, já que a perda de tais competências por parte dos Estados poderia configurar a possibilidade de uma “ingerência consentida” por parte do potencial nível superior. A Organização das Nações Unidas não tem ainda um tal estatuto (de supranacionalidade) ainda que o Conselho de Segurança deva ser o único órgão responsável pela autorização de intervenções militares internacionais (para além das “excepções” previstas na Carta) já que os Estados-membros estão em teoria vinculados pelo princípio de não-ingerência. Apesar disso, assistimos recentemente a decisões desse órgão que não foram respeitadas, o que torna difícil acreditar na possibilidade de aplicação do princípio de subsidiariedade a um número tão elevado de países como os que fazem parte do sistema internacional.


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