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Após muitos anos enfrentando a falta d’água, o povo Kariri-Xocó celebrou a inauguração do novo sistema de abastecimento da comunidade, composto por uma unidade de captação, redes adutoras, além de estação de tratamento e reservatório. Com custo de quase nove milhões de reais, a obra, capitaneada pelo CBHSF, vai beneficiar 4.200 indígenas
Foi um dia especial, celebrado com a cerimônia do Toré, a tradicional ciranda do povo Kariri-Xocó. Em 31 de março, a comunidade indígena, plantada à beira do Velho Chico, no município de Porto Real do Colégio, em Alagoas, recebeu do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) uma obra há muito aguardada: “Este é um momento histórico para a nossa comunidade e eu agradeço ao Comitê por tornar este sonho possível”, discursou o conselheiro tribal José Eudes Militão. Segundo o cacique José Cícero, a luta pelo acesso à água vinha de muito longe e a conquista de um sistema de abastecimento significava uma grande vitória: “Agora estamos com o sistema aqui e todos poderão ter acesso. O Comitê está de parabéns. Somos muito gratos pela execução do projeto”. Já Naldinho, uma das lideranças comunitárias presentes na festa, destacou: “Um olhar sensível, que ajudará a melhorar a qualidade de vida e a saúde de todos”.
Com investimento de quase nove milhões de reais, o novo sistema de abastecimento vai beneficiar cerca de 4.200 indígenas. A obra abrange uma unidade de captação, redes adutoras, além de estação de tratamento e reservatórios. De acordo com Maciel Oliveira, presidente do CBHSF, ainda em 2017 o Comitê realizou o diagnóstico do problema enfrentado na comunidade. “A estação de tratamento de água que abastecia a comunidade não apresentava isolamento adequado, o que permitia a contaminação da água por diversos fatores patógenos”, explicou Maciel: “Ademais, a baixa vazão do Rio São Francisco naquele período acarretou novas dificuldades para a captação de água que, até então, era feita em uma área de baixa corrente do rio, tornando o espaço propício para a concentração de algas e materiais orgânicos em excesso”.
No ano seguinte, 2018, foram iniciadas ações pontuais em conjunto pelo CBHSF, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Agência Nacional de Águas (ANA) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Era preciso suprir a demanda urgente de água potável do povo Kariri-Xocó. A partir daí, porém, a direção do Comitê passou a arquitetar uma solução definitiva para o problema de abastecimento. Conforme Anivaldo Miranda, coordenador da Câmara Consultiva Regional do Baixo São Francisco, já naquele ano de 2018 firmou-se o acordo de cooperação técnica entre o Comitê, o Distrito Sanitário Especial Indígena de Alagoas e Sergipe, a Associação Comunitária Indígena Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio (AL) e a Agência Peixe Vivo. “Essa conquista é fruto da política participativa de recursos hídricos, e nós do Comitê ficamos satisfeitos em poder viabilizar um projeto que traz dignidade”, comentou Anivaldo.
Representando o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hidrícos, Gino César, o superintendente de Meio Ambiente, Marcelo Ribeiro pontuou que essa parceria entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Alagoas (Semarh/AL) é de extrema importância para a execução de grandes projetos em prol das populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas. “O Comitê está de parabéns pela implantação do sistema de abastecimento de água que beneficiará centenas de Kariri-Xocós e trará saúde para todos eles”, disse. O procurador da República Érico Gomes, titular do Ofício Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, destacou a atuação do Ministério Público Federal (MPF): “Promovemos reuniões e atuamos para destravar barreiras, unir indígenas e resolver outros entraves para que a comunidade tivesse uma boa qualidade de água e em quantidade suficiente. Aproveitamos para parabenizar os parceiros e ressaltar a importância dessa cooperação interinstitucional”.
Cultura de resistência
Há infinitas gerações, o povo Kairi-Xocó resiste à beira do Velho Chico. Aliás, a própria denominação remonta ao genocídio que atravessara a colonização, adentrando o século 20. No tempo do Império, muitos grupos se fundiram na região, migrando em busca de sobrevivência: Xocó, Fulni-ô, Natu, Caxagó, Aconã, Pankararu, Karapotó, Tingui-Botó. Já no século 20, com a fusão entre os Kariri, de Porto Real do Colégio, e parte dos Xocó, da ilha fluvial sergipana de São Pedro, veio o nome: Kariri-Xocó.
Nas danças do Toré, os Kariri-Xocó guardam essa memória de luta. “To” significa som e “Ré” significa sagrado. No Toré, os cantos e danças expressam os acontecimentos históricos e culturais, além dos fenômenos naturais. O instrumento musical é a maraca, tocada acompanhando os batimentos cardíacos. As danças circulares representam a circunferência da terra, do sol, da lua, da aldeia, da maloca, da vida.
As Engrenagens Do Sistema
• Uma unidade de captação flutuante com capacidade de bombeamento de 26 litros de água bruta por segundo;
• 2,2 km de rede adutora de água bruta em tubulação pvc-o, com 200 mm de diâmetro;
• Três adutoras de água tratada, totalizando 7,2 km;
• Uma estação de tratamento de água composta pelas principais fases de tratamento necessárias para a água bruta captada no Rio São Francisco;
• Um reservatório na estação de tratamento com capacidade para reservar 250 mil litros de água;
• Um reservatório elevado no Ouricuri com capacidade para reservar 220 mil litros de água;
• Um terceiro reservatório em plástico reforçado com fibra de vidro e capacidade para reservar 20 mil litros de água;
• 10,4 km de redes de distribuição;
• Cerca de 1.000 ramais hidrometrados.