Revista Rio das Velhas Nº 10 - Ano 5 - Agosto 2019 - CBH Rio das Velhas

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ANO V AGO 2019

Nº10

Uma publicação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas

Afinal, que rio queremos? Comitê lança campanha e questiona rumos da sociedade e relação com seus cursos d’água

Navegar é preciso: as expedições históricas no Rio das Velhas

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Informação e construção da consciência coletiva de um Rio

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Entrevista: Promotor de Justiça Dr. Francisco Generoso e as ações contra um colapso hídrico na Grande BH

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Bianca Aun

Editorial O Rio das Velhas é um sobrevivente. Por aqui já passou o Ciclo do Ouro, do Diamante, mais recentemente o minério, a urbanização, e apesar de todos os impactos que sofre das atividades antrópicas e econômicas, ele continua lutando para sobreviver. Por tudo isso, a campanha ‘Que rio queremos? Cuidar é melhor que destruir’, lançada em meio à Semana Rio das Velhas 2019, visa antes de tudo celebrar a vida e agradecer ao Rio das Velhas pela sua existência e por ter a capacidade de manter quase 5 milhões de pessoas abastecidas. Há que se celebrar um rio vivo para que, futuramente, não tenhamos que tentar reconstruir um rio morto. Ao mesmo tempo, a campanha do Comitê busca refletir sobre o modelo de sociedade que desejamos ser. Nós não podemos continuar destruindo rios, como o Paraopeba e o Doce. Nenhum empreendimento econômico se justifica se ele produzir como resultado morte de pessoas, morte de rio e morte de biodiversidade. Uma sociedade tem que preservar aquilo que é essencial para sua sustentabilidade. Da mesma forma, o tratamento de esgotos continua a ser um gargalo na bacia do Velhas. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, por exemplo, que concentra o maior impacto, cerca de 30% dos esgotos ainda não são coletados e tratados. As Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) dos Ribeirões Arrudas e Onça também não são mais suficientes. Há que se implementar o tratamento terciário para remoção de nutrientes, em especial nitrogênio e fósforo, que contribuem significativamente para a proliferação de aguapés e posterior acúmulo de matéria orgânica em decomposição na água. Precisamos avançar em muito também na gestão dos resíduos na bacia. Assustadoramente, em pleno 2019, ainda temos que conviver com um número expressivo de municípios que ainda dispõem o lixo de maneira errada, contaminando as águas e, por consequência, a saúde das pessoas. Nós do CBH Rio das Velhas queremos um rio com vida, com história, com biodiversidade. Está aí o desafio que devemos mostrar para a sociedade: é muito melhor cuidar do que destruir.

Marcus Vinícius Polignano Presidente do CBH Rio das Velhas Mineração Empabra na Serra do Curral, Belo Horizonte


Imagem de Capa: Bianca Aun “O menino caiu dentro do rio, tibum, ficou todo molhado de peixe...”. No pequeno poema de Manoel de Barros, assim como na foto de Bianca Aun, tudo o que a gente quer de um rio: água limpa pra se nadar, pra se brincar, pra se pescar e navegar.

Revista Rio das Velhas Publicação Semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas Nº10 – Agosto/2019 Portal: www.cbhvelhas.org.br CBH Rio das Velhas Diretoria Presidente: Marcus Vínícius Polignano Vice-presidente: Ênio Resende de Souza Secretário: Renato Júnio Constâncio Secretária-Adjunta: Poliana Valgas Diretoria Ampliada Sociedade Civil Inst. Guaicuy – Marcus Vinícius Polignano Associação de Desenvolvimento de Artes e Ofícios (ADAO) Procópio de Castro Usuários de Água CEMIG – Renato Júnio Constâncio COPASA – Nelson Guimarães Poder Público Estadual EMATER – Ênio Resende de Souza Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (ARMBH) – Aline Fernandes Parreira Poder Público Municipal Prefeitura Municipal de Jequitibá – Poliana Valgas Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – Humberto Marques

Agência Peixe Vivo Diretora-Geral: Célia Fróes Gerente de Integração: Rúbia Mansur Gerente de Projetos: Thiago Campos Gerente de Admin. e Finanças: Berenice Coutinho Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBH Rio das Velhas.

Fotografia: Acervo TantoExpresso Bianca Aun, Fernando Piancastelli, Léo Boi, Leonardo Ramos, Lucas Nishimoto, Luiz Maia, Michelle Parron, Ohana Padilha e Tiago Rodrigues Acervo de colaboradores de imagem nesta edição Cuia Guimarães e Marcelo Andrê – Projeto Manuelzão, Leandro Durães, Michel Montandon e Robson Oliveira Informação cartográfica: Izabel Nogueira

Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas TantoExpresso (Tanto Design LTDA)

Ilustração: Clermont Cintra Projeto Gráfico e Diagramação: Ho Chich Min e Sérgio Freitas

Direção: Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis Assessoria de Comunicação: Luiz Ribeiro Edição: Rodrigo de Angelis e Luiz Ribeiro Redação e Reportagem: Léo Ramos, Luiz Ribeiro, Luiza Baggio, Mariana Martins, Michelle Parron e Ohana Padilha Revisão: Isis Pinto

Impressão: ARW Gráfica e Editora Tiragem: 3.000 unidades. Direitos reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas Rua dos Carijós, 150 – 10º andar - Centro Belo Horizonte - MG - 30120-060 (31) 3222-8350 - cbhvelhas@cbhvelhas.org.br comunicacao@cbhvelhas.org.br


Sumário 5 14 16 26 32 40 46 48 52 54

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CBH lança campanha ‘Que rio queremos? Cuidar é melhor que destruir’ Mapa lúdico da Bacia do Rio das Velhas Navegações históricas no Rio das Velhas O rio que temos e o rio que queremos pelas lentes de Robson Oliveira A Comunicação e a construção da credibilidade do Comitê Unidade Territorial Estratégica Rio Taquaraçu A gestão de resíduos associada à gestão dos recursos hídricos Entrevista: Dr. Francisco Generoso – Ministério Público Sugestão de leitura: Mar de lama da Samarco na Bacia do Rio Doce Retratos: Juntos pelo Rio

Bianca Aun

Rio das Velhas, próximo à foz do Ribeirão Santo Antônio, em Curvelo


Lucas Nishimoto

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A escolha é nossa

Campanha de Comunicação e Mobilização Social ‘Que Rio Queremos?’aponta preocupação do Comitê com a vida na bacia Texto: Luiz Ribeiro / Luiza Baggio / Léo Ramos

Desenvolvida para questionar, proteger e alertar sobre o destino que estamos dando aos nossos rios e, consequentemente, à biodiversidade e à vida humana, a Campanha Anual de Comunicação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) ‘Que Rio Queremos? Cuidar é melhor que destruir’ visa reforçar a principal preocupação do Comitê em todas as suas esferas de atuação. Seu objetivo é propor reflexões

e mudanças de conduta: que deixemos de ser uma sociedade que mata rios para sermos uma sociedade que abraça e revitaliza seus corpos d’água. A campanha tem como mote os rompimentos de barragens de mineração, que impactaram severamente as Bacias dos Rios Doce e Paraopeba, respectivamente em 2015 e 2019, mas não se limita a esse assunto. “A sociedade tem que escolher. Ou ela preserva ou ela degrada e mata os rios. E não

é só a mineração que degrada e polui, nós temos ainda uma quantidade enorme de esgoto nos nossos rios. Tem o problema com os agrotóxicos, de uma série de produtos que ainda têm um efeito danoso sobre as águas. É preciso entender que não sobrevivemos com a destruição de um bem tão essencial quanto as águas, quanto o rio”, afirma o presidente do Comitê, Marcus Vinícius Polignano. 5


Ohana Padilha

Bianca Aun

Exposição Fotográfica na Estação Central do metrô de BH foi um dos destaques da campanha.

Semana Rio das Velhas 2019 Marcando o lançamento da campanha ‘Que rio queremos? Cuidar é melhor que destruir’, a Semana do Rio das Velhas 2019, realizada entre os dias 24 e 29 de junho, contou com uma programação repleta de atividades, que percorreu o Alto, Médio e Baixo Rio das Velhas. A Semana acontece todos os anos e é um momento de união e integração entre os povos da bacia e parceiros do CBH Rio das Velhas. Um dos pontos altos da Semana foi a Exposição de Fotos que ficou entre os dias 24 de junho e 08 de julho na Estação Central do metrô de Belo Horizonte. A ideia foi apresentar, de maneira lúdica, o rio que temos, o rio que queremos e o que o CBH Rio das Velhas tem feito em ações de recuperação e preservação de área. Dentre os muitos que passam ali, dia e noite, a exposição chamou a atenção da aposentada Ivanilde Fernandes. Os problemas e desafios do Rio das Velhas a fizeram lembrar da sua terra natal, na Bacia do Rio Jequitinhonha. “O rio que eu quero é um rio bem largo igual eu tinha quando era criança no interior de Minas [em Rubim]. Hoje em dia o rio lá secou e ficou só a terra. Desmatou tudo também né!? Antes, ao redor do nosso rio era cheio de árvore, mas foram tirando, tirando, até o rio secar. Acho bacana [a exposição no metrô] porque as pessoas veem e sabem como está a situação, o que precisa ser feito para mudar”. Além da Exposição de Fotos, a Semana Rio das Velhas 2019 percorreu ainda os municípios de Curvelo, Buenópolis e Lassance com uma série de atividades que buscaram chamar a atenção para a necessidade de preservação da bacia: 6

Coletiva de Imprensa para lançamento da campanha ‘Que rio queremos? Cuidar é melhor que destruir’: Concedida pelo presidente do Comitê, Marcus Vinícius Polignano, buscou apresentar a diversos veículos de comunicação e à sociedade o conjunto de atividades que impactam negativamente o rio e a vida no território, assim como os dados sobre o que o Comitê já investiu em ações de recuperação na bacia.


Ohana Padilha

Palestra ‘Como nascem os rios na cidade? A experiência do CBH Rio das Velhas na valorização e revitalização de nascentes urbanas’: Realizada na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte, tratou-se de um bate-papo educativo sobre o que é um comitê

Parque Nossa Senhora da Piedade no bairro Aarão Reis Bacia do Ribeirão Onça, Belo Horizonte

Travessia orientada por áreas de nascentes em Belo Horizonte – Uma realidade possível para o rio que queremos nos centros urbanos: A ação levou participantes para uma visita por três nascentes revitalizadas pelo CBH Rio das Velhas, que integram as bacias do Ribeirão Arrudas e Ribeirão Onça. Presentes em pontos diversos da cidade, as nascentes recuperadas com uso do recurso da cobrança pelo uso da água demonstraram três estágios diferentes de conservação e os desafios e vulnerabilidades que enfrentam ao estarem inseridas dentro do contexto urbano de uma grande cidade, como Belo Horizonte. Michelle Parron

Michelle Parron

Adriana Carvalho e Luciana Gomes, da equipe de mobilização do comitê, ministram palestra

Nascente do bairro Havaí na região do Córrego do Cercadinho, Bacia do Ribeirão Arrudas

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Ohana Padilha

Fotos: Michelle Parron

Diretoria do Comitê: Ênio Resende, Marcus Vinícius Polignano, Poliana Valgas e Renato Junio.

104° Reunião Plenária do CBH Rio das Velhas: Realizada em Curvelo, o encontro trouxe para o debate pautas importantes como a qualidade da água em diversos pontos da calha do Rio das Velhas, o trabalho realizado em saneamento pela Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) em Curvelo e pelo SAAE (Serviço Autônomo de Saneamento Básico) em Itabirito, e a situação das barragens de rejeitos no Alto Rio das Velhas.

Reunião Ordinária do Subcomitê Santo Antônio-Maquiné e Presidência do CBH Rio das Velhas: No encontro, realizado em Curvelo, conselheiros do Subcomitê local debateram com a gestão do Comitê e da Agência Peixe Vivo o andamento das últimas ações em execução na região.

Em meio à Semana Rio das Velhas, Plenária do Comitê em Curvelo foi no clima da campanha ‘Que rio queremos?’.

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Fernando Piancastelli Tiago Rodrigues

Fernando Piancastelli

Atividades de Educação Ambiental com o Projeto Manuelzão: Na comunidade de Curimataí, em Buenópolis, a ‘Unidade Móvel de Educação Ambiental’ do Projeto Manuelzão levou informações aos moradores com exposição sobre os peixes da Bacia do Rio das Velhas, demonstrações de disponibilidade da água e de amostras de água de lugares preservados, como a Bacia do Rio Cipó, e alterados, como a Lagoa da Pampulha e o Ribeirão Arrudas.

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues

Fórum de Desenvolvimento ‘Um olhar para a agricultura, educação e o comércio de Buenópolis’: Mais de 500 pessoas participaram do encontro, promovido pela prefeitura municipal, pelo Sebrae Minas, Sicoob/Fundação Credinor, Emater e apoiado pelo CBH Rio das Velhas, ocasião em que foi divulgada a campanha ‘Que rio queremos? Cuidar é melhor que destruir’.

Aneliza Miranda, analista ambiental do IEF

Élio Domingos, mobilizador do Comitê e o Prefeito de Lassance, Paulo Elias

Ações de encerramento em Lassance: Para finalizar a Semana do Rio das Velhas 2019, diversas atividades culturais e de educação ambiental foram realizadas no município de Lassance, no Baixo Rio das Velhas. Doações de mudas, degustação de produtos da culinária local e apresentação das ações desenvolvidas pelo Comitê na região marcaram o encerramento.

Seminário ‘Que rio queremos?’: Realizado nas comunidades de Pé de Serra e Curimataí, em Buenópolis, buscou apresentar a campanha de comunicação do Comitê e mobilizar os moradores em torno de ações de recuperação de nascentes e demais áreas de preservação na região. 9


Léo Boi

QUE RIO TEMOS • 16 municípios de um total de 51 na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas não possuem coleta e nem tratamento de esgoto; • 82 barragens de rejeitos instaladas na região conhecida como Alto Rio das Velhas, sendo 16 sem garantia de estabilidade. Parte delas, se romper, pode comprometer significativamente o abastecimento da capital e da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH); • O lixão é a destinação final de resíduos sólidos que predomina na Bacia do Rio das Velhas: ocorre em 14 municípios (33% do total); • Analisando os usos de recursos hídricos sobre as vazões disponíveis em toda a Bacia do Rio das Velhas, chega-se à conclusão de que a demanda concedida excede a oferta de água do rio em mais de 500% na região da sub-bacia do Rio Bicudo, em quase 300% na sub-bacia do Ribeirão Picão e em 59% na região conhecida como Alto Rio das Velhas; • Sozinha, a atividade de irrigação é responsável por mais de 35% da água que é efetivamente consumida na Bacia do Rio das Velhas; • As Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) dos Ribeirões Arrudas e Onça, que tratam cerca de 70% do esgoto de Belo Horizonte, não removem nutrientes da água, em especial nitrogênio e fósforo, que contribuem significativamente para proliferação de aguapés e posterior acúmulo de matéria orgânica em decomposição na água. O fenômeno, conhecido como eutrofização, culmina numa queda abrupta de oxigênio na água e os peixes são os primeiros a serem afetados – daí as tão comuns mortandades observadas principalmente nas regiões do Médio e Baixo Rio das Velhas; • Em relação à balneabilidade, de um total de 19 estações de monitoramento da qualidade das águas do Rio das Velhas, todas (entre os anos de 2009 e 2012) apontaram a categoria Ruim ou Péssima, apresentando na quase totalidade condições impróprias para recreação de contato primário. Fonte: Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente).

Assista aos vídeos da Semana Rio das Velhas 2019. Acesse www.bit.ly/VideosSemanaVelhas2019 ou com seu celular escaneie o QR CODE ao lado

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Foz do Ribeirão Onça em seu encontro com o Velhas: um dos pontos mais críticos de toda a bacia.


Investimentos em preservação e recuperação Melhorar, em qualidade e quantidade, as águas do Rio das Velhas é um dos principais objetivos do CBH Rio das Velhas que realiza a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos da bacia, na perspectiva de proteger seus mananciais e contribuir para o seu desenvolvimento sustentável. Diante disso, por meio dos recursos arrecadados com a Cobrança Pelo Uso da Água, desde 2011 até maio de 2019, o Comitê já investiu mais de R$ 42 milhões com a contratação de 57 projetos e estudos, sendo que 37 já foram finalizados e 20 ainda estão em execução. O presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, explica que os projetos contratados possuem uma diversidade de temas e são realizados em toda a bacia. “O nosso objetivo é alcançar a disponibilidade de água em quantidade e qualidade, visando garantir os múltiplos usos e a segurança hídrica da Bacia do Rio das Velhas. Para isso, contratamos projetos diversos que abrangem toda a bacia”. Polignano complementa dizendo que o CBH Rio das Velhas tem mostrado a importância de uma gestão hídrica eficiente para a atual e futuras gerações. “A água é um bem comum e difuso e

Os resultados já alcançados com os projetos são animadores:

precisa ser vista dentro da biodiversidade, pois é vital para todo o ecossistema. Nós do CBH Rio das Velhas temos nos empenhado em realizar uma gestão participativa e descentralizada, visando melhorar cada vez mais a qualidade de vida das pessoas que vivem na bacia e também conscientizando-as sobre a importância de preservar o que temos hoje”, disse. Como forma de impulsionar a realização de ações de recuperação e preservação no território, envolvendo o maior número de atores possíveis, o CBH Rio das Velhas desenvolve ainda uma série de outros Programas e projetos.

Revitaliza Rio das Velhas Em 2017, o CBH Rio das Velhas, em parceria com a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) e outros atores, iniciou o Programa ‘Revitaliza Rio das Velhas’, que estabelece o compromisso por uma atuação sistêmica e coordenada com o objetivo de alcançar a disponibilidade de água em quantidade e qualidade, visando garantir os múltiplos usos da água e a segurança hídrica da Bacia do Rio das Velhas, especialmente da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

O Revitaliza tem três eixos de atuação: (1) recuperação de passivo ambiental e tratamento de esgotos, composta por ações de saneamento e ações de revitalização dos Ribeirões Arrudas e Onça; (2) preservação e produção de água e (3) gestão ambiental e participação social com ações de integração dos instrumentos de gestão, enquadramento, fortalecimento do CBH Rio das Velhas, planejamento urbano e controle de mortandade de peixes e de cianobactérias.

Projetos hidroambientais O CBH Rio das Velhas tem atuado na execução de projetos hidroambientais voltados para a recuperação e conservação de nascentes, cursos d’água e todo o ecossistema que alimenta e mantêm vivos os rios da bacia. São projetos que buscam a manutenção da quantidade e da qualidade das águas de uma bacia hidrográfica, preservando suas condições naturais de oferta de água. Os projetos hidroambientais se caracterizam pela ação pontual em pequenas áreas espalhadas por uma bacia hidrográfica, geralmente em suas nascentes, para garantir que suas condições naturais sejam preservadas.

Nascente no Quilombo Mangueiras na bacia do Ribeirão Onça

• Mais de R$ 42 milhões investidos com a contratação de 57 projetos e estudos;

• Quase 80 mil metros de cercas em áreas de proteção; • Construção de 3.300 barraginhas (bacias de contenção);

Michelle Parron

• Plantio de 230 mil mudas de espécies nativas na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas;

• Elaboração de 21 Planos Municipais de Saneamento Básico, de um total de 51 municípios da bacia; • Cadastro de mais de 600 nascentes urbanas na Bacia do Ribeirão Onça, em Belo Horizonte; • Revitalização de mais de duas dezenas de nascentes urbanas nas Bacias dos Ribeirões Arrudas e Onça, em Belo Horizonte, Contagem e Sabará.

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Impulsionadas pela pergunta ‘Que rio queremos?’, diversas atividades têm acontecido no âmbito do CBH Rio das Velhas e Subcomitês, desde que a campanha institucional foi lançada. Uma delas, realizada no início do mês de julho e organizada pelo Subcomitê do Rio Cipó, tratou-se de uma expedição ao longo do Ribeirão Soberbo que levou alunos da região a refletir sobre a importância da preservação dos mananciais locais. O Ribeirão Soberbo está totalmente inserido no distrito Serra do Cipó, município de Santana do Riacho. Nasce numa região conhecida como Mãe d`água e forma a cachoeira Véu da Noiva – ponto turístico bastante procurado por visitantes. A montante, o ribeirão apresenta águas límpidas que formam a cachoeira. Após atravessar todo o distrito e chegar à sua foz, no encontro com o Rio Cipó, sua qualidade decai um pouco. A professora de geografia, Carolina Noronha, mostrou aos seus alunos da Escola Estadual Dona Francisca Josina, durante a expedição, as consequências da perda das matas ciliares: erosão, seca, assoreamento, e alertou: “Para recuperar a vegetação ciliar leva anos. É mais fácil preservar do que recuperar”. Divididos em grupos, os alunos verificaram, ao longo do percurso, a biodiversidade da Bacia do Rio Cipó, a ocupação humana do território, além de terem promovido o monitoramento do oxigênio diluído, pH e vazão do ribeirão. No caminho, os alunos verificaram que o ribeirão, a montante da cidade, sobrevive bem, mas à medida em que desce em direção à foz a situação muda: o gado é criado às margens do Soberbo, compactando o solo – o que impede a infiltração da água da chuva e consequente reabastecimento do ribeirão – e pisoteando as mudas de árvores – o que atrasa em muito a recuperação da mata ciliar. O encontro com o Rio Cipó na foz do Ribeirão Soberbo foi marcado pela celebração da caminhada e um rápido mergulho nas águas claras do Rio Cipó.

Durante expedição pelo Ribeirão Soberbo, alunos de escola da região promoveram teste da qualidade do curso d’água.

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Fotos: Leonardo Ramos

O poder da indagação


Fotos: Leonardo Ramos

Expedição foi encerrada na foz do Ribeirão Soberbo, em seu encontro com o Rio Cipó.

Alunos da Escola Estadual Dona Francisca Josina

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Foz do Rio das Velhas

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Localização da bacia em Minas Gerais

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Baixo Rio das Velhas

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Compreende toda a região denominada Quadrilátero Ferrífero, tendo o Município de Ouro Preto como o limite ao sul e os municípios de Belo Horizonte, Contagem e Sabará como limite ao norte. Concentra atividades industriais e minerárias, além de possuir a maior concentração populacional da Bacia.

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Parque do Sumidouro R i o Jaboticatubas

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Belo Horizonte

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A região Médio Alto Rio das Velhas compreende 20 municípios e possui características diferenciadas em relação ao uso e ocupação do solo do Alto Rio das Velhas. Apresenta uma menor concentração populacional, com o predomínio das atividades agrícolas e pecuárias.

Santana do Riacho

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Médio-Alto Rio das Velhas

Parque Nacional Se a do Cipó

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Cordisburgo

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A região Médio Baixo Rio das Velhas representa a maior porção dentro da bacia, com 12.204,16 km² (43,8%) e 23 municípios inseridos total ou parcialmente.

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Médio-Baixo Rio das Velhas

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A região do Baixo Rio das Velhas é composta por oito municípios e representa a segunda maior região (31%). Assim como o Médio Rio das Velhas, também é caracterizada pela baixa concentração populacional e predomínio de atividades agrícolas e pecuárias.

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A Bacia do Rio das Velhas é subdividida em:

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A Bacia Hidrográfica do

Rio das Velhas Toda a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas está localizada dentro do estado de Minas Gerais, em sua região Central. Com 806 km, o Rio das Velhas é o maior afluente em extensão da Bacia do Rio São Francisco. Nasce no município de Ouro Preto e deságua no Velho Chico no distrito de Barra do Guaicuí, em Várzea da Palma. A Região Metropolitana de Belo Horizonte ocupa apenas 10% da área territorial da bacia, mas possui mais de 70% de toda a sua população. Concentra atividades industriais e tem processo de urbanização avançado, sendo por isso a área que mais contribui com a degradação das águas do Rio das Velhas. São justamente os Ribeirões Arrudas, Onça e da Mata, que drenam a maior parte dos esgotos da Região Metropolitana, e o Ribeirão Jequitibá, que recebe a carga de Sete Lagoas e proximidades, os maiores poluidores do Velhas. Os Rios Cipó, Paraúna, Curimataí, Pardo Grande, Pardo Pequeno e o Ribeirão do Prata são os que possuem as melhores águas, contribuindo significativamente com a vida e a biodiversidade no Rio das Velhas. Gestão compartilhada e descentralizada Um dos principais diferenciais do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas é a sua estrutura de gestão descentralizada, capitaneada por seus Subcomitês. Tratam-se de órgãos consultivos e propositivos que facilitam os processos de articulação e comunicação entre os membros e aproximam a representatividade das diversas regiões da bacia. Unidades Territoriais Estratégicas e Subcomitês de Bacia Hidrográfica Os territórios dos Subcomitês baseiam-se nas Unidades Territoriais Estratégicas (UTES), que são grupos de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas. Atualmente são 18 Subcomitês estabelecidos em 23 UTEs.

Ilustração: Clermont Cintra

Maior afluente em extensão do Rio São Francisco

806 51

km de rio

municípios

4,4 milhões de habitantes

27.850

km 2 de área

23 Unidades Territoriais Estratégicas ALTO RIO DAS VELHAS 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7)

23

UTE-SCBH Nascentes UTE-SCBH Rio Itabirito UTE-SCBH Águas do Gandarela UTE-SCBH Águas da Moeda UTE-SCBH Ribeirão Caeté / Sabará UTE-SCBH Ribeirão Arrudas UTE-SCBH Ribeirão Onça

21

20

MÉDIO-ALTO RIO DAS VELHAS

22 19

51 MUNICÍPIOS Ouro Preto Itabirito Nova Lima Rio Acima Raposos Caeté Sabará Belo Horizonte Contagem Esmeraldas Ribeirão das Neves São José da Lapa Vespasiano Curvelo Morro da Garça Corinto Santo Hipólito

(do alto ao baixo Rio das Velhas)

Santa Luzia Taquaraçu de Minas Nova União Jaboticatubas Lagoa Santa Confins Pedro Leopoldo Matozinhos Capim Branco Sete Lagoas Prudente de Morais Funilândia Baldim Monjolos Diamantina Augusto de Lima Buenópolis

Santana do Riacho Jequitibá Araçaí Paraopeba Cordisburgo Santana de Pirapama Congonhas do Norte Conceição do Mato Dentro Presidente Kubitschek Datas Gouveia Presidente Juscelino Inimutaba Joaquim Felício Lassance Várzea da Palma Pirapora

8) UTE-SCBH Poderoso Vermelho 9) UTE-SCBH Ribeirão da Mata 10) UTE-SCBH Rio Taquaraçu 11) UTE-SCBH Carste 12) UTE Jabó / Baldim 13) UTE-SCBH Jequitibá

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MÉDIO-BAIXO RIO DAS VELHAS 14) UTE Peixe Bravo 15) UTE Ribeirões Tabocas e Onça 16) UTE-SCBH Santo Antônio / Maquiné 17) UTE-SCBH Rio Cipó 18) UTE-SCBH Rio Paraúna 19) UTE Ribeirão Picão 20) UTE Rio Pardo

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12 11 9

8 7 6

BAIXO RIO DAS VELHAS 21) UTE-SCBH Rio Curimataí 22) UTE-SCBH Rio Bicudo 23) UTE-SCBH Guaicuí

10 5

3

4 2

1

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HISTÓRIA

Um rio

como testemunha

Dos intrépidos viajantes europeus aos expedicionários ambientalistas: o Rio das Velhas como cenário ao longo dos séculos Texto: Mariana Martins

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Marcelo Andrê

São muitos os caminhos, e são muitos os que passam pelos caminhos. Os mais aventureiros desbravam e descobrem as novas terras e as novas rotas. Os mais atentos procuram detalhes, buscam novidades. Estudiosos veem nos sinais de vidas antepassadas explicações de como se formou a humanidade. Há os gananciosos, cujo objetivo é explorar as riquezas. E há quem se preocupe em analisar o comportamento ambiental e cultural e sua evolução ao longo do tempo. Assim se faz a história e assim nos situamos no tempo, com referências passadas e perspectivas para o futuro. E assim é desde a descoberta do Brasil pelos portugueses. As perspectivas econômicas em relação ao novo mundo não eram boas, e o maior interesse era no lucrativo comércio das especiarias orientais. Por aqui, a princípio, não

encontraram pedras e metais preciosos. Somente o pau-brasil, cujo lucro não era tão vantajoso quanto a comercialização dos produtos asiáticos e africanos. Nos idos de 1530, início da ocupação territorial na colônia, a Coroa portuguesa voltou-se para a produção de açúcar, criando grandes fazendas destinadas ao plantio da cana-de açúcar (chamadas plantations) e ao processamento dessa matéria-prima. Com a crise da produção açucareira, no final do século XVII, a realeza começou a estimular o desbravamento de terras ainda desconhecidas, em busca de ouro e pedras preciosas. E a partir daí, de andanças em andanças, é que chegamos a Minas Gerais. E de Minas, ao Rio das Velhas e aos seus primeiros desbravadores.

Os canoístas Erick Wagner, Rafael Bernardes e Ronald Guerra chegam à foz do Rio das Velhas, na Barra do Guaicuí, finalizando a expedição de 2009. Ao fundo, o vapor Benjamim Guimarães.

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Campos às margens do Rio das Velhas na província de Minas Gerais, Johann Moritz Rugendas - 1835

Primeiras descobertas O vale do Rio das Velhas foi o principal cenário da tão sonhada corrida do ouro. Foi ali que surgiram os primeiros povoamentos de Minas Gerais, que cresciam em grande velocidade com a chegada maciça de desbravadores atraídos pela riqueza da mineração. E por ali passaram, ao longo dos séculos, cientistas e viajantes naturalistas, que o descreveram detalhadamente em seus relatos: Peter Lund, Saint Hilaire, Rugendas, Barão de Langsdorf, Spix e Martius, Richard Burton e outros. Georg Heinrich von Langsdorff, o assim conhecido ‘barão de Langsdorff’ (1774-1852), foi o mentor da grandiosa expedição à Terra Brazilis, conduzindo, entre os anos 1822 e 1828, um grupo de pesquisadores e artistas por uma viagem de 17 mil quilômetros no interior do Brasil. Tendo como ponto de partida a província de Minas Gerais, navegou pelo Rio das Velhas até Jequitibá. Registrou em diários os relatos da expedição nos quais descreve a fauna, a flora e também os hábitos interioranos do país. O material coletado pela expedição foi enviado, em sua maioria, para a Rússia, onde permaneceu arquivado por quase um século. Parte desse material foi perdido numa enchente em Stalingrado e outra parte, composta pelos desenhos e aquarelas produzidas por Rugendas, desenhista e pintor que participou da missão, foi enviada à França. Entre os registros, um mapa com os principais rios da região da “Serra da Lapa”, hoje denominada Serra do Espinhaço, e vários quadros da região, pintados por Rugendas. Entre 1817 e 1820, os alemães Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius 18

empreenderam uma expedição científica que percorreu cerca de 10 mil quilômetros no território brasileiro. Os dois naturalistas chegaram ao Brasil com a missão austríaca que acompanhou a imperatriz Leopoldina, que desembarcou no Rio de Janeiro em 1817 para se casar com o príncipe D. Pedro I. A expedição, que durou três anos, saiu do Rio de Janeiro, passou por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão e Belém, subindo o Rio Amazonas. Em Minas Gerais, os viajantes trilharam a Estrada Real, ao longo do Rio das Velhas e descreveram o trajeto que ligava Ouro Preto a Sabará. Ao passarem pelo então distrito de Mariana, Spix e Martius visitaram algumas forjas de ferro e chegaram à conclusão de que “o minério de ferro existe em Minas em tal quantidade, que seria suficiente para abastecer o Brasil inteiro durante séculos” (Viagem pelo Brasil, II). No caminho, entre Ouro Preto e Mariana, os naturalistas observaram os “muitos buracos cavados na montanha”, “os filões e as panelas que ficaram depois do abandono das explorações”. Uma mina de ouro foi descrita como “um profundo fosso, uma garganta de rochas nuas, cheia de fragmentos de pedras, que dava a impressão da mais selvagem destruição” (Viagem pelo Brasil, I). Premonição ou simples constatação, o fato é que duzentos anos após a passagem desses dois viajantes já preocupados com o meio ambiente, aconteceu o terrível desastre no distrito de Bento Rodrigues. Após esse percurso, que durou cerca de quinze dias, seguiram em direção a Diamantina. A expedição resultou em dezenas de publicações que abordaram temas como botânica, zoologia, etnografia, linguística, além da própria narrativa da viagem.

Em 1833, o dinamarquês Peter Wilhelm Lund veio de mudança para o Brasil e se radicou em Lagoa Santa, onde realizou um gigantesco trabalho sobre os fósseis da região. Descobriu mais de 12 mil peças fósseis entre as quais destaca-se o denominado Homem de Lagoa Santa, que revelou a presença humana no local há mais de 10 mil anos. Em 1847, Johannes Theodor Reinhardt, zoólogo do Museu Real de História Natural da Dinamarca, visitou Lund pela primeira vez. Reinhardt retornou à região de Lagoa Santa por mais dois períodos consecutivos (1850-1852 e 1854-1856) quando reuniu e registrou cerca de 55 espécies diferentes de peixes nativos do Rio das Velhas. Com base no material coletado por Reinhardt, Christian Lütken publicou, em 1875, a monografia Velhas-FlodensFiske [Peixes do Rio das Velhas], uma das poucas obras do século XIX que versa especificamente sobre uma bacia hidrográfica brasileira. O naturalista francês Auguste Saint-Hilaire viajou pelo Brasil entre os anos de 1816 e 1822. Nesse período, percorreu mais de 16 mil quilômetros por diversas regiões, inclusive Minas Gerais, que destaca em seus relatos como a mais cordial e hospitaleira do país: “passara quinze meses na parte mais civilizada da província de Minas Gerais, acolhido com tanta benevolência, me identificara com os interesses dos seus habitantes”. Por aqui, Saint-Hilaire percorreu, na Bacia do Rio das Velhas e Rio Doce, Congonhas, Ouro Branco, Ouro Preto, Mariana, Sabará, Caeté, Santa Bárbara, Itabira, Morro do Pilar e Conceição do Mato Dentro, além de várias outras fora da bacia, e registrou não só a flora, como também os hábitos e costumes do povo.


1867: Viagem de canoa de Sabará ao Oceano Atlântico De todos esses viajantes exploradores do século XIX, o inglês Richard Francis Burton (1821-90) foi provavelmente o que conheceu o Rio das Velhas mais a fundo. Percorreu o seu leito de Sabará até o encontro com o Rio São Francisco, em 1867, e de lá até o oceano Atlântico. A expedição gerou o tão conhecido relato Viagem de Canoa de Sabará ao Oceano Atlântico e inspirou tantas outras expedições, entre as quais a Expedição Manuelzão desce o Rio das Velhas, em 2003, a Expedição Rio das Velhas – Encontro de um povo com sua bacia (2009), e a mais recente, em 2017, Rio das Velhas te quero vivo. Colecionador de façanhas, Burton foi explorador, soldado, erudito, aventureiro, escritor, agente secreto, diplomata e tradutor. Morou no Brasil e viveu uma existência desmedida, marcada pela busca de conhecimento e de aventura em quatro continentes. Descobriu as nascentes do Rio Nilo, na África Central. Traduziu As Mil e Uma Noites e o Kama Sutra. Como agente secreto, se fingindo de viajante curioso, orientava a Coroa Britânica sobre as oportunidades econômicas das terras por ele exploradas. No dia 07 de agosto de 1867, partiu do Porto da Ponte Grande, com quinze pessoas a bordo em uma, conforme ele mesmo descreve, “embarcação tão decrépita, verdadeira arca de Noé, semelhante a uma carroça de ciganos flutuante”, que com o peso das quinze pessoas “ficou três palmos abaixo da plataforma de embarque”, em expedição pelo Rio das Velhas. A viagem foi demorada, durou 38 dias. A tripulação passou por dificuldades com as corredeiras e a sinuosidade do rio. A hospitalidade dos fazendeiros que os acolhiam pelo caminho foi, segundo Burton, a principal causa dos atrasos: “a hospitalidade é o que mais retarda as viagens no Brasil. É o velho estilo da recepção colonial; a gente pode fazer o que quiser, pode ficar por um mês, mas não por um dia, e são desconhecidos os inospitaleiros preceitos e práticas da Europa”. Por outro lado, foi o que propiciou as fascinantes observações dos aspectos científicos, culturais e humanos, já que a ele nada escapava. Em seus relatos, Burton prevê a ocupação do vale do Rio das Velhas: “Esse rio deserto tornar-se-á, dentro em pouco, uma estrada de nações, uma artéria que fornecerá ao mundo o sangue vital do comércio. A praia de areia em que estávamos talvez venha a ser o cais de alguma rica cidade. A Cachoeira da Onça e a Coroa Braba serão silenciadas para sempre. E o ruído do trabalho dos homens abafará os únicos sons que agora chegam aos nossos ouvidos, o uivar do guará e os gritinhos fracos do pequeno coelho castanho do mato”. Ele estava certo. “Embarcação tão decrépita, verdadeira arca de Noé, semelhante a uma carroça de ciganos flutuante”. Trecho do livro Viagem de Canoa de Sabará ao Oceano Atlântico

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Os navegantes do século XX

Em 2003, idealizada pelo médico e ambientalista Apolo Heringer e executada pelo Projeto Manuelzão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi realizada talvez a maior de todas as expedições que já percorreram o Rio das Velhas. O planejamento da expedição ‘Manuelzão desce o Rio das Velhas’ levou quase um ano. A equipe de água contou com três canoístas voluntários: Paulo Roberto Azevedo Varejão (Beto), Ronald Carvalho Guerra (Roninho) e Rafael Guimarães Bernardes. Por terra, acompanharam a expedição fotógrafos, produtores de vídeo, biólogos, geógrafos, mobilizadores sociais, estudantes, entre outros. No dia 13 de setembro de 2003, a expedição parte de Ouro Preto rumo à Barra do Guaicuí, foz do Rio das Velhas. Foram 29 dias remando por 806 km, 33 pontos de parada e a constatação de que o Rio das Velhas clamava por socorro. As margens, em diversos trechos, encontravam-se assoreadas. As águas, contaminadas por lixo urbano, industrial, agrotóxicos. Não havia peixes em abundância. Era urgente a construção de Estações de Tratamento de Esgoto. Em alguns trechos, os expedicionários precisaram usar máscaras e roupas de proteção. Responsável por escrever o Diário de Bordo e por planejar o percurso da expedição, o mé-

dico e também membro do Projeto Manuelzão, Eugênio Goulart, contou que realizou um estudo minucioso, pegando como base o “Viagem de canoa de Sabará ao Oceano Atlântico”, de Burton. “O Burton realizou a expedição em 1867, e mais de 100 anos depois, pudemos ver o que estava ainda preservado e o que tinha piorado. Vimos que em alguns trechos nada havia mudado, ou seja, o rio conseguiu superar os desafios colocados para ele. Quando o Burton passou, não existia a Região Metropolitana de Belo Horizonte, não existia nem BH. Belo Horizonte é hoje a parte mais responsável pela poluição do Rio das Velhas”, disse. Parte importante do planejamento da expedição foi a mobilização social. Em cada parada os expedicionários eram recebidos pela comunidade ribeirinha local com muita festa, manifestações culturais e a esperança de que a partir dali alguma coisa iria mudar. Tornou-se necessário colocar uma meta, um prazo para que melhorias fossem feitas. Daí, estabeleceu-se a Meta 2010: Navegar, Pescar e Nadar no seu trecho mais poluído, na passagem do rio pela Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O governo de Minas a assumiu em março de 2004, e a transformou em Programa Estruturador do estado. Foram feitos investimentos políticos, administrativos e financeiros tanto pelo estado, quanto pelo Projeto Manuelzão/UFMG, pelo CBH Rio das Velhas, por diversas prefeituras e algumas empresas.

Fotos: Cuia Guimarães e Projeto Manuelzão

Ainda antes das grandes expedições realizadas pelo Projeto Manuelzão e pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, dois amigos ambientalistas, Fábio Márton e Derek Walter, refizeram os passos de Burton. Em 1970, a dupla navegou o Velhas por 15 dias em uma espécie de caiaque feito de compensado de madeira. A ideia era comparar a realidade daquela época com a situação relatada pelos viajantes. O percurso foi tranquilo, a não ser o fato de terem sido detidos pela polícia em Santana do Pirapama, suspeitos de serem guerrilheiros. Tratava-se dos anos de chumbo, quando o ir e vir era controlado pela ditadura militar. Foram logo liberados e seguiram viagem. As constatações foram as piores possíveis. Decantado no livro de Burton como espetáculo de vida selvagem, o Rio das Velhas já era, em 1970, um rio à beira da morte.

Século XXI: sociedade se mobiliza para recuperar o Rio das Velhas

Rafael Bernardes, Roberto Varejão e Ronald Guerra

Sentido horário: Expedicionários descendo de rapel a Pedra do Jacaré nas nascentes do Rio das Velhas no Parque das Andorinhas em Ouro Preto; Durante a passagem pela Região Metropolitana de Belo Horizonte; 30 dias depois e 800 km remados, na chegada à foz no Rio São Francisco, na Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma

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Expedições pelos afluentes do Rio das Velhas também, e principalmente, fortalecer os subcomitês. “As expedições foram uma forma de fortalecer esse trabalho da descentralização da gestão. Foi também uma estratégia para trazer o município para dentro da gestão da bacia, e que deu certo. Os municípios hoje têm uma relação muito próxima com o Comitê”, afirma Sepúlveda. Foram realizadas mini expedições pelos Rios Taquaraçu, Ribeirão da Mata, Paraúna, Curimataí e Jaboticatubas.

“As expedições foram uma forma de fortalecer esse trabalho da descentralização da gestão. Foi também uma estratégia para trazer o município para dentro da gestão da bacia, e que deu certo.”

Ohana Padilha

Michel Montandon

Entre 2003 e 2008, foram realizadas uma série de mini expedições pelos rios afluentes do Rio das Velhas. Segundo o idealizador e organizador Rogério Sepúlveda, membro do CBH Rio das Velhas e assessor técnico da diretoria de Operação Metropolitana da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), o objetivo era não só aproximar as populações ribeirinhas, conscientizando-as e sensibilizando-as para os problemas dos rios, como

Rogério Sepúlveda Idealizador das expedições pelos afluentes, realizadas entre 2005 e 2008 Rodrigo de Angelis, responsável pelos video documentários das expedições, durante Expedição Rio Taquaraçu em 2005

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Expedição Rio das Velhas – Encontro de um povo com sua bacia (2009)

Marcus Vinícius Polignano (esq) e Apolo Heringer (dir) recepcionando a chegada dos expedicionários em 2009.

Fotos: Marcelo Andrê

Em 2009, nova expedição foi realizada, pelo mesmo percurso, com o objetivo de comparar a situação do rio à anterior, em 2003. E, felizmente, houve avanços. Ronald Guerra (Roninho), produtor rural, ambientalista, membro do CBH Rios das Velhas, canoísta e um dos responsáveis pelo planejamento das expedições, participou, remando, de todas as expedições. Segundo ele, de 2003 para 2009 percebeu-se uma diferença muito grande. “A principal foi notada na Região Metropolitana, onde o nível de poluição era muito grande. Em 2003, o rio não tinha peixe, não tinha vida. A vida que tinha em torno do rio era urubu comendo carniça e lixo. Poucas espécies de avifauna e nada de espécies aquáticas. Já havia um início de trabalho de tratamento de esgoto, como a ETE do Ribeirão Arrudas. Na época, ainda não tinha o gradeamento da ETE, então o lixo mais grosso ia todo para o Rio das Velhas”. Após a expedição de 2003, o gradeamento foi colocado e o sistema de tratamento de esgoto do Ribeirão do Onça, implantado.“Com isso, apesar de ainda se encontrar poluído, o rio teve condição de reestabelecer vida. Os peixes conseguiam transpor a região poluída, fazendo com que a quantidade de tilápia [peixe extremamente resistente à poluição] fosse diminuindo e que as espécies nativas do Velhas fossem ressurgindo. Isso era muito perceptível. Consequentemente, as aves, que se alimentam dos peixes, também ressurgiram. Isso nos dá um alento. Apesar da morosidade das coisas, houve um avanço muito grande”, comemora Roninho. Esse avanço permitiu que a Meta 2010 obtivesse 60% de sucesso. O encerramento da meta contou com a participação dos ex-governadores Aécio Neves e Antônio Anastasia e do então prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, nadando em Santo Hipólito, município da Região Central, a 232 quilômetros de BH. Depois disso, nova meta foi lançada: a Meta 2014, cujo maior desafio era o tratamento do esgoto.

“É um momento histórico em que o Rio das Velhas vai se transformar em um palco para o debate das questões da qualidade de vida e do meio ambiente de toda a bacia” Apolo Heringer Lisboa, fundador do Projeto Manuelzão e idealizador das expedições 2003 e 2009

A mobilização social pelas cidades ribeirinhas foi marcante em todas as expedições. Na foto, passagem por Rio Acima em 2009.

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Ohana Padilha

Leandro Durães

“A expedição [de 2017] termina com essa mensagem: de que o rio não nasce com esgoto, com lixo, com rejeito de mineração. Isso quem faz infelizmente somos nós. E cabe a nós, cidadãos do mundo e contribuintes da bacia do Velhas, rever esses processos e revitalizar o rio”. Marcus Vinícius Polignano Presidente do CBH Rio das Velhas e idealizador das expedições 2003, 2009 e 2017

Recuperação permanente X Resiliência A última expedição “Rio das Velhas te quero vivo”, realizada em 2017, foi idealizada pelo presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinicius Polignano, em conjunto com o Projeto Manuelzão. Percorrendo um trecho menor, saindo da nascente em Ouro Preto e terminando em Santa Luzia, passando por oito municípios, a expedição durou oito dias e seu principal objetivo foi levantar um diagnóstico da região do Alto Velhas. De acordo com Roninho, “de 2009 para 2017 o avanço continuou, mas a curva de ascendência desse avanço é muito lenta em relação ao crescimento das cidades. Vários municípios ainda não têm um sistema adequado de recolhimento de lixo, de tratamento de esgoto. A expedição de 2017 me mostrou que na prática, a gente vai ficando resiliente. A gente sempre fica com a fé de que está melhorando, porque de fato está, mas não na intensidade necessária. E com a resiliência, a gente aceita isso [o nível de poluição do jeito que se encontra] mais fácil. Os gestores públicos muitas vezes ficam acomodados. E nós vamos nos adaptando às situações negativas. Em 2017 eu vi que isso não pode mais acontecer”. Após a expedição de 2017, foi firmado um pacto entre o CBH Rio das Velhas, a Copasa, as prefeituras integrantes da bacia, a Fiemg, o Instituto Espinhaço e o governo do estado de Minas Gerais, por meio da SEMAD e do IGAM, em prol da conservação e revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, o ‘Revitaliza Rio das Velhas’. O programa atua em três linhas: recuperação de passivo ambiental com tratamento de esgotos e ações de saneamento básico; preservação e produção de água; e gestão ambiental e a participação social.

Erick Wagner e Ronald Guerra finalizando a Expedição 2017 na cidade de Santa Luzia

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Fernando Piancastelli

“Os erros e acertos do passado ajudam a entender o presente e a planejar ações futuras. Essa comparação só é possível se tivermos um registro. Se fica só na memória, a história vai se perdendo. ”

Marcelo Andrê

Rodrigo de Angelis, responsável pelos vídeo documentários das expedições

História documentada As expedições deixaram como maior legado o clamor para que o Rio das Velhas não seja abandonado. Elas geraram uma série de documentos, livros, vídeos, fotos, reportagens que, assim como os relatos do século XIX, vão, algum dia, servir de inspiração para outros que se aventurem pelo rio, seja para examiná-lo, seja para, em uma visão muito positiva, passear em suas águas limpas e desfrutar da natureza plena. O comunicólogo, documentarista e canoísta Rodrigo Rezende de Angelis, participou de todas as expedições e, com o olhar atento, sem perder nenhum detalhe, registrou em vídeo, de dentro do caiaque, todas elas. Ele e sua equipe produziram um extenso material de comunicação. Segundo ele, esse material não só ajuda a divulgar as ações e chamar a atenção para o rio, como também preserva a memória. “Os erros e acertos do passado ajudam a entender o presente e a planejar ações futuras. Essa comparação só é possível se tivermos um registro. Se fica só na memória, a história vai se perdendo. Durante as expedições, foi produzida uma série de reportagens, vídeos, conteúdo para site e redes sociais, revistas e jornais que ficarão preservados para sempre”, afirma Rodrigo. Outro importante registro foram os dois volumes escritos pelo médico Eugênio Goulart, responsável pelo Diário de Bordo da expedição de 2003: Navegando o Rio das Velhas das Minas aos Gerais – A expedição Manuelzão desce o Rio das Velhas (Volume 1) e Estudos sobre a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (Volume 2). E, se o caminho foi o mesmo, o que se viu foi diferente. Se antes os viajantes encontraram continuamente com o que se extasiar, riqueza e abundância, os expedicionários dos séculos XX e XXI viram desolação, degradação, sujeira. Houve avanço, mas muito há que ser feito ainda. Sonhos de uns, pesadelos de outros. O Rio das Velhas como testemunha de todos.

Confira a matéria completa, com os vídeos, livros e álbum de fotos. Acesse www.bit.ly/rio-como-testemunha ou com seu celular escaneie o QR CODE ao lado

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Projeto Manuelzão

“O Burton realizou a expedição em 1867, e mais de 100 anos depois, pudemos ver o que estava ainda preservado e o que tinha piorado. Vimos que em alguns trechos nada havia mudado, ou seja, o rio conseguiu superar os desafios colocados para ele.” Eugênio Goulart Responsável pelas publicações da Expedição 2003

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OLHARES

Margeado por um Rio das Velhas já minguado, depois da retirada da água que abastece grande parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o município de Raposos se insere no que é chamado de trecho de vazão reduzida – logo a jusante da Estação de Bela Fama, da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais). Só depois das contribuições dos Ribeirões Arrudas e Onça, ainda que poluídos, é que o Velhas se torna robusto em quantidade novamente. A referência em qualidade de água na região de Raposos é o Ribeirão da Prata – atualmente considerado até como opção de captação para abastecer a Grande BH, diante das ameaças das barragens de rejeito no entorno do Rio das Velhas. É da Serra do Gandarela que descem suas águas, região hoje protegida após enorme pressão popular pela constituição de um Parque Nacional. A população raposense também se orgulha de contar com uma legislação que proíbe, desde 2016, a instalação e operação de barragens de rejeitos de mineração no município – marco que também contou com amplo apelo dos moradores e articulações no Subcomitê Águas do Gandarela, vinculado ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas). É nesse território que despontou o fotógrafo Robson Oliveira. Foi registrando as belezas dessa região, sempre ameaçada pelos empreendimentos e pela expansão urbana, que o raposense de nascença se desenvolveu no ofício da fotografia. “Comecei com alguns trabalhos autorais, principalmente relacionados às causas ambientais, registrando as belezas da Serra do Gandarela. Minha motivação veio das ameaças constantes causadas pela ação do homem. Procuro registrar mais belezas do que tragédias – claro que faço ambas, pois é necessário sensibilizar as pessoas. Mas acredito que com fotos de lugares ainda preservados, das nossas águas ainda limpas, nossas serras, fauna e flora, as pessoas são mais receptivas, param para observar e se tocam no quão é importante a preservação”, comenta Robson. Com sua fotografia ativista, ele espera chegar a pessoas e territórios cada vez mais distantes. “A natureza é minha paixão, onde reconheço a nossa existência como humanos, somos parte dela, fazemos parte desse sistema. Muita gente não conhece ou tem acesso a esses lugares e, com minha fotografia, consigo levar até elas”. São justamente os registros de Robson de Oliveira – sobre o rio que temos e o rio que queremos na bacia – que ilustram a sessão Olhares dessa Revista Rio das Velhas. Fotos que indicam as muitas belezas que ainda temos nesse território, assim como os vários desafios em recuperação e revitalização que temos pela frente. “Falta mesmo é prioridade, saber que dependemos inevitavelmente da água e que, para isso, é preciso preservar todo o sistema da natureza. Para um rio limpo precisamos principalmente dos interesses de toda sociedade, começando pelos nossos governantes, instituições, sociedade e cada pessoa fazendo sua parte”, conclui Robson. Os textos e poesias que acompanham as fotos nas próximas páginas são comentários de moradores da Bacia do Rio das Velhas, feitos de forma espontânea nas redes sociais do Comitê. 26

Cachoeira do Santo Antônio em Morro Vermelho, distrito de Raposos,


Sensibilização pelo olhar O rio que temos – e o rio que queremos – pelas lentes do fotógrafo raposense Robson Oliveira Texto: Luiz Ribeiro

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“O Rio que quero? É um rio limpo em que possa nadar nele. Começando pelo Ribeirão Onça, passando pelo Rio das Velhas e chegando ao Rio São Francisco, até bater no meio do mar”. Lagoa Central em Lagoa Santa

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Majô Zeferino Vieira


Barragem de rejeitos de mineração Maravilhas 2, em Nova Lima

“Que rio queremos, pergunta que não quer calar, resposta que todos querem ouvir. Mas, para isso, é preciso viver, sentir e, no lugar do rio, nos colocar, para entender que é melhor cuidar do que destruir, conservando-o da nascente até o mar, pois esse é o nosso dever: deixar um rio melhor para as novas gerações que ainda vão chegar.” Geraldo Amâncio dos Santos 29


“O Rio que eu quero É aquele que corre certeiro Limpo, amigo, corriqueiro. Pra nadar, pescar, navegar. Beber, correr devagar Ou bem rápido, conforme o lugar. O Rio que eu quero É aquele que é límpido, vivo, úmido. Nada de lixo, plástico ou tampa. Aquele que tem peixe e tem pitanga. Aquele que eu tenho contato, Para ser visto e ser tocado. Quero tocar, sentir, beber. Qual o Rio que eu quero? Aquele, com certeza, e não esse, De concreto, escondido, vendido, fedido. Esse eu não quero mais, jamais. Como posso sonhar, viver, esperar? Ao menos isso eu quero ansiar. Será meu neto a se agraciar? Não sei, mas me ponho a sonhar. Reviver, relembrar, visualizar. Com o Rio que eu quero revitalizar” Lívia Márcia Costa Grossi

Rio das Velhas, entre Raposos e Sabará

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“O rio que eu quero é enorme.” Hugo de Azevedo Lana Filho

Poço Azul no Ribeirão da Prata em Raposos

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Miguel Aun

COMUNICAÇÃO

Informação e a construção da consciência coletiva de um rio Como a Comunicação foi determinante na criação da credibilidade do Comitê e permitiu a integração da população com a diversidade e os desafios da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas Texto: Michelle Parron As paisagens, os animais, os moradores e toda a riqueza natural e cultural que está em cada um dos 51 municípios que compõem a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas são fontes de conhecimento que integram parte da história dos recursos hídricos do país e do povo brasileiro. Nesse contexto, desde que foi criada, a Comunicação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) faz o papel de amplificadora das riquezas da bacia, fortale32

cendo a atuação do Comitê e a promoção da proteção e do reconhecimento desse manancial que é um dos principais afluentes do Rio São Francisco. Com ela foi possível expandir o público e explorar, com mais aprofundamento e reflexão, todos os desafios e potencialidades enfrentados diariamente na revitalização e preservação dos recursos hídricos, tornando-se instrumento de integração, mobilização, produção de conteúdo e suporte para a sistematização das informações

internas e externas dos segmentos representados pelo Comitê. “A comunicação é a alma do Comitê, uma vez que ela é a relação entre as partes, tanto do que se faz nas bases, como o que se faz no Comitê enquanto órgão gestor da bacia”, aponta José Procópio de Castro, conselheiro que integra a Diretoria Ampliada e a Câmara Técnica de Educação, Mobilização e Comunicação (CTECOM) do CBH Rio das Velhas


da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, ambos os documentos elaborados pela CTECOM. O papel da Comunicação do CBH Rio das Velhas passa então a ser o de divulgar e propagar projetos, produtos e serviços do Comitê e dar apoio constante à atuação da mobilização social, servindo-se de condutor sócio-comunicativo entre a entidade e seu público, revertendo-se em fortalecimento do fluxo de informação entre formadores de opinião e geradores de atitudes. “Depois da construção de todo um projeto de mobilização e de reorganização territorial, a gente começou a fazer o esforço da Comunicação. De tornar a Comunicação permeável a todo esse sistema, permitindo que ela tivesse acesso às estruturas maiores do Comitê, como a Plenária, as Câmaras Técnicas, mas que também chegasse ao ribeirinho. Ou seja,

que a informação circulasse tanto numa direção quanto na outra”, relata o presidente. Dessa forma, quando falamos na Comunicação do CBH Rio das Velhas, falamos também na democratização do conhecimento, que foi feita através da combinação de mecanismos, sejam eles impressos ou digitais, que serviram para garantir a transferência de informação para a população que mora ou que, por alguma razão, interage com o Rio das Velhas e seus afluentes. Para Polignano, era fundamental que a Comunicação trouxesse a informação da base, dos problemas que estavam acontecendo, das mobilizações e do que ocorria em cada um dos Subcomitês, como também que fluísse de maneira que permeasse as informações das plenárias e dos grupos técnicos, para que chegasse até às pessoas que habitam todos os microterritórios da bacia.

Ohana Padilha

Entendendo a importância de ter a sua própria equipe de Comunicação para atuar pela bacia, em 2014 o CBH Rio das Velhas lançou o Ato Convocatório nº001 para realizar a contratação de empresa que fosse especializada na produção de conteúdo, informação e assessoria de imprensa em meio ambiente e que pudesse atender os anseios dos Subcomitês e parceiros envolvidos. A partir de então foi desenvolvido o primeiro Plano de Comunicação do CBH Rio das Velhas, que foi executado ao longo dos últimos cinco anos, atendendo os Princípios e Diretrizes de Educação, Comunicação e Mobilização para a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e os objetivos prioritários a curto, médio e longo prazo estabelecidos no Plano de Comunicação, Educação Ambiental, Mobilização Social e Ações Culturais

Presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, em uma das várias entrevistas coletivas promovidas ao longo dos últimos cinco anos.

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Fernando Piancastelli

NÚMEROS DA COMUNICAÇÃO: Aproximadamente: • 1.100 matérias publicadas no site • 2.300 publicações no Facebook • 580 posts no Instagram • 200 vídeos no Youtube • 60 publicações impressas (revistas, boletins e cartilhas) também disponibilizadas no formato digital • 400 arquivos (material informativo) em formato digital 53 Publicações impressas: • 10 revistas semestrais • 20 boletins trimestrais • 23 cartilhas de UTEs Além de: • Mais de 20.000 fotos produzidas • Boletins eletrônicos semanais (Newsletters)

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Materiais gráficos de apoio à educação ambiental e mobilização social

Ohana Padilha

Ao longo de todo esse tempo, a Comunicação do Comitê foi ganhando força, garantindo espaço na pauta dos veículos de comunicação e chegando cada vez a mais pessoas. Foram desenvolvidos diversos produtos e realizados serviços que permitiram o avanço e a eficiência do sistema CBH Rio das Velhas – Agência Peixe Vivo, tanto na relação com o público interno, ou seja, aquele que se dedica diretamente ao Comitê e à agência, como com o público externo da bacia, produzindo materiais claros, de fácil compreensão, objetivos e acessíveis para qualquer grau de conhecimento na diversidade social e intelectual do público que integra os municípios da zona urbana e rural da bacia. “Avançamos muito em termos de Comunicação. Ela consolidou desde a marca, as ações, o que é o Comitê de Bacia Hidrográfica, como também participou da construção dos textos bases de definições, de parâmetros a serem difundidos na bacia de forma correta, de uma produção de informação clara e objetiva, servindo de base para a estruturação da relação com a comunidade”, explica Procópio.

Informar é esclarecer, mobilizar e proteger

mação, o registro das ações e o conhecimento sobre a bacia. Esses materiais são os responsáveis por levar a informação aonde a internet não chega, ou a complementar como fonte de conhecimento e pesquisa em reuniões, tomada de decisões, realização de projetos, em atividades de educação ambiental ou mesmo para informar, de forma consisa ou aprofundada, sobre as questões mais relevantes para a bacia. A produção audiovisual também tem o seu lugar importante e deu mais vida à comunicação por aproximar a população ao CBH Rio das Velhas, através das imagens da bacia e das entrevistas com as lideranças e com o público atendido e envolvido nos projetos. Entre os assuntos abordados nos mais de 200 vídeos gravados e editados, foram retratadas as diversidades e características das 23 Unidades Territoriais Estratégicas (UTEs), os encontros, os seminários, as plenárias, os projetos hidroambientais, os programas, as expedições e as ações de parceiros que integram o Comitê. Uma forma mais atrativa de informar e prestar contas aos financiadores da bacia sobre os recursos investidos através da Cobrança pelo Uso da Água.

Fernando Piancastelli

Bianca Aun

Provocar o sentimento de pertencimento dos atores da bacia é garantir, além de uma marca referência, sólida e com credibilidade, conteúdos que correspondam ao trabalho indispensável exercido pelo CBH Rio das Velhas e que sensibilizem as pessoas diante das pautas que envolvem a bacia. A reformulação da identidade visual, que ganhou uma roupagem mais moderna e que culiminou na padronização de todas as peças produzidas para o Comitê (site, redes sociais e material gráfico), Subcomitês e as peças produzidas pelas empresas prestadoreas de serviços em projetos específicos, criaram uma linguagem organizada, confiável e efetiva. Para Leandro Vaz, conselheiro do CBH e Subcomitê Rio Bicudo, localizado no Baixo Rio das Velhas, o papel da comunicação é imprescindível. “Ela ajuda a fortalecer, divulgar e valoriza o trabalho que a gente faz, porque quando você divulga, quando você mostra para a população, a visão é outra, a receptividade é outra. A população dá mais crédito ao trabalho que a gente faz”, explica Vaz. Em campo, a equipe formada por profissionais de Comunicação foi responsável pela produção de mais de 1.100 textos, entre reportagens e divulgação de ações, abastecendo o site do CBH Rio das Velhas com um acervo rico de memória de todas atividades realizadas nos últimos cinco anos. Por falar em profissionais, estão envolvidos diversos trabalhadores para produção de conteúdo diário e suporte aos veículos de mídia e formadores de opinião, destacando redatores, fotógrafos, videomakers, social medias e assessoria de imprensa, que vão a campo, de ponta a ponta da bacia, para registrar os momentos marcantes de avanços, lançamento de projetos, eleições, atividades de formação, eventos e ações em prol do Rio das Velhas. O material impresso, dentre revistas, boletins, cartilhas e banners, conteúdo produzido e distribuído pela bacia, tem também o papel de fortalecer a infor-

Produção de vídeos e publicações chegou aos lugares mais remotos da bacia.

Estande desenvolvido para o III Encontro Internacional de Rios

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Michelle Parron

A produção audiovisual expande a atuação do Comitê e atrai o público para conhecer melhor a bacia

Canal direto com o meio ambiente Em meio a diversos tipos de estímulos, seja pelo celular, pela tela do computador, pela televisão ou pelo cinema, a junção da imagem com o som forma uma das ferramentas mais potentes e mais populares de comunicação. Tal sucesso independe de classe social e da região onde se vive, afinal, não há como negar que a tecnologia chegou para ficar e está mais presente no nosso dia a dia. Para além de entreter, o conteúdo audiovisual cumpre, com maestria, o seu papel informativo e educativo, tornando-se também um importante companheiro na preservação ambiental. O CBH Rio das Velhas, seguindo a proposta de fazer uso das diversas ferramentas de comunicação, encontrou no vídeo um aliado para mostrar ao público o que é Comitê, como ele se estrutura, como ele atua, quais são os seus projetos, os assuntos relevantes e urgentes com os quais ele está envolvido e a sua contribuição na construção e distribuição de conhecimento sobre o meio ambiente e, principalmente, sobre a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. Desde que o canal do CBH Rio das Velhas foi inaugurado na plataforma Youtube, o públicou passou a ter acesso gratuito a diversos conteúdos que fazem parte do universo de atuação do Comitê, dos Subcomitês e de seus parceiros, projetando não só o trabalho que é feito na bacia, mas servindo como um documento de prestação de contas dos usos do recurso da co36

brança, ao possibilitar o acompanhamento e o resultado de diversos projetos e programas que são desenvolvidos nos territórios no Alto, Médio e Baixo Rio das Velhas. “O registro audiovisual dos projetos contratados sob demanda do CBH Rio das Velhas possui importância, principalmente, no que diz respeito à divulgação das ações desenvolvidas. Por meio desses vídeos é possível difundir a informação de uma maneira acessível à população da bacia como um todo, extrapolando a área específica de abrangência de um referido projeto”, explica Patrícia Sena, assessora técnica da Agência Peixe Vivo. Para além disso, a assessora acredita que esse tipo de material exerce uma importância enquanto documentação história do Comitê e, como consequência, fortalece também o trabalho da Agência ao respaldar e legitimar os investimentos e as contratações realizadas. Os vídeos também garantem o acesso à informação e ao conhecimento àqueles que, pela distância física, não podem estar presentes em todas as reuniões, palestras, eventos e cursos do CBH Rio das Velhas e de seus parceiros. Para tanto, a disponibilização de palestras, seminários e cursos na íntegra também são conteúdos oferecidos ao público, fazendo com que o conhecimento quebre os limites geográficos e atinja qualquer pessoa em qualquer local, se tornando um multiplicador de conteúdo. “O canal caminha


muito bem na sensibilização e na diversidade de linguagens que aborda. Ele tem desde uma linguagem muito simples para quem não conhece o Comitê, até uma linguagem mais técnica com possibilidades de formação”, explica Clarissa Dantas, gerente de apoio aos Comitês de Bacias Hidrográficas e articulação e gestão participativa do Igam. Para Clarissa, a linguagem audiovisual facilita que o conhecimento seja, por vezes, melhor absorvido do que quando é apresentado em formatos mais convencionais como o texto, por exemplo. Mas é claro que apresentar o próprio papel institucional do Comitê, enquanto estrutura que atua em prol da revitalização e preservação da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, também é essencial. Para que as pessoas entendam a importância do

Comitê, o seu papel ambiental e social, sua atuação nos municípios e o quanto ele tem contribuído para tornar os cursos d’água mais limpos, os vídeos que explicam cada detalhe da estrutura e suas funções, bem como obrigações, permite que a sociedade entenda o quanto esse trabalho é sério, organizado e indispensável. O que também possibilita que mais pessoas da sociedade civil, usuários de água e o poder público possam assumir seus papéis nos subcomitês e atuarem em seus municípios. “O material audiovisual que tem sido produzido é extremamente relevante. É uma ferramenta que possibilita apresentar o Comitê de uma forma muito clara e didática para as pessoas que não vivenciam as experiências do CBH Rio das Velhas. É uma maneira para que, em eventos, congressos, reuniões

e outros momentos, a gente consiga apresentar o que é o Comitê de Bacias, sua composição, como funcionam as câmaras técnicas e a importância do subcomitês”, explica Poliana Vargas, atual secretária-adjunta da diretoria do CBH Rio das Velhas. Para ela os vídeos são tão fundamentais quanto as cartilhas, os manuais e outros materiais impressos, pois o vídeo tem o alcance mais rápido e de maior compreensão para quem está assistindo. Confira todos os vídeos produzidos no Canal do YouTube do Comitê: www.youtube.com/cbhvelhas ou com seu celular escaneie o QR CODE ao lado

Séries de vídeos em destaque

Conhecendo o Comitê De forma simples e didática, os vídeos mostram a estrutura do CBH Rio das Velhas, seus instrumentos de gestão e gerenciamento, as câmaras técnicas vinculadas e os chamamentos de projetos e demandas espontâneas. www.bit.ly/conhecendo-o-comite

Palestras do III Encontro Internacional de Revitalização de Rios Disponíveis na íntegra e com a participação de pesquisadores nacionais e internacionais, as palestras, painéis e mesas redondas do encontro trazem experiências de sucesso na preservação de rios pelo mundo. www.bit.ly/palestras-revitalizacao

Projetos e Programas Criados para apresentarem as ações do Comitê e proporcionarem o acompanhamento dos principais projetos e programas, os vídeos mostram como o recurso da cobrança do CBH Rio das Velhas é empregado na bacia. www.bit.ly/projetos-e-programas

Unidades Territoriais Estratégicas – Resumo do Plano Diretor A série apresenta as 23 UTE’s que compõem a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, com informações sobre as suas principais características, localização geográfica, municípios inseridos e áreas de preservação. www.bit.ly/unidades-territoriais 37


Michelle Parron

Ações dos Subcomitês também ganharam destaque na mídia. Na foto, o coordenador do Subcomitê do Ribeirão Onça, Eric Machado, em entrevista à imprensa.

Pautando a mídia e formando opinião

Conectada e integrativa

A assessoria de imprensa do CBH Rio das Velhas criou um relacionamento saudável com os veículos de comunicação. Seja no envio de releases de eventos produzidos pelo próprio Comitê e seus Subcomitês, seja pelo atendimento em momentos de crise relacionados aos recursos hídricos na bacia – como, por exemplo, em desastres ambientais, conflitos pelo uso da água, contingenciamento de recursos por parte do estado e outros. A assessoria se manteve disponível, ágil e precisa ao atender e responder os pedidos dos jornalistas da imprensa, garantindo a construção de um networking forte que deu a atenção necessária às pautas do CBH Rio das Velhas nos jornais, TVs e rádios.

A internet rompe as fronteiras físicas e faz o conteúdo chegar a um público diverso, em potencial cultural, intelectual, social e econômico, que consome, de forma objetiva, simples e construída, os diferentes formatos da informação digital. Para fazer chegar ainda mais longe os acontecimentos que envolvem a bacia, boa parte se deu pela força e acessibilidade às redes sociais. O ambiente digital é um lugar que também propõe debates, reflexões, mobilizações e posicionamentos críticos no processo de construção e difusão dos saberes, estabelecendo uma relação de proximidade, integração e o envolvimento do público. Através das dúvidas, dos comentários, das observações e da participação ativa que promove o “relacionamento pessoal” da população com o CBH Rio das Velhas, vem

Marcas em defesa de um Rio 2014

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2016

a sensação de pertencimento para a construção de propostas e a execução de ações que protejam a bacia. Como o CBH Rio das Velhas possui um público segmentado e com várias instâncias em sua estrutura organizacional, como o público acadêmico, o empresarial, as instituições públicas, os moradores da zona rural, as organizações da sociedade civil e tantas outras, é fundamental que as informações cheguem acessíveis a toda essa ramificação social. As duas principais plataformas de rede social utilizadas pela comunicação do CBH Rio das Velhas são Facebook e o Instagram, cada qual com a sua função e seu público, seguindo com o objetivo de informar, fortalecer, integrar as pessoas com a história, a memória e a diversidade cultural e a riqueza ambiental da bacia. Foram realizadas desde que foram criadas mais de 2.300 publicações no Facebook e quase 600 posts no Instagram.

O CBH Rio das Velhas ganhou uma nova identidade visual em 2014, que passou a apresentar-se com contornos mais modernos, mas mantendo os elementos que sempre identificaram a bacia. Essa mudança era apenas o começo de uma

2017


Capacitação do público interno

Mobilizadora e sensibilizadora

A Comunicação também exerce o papel de formação com os mobilizadores e conselheiros do CBH e subcomitês, com objetivo de prepará-los para entrevistas com a imprensa. Chamado de Media Training, o treinamento propôs aperfeiçoar os “porta-vozes” espalhados pela bacia para fornecerem informações de forma clara e objetiva a esses veículos. A equipe de comunicação do CBH Rio das Velhas realizou quatro treinamentos desse tipo ao longo desses cinco anos.

Para além de informar, o Comitê exerce o papel de mobilizar e provocar a atenção das pessoas sobre temas urgentes e importantes para a bacia. As campanhas anuais de comunicação exercem a função de jogar holofotes no ponto em que o Comitê acredita que precisa ser lembrado e reforçado em sua divulgação ao longo do ano inteiro. “O Comitê sempre teve a preocupação de não ter uma Comunicação puramente institucional no sentido de se vangloriar das ações executadas. Mas pelo contrário, buscou ser inquisitiva, provocativa, interativa, que questiona, que cobra, que vai atrás, que busca trazer conteúdos para dentro do Comitê e, com isso, fazer com que o processo seja continuamente alimentado, que seja uma comunicação integrativa”, explica Polignano. Para cumprir esse papel, em 2016 foi realizada a campanha com o tema “Água como Direito Humano”, que promoveu uma reflexão sobre a água a partir da perspectiva da garantia de um serviço fundamental para uma mínima qualidade de vida. Já em 2018 o tema foi “Ação pelas Águas: não à retenção do dinheiro dos rios de Minas”, que, diante do contingenciamento dos recursos da Cobrança pelo Uso da Água na Bacia do Rio das Velhas, reivindicou o repasse imediato dos recursos retidos por parte do governo do estado, que tanto asfixiavam o Comitê e ameaçavam a continuidade de suas ações. Tamanha força da campanha garantiu o estabelecimento de um Termo de Ajustamento de Conduta que determinou o pagamento ao CBH Rio das Velhas. Neste ano de 2019, a campanha “Que Rio Queremos?” faz menção aos rompimentos de barragens de mineração que afetaram as Bacias dos Rios Doce e Paraopeba, em 2015 e 2019, mas vai mais além. A proposta é questionar, proteger e alertar sobre o destino que estamos dando aos nossos rios e, consequentemente, à biodiversidade e à vida humana. Sua proposta é promover reflexões e mudanças de conduta de uma sociedade que mata rios para uma sociedade que trabalha para revitalizar seus corpos d’água. Para o presidente, o papel da Comunicação é reforçar, a cada ano, que o rio é um bem maior. “É um bem coletivo, um patrimônio de domínio público, embora dotado de valor econômico, mas é muito mais importante como um bem da vida. É fundamental manter essa bacia com integridade e a Comunicação ajuda a dar um pouco dessa integridade territorial, ela permite que as informações façam com que todos se sintam integrados ou pertencentes a esses territórios”, explica Polignano. Nesse grande ecossistema que envolve o CBH Rio das Velhas, a comunicação travou inúmeros desafios, mas também colheu muitos resultados. Trabalhando em parceria com as equipes das Câmaras Técnicas, da Mobilização e com os Subcomitês, potencializou as ações já realizadas por esses setores, conquistando relevância e credibilidade sobre o papel do Comitê como órgão de gestão e proteção das políticas e ações destinadas ao Rio das Velhas. Tudo isso calcado na informação, na formação e na construção de conhecimento e no engajamento social às causas ambientais. “Eu diria que nós estamos construindo uma consciência coletiva de um território coletivo de bacia que passa a ter, gradativamente, maior visibilidade. É um esforço ainda muito grande porque, evidentemente, não tem como a gente competir com grande peso na mídia geral para que isso tenha uma visibilidade maior, mas a gente consegue chamar mídias pela questão da credibilidade que a gente já tem, então isso é um ganho que a comunicação teve”, aponta Polignano.

Michelle Parron

Rodrigo de Angelis, diretor de comunicação

Nossos Canais: Portal: cbhvelhas.org.br Facebook: facebook.com/cbhriodasvelhas Instagram: instagram.com/cbhriodasvelhas Vídeos: youtube.com/cbhvelhas Fotos: flickr.com/cbhriodasvelhas Publicações: issuu.com/cbhriodasvelhas Documentos: slideshare.net/comcbhvelhas Assessoria de Comunicação: comunicacao@cbhvelhas.org.br

série de campanhas, seminários, eventos e projetos que ganhariam suas próprias identidades visuais, garantindo visibilidade às ações propostas pelo Comitê. Durante os últimos cinco anos foram elaboradas diversas marcas pela equipe de

comunicação, sempre com o propósito de traduzir e engajar os integrantes, os parceiros e toda sociedade que se relaciona com o Rio das Velhas e que, junto do Comitê, lutam pela proteção e preservação dos recursos hídricos.

2018

2019

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UNIDADES TERRITORIAIS

Água fresca, limpa e boa de beber Sobre as boas águas do Rio Taquaraçu que correm para o Velhas Texto: Ohana Padilha

Ao todo, a bacia ocupa uma área de aproximadamente 796 km² e seus principais afluentes são o Rio Vermelho, Rio Preto, Rio do Peixe, Ribeiro Bonito e o Ribeirão da Prata. Há também centenas de pequenos riachos e córregos que contribuem para a fluência do Rio Taquaraçu. O importante curso d’água se destaca por ser fonte de água boa para o Rio das Velhas nas proximidades da RMBH. Isso se deve, sobretudo, à baixa urbanização do território – a maior parte da população inserida na sub-bacia do Rio Taquaraçu encontra-se em áreas rurais. Outro fator que contribui para a boa qualidade das águas da região são as unidades de conservação. Segundo o Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH) do CBH Rio das Velhas, sete estão inseridas parcialmente na Unidade Territorial Estratégica (UTE) Rio Taquaraçu.

Bianca Aun

O Rio Taquaraçu em toda a sua generosidade e graça é formado pelo encontro do Rio Vermelho com o Rio Preto, na divisa dos municípios de Nova União e Taquaraçu de Minas, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Cercado pelas belas paisagens das serras mineiras, a Bacia Hidrográfica do Rio Taquaraçu abriga inúmeras nascentes, cachoeiras, corredeiras, córregos e grande diversidade de flora e fauna. Suas riquezas naturais cativam os amantes da natureza. Além de Nova União e Taquaraçu de Minas, a bacia é composta pelos municípios de Jaboticatubas, Santa Luzia e Caeté. Nos limites de Jaboticatubas e Santa Luzia, as águas do Rio Taquaraçu correm para o Rio das Velhas na margem direita, que recebe de bom grado as águas de boa qualidade de seu afluente.

Rio Taquaraçu, formado do encontro do Rio Preto com o Rio Vermelho, entre Nova União e Taquaraçu de Minas

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Bianca Aun

Nova União, às margens do Rio Vermelho

Ainda de acordo com o PDRH, duas estações de amostragem de qualidade das águas operadas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) estão inseridas na sub-bacia, sendo uma no Rio Taquaraçu e outra em seu afluente, o Rio Vermelho. As águas dos rios nos trechos das estações estão enquadradas na Classe 1, que permite o consumo humano dos recursos hídricos após tratamento simplificado. Devido às características naturais e pelas suas boas águas, percebe-se o potencial turístico existente na região com as possibilidades de práticas de esportes radicais, ecoturismo e turismo histórico. Em tom de orgulho, Mariana Morales, coordenadora do Subcomitê Rio Taquaraçu, destaca as belezas naturais do território. “Mesmo inserida na RMBH, a região consegue manter as suas características rurais – ainda bem fortalecidas – pelo fato dos municípios terem pouca urbanização. O clima de interior é presente no território, as grandes extensões rurais nos colocam em uma situação de belezas naturais com várias cachoeiras, rios e corredeiras”. Porém, não são apenas de boas novas que se caracteriza o Rio Taquaraçu. Há de se lembrar que o território não possui políticas públicas que assegurem o saneamento básico da população que por lá reside. De acordo com as informações do PDRH, o território do Rio Taquaraçu não dispõe de qualquer tipo de tratamento de esgoto, sendo os dejetos lançados in natura nos corpos d’água, o que é um grande motivo de preocupação. Para melhorar esse cenário, o CBH Rio das Velhas, por meio do Subcomitê Rio Taquaraçu, financiou a realização dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) de Caeté, Nova União e Taquaraçu de Minas, em 2013, com os recursos oriundos pela Cobrança pelo Uso da Água. “Os municípios possuem sistema de coleta de esgoto, mas não há tratamento em sua totalidade. Em Nova União, existem duas Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) inoperantes, Taquaraçu de Minas não possui nem a estação e Caeté, no território

que compreende a sub-bacia, também não conta com ETE”, relatou Morales. Outros impactos na sub-bacia são relacionados às atividades de agropecuária desenvolvidas de forma inadequada e à supressão de matas ciliares para a ocupação em Áreas de Preservação Permanente (APP). Morales ressalta que a pecuária extensiva, o chacreamento irregular em áreas rurais e a supressão de Mata Atlântica, bioma dominante na região, dialogam diretamente com o carreamento de sedimentos para o curso d’água.

Uma boa ideia Apesar de se encontrar quase às margens do Rio das Velhas, a comunidade rural de Taquaraçu de Baixo, pertencente ao município de Santa Luzia, já sofreu muito com a falta de água. No entanto, há 25 anos os moradores da comunidade, por meio da Associação Comunitária de Moradores de Taquaraçu de Baixo, encontraram uma solução coletiva e de baixo custo para resolver o problema de abastecimento e de distribuição de água. Sem serviços públicos de saneamento básico, os moradores da comunidade não tinham água nas torneiras. Os adultos e crianças bebiam água do rio e as famílias cozinhavam com a água que era trazida em baldes. Taquaraçu de Baixo não podia mais esperar que o Estado resolvesse o déficit de acesso à água na comunidade rural. “A gente não tinha água para tomar banho e nem beber. Quando o rio estava sujo, remexido pelas águas da chuva, a gente ficava com nojo de tomar banho. E para cozinhar era preciso ferver e, às vezes, até mesmo coar a água”, comenta o presidente da Associação de Moradores de Taquaraçu de Baixo, Francisco do Carmo Torres Lima. Como a comunidade encontra-se distante dos centros urbanos, no lugar de partirem para um sistema centralizado de abastecimento, a visão foi descentralizar para tornar a gestão e sustentação comunitária possível. Os moradores colocaram a

mão na massa e mapearam as casas. Em seguida, perfuraram um poço artesiano que é totalmente legalizado perante o IGAM. E, com alguns quilômetros de encanamento hidráulico subterrâneo, que foi cavado em mutirões pelos moradores da comunidade, o problema foi resolvido. Cerca de 120 famílias, uma escola e um centro comunitário passaram a receber água potável por meio de um microssistema de gestão comunitária. A solução coletiva de abastecimento é de baixo custo, cada família paga R$ 15 mensais para a manutenção do sistema – energia e materiais de construção – que atende com eficiência à demanda local e que pode ser facilmente replicada em outros vilarejos. Durante esse processo de construção e aprendizado coletivo, criaram regulamentos de uso próprio. “Cada família pode utilizar 12 mil litros de água por mês. E a água só pode ser utilizada para consumo humano e irrigação de horta caseira”, explica Francisco. A partir de planejamento e planilhas transparentes discutidas em reuniões mensais o sistema de captação e distribuição de água tirou os moradores de Taquaraçu de Baixo de uma situação crítica. “Todos os moradores sabem exatamente para onde vai o dinheiro de contribuição pela água. Agora esperamos conseguir um empréstimo para poder construir um sistema de energia solar para diminuir o custo da captação e distribuição de água. Atualmente, gastamos somente com energia uma média de R$ 900 por mês”, acrescenta o presidente da Associação Comunitária de Taquaraçu de Baixo. O engajamento, a participação e o envolvimento dos moradores resolveu o problema de abastecimento da comunidade. “Com essa solução descomplicada resolvemos parte de um problema de complexidade gigantesca provando, mais uma vez, que soluções de grandes problemas residem na simplicidade do projeto. Estamos todos muito satisfeitos e não sofremos mais com a falta de água”, disse Francisco.

Unidades de Conservação As sete unidades de conservação inseridas parcialmente na UTE Rio Taquaraçu ocupam 16% da área de todo o território. Entre elas estão o Monumento Natural da Serra Piedade, que colabora para as águas do Rio Taquaraçu por meio do Rio Vermelho, e o Parque Nacional da Serra do Cipó, que contribui para as águas do Rio Preto, também afluente do Taquaraçu. Há, ainda, a Área de Proteção Ambiental (APA) Morro da Pedreira, que garante a proteção do Parque Nacional da Serra do Cipó e do conjunto paisagístico do Morro da Pedreira com a preservação de sítios arqueológicos, da cobertura vegetal, da fauna silvestre e dos mananciais. O Refúgio de Vida Silvestre Estadual Macaúbas é outra unidade de conservação importante, já que protege um expressivo remanescente florestal, margeando o Rio das Velhas. Para Morales, as Unidades de Conservação são formas que a comunidade do território do Rio Taquaraçu possuem para interagir com o meio ambiente. “Além dessas unidades, temos muitas belezas naturais como as cachoeiras e rios que conectam as pessoas. As áreas de conservação são abertas ao público”. 41


Localizado no município de Taquaraçu de Minas, o Viveiro Langsdorff é uma iniciativa do CBH Rio das Velhas, Subcomitê Rio Taquaraçu, da Agência Peixe Vivo e da ArcelorMittal Brasil, que tem o objetivo de produzir 90 mil mudas de espécies florestais nativas anuais a serem posteriormente utilizadas na recuperação de áreas degradadas, incluindo nascentes e matas ciliares, na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. São mais de 60 espécies da Mata Atlântica, todas adaptadas ao nosso clima, altitude e pluviosidade, já que derivam de sementes coletadas na região.

Fernando Piancastelli

Viveiro Langsdorff

Viveiro Langsdorf, localizado em Taquaraçu de Minas

Preservar para quê? de preservação, recuperação de áreas degradadas por erosões e trabalhos de educação ambiental e mobilização social da comunidade local. Outro projeto executado foi a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) dos municípios de Caeté, Nova União e Taquaraçu de Minas. Os planos têm como objetivo a universalização do serviço público de saneamento básico, com serviços e produtos de qualidade, que abrangem o abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, bem como drenagem e manejo das águas pluviais. O documento é a porta de en-

trada para que os municípios recebam recursos da União para a execução das obras. O projeto de elaboração de soluções para o esgotamento sanitário foi o último a ser finalizado e teve o objetivo de levantar estudos sobre projetos básicos de sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário e drenagem pluvial. Os projetos hidroambientais patrocinados pelo CBH Rio das Velhas são voltados para a recuperação, conservação de nascentes, curso de água e todo o ecossistema que alimenta e mantêm vivos os rios. As iniciativas são financiadas pelo recurso da Cobrança pelo Uso da Água.

Bianca Aun

Nos últimos anos, o território da sub-bacia do Rio Taquaraçu vem recebendo projetos hidroambientais e de saneamento básico em prol da conservação e manutenção dos seus cursos d’água, das nascentes e matas ciliares. Até hoje, foram concluídos quatro projetos na região. O primeiro consistiu na identificação de áreas degradadas e no cadastramento de proprietários rurais que aderiram ao projeto de recuperação de nascentes e matas ciliares. Na segunda etapa do projeto, foram realizados plantios de mudas de árvores nativas em áreas das nascentes e beiradas de córregos, cercamentos para proteção de áreas

Apesar dos esgotos que ainda caem no rio, provenientes das cidades de Taquaraçu de Minas e Nova União, o Rio Taquaraçu é muito usado pela população para banho, pelas tradicionais lavadeiras e por praticantes de canoagem

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Léo Boi

“Mesmo inserida na RMBH, a região consegue manter as suas características rurais – ainda bem fortalecidas – pelo fato dos municípios terem pouca urbanização. O clima de interior é presente no território, as grandes extensões rurais nos colocam em uma situação de belezas naturais com várias cachoeiras, rios e corredeiras.” Mariana Morales Subcomitê Rio Taquaraçú

O rio Taquaraçu mantém suas matas ciliares relativamente preservadas

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Teatro São Francisco

História do Teatro Rural São Francisco tem início em um curral na década de 1950.

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Retrato de Raimundo Nonato da Costa, fundador do teatro

Fernando Piancastelli

que garante boa visibilidade para a plateia. Na década de 1990, o Teatro São Francisco foi devastado por uma enchente de grandes proporções, ficando desativado por um longo período. No ano de 2007, a Prefeitura Municipal de Santa Luzia promoveu a restauração da edificação, procurando manter suas características originais. As portas do teatro foram reabertas com um novo espetáculo. Segundo pesquisas históricas, o teatro de Taquaraçu de Baixo é um dos únicos exemplares do mundo que apresenta características rurais. Por meio do Decreto nº 2.131/2008, o Teatro São Francisco foi tombado em nível municipal, passando a integrar oficialmente o patrimônio cultural da cidade de Santa Luzia. A comunidade de Taquaraçu de Baixo mantém seu ambiente rural, com diversas áreas de fazendas e agricultores familiares. No entanto, o que mais chama atenção é o fato da comunidade fazer teatro no meio do mato há cerca de 80 anos. São quatro gerações de atores, escritores, artistas que vêm sustentando essa história de amor com o teatro. Atualmente, a comunidade conta com aproximadamente 120 famílias.

Fernando Piancastelli

Localizado a 25 km do centro de Santa Luzia, o distrito de Taquaraçu de Baixo guarda um tesouro: o Teatro Rural São Francisco, cuja trajetória inicia-se em um curral na década de 1950. Em julho de 1954, o jovem Raimundo Nonato da Costa deixava o seminário na capital Belo Horizonte e voltava a viver na região de Santa Luzia. Neste mesmo ano, Raimundo foi convidado para lecionar aulas de música em Taquaraçu de Baixo, com o objetivo de formar uma banda na localidade. Porém, Du, como era chamado o seminarista Raimundo, decidiu montar uma peça de teatro a ser encenada pela própria comunidade. A peça recebeu o nome de “Mundo Velho sem Quintino” e estreou em 28 de agosto de 1954. O local utilizado para a apresentação do espetáculo teatral foi bastante inusitado: o curral de uma fazenda. Essa iniciativa lançou a semente que levaria à edificação do Teatro Rural São Francisco na comunidade. Construído na proximidade de onde os Rios Taquaraçu e das Velhas se encontram, a edificação simples e rústica comporta cerca de 150 pessoas. Possui bancos de madeira e uma leve inclinação


Bianca Aun

Saiba mais sobre a Bacia através de vídeo e cartilha do plano diretor: www.cbhvelhas.org.br/riotaquaracu ou com seu celular escaneie o QR CODE ao lado

Subcomitê Rio Taquaraçu

Bianca Aun

Informação cartográfica: Izabel Nogueira

O Subcomitê Rio Taquaraçu foi instituído em 25 de agosto de 2008 e tem o objetivo de tornar o CBH Rio das Velhas mais próximo e atuante na Unidade Territorial Estratégica (UTE) do Rio Taquaraçu. Assim, de forma coletiva e participativa, o Subcomitê discute maneiras de compatibilizar o equilíbrio ecológico com o desenvolvimento econômico e socioambiental do território. Para a coordenadora do colegiado, Mariana Morales, a importância do Subcomitê é de conseguir aprovar projetos de recuperação e conservação e de manejo ambiental para o território do Taquaraçu. “A agenda ambiental sempre fica atrás das outras municipais, como a saúde e a educação, por exemplo. Então, o Subcomitê com essa característica tripartite consegue viabilizar os projetos ambientais por meio do Comitê e em parceria com os municípios, através de recursos que não são municipais”, destacou. A coordenadora também leva em conta as ações de educação e mobilização exercidas pelo Subcomitê. “Levamos não somente ações executivas, mas também fomentamos e difundimos atividades ambientais como a educação ambiental em escolas, a mobilização de proprietários rurais, levando conhecimentos sobre a importância das APPs e de formas de conservação da água. Então, o Subcomitê tem uma função muito forte enquanto fomentador, articulador, propositor e captador de recursos para projetos ambientais”.

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Fernando Piancastelli

G E S TÃ O D E RESÍDUOS

Mais água de qualidade e menos lixo Saiba quais os principais impactos que o descarte inadequado dos resíduos sólidos podem ocasionar na qualidade da água Texto: Luiza Baggio A água é o principal recurso do planeta. Preservá-la significa garantir a manutenção da vida. No entanto, grande parte dos reservatórios hídricos superficiais já foi alterada pela atividade humana. O nosso nível de degradação já está tão alto que até os nossos reservatórios subterrâneos estão com a qualidade da água comprometida. Boa parte desses problemas tem sido desencadeada pela má gestão dos resíduos sólidos, ou lixo – conceito popularmente conhecido. Quando não há uma preocupação com o gerenciamento dos resíduos é preciso ter uma atenção maior no tratamento das águas de abastecimento público. A questão do lixo corresponde diretamente ao modelo de desenvolvimento dominante no país. É este modelo que pode incentivar o consumo desenfreado. Se esse incentivo ocorrer sem uma adequada gestão dos resíduos, diversos impactos no meio ambiente podem ser gerados. De acordo com o Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH) do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), a principal causa da poluição das águas da bacia são os efluentes urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), seguida pelos efluentes das mineradoras e demais indústrias. Paralelamente, há o problema dos resíduos sólidos urbanos e industriais, e a forma inadequada do destino final 46

aliada à ineficiência da coleta colocam em risco a saúde pública e tornam possível a contaminação de cursos d’água e/ou do lençol subterrâneo. O ciclo do lixo não começa no descarte. Especialistas apontam que ele é muito mais extenso do que se imagina. É preciso pensar desde a fase do consumo, quando se escolhe um produto, tendo em vista suas possibilidades de reciclagem. “Para usar um exemplo simples, quando você compra um sapato. Atualmente, andamos cada vez menos a pé e gastamos menos os sapatos, o que os fazem durar cada vez mais. Além disso, precisamos apenas de um par de sapatos para cumprir nossa necessidade básica de andar calçado. No entanto, quantos pares de sapatos você possui?”, questiona o professor do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raphael Tobias de Vasconcelos Barros. Para ele, o ideal é iniciar o ciclo do lixo antes mesmo da compra do produto. “A gestão de resíduos preconiza uma hierarquia que tem como primeira ideia a de não produzir o resíduo sólido. Se isso não for possível, que ao menos se diminua a produção. Depois disso, você pega o resíduo produzido e parte para a reciclagem. O passo seguinte é tratar o resíduo restante para que não agrida a natureza. E só então, quando não dá pra fazer mais nada com o restante deste rejeito, é que você parte

para o modo sanitário, enterrando ou aterrando de forma controlada”, explica. A equação é muito simples. O ideal, segundo Raphael Barros, é que esse lixo se transforme 100% em recurso e 0% em rejeito. Mas como alcançar o ideal diante da parcela inexpressiva de lixo que é reciclado atualmente? A saída é transformar a reciclagem em hábito e o lixo em possibilidades. Além disso, Raphael Barros diz que o poder público também deve agir como transformador e criar meios de induzir a população a adotar a sustentabilidade como preceito básico. “Nós cidadãos precisamos ser mais altruístas. A gente precisa de uma motivação qualquer para fazer as coisas e quem deveria dar essa motivação é o poder público, já que ele foi constituído para zelar pelo bem comum. Não eximindo a responsabilidade individual. Cada um pode ter a sua própria atitude de respeito, iniciativa, colaboração e solicitude ao meio ambiente, porque isso é bom pra todo mundo”, disse. O incentivo pode vir em forma de intensivas campanhas de reciclagem, como acontece no Japão, país que já atingiu o ápice de 80% de lixo reciclado, ou mesmo dando descontos a quem recicla, como acontece em Barretos (SP) desde 2010, quando a prefeitura passou a abater parcialmente o IPTU dos moradores que adotam a coleta seletiva.


Fernando Piancastelli

Para o biólogo com doutorado em Limnologia e professor visitante da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), Ricardo Motta Pinto Coelho, uma gestão dos resíduos sólidos eficiente é de suma importância para que tenhamos água em quantidade e qualidade. “Vem ocorrendo um aumento na produção de resíduos sólidos, tanto em quantidade como em diversidade, principalmente nos grandes centros urbanos. Além do acréscimo na quantidade, os resíduos produzidos atualmente passaram a abrigar em sua composição elementos sintéticos e perigosos aos ecossistemas e à saúde humana, em virtude das novas tecnologias incorporadas ao cotidiano. Boa parte dos resíduos produzidos atualmente não possui destinação sanitária e ambientalmente adequada. Embora tenha havido progresso nos últimos 20 anos, os resíduos ainda são depositados em vazadouros a céu aberto, os chamados lixões, em mais da metade dos municípios brasileiros”, comenta. Além disso, Ricardo Coelho explica que a complexa estrutura institucional sobre a qual se fundamenta a gestão dos recursos hídricos no país não está subordinada a um planejamento estratégico único e integrado, que é a característica essencial da governança das águas. “Na realidade, a gestão dos recursos hídricos tem sido caracterizada por uma grande “pulverização” de ações em diversos ministérios, muito corporativismo, pouco enfoque real na bacia hidrográfica em detrimento dos municípios, ausência de políticas de estado em favor de políticas de governo que estão mudando a cada novo ciclo eleitoral”, comentou. Ricardo Coelho finalizou dizendo que o manejo adequado dos resíduos é uma importante estratégia de preservação do meio ambiente, assim como de promoção e proteção da saúde. “Uma vez acondicionados em aterros, os resíduos sólidos podem comprometer a qualidade do solo, da água e do ar, por serem fontes de compostos orgânicos voláteis, pesticidas, solventes e metais pesados, entre outros. A decomposição da matéria orgânica presente no lixo resulta na formação de um líquido de cor escura, o chorume, que pode contaminar o solo e as águas superficiais ou subterrâneas pela contaminação do lençol freático. Os locais de armazenamento e de disposição final tornam-se ambientes propícios para a proliferação de vetores e de outros agentes transmissores de doenças. Pode haver também a emissão de partículas e outros poluentes atmosféricos, diretamente pela queima de lixo ao ar livre ou pela incineração de dejetos sem o uso de equipamentos de controle adequados. De modo geral, os impactos dessa degradação estendem-se para além das áreas de disposição final dos resíduos, afetando toda a população”, afirmou. Saber dar destinação adequada aos resíduos é dever de todos! Os especialistas dizem que as pessoas devem tomar a iniciativa de destiná-los corretamente, evitando, a todo custo, sua disposição final inadequada. É preciso contribuir com a coleta seletiva a partir da própria residência, envolvendo toda a família na separação dos resíduos. Essa separação poderá ocorrer entre os recicláveis dos não recicláveis ou entre os orgânicos (úmidos) dos inorgânicos (secos). Quando isso acontece, toda a população é beneficiada com a contribuição para a diminuição dos resíduos que são coletados diariamente nas cidades.

Equipe da Unicicla no galpão de triagem da entidade, em Nova união.

Jequitibá e Nova União implementam a coleta seletiva Coleta seletiva é o termo utilizado para o recolhimento dos materiais que são possíveis de serem reciclados, previamente separados na fonte geradora. Entre estes materiais recicláveis estão os diversos tipos de papéis, plásticos, metais e vidros. A separação do lixo evita a contaminação dos materiais reaproveitáveis, aumentando o valor agregado destes e diminuindo os custos de reciclagem. Pensando nisso, a prefeitura de Jequitibá, no Médio Alto Rio das Velhas, lançou em outubro de 2018 seu Programa de Coleta Seletiva em parceria com a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Baldim (Comarb). Segundo a coordenadora-geral do Subcomitê Ribeirão Jequitibá e secretária municipal de Meio Ambiente, Poliana Valgas, Jequitibá produz aproximadamente 500 toneladas de lixo por ano. Ela acredita que inicialmente 30% desse total possa ser reciclado. “Nosso objetivo é diminuir os resíduos que vão para o aterro sanitário, que atualmente fica em Sabará, a 200 Km de Jequitibá. Pagamos a logística e o enterro desse lixo. Com a reciclagem, teremos ganho financeiro com a redução de custos, ambiental com o reaproveitamento de parte do lixo e social com a geração de emprego e renda por meio da parceria feita junto à Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Baldim”, afirma a secretária. Para colaborar, basta cada um fazer a sua parte e separar o lixo seco do lixo úmido, descartando nos dias certos de coleta. “Esses resíduos, que muitas vezes são vistos como lixo, têm valor para muitas pessoas que trabalham com esses materiais. A partir do momento em que eu começo a reciclar, é menos recurso natural sendo usado para produzir outros materiais”, conclui Poliana Valgas. Já no município de Nova União, há três anos, a Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Nova União (Unicicla), além de gerar trabalho e renda para os catadores da cidade, colabora para a preservação da Bacia Hidrográfica do Rio Taquaraçu, na região do Médio Alto Rio das Velhas. Entidade integrante do Subcomitê Rio Taquaraçu, vinculada ao CBH Rio das Velhas, a associação destina os resíduos da coleta seletiva do município de Nova União às indústrias de reciclagem. Representante da entidade no Subcomitê Rio Taquaraçu, o diretor da Unicicla, Anderson Viana, destacou a importância da coleta seletiva no território. “Geramos renda para o município, criamos oportunidades de trabalho e diminuímos o lixo no aterro sanitário. Acreditamos que ao fazer a coleta seletiva damos o destino correto aos resíduos sólidos e ajudamos na preservação do meio ambiente. A Unicicla recolhe uma média de 9 a 12 toneladas de resíduos por mês e tudo é destinado à reciclagem”, afirmou. Em meio a esse contexto, ele falou da importância do diálogo constante entre a Unicicla e o Subcomitê Rio Taquaraçu e CBH Rio das Velhas. “Sou membro suplente do Subcomitê desde 2016, época que criamos a associação. Tenho conversado muito com o presidente do CBH Rio das Velhas [Marcus Vinícius Polignano] sobre a temática da coleta seletiva. O Comitê já está sensibilizado sobre o tema e espero que consigamos mostrar como a coleta seletiva contribui para a melhora da qualidade da água dos cursos d’água”, disse.

O que diz a Lei A lei sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de agosto de 2010, preconiza a “não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”, o “estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços” e, ainda, a prioridade nas aquisições e nas contratações governamentais para produtos reciclados e recicláveis. Em Belo Horizonte, o índice ideal de coleta seletiva ainda está longe de ser alcançado. Para os cerca de 2,5 milhões de habitantes, a gestão municipal disponibiliza apenas 85 contêineres de coleta seletiva pela cidade. Já a coleta seletiva porta a porta, serviço também disponibilizado pela prefeitura, só chega a 34 dos quase 500 bairros da cidade. Como instrumento para fazer valer a norma, foi determinada ainda a criação regionalizada de planos de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos. O da capital mineira ainda não foi finalizado e deve ser objeto de um estudo que irá levar pelo menos 20 anos, segundo o órgão responsável. 47


Ohana Padilha

E N T R E V I S TA

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Em tempos de tragédia na bacia do Paraopeba e ameaças à bacia do Velhas, promotor Dr. Francisco Generoso trabalha para que a Grande BH não vivencie um colapso hídrico.


Em favor do bem comum Coordenador das Promotorias do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, Dr. Francisco Chaves Generoso revela as ações tomadas a favor da segurança das barragens e contra um colapso hídrico na Região Metropolitana Texto: Luiz Ribeiro

Especialmente depois do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, o Promotor de Justiça e coordenador regional das Promotorias do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, Dr. Francisco Chaves Generoso, tem cumprido papel fundamental em fazer com que empreendimentos minerários cumpram medidas que garantam a estabilidade de suas barragens, principalmente aquelas próximas de mananciais de abastecimento público. O objetivo maior é garantir a segurança hídrica de toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Sua relação institucional com os Comitês de Bacias Hidrográficas é de troca. “O Ministério Público defende a regularidade do funcionamento e o fortalecimento dos Comitês, e os Comitês devolvem ao Ministério Público informações, dados e subsídios que permitem a nossa atuação em defesa do território”, conta. Quando, ao final de 2018, a dívida do estado de Minas Gerais com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) chegava a mais de R$ 20 milhões, asfixiando a entidade e colocando em risco a continuidade de diversas ações de recuperação e revitalização da bacia, foi ele o responsável por costurar o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) que determinou o pagamento integral dos recursos da Cobrança pelo Uso da Água então contingenciados. “Nos interessa não só o passivo, mas que isso realmente se torne uma prática estatal adequada, ou seja: que os repasses ocorram regularmente. Porque a gente sabe que sem esses repasses o sistema de proteção dos recursos hídricos fica realmente comprometido”. Nesta edição da Revista Rio das Velhas, Generoso revela também o que está sendo feito para garantir maior segurança às pessoas e ao ambiente na bacia, o papel do Executivo nas ações de fiscalização de barragens e quais outras atividades e práticas ameaçam o território.

Menos de 10 dias depois do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em reunião com representantes dos Fóruns Nacional e Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, o senhor firmou compromisso garantindo a efetiva integração do CBH Rio Paraopeba nos processos de decisão relacionados à reparação da bacia. Como está sendo essa questão? Desde o primeiro momento, o Ministério Público entendeu a importância do envolvimento do CBH Rio Paraopeba nessa discussão a respeito da reparação, por razões óbvias. Ele é integrado por pessoas que conhecem de fato a realidade da bacia e que têm condições de contribuir nesse processo de reparação. A partir disso, nós fomos até uma reunião do CBH Paraopeba, explicitamos ali junto aos membros quais seriam e quais foram as medidas que estavam sendo adotadas, quais seriam as perspectivas de novas medidas, reforçamos esse compromisso no sentido de garantir a efetiva participação e tudo isso foi feito a partir do envolvimento e da presença do Comitê nas audiências que estão sendo realizadas na 6ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da comarca de Belo Horizonte, que é o juízo onde tramita a ação principal socioambiental, cujo objetivo justamente é a reparação integral dos danos causados. Então, a partir dessa participação do Comitê nessas audiências e de uma constante interlocução que vem sendo estabelecida entre os representantes do Comitê e a equipe técnica do MP, está havendo realmente um compartilhamento de dados e informações, que tem se mostrado muito profícuo para que a atuação do MP esteja melhor subsidiada e melhor amparada, inclusive do ponto de vista técnico. Com absoluta certeza, o Ministério Público, por meio de todas essas frentes de atuação, tanto técnicas, quanto jurídicas, vai continuar ouvindo o Comitê, levando essas demandas e sempre considerando na sua atuação as reivindicações, os posicionamentos e as observações do Comitê de Bacia.

Especialmente depois do rompimento da barragem de Córrego do Feijão e do comprometimento da captação de água da Copasa no Rio Paraopeba, a atenção com o Rio das Velhas, em função da ameaça à segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), aumentou muito. Nesse contexto, o que está sendo articulado e exigido em relação às barragens de rejeito que se encontram na região do Alto Rio das Velhas (a montante do Sistema Rio das Velhas - Bela Fama, onde 70% da água da RMBH é captada), várias delas sem garantia de estabilidade? O Ministério Público ajuizou diversas ações civis públicas contemplando essas barragens de rejeito que não tinham estabilidade garantida, sem prejuízo de outras ações que também já tinham sido ajuizadas pelo MP, antes mesmo de Brumadinho. Eu citaria, por exemplo, Fernandinho [da Minérios Nacional, grupo CSN, em Rio Acima], e Maravilhas III [da Vale, em Nova Lima] – essa última com o objetivo de impedir a construção da barragem em vista das ameaças que uma estrutura dessa podem ocasionar à Bacia do Rio das Velhas. Mais recentemente em relação a essas estruturas da Vale que não tiveram estabilidade garantida, como Maravilhas II, B3/B4, Capitão do Mato e Forquilhas I, II e III, por exemplo, ou mesmo para aquelas sobre as quais pairavam alguma dúvida, o MP ajuizou diversas ações civis públicas objetivando, em síntese, que fossem adotadas todas as medidas necessárias para garantir a estabilidade dessas estruturas. Além disso, que fossem contratadas auditorias externas independentes, que pudessem fornecer, não somente ao MP, como aos demais aos órgãos de Estado competentes, todas as informações praticamente em tempo real a respeito da situação dessas estruturas. Além dessas medidas adotadas na própria estrutura, também foram requeridas medidas no sentido de preparar a população, tanto na Zona de Autos49


Em relação às novas barragens de rejeito que estão sendo construídas nesse território, como é o caso de Maravilhas III, da Vale, que você mesmo citou (cujo início das obras se deu antes da aprovação da lei ‘Mar de lama nunca mais’, que tornou mais rígida a regulamentação e fiscalização de barragens no estado), qual é a situação dessas estruturas? Há algo sendo feito para garantir maior segurança a elas? Especificamente em relação a Maravilhas III, o que o Ministério Público postulou, desde 2017, foi que a estrutura não fosse construída, até que fosse demonstrado nos autos que não há alternativa técnica disponível (que inclusive hoje é um mandamento da própria lei ‘Mar de lama nunca mais’. Ou seja, com a lei, chancelou-se aquilo que o MP já pedia nessa ação, que é: quando houver melhor alternativa técnica disponível, não deve haver barragem de rejeito), que fosse demonstrada alternativa locacional disponível, que fosse demonstrado que não houvesse comunidades na zona de autossalvamento, mananciais de abastecimento público a jusante da barragem etc. Nesse caso específico, o que o MP pretendeu era efetivamente que os órgãos competentes, inclusive o órgão licenciador, aprofundassem os estudos de forma a superar todas essas indagações, que no nosso ponto de vista ainda não foram respondidas pelos órgãos competentes e pela empresa. Nós obtivemos uma liminar, que depois foi revista pelo Desde 2017, posicionamento do MP é contrário à construção da barragem de Maravilhas III, da Vale, em Nova Lima.

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Poder Judiciário, e recorremos desta revisão com o objetivo de resgatar essa liminar que foi concedida. Esse recurso está pendente de julgamento. Então, o que o MP tem como premissa em relação a essas novas estruturas é o efetivo cumprimento dessa premissa legal, e que a gente já invocava anteriormente com base na Constituição Federal, no sentido de que só exista barragem naqueles casos em que não houver melhor ou outra possibilidade de alternativa disponível para disposição de rejeito. Sem também que se esvazie o discurso – que a gente considera muito perigoso – em relação às barragens de rejeito alteadas a montante. Para se ter uma ideia, no século XX, dos 221 eventos ocorridos com grandes barragens de rejeito no mundo, 89 eram com barragens alteadas a montante. Os outros todos eram com barragens alteadas a jusante, linha de centro ou método de alteamento indefinido. Portanto, é preciso que essas discussões não se deem somente em relação a barragens alteadas a montante, mas em relação a barragens de rejeito de maneira geral e novas alternativas, como a seco por exemplo. Enfim, alternativas que não coloquem em risco as populações e o meio ambiente. Mesmo após os rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, a própria FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente), responsável por verificar se as mineradoras estão implementando as recomendações previstas em auditoria para garantir a segurança das barragens, reconhece que dispõe de poucos profissionais e instrumentos obsoletos. Há algo sendo feito para garantir que o Estado exerça o mínimo de controle dessas estruturas? A primeira coisa que nós temos que já rechaçar é um posicionamento do estado de Minas Gerais no sentido de que ele não teria atribuição ou competência para fiscalizar estabilidade de barragem de

rejeito, e que isso seria atribuição somente da ANM (Agência Nacional de Mineração). Nós do Ministério Público discordamos dessa tese por alguns motivos. Primeiro porque a Lei Complementar 140 [que fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição e à preservação das florestas, da fauna e da flora] impõe prioritariamente ao órgão que licencia o empreendimento o dever de fiscalizá-lo. Então, se é o Estado que licencia em regra as barragens de rejeito ele tem o dever de fiscalizar. Em segundo lugar, o Estado instituiu no seu território um tributo, a TFRM (Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários), que tem como fato gerador justamente o exercício do poder de polícia sobre as atividades de lavra de minério. Então, como esse mesmo estado de Minas Gerais diz que ele não tem competência para fiscalizar estabilidade de barragem? A primeira coisa que tem que ser superada é essa ideia. É preciso que o estado de Minas Gerais assuma o protagonismo ao lado da ANM e efetivamente fiscalize. Recursos tem, porque ele tributa. Para isso, o Ministério Público inclusive já ajuizou no passado uma Ação Civil Pública com o objetivo de provocar uma adequada aplicação desse recurso, porque é um tributo vinculado, cuja arrecadação está destinada para um fim específico. O MP foi ao Poder Judiciário com o objetivo de obrigar o Estado a aplicar esse recurso nas atividades de fiscalização. O Estado precisa realmente se reinventar e se operacionalizar para isso. Porque hoje nós temos o verdadeiro câncer do sistema que é o automonitoramento. Você delega para o empreendedor a possibilidade de se autofiscalizar e ele encaminha para o Estado apenas os dados e informações consolidados por ele. O Estado resume a sua atuação Léo Boi

salvamento - ZAS, quanto na Zona de Segurança Secundária - ZSS, para um eventual rompimento. Então, para isso, o MP pediu a realização de simulados, a melhoria - quando houvesse - ou a implantação de sinalização, medidas de resgaste do patrimônio cultural, medidas em relação à fauna, enfim, uma série de medidas que foram adotadas com o objetivo de neutralizar todo e qualquer risco à população e ao meio ambiente.


Na Bacia do Rio das Velhas, quais outras atividades e práticas preocupam e têm a atenção desta Promotoria de Justiça do Meio Ambiente? Na bacia do Velhas, a gente percebe, além da pressão dos empreendimentos minerários, uma pressão por expansão imobiliária. Nós temos cidades e comarcas, como Nova Lima e Itabirito, onde essa questão da expansão imobiliária é tão preocupante quanto a questão minerária. E aí o MP atua sempre com uma lógica: a de prevenir, de impedir o dano. Nas hipóteses em que essa prevenção não for possível, entra a reparação integral, com a recuperação in natura e a compensação dos danos ambientais. Uma coisa que toma também uma boa parte do tempo da nossa atuação são as questões que dizem respeito às Unidades de Conservação (UCs) do Quadrilátero Ferrífero. O MP está vigilante em relação a qualquer tipo de ameaça às UCs, seja em relação aos empreendimentos privados, seja em relação às eventuais iniciativas no sentido de reduzir proteção. A Constituição Federal é muito clara: as alterações ou supressões nos limites da UCs somente podem ocorrer por meio de lei, sendo vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam a proteção da unidade. Se uma unidade é criada para uma determinada finalidade, qualquer atividade que coloque em risco esses atributos é vedada pela Constituição. Então, o MP está vigilante no sentido de garantir que os atributos que justificaram a criação dessas UCs sejam de fato protegidos. Podemos concluir então que em relação às unidades de conservação que sofrem ameaças de determinados empreendimentos, como a Estação Ecológica Estadual de Arêdes e o Monumento Natural Estadual Serra da Moeda, por exemplo, o Ministério Público... Vai atuar para poder resguardá-las. Muitas dessas são UCs que guardam incompatibilidade com atividades minerárias. Algumas são unidades que têm visitação pública limitada. Se tem isso, toda e qualquer tipo de intervenção de atividade econômica impactante é terminantemente proibida. Então, o MP vai atuar para garantir que a Constituição Federal seja observada nesse ponto. Isso está no nosso radar e é objetivo e prioridade da nossa atuação. Ao final de 2018, o senhor mediou um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) com o governo do estado que determinou o pagamento da dívida com o CBH Rio das Velhas em relação aos recursos da Cobrança pelo Uso da Água que vinham sendo contingenciados. Contudo, esse contingenciamento se mostra como uma prática usual por parte do Estado

Logo após tragédia em Brumadinho, Generoso se reuniu com representantes dos Comitês de Bacias Hidrográficas envolvidos: Anivaldo Miranda (CBH São Francisco), Winston Caetano (CBH Paraopeba), Marcus Vinícius Polignano (CBH Rio das Velhas) e Hideraldo Buch (Fórum Nacional de Comitês)

Michelle Parron

a chancelar esses dados. Essa lógica realmente precisa mudar. O Estado precisa de fato exercer o seu poder de polícia e superar essa deficiência estrutural. É claro que a superação dessa deficiência, diante também das mazelas financeiras vivenciadas pelo poder público, passa necessariamente pela contribuição dos empreendedores. É preciso que se constitua um fundo, ou que esses recursos oriundos da TFRM sejam efetivamente aplicados em fiscalização.

(outros Comitês vivenciam isso e o próprio CBH Rio das Velhas já vê uma nova dívida surgir). Há algo sendo feito para que isso não ocorra mais em definitivo? O Ministério Público vem atuando, seja por meio do ajuizamento de ações civis públicas, seja por meio da assinatura de acordos e termos de compromisso com o Estado, para que ocorra o efetivo descontingenciamento desse recurso, que é carimbado. Esse recurso não pode entrar no caixa único do Estado, ele tem destinação correta. Nós no MP somos organizados em coordenadorias regionais na defesa do meio ambiente. São nove coordenadorias regionais que cuidam de bacias hidrográficas. Cada colega, dentro da sua realidade, dentro da dívida que eventualmente seja verificada, adota a proposta de um acordo junto ao Estado – nesse caso do Velhas felizmente nós conseguimos resolver esse passivo de maneira consensual com o Estado. Mas, nos casos em que isso não é possível, não resta alternativa ao MP senão o ajuizamento. Nós agora estamos provocando o CBH [Rio das Velhas] para que ele informe se há a regularidade dos repasses ou se realmente existe alguma deficiência, porque se tiver nós vamos ter que adotar outras providências. A nós interessa não só o passivo, mas que isso realmente se torne uma prática estatal adequada, ou seja, que os repasses ocorram regularmente. Porque a gente sabe que sem esses repasses o sistema de proteção dos recursos hídricos fica realmente comprometido, seja sob o ponto de vista da existência dos Comitês, o 7,5% [percentual destinado ao custeio das entidades], seja sob o ponto de vista dos projetos, que são a atividade fim dos comitês, os 92,5%. Já há algum tempo, a gente observa do trabalho do senhor uma série de medidas e decisões que legitima a atuação dos Comitês de Bacias Hidrográficas na gestão dos recursos hídricos

– seja colocando-os no centro das discussões de assuntos que os envolvem ou determinando medidas que os fortalecem. Como o senhor vê o trabalho dos CBHs, como entes de Estado que são, e o papel que exercem na gestão das águas daquele território? A primeira coisa que temos que ponderar é que a gestão dos recursos hídricos num determinado território resta absolutamente comprometida e inviabilizada se você não tiver um Comitê de Bacia Hidrográfica forte, atuante e imparcial. O papel exercido pelos Comitês nesse território é fundamental; sem eles essa gestão fica absolutamente comprometida. Eu, enquanto coordenador regional das Promotorias do Velhas e Paraopeba, não tenho a menor condição de trabalhar e tentar devolver à sociedade um trabalho profícuo, um serviço público de qualidade, se eu não tiver subsídio dos Comitês para atuar. São eles que estão na ponta, que conhecem a realidade das bacias, tanto sob o ponto de vista das ameaças, das crises, mas também das oportunidades. São os Comitês que demandam, por exemplo, a criação de zonas de restrição, das próprias unidades de conservação, que trazem ao MP informações a respeito de atributos que merecem ser preservados num determinado território. É uma relação institucional de troca. O MP defende a regularidade do funcionamento e o fortalecimento dos Comitês, e os Comitês devolvem ao MP informações, dados e subsídios que permitem a nossa atuação em defesa do território. Para minha atividade específica e para a sociedade como um todo, esse fortalecimento dos Comitês é fundamental. Só há gestão adequada de recursos hídricos a partir do fortalecimento dos Comitês, inclusive em observância aos princípios da participação e informação, que estão previstos na Constituição Federal e na Política Nacional de Recursos Hídricos. O Comitê é uma forma de instrumentalizar o princípio da participação popular na preservação dos recursos hídricos. 51


Para que não se repita

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Luiz Maia

S U G E S TÃ O D E L E I T U R A


Livro ‘Mar de Lama da Samarco na Bacia do Rio Doce: em busca de respostas’ é resultado de colaboração entre Observatório de Saúde do Trabalhador e Projeto Manuelzão Texto: Luiz Ribeiro

Tendo como organizadores personagens historicamente ligados à defesa do Rio das Velhas, o livro ‘Mar de Lama da Samarco na Bacia do Rio Doce: em busca de respostas’ (Instituto Guaicuy, 2019) analisa os desastres ambientais e humanos decorrentes do rompimento das barragens de mineração em Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019. Um dos principais objetivos do livro é fazer um registro histórico da tragédia provocada pela mineradora Samarco e de como isso se repetiu, pouco mais de três anos depois, em Brumadinho, pela Vale. “Com uma abordagem transdisciplinar e transetorial, o livro mostra os vários olhares sobre o mesmo problema, desde os atingidos, aquela população que sofre os impactos diretos, até a academia e setores como o Ministério Público. Ali está uma série de atitudes que deveriam ter sido tomadas, e que não foram, e que precisam ainda ser implementadas como política da Mineração”, revela José de Castro Procópio, presidente do Instituto Guaicuy, conselheiro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) e um dos organizadores da obra. Além dele, Marcus Vinícius Polignano (coordenador do Projeto Manuelzão e presidente do Comitê), Eugênio Marcos Andrade Goulart (professor da Faculdade de Medicina da UFMG e pesquisador do Rio das Velhas) e Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro (professor da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenador do Observatório de Saúde do Trabalhador - OSAT) organizam o trabalho de um total de 33 autores. Nos 19 capítulos da obra são abordados temas como a estruturação do setor mineral no Brasil, o conceito de acidente de trabalho, os danos ambientais sistêmicos, os danos e os impactos à saúde dos trabalhadores e das populações atingidas pela lama e pela tragédia, a questão da saúde mental, as lutas dos atingidos, as ações e contradições do andamento do processo judiciário, além de uma etnografia fotográfica que documenta o desastre.

O contexto em que foi produzida e publicada a obra assusta e chama a atenção. “Coincidentemente, o livro foi editado no momento logo após o acontecimento de Brumadinho, que é, na realidade, uma consequência do que já tinha sido visto lá em Mariana. Se houvesse um mínimo de cuidado, um mínimo de ações necessárias, se a lei Mar de Lama Nunca Mais [PL 3.676/16, que torna mais rígida a regulamentação e fiscalização de barragens no estado] tivesse sido aprovada como

foi proposta desde o início, [a tragédia de] Brumadinho talvez tivesse sido evitada”, conclui Procópio.

Leia o livro na íntegra. Acesse www.bit.ly/livro-mar-de-lama ou com seu celular escaneie o QR CODE ao lado

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JUNTOS PELO RIO

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