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PERDIDA CIDADE
Já ouviu falar da Vila de Santo Inácio? Localizado no sertão baiano, o miúdo vilarejo, distrito de Gentio do Ouro, pode ser a cidade perdida do explorador francês Apollinaire Frot, que seguira as pegadas traçadas no misterioso “Manuscrito 512”
Parece coisa do Indiana Jones: seria a miúda Vila de Santo Inácio, distrito de Gentio do Ouro, no sertão baiano, a famosa “Cidade Perdida”? Há coisa de pouco mais de um século, após longa expedição de busca, o explorador francês Apollinaire Frot fez anotações com pistas que indicam que sim. Ou melhor: talvez. Ele seguira as pegadas traçadas no chamado “Manuscrito 512”, contendo o relato de uma expedição de bandeirantes que teria resultado no encontro, primeiro, de uma montanha de cristais, e, depois, de ruinas de um povoado habitado por descendentes do continente de Atlântida. O tal manuscrito havia ficado enterrado na Biblioteca da Corte, hoje Biblioteca Nacional, e fora descoberto, em 1839, pelo naturalista e escritor brasileiro Manuel Ferreira Lagos (1816-1871).
O “Manuscrito 512” já tinha inspirado e inspiraria outros viajantes. Em 1865, o cônsul britânico Richard Burton foi do Planalto Central até Paulo Afonso, descendo o São Francisco de canoa. E, em 1927, Percy Harrison Fawcett partiu de Cuiabá rumo à Bahia. Nunca chegaria. Desapareceu misteriosamente nas selvas do Mato Grosso, junto com um filho e um companheiro de viagem. Sua última comunicação ocorreu nove dias após a partida. Recentemente, em 2018, o explorador espanhol Juan Francisco Cerezo Torres também empreendeu a viagem de busca, chegando à conclusão de que a Vila de Santo Inácio seria, sim, a “Cidade Perdida” de Apollinaire Frot.
O mistério por trás do “Manuscrito 512” rendeu também boa literatura. O escritor inglês Arthur Connan Doyle (1859-1930), criador do detetive Sherlock Holmes, escreveu “O Mundo Perdido”. E o romancista brasileiro José de Alencar (1829-1877) rabiscou “As Minas de Prata”. Se nunca fora possível comprovar se a Vila de Santo Inácio é mesmo este lugar fictício, indicado pelo “Manuscrito 512” e encontrado por Apollinaire Frot, já vale a lenda. Cercado de cachoeiras e vistas privilegiadas do Velho Chico, o vilarejo conta hoje com 300 habitantes, plantado às margens da Lagoa de Itaparica, a maior lagoa marginal do São Francisco.
Os contemporâneos
Os primeiros habitantes da região de Santo Inácio foram os povos indígenas Cariris, Tupinambás e Amoipiras, cujas marcas podem ser encontradas nos maciços de arenito que cercam a cidade. Durante as visitas, os turistas se deparam com pinturas rupestres milenares, a maioria muito preservada, porém algumas já convivem com intervenções humanas recentes, como pichações e nomes gravados nas rochas.
A história de Santo Inácio traz aspectos muito particulares, ligados inclusive à intensa atividade do garimpo de Ouro, Diamante, Cristal e Carbonato iniciada na região em meados de 1850. Os registros das primeiras atividades econômicas remontam ao ano de 1836, justamente relacionadas ao garimpo. Até então, a localidade era habitada pelos povos indígenas originários.
Segundo a moradora Helenita Bessa, de 84 anos, que guarda um caderno com registros importantes da história da cidade, a vila começou a ser estruturada em 1911 com a construção de sua primeira edificação, conhecida pelos moradores como “Convento”. A partir daí, outras estruturas passaram a ser construídas, como a igreja, em 1913, a escola, em 1949, a cadeia, que atualmente está em ruínas, no ano de 1950, e o cemitério, em 1951. O “crescimento” se deu em função do fluxo gerado pelo garimpo na região.
Passo a passo
Toca de Santo Antônio
Após cruzar a vila e enfrentar uma caminhada vertical em meio às rochas de um grande maciço de arenito, típica formação da região, o visitante chega a uma região de areia branca e fina onde, logo à frente, está a entrada da Toca de Santo Antônio. Uma pequena gruta natural abriga uma imagem do santo que, devido a ações de vandalismo, já não se encontra em perfeitas condições. Ainda assim, o local parece integrado à natureza, com árvores secas que formam uma espécie de cobertura para o “altar”.
Passada a gruta, é possível avistar, de forma privilegiada, a Lagoa de Itaparica. Localizada em Xique-Xique, município vizinho a Santo Inácio, ela é a maior lagoa marginal do São Francisco, um verdadeiro berçário natural, uma vez que, no período da Piracema, quando os peixes sobem o rio para a desova, é nas lagoas marginais que se dá a postura dos ovos.
Cruzeiro
Ao deixar a Toca de Santo Antônio, o roteiro proposto pelo guia Daniel Leite, 16, segue para a visita ao Cruzeiro. Já não mais sob a areia fina, a sequência da caminhada acontece por entre as pedras, o som do vento forte ressoa nos ouvidos até que o visitante chegue a uma cruz de aproximadamente três metros de altura, cravada nas rochas, que abençoa a cidade ao fundo. Deste ponto, é possível avistar com nitidez toda a vila e, mais uma vez, a Lagoa de Itaparica.
Toca da Coã
O próximo ponto a ser visitado é a Toca da Coã, que garante uma vista privilegiada do pôr do sol na Vila de Santo Inácio. Para chegar ao vão no grande maciço de arenito, que funciona como uma galeria para que os últimos raios de sol do dia adentrem a rocha, é preciso enfrentar uma caminhada em meio às pedras. Em alguns trechos é preciso escalar as rochas, porém, acompanhados por um guia local, a travessia torna-se mais simples e a vista compensa todo o esforço!
Barragem de Santo Inácio
Ainda nos arredores da vila, a cachoeira conhecida como Barragem de Santo Inácio, que abastecia, com água límpida, a cidade em tempos antigos, hoje garante aos turistas, além de um bom banho em águas frias, um visual incrível, com águas brotando por entre as pedras e formando piscinas naturais de rara beleza.
Folha Larga
Um pouco mais à frente da Barragem de Santo Inácio, de carro, é possível chegar ao córrego da Folha Larga. Ali, embaixo de uma ponte, forma-se outra piscina natural, com as águas que descem do maciço de arenito, e proporcionam também uma nova oportunidade de banho aos turistas. A região também conta com uma vegetação típica do Cerrado brasileiro e as Carnaúbas, uma espécie de coqueiro, ornam a paisagem.
Balneário do Encantado
Seguindo o roteiro, o Balneário do Encantado guarda uma das cachoeiras de maior porte da região e é dica certa para um banho revigorante para aqueles visitantes mais aventureiros. Com trechos rasos, aonde os lambaris chegam sem pedir licença e pequenos bagres nadam livres, a formação natural conta também com um poço de pouco mais de três metros de profundidade e duas cachoeiras descem seus véus por entre as rochas de arenito.
Ne cessidade de conscientização
No entorno de praticamente todos esses belíssimos pontos turísticos naturais, é possível notar a presença de garrafas plásticas, latas metálicas e restos de churrascos deixados por visitantes recentes. O guia, Daniel Leite, morador de Santo Inácio e estudante em Xique-Xique, ressalta a importância da remoção do lixo e da necessidade de preservação de um patrimônio ambiental tão bonito e relevante. “É uma maravilha morar num lugar como este, não tem coisa melhor no mundo, por isso precisamos preservar sempre”, destacou o jovem.
Fim da Viagem
Santo Inácio entrega tudo o que promete desde o momento em que o viajante chega à vila. Um povoado, que pode até ser pequeno em tamanho e densidade demográfica, mas que é enorme em cultura, com seus mistérios arqueológicos, formações rochosas, pinturas rupestres milenares e histórias forjadas pelo garimpo. Enorme também em belezas naturais, formações que proporcionam desde caminhadas e vistas incríveis até banhos revigorantes em belas cachoeiras. Além disso, seus moradores encantam pelo apreço que têm pelo povoado, desde uma das mais antigas moradoras até o jovem estudante que também guia visitantes pelas belezas da (suposta) ‘Cidade Perdida do Brasil’.