Curto Circuito #5

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Test

A kombi itinerante

Flávio Grão

Sketchbooks para criação de desenhos

Os Últimos Românticos da Rua Augusta

URRA traz inspirações do baixo Augusta

Ago & Set‘13 | Distribuição Gratuita | www.curtocircuito.art.br


Expediente #5, 2013 Projeto: Hearts Bleed Blue Edição: Antonio Augusto Coordenação: Alexandre M. Redação: Camila Grillo Revisão: Alexandre M. Colaboradores: Mariana Perin , André “Tor” Tauil, Bruno Barbieri e Henrike Blind Pigs, Foto de Capa: Samuel Esteves Assessoria Jurídica: R4A Publicidade: contato@curtocircuito.art.br Curto Circuito é uma revista de bolso, com publicação bimestral e distribuição gratuita, produzida pela Hearts Bleed Blue. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia e escrita. Leia as edições anteriores do Curto Circuito em www.curtocircuito.art.br e não deixe de nos escrever seu endereço, nós vamos te enviar a cada dois meses a nova edição da revista.



(hotel Tee's)

Loja traz shows em espaço alternativo Texto: Camila Grillo | Fotos: Divulgação | Info: hoteloja@hotmail.com

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Com uma proposta diferenciada e que atenda desde quem deseja comprar uma roupa até experimentar a grande quantidade de cervejas importadas enquanto bate um bom papo com os amigos, o Hotel Tees´s abre a casa de quinta-feira ao sábado para diferentes shows. “Sentimos necessidade de realmente fazer um bar, pois existiam muitas festas na loja. Ele funciona de quarta a sábado das 18h as 23h. Temos uma carta de cervejas importadas no nosso cardápio, as tradicionais de garrafa e alguns drinks. Acontecem shows toda semana de bandas alternativas e sempre uma novidade”, explica Luciana Sette, idealizadora e proprietária do espaço junto com o sócio Rogério Salles(O Cebola). No mercado desde 2007, a marca surgiu com a ideia de fazer o silk e a estampa da cor que o cliente escolhesse na hora, além de juntar no mesmo espaço exposições, festas, música, etc. “Sempre trabalhei moda (anos 90), lojas, show room de algumas marcas como Gloria Coelho, etc. O Rogério trabalhava com street wear e antes de abrirmos juntos a Hotel Tee’s, tinha loja de discos na Galeria do Rock, no final dos anos 90”, diz Luciana e destaca: “Quando nos conhecemos, cansados de nossos empregos, decidimos abrir a Hotel Tee’s por acreditar que podíamos fazer algo diferente em termos de camisetas com influências desde Viviane Westwood e Andy Warhol na maneira de usar as técnicas de silk e cores, até os artistas Argentinos de bandas punks dos anos 90 que invadiram São Paulo.” Além da criatividade e inspiração na hora de criar peças como vestidos, moletons, leggins e saias, os sócios escolhem os tecidos, técnicas de lavagens e estampas. “Fazemos pesquisas e testes com nossos amigos para chegarmos em uma modelagem ideal e com durabilidade. As estampas são influenciadas por música, dia a dia, blogs de moda, revistas antigas e todo tipo de referência urbana”, revela Luciana. Até mesmo o nome da marca surgiu de uma influência vivenciada desde o primeiro espaço ocupado pela dupla. “Surgiu quando alugamos a primeira loja que era dentro da Galeria América, rua Augusta (entre a Itú e Alameda Franca). Era um lugar que tinha um teto de espelho e nos remeteu a um Hotel antigo e decadente”, ressalta Luciana.


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Meados da rua Augusta

O envolvimento do público com a marca vem crescendo ainda mais dentro do espaço, que foi especialmente escolhido na região mais underground da cidade. “Achamos, desde que abrimos a quase sete anos, que seria nosso público consumidor e também por gostarmos bastante dessa parte mais central”, afirma. Além do processo de curadoria voltado para os trabalhos que são selecionados para o espaço, os sócios precisam também mesclar o empreendedorismo com o processo de criação. “Produzimos somente o que gostamos e acreditamos. O mercado cresceu nesse segmento por preços e peças diferenciadas.” Diante de um mundo com tantas linguagens, as pessoas procuram expressar o próprio estilo. “Hoje em dia a moda está muito democrática, então não acreditamos que as pessoas seguem um padrão para se divertir. São várias tendências para serem seguidas e com isso as pessoas acabam adaptando conforme seu gosto, escolhendo nas peças uma mistura de identidade, conforto e estilo.” Para Luciana, misturar roupas, calçados e acessórios dentro de um espaço de eventos não necessariamente é um meio de atender ao comportamento de um público mais exigente. “O nosso espaço reúne tudo isso, mas dentro de uma proposta de público, pessoas de bom gosto, que curtem peças diferenciadas, de qualidade e que consequentemente tem boas referências ligadas a moda e música.” Para quem deseja curtir um Rock anos 70, 80, 90 e Indie, a empresária dá a dica: “O espaço é a combinação de moda, música, comportamento e diversão; e nada mais agradável do que encontrar isso num mesmo lugar para passar agradáveis horas de diversão, assim é a Hotel Tee’s, Enjoy!”, finaliza.

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soundcheck: (os últimos românticos) da rua augusta URRA traz inspirações do baixo Augusta

Texto: Camila Grillo | Foto: Gustavo Vargas | Info: facebook.com/osultimosromanticos

Para retratar o cenário underground vivenciado na rua mais eclética da cidade de São Paulo, a banda Os Últimos Românticos da Rua Augusta usou a inspiração local para expressar a arte por meio da música. “Estávamos todos morando no Baixo Augusta, na época, fizemos parte dessa decadência boêmia. A banda surgiu, ensaiava e praticamente só tocava nos bares da Augusta. Eu moro na região até hoje”, diz Gustavo Kaly, integrante da banda.


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Com um trabalho iniciado no inverno de 2011, os componentes do grupo decidiram criá-la quando estavam em viagem ao exterior. “O nome surgiu a partir de uma canção com esse título. Eu acho. Estávamos em uma viagem no Chile quando decidimos montar a banda, influenciados pelos cancioneiros que circulavam os restaurantes com seus instrumentos atrás de alguns trocados”, revela. Antes da formação atual, os músicos passaram por outras bandas. “Cada um tem sua história. Na verdade não sei direito a de todos da banda. Sei que a banda foi montada inicialmente pelo Wander Wildner, que tocou nos Replicantes, Sangue Sujo, e tem discos solos, o Sergio Serra, que era do Ultraje a Rigor, tocou com quase todo mundo dos anos 80, Legião Urbana, Lobão, Cassia Eller, Cazuza, etc… Eu e o Cristiano que viemos da cena underground de Santa Catarina e também passamos por várias bandas, além do Malásia que também é um monstro de Porto Alegre que tocou com todo mundo por lá, mas dedicou um bom tempo como instrumentista da Ultramen. Hoje saíram Wander e Serra e entraram outras duas figuras rodadas do rock gaúcho, o Gui e o Papel, ambos da banda Pública, entre muitas outras...”, explica.

*Boliviano Single de estréia do URRA, em vinil 7” colorido.

Além de nunca terem feito turnês, o URRA não possui CD gravado. “Com o URRA, nenhum. E nem pretendemos. Só lançaremos em vinil e em plataformas da internet”, diz. Diante de um país com tanta diversidade, ser um artista independente ainda é uma realidade distante para muitos. “Uma merda. Pior que prostituta. Bem pior aliás”, desabafa o músico que ainda revela se vivem somente da música: “Depende da fase da vida. Eu sou jornalista, editor de arte, faço uma porrada de bico. Todos estão nessa, acredito. O Papel é músico de estúdio, grava até jingle da coca-cola, o Gui tem um estúdio, o Cristiano trabalha com T.I. e o Malásia em produtora. Todo mundo é biscate. Se não, morreríamos de fome no Brasil.” Mesmo com todos os obstáculos, Gustavo acredita que as mídias sociais ajudam na divulgação das bandas independentes. “Atinge muito mais pessoas, não existem fronteiras. Mas ao mesmo tempo é mais fácil se perder na imensidão”, diz. Para quem está começando no mundo da música, o artista dá a dica: “Não faça isso pensando em ganhar dinheiro”, finaliza.


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(inker por aí)

Texto e Fotos: Fabiana Batistela | Info: www.inker.art.br

A gente vive pra lá e pra cá. Turnês, viagens, festivais, feiras de música, reuniões para comprar e vender ideias, enfim, projetos que nos tiram, literalmente, de um lugar comum e nos levam a outros cenários, outras realidades. Férias? Não. Aqui na Inker, isso se chama rotina. E é a melhor do mundo. No último outono, ou primavera do lado de cima do Equador, fui convidada a participar da 37ª edição do festival Printemps de Bourges (Primavera de Bourges). Bourges é uma cidadezinha medieval de 70 mil habitantes no centro da França, a duas horas de trem de Paris. Entre palestras, rodadas de negócios, shows, e algum sightseeing, passei a semana conhecendo novas paisagens, novos artistas e profissionais de toda parte. Das novidades musicais, trouxe na mala discos e contatos de dezenas de bandas, entre elas, as parisienses Baden Baden (folk/pop) e Team Ghost, novo projeto de Nicolas Fromageau, um dos fundadores da M83, que viaja alto nas guitarras e nas pesadas ambientações eletrônicas. Shows intimistas e simples, como o da dupla inglesa Heymoonshaker (violão e beatbox) e da francesa Mesparrow, que encara sozinha a plateia, impressionaram tanto quanto os grandes espetáculos apresentados por Woodkid e Aufgang. O primeiro funciona como um maestro no palco, comandando 13 músicos, luzes e projeções. O segundo, impressiona pela técnica impecável esbanjada em cima de dois lindos pianos de cauda e uma bateria. Minhas companheiras de viagem foram Virgínia Dias Caron, produtora e parceria da Inker na França, e Gisela Ferrari, programadora de música do Sesc Vila Mariana. Juntas, passamos por paisagens dígnas de inspirar os grandes mestres impressionistas e experimentamos pratos populares do país, feitos na rua, como o “cachorro quente” de raclette e o tartiflette, um cozido de batata com bacon e não sei mais o que. Outro destaque do festival foi Lou Doillon, que é linda como as revistas de moda francesas andaram alarmando. Filha de Jane Birkin e do diretor Jacques Doillon, mostra talento de sobra também já no primeiro disco e, em cima do palco, desfila um “que” de Patti Smith. Falando nela… A poeta americana foi o destaque do evento e protagonizou um dos momentos mais marcantes da história da cidade e da minha vida. Tocou quase duas horas dentro da Catedral de Bourges, uma das três maiores da França e obra-prima da arquitetura gótica, datada do século XII, fria, intimidadora e deslumbrante. O cenário era de tirar o folêgo e o repertório de Patti, de arrancar lágrimas, com seus hits em versão acústica, no piano, violão e voz.

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1. VirgĂ­nia e Gisela na frente da Catedral de Bourges. Fila para ver Patti Smith.

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2. Eu com Fernando Ladeiro-Marques, um dos diretores do festival, e VirgĂ­nia Dias Caron.


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À vontade num altar, a mulher que eu queria ser quando crescesse assumiu sua divindade humildemente, fez declarações de amor ao ex-marido Fred Sonic Smith, pai de seus filhos, e lembrou com carinho o amigo Ritchie Havens, que havia falecido dois dias antes. Errou a nota e esqueceu a letra duas ou três vezes, culpando o frio e admitindo que “não importa o quão lindo seja o cenário, você ainda pode estragar tudo. Mas será perdoado.” Um dos diretores do evento confessou que foi mais difícil convencer o padre a liberar a casa de Deus, do que Patti a fazer um show tão especial quanto aquele. Mas no final, até o sacerdote deve ter se convencido que aquilo, sim, é o que podemos chamar de uma experiência espiritual inesquecível. Alguém bem esperto já disse que quem faz o que gosta não precisa de férias. Eu concordo. A gente se vê por aí…

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(inker por aqui) Agosto – O quarteto de jazz franco-suíço No Square faz quatro shows no Brasil: 14 no FIGO em Goiânia (GO), 16 no Festival Jazz na Fábrica no Sesc Pompeia e 15 e 17 no Festival Jazz & Blues no Sesc Catanduva e Sesc Bauru, respectivamente. Delícia de show. Setembro – O grupo de percussão francês Les Tambours do Bronx toca no Rock In Rio com o Sepultura e faz apresentação única em São Paulo dia 26 no HSBC Brasil. Uma experiência catártica. Fabiana Batistela é sócia-fundadora e diretora artística da Inker Agência Cultural


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(luiz calanca0 O mundo do vinil Texto: Camila Grillo | Fotos: Arquivo Pessoal Info: www.baratosafins.com.br

Gôndulas, prateleiras e vitrine. Por traz do alto balcão um homem cheio de histórias atende diretamente os clientes. O nome dele é Luiz Calanca, dono da Baratos Afins, loja de discos localizada na Galeria do Rock. Diante do espaço repleto de vinis para todos os gostos e estilos, Calanca é um homem que não repete discos. Na sua vitrola passa uma diversidade constante, afinal ele gosta de ouvir música o tempo todo.


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Entre administrar algumas páginas no Facebook, produzir discos e trabalhar diretamente na loja, Luiz ainda é curador de um projeto chamado Rock na Vitrine, da secretaria da cultura.


Em sua face, as marcas do tempo dividem-se entre o homem sertanejo nascido em Flórida Paulista, interior de São Paulo, e o especialista na arte da diversidade musical. “A minha cultura era ouvir o nhô sertão, o circo e cantores da rádio nacional. Eu era moleque, passava por baixo do pano como todos os moleques no circo. Depois, uma vez lá dentro, eles deixavam a gente lá e acabávamos assistindo todos os espetáculos da rádio nacional. Dai eu vim para cá em 1966 e foi uma tijolada na cabeça porque existe aquela cultura de ouvir música caipira, aquela coisa do sertanejo. Dai, cheguei aqui e estava rolando os primórdios da Tropicália, Bossa Nova e MPB - Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, um mix de jovem guarda, porque era o momento em que tudo estava acontecendo ao mesmo tempo”, diz Luiz Calanca. O envolvimento com a música começou de forma inusitada. Calanca era farmacêutico e antes do nascimento da filha, passou por algumas dificuldades financeiras que o levou a vender os discos que tinha. “Eu fazia bailinhos e gastava todo o meu dinheiro com discos. Eu tinha muitos discos, um jaleco e sapato furado, e eu tive a necessidade de apurar algum dinheiro. Peguei um lote de disco e levei para o sanfoneiro Roberto Stanganelli, lá na Casper Líbero. E o comprador de lá me levou lá no fundo da loja e botou meus discos numa balança e falou: ‘Dou 15 mil cruzeiros por isso’. Fez uma conta maluca lá e comprou no peso mesmo”, explica Calanca. .14

Foi nessa ocasião em especial que, ao observar os valores dos discos, surgiu a ideia de montar o seu próprio negócio. “Na hora de pagar a conta, na verdade eu ia receber porque eu tinha um vale de quanto o cara ia me pagar e quanto eu tinha gastado na loja, aí eu fiquei olhando os valores dos discos, tinha uma tabela de preço com preço de disco médio, popular, standard, luxo, super luxo, normal e Paul Mccartney. O Paul Mccartney era um dólar mais caro que todos os outros discos. E aí eu fiquei curioso com aquela tabela e eu vi que ela era da Associação dos Sindicatos dos Lojistas Varejista de Discos e Afins do Estado de São Paulo. Dai, quando eu terminei de ler eu falei assim: ‘Nossa que barato!’ Aí me deu já aquele estalo, que Baratos Afins seria um nome bom. E eu vim com aquilo na minha cabeça, que eu ia abrir uma loja de disco. Dai cheguei em casa e falei para a minha mulher: ‘eu vou abrir uma lojinha de disco.’ Aí começou uma discussão dentro de casa, porque estávamos num momento muito delicado, já que ela estava grávida, o barrigão crescendo, coisa e tal, e ela ficou endurecendo comigo, dizendo que eu estava maluco. Aí eu fiquei mais turrão ainda e a gente se exaltou um pouco. Eu sei que ela chegou na mãe dela e falou: ‘Olha, se não der certo, eu posso voltar para casa, porque ele pirou mesmo, está querendo abrir loja de disco’”, ressalta. Com um negócio bem sucedido, Luiz passou a ter o apoio da esposa que, posteriormente, foi trabalhar com ele na empresa que prosperou e virou referência do mundo dos vinis.


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Aí me deu já aquele estalo... cheguei em casa e falei para a minha mulher: ‘eu vou abrir uma lojinha de disco.’ Aprendendo sobre produção

Após o crescimento e expansão da loja, Calanca partiu para o selo e começou a produzir discos exclusivos para ser diferenciado do mercado. “Eu tinha que ter algumas edições exclusivas para mim, coisa que só eu teria. Era o meu processo inicial. Eu queria lançar um disco do Arnaldo Baptista (Loki dos Mutantes). Daí eu procurei por ele, que não entendeu muito qual era a minha, mas ficou aquela conversa no ar e alguns meses depois eu acabei fazendo um show dele até por conta da iniciação da nossa conversa. Ele entendeu que era voltar para a sala e fazer show e eu queria fazer um disco. Quando o show surgiu, eu fui envolvido na produção, sai colando cartaz pela cidade, vendi bilhetes aqui na loja e na porta do Tuca. Depois ainda gravei o show e foi um negócio legal, deu um público bacana. A gente ficou amigo de certa forma. Depois teve aquele incidente que ele caiu do terceiro andar e ficou em coma no Hospital do Servidor. Quando ele voltou, tinha que dar continuidade do disco, a família dele me procurou e eu adorava o trabalho dele. Fiquei alucinado. Acabei superando todas

as exigências, cadastro de gravações, etc., até mudar a razão social para poder ter acesso as indústrias de discos”, revela. Entre os trabalhos realizados por Calanca estão Misto Quente, Coqueluche, Esquadrilha da Fumaça, etc. “Foi uma bola de neve em que aconteceu tudo ao mesmo tempo e estava uma onda de música independente, era novidade tudo que eu fazia, eu tinha um apoio legal do público.” Após essa fase, ele decidiu optar por uma curadoria, em que selecionava que tipos de trabalho desejava realizar. “Chegou um momento em que eu não queria mais fazer nada, estava fugindo de produções, mas as bandas estavam me procurando e muitas coisas nós fizemos até por pressão mesmo de insistência e persistência de algumas bandas, porque éramos nós, nós ou nós. Não tinha outra produtora. Então, acabamos marcando um período, dos

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anos 80 principalmente no período pós-punk e do início do heavy metal. Eu preferi fugir dessas bandas e ser mais exigente, de querer selecionar melhor o que eu fosse fazer, porque começou a me incomodar, já que estávamos fazendo muita coisa”, destaca. Aprendendo sozinho e de forma natural, Calanca diz acreditar que, estava no lugar certo, na hora certa e no momento certo ou no lugar errado, hora errada e momento errado. “Entrei numa outra vibe, conheci outra turma e aprendi muito. Foi aí que eu fui aprender sobre produções, sobre o que eu queria, fui trabalhar com Bocato, Itamar Assumpção, Paulo Lepetit... Aí a coisa já não teve mais volta e deu no que deu. No fim, eu capitalizei 104 álbuns em formato de vinil pelo selo e 72 CDs numerados, fora algumas produções que eu fiz que não saiu pelo meu selo, alternativas ou independentes que eu participei como apoio cultural. Eu virei meio que um produtor executivo por um tempo, mas tudo foi uma experiência.”

A Paixão pelo vinil

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Enquanto muitos acreditam que o vinil está de volta, Calanca revela que ele nunca deixou de existir. “O vinil nunca foi embora. O que aconteceu é que a indústria brasileira fechou as fábricas e prensas. O que ficou foi só a Polyson. Inclusive ela se desmanchou todinha e se reestruturou. Segundo as palavras do próprio João Araújo, desmontou até o último parafuso e montou outra vez toda a prensa e começou a fazer vinil até com muito mais qualidade do que se fazia nos anos 60, álias anos 80 e 90 que era já um vinil muito misto de PVC, tinha muito plástico no meio da matéria prima. Então ele ficava assim muito flexível e era chamado Dynaflex - que dobrava de tão mole que era - e não tinha uma cavidade profunda que dava uma resposta de potência tão perfeita como era os de 1940. Hoje eles estão fazendo vinil com 180 gramas. Ele permite uma cavidade melhor e uma reposta de frequência melhor. Então eu acho que estão fazendo a coisa de melhor qualidade, mas infelizmente é só uma fábrica, porque as outras fecharam. Diferente do mundo todo, já que na América e Europa toda a maior parte das prensas continuam ativas, nunca pararam de produzir, fizeram o CD paralelamente, mas sempre houve uma demanda forte para o formato de vinil”, destaca. Para ele, esse retorno do disco nada mais é do que o fato do vinil ter ficado ausente por um tempo no Brasil. “Eu acredito que o que aconteceu é que o CD perdeu o encanto de novidade, aquele glamour de ser moderno por conta


das pessoas comprarem CD virgem e fazerem em casa, e fazer downloads eletrônicos depois com a internet. Então marcou de certa forma. Eu estou sendo resistente até talvez por conta de ter um misto diferenciado do mercado popular. Então muita coisa também acabou encalhando aqui. Por outro lado, acabou sendo o único lugar para você encontrar coisas. E no momento em que estava todo mundo encantado com o CD eu pregava o evangelho contra o CD. Eu cheguei a fazer uma matéria na revista Veja em 1992 que chamava ‘Que volte os bolachões’. Aquilo me custou o desprezo de muitos amigos, perdi muitos clientes, até porque eu brigava mesmo, eu discutia. As pessoas chegavam aqui encantadas e eu falava: ‘bicho, baixa a bola, não é nada disso não’, e começava a discutir. Eu acho que eu fui muito estúpido até porque eu não sei se era ciúme ou o que era. Eu estava atacado, não queria aceitar o formato. Houve um momento que tive que me render, eu estava dando murro em ponta de faca. Então comecei a investir pesado em CD e trocar por vinil. Eu confesso que num primeiro momento, eu vibrava por dar um CD e pegar três álbuns do Zappa em vinil. No começo eu vendia um do Zappa e comprava três outros CDS. Eu ficava com um de lucro no meu acervo. Aquilo foi a maior guinada econômica da minha vida. Eu comprei um depósito aqui no fundo, enchi de mercadoria e continuei produzindo discos pelo meu selo”, afirma. Após a febre e decadência do CD, a internet veio com os downloads fazendo com que muitas lojas fechassem e distanciando ainda mais as pessoas da cultura de sentar para ouvir uma boa música entre amigos. “Nós viramos escravos da tecnologia e eu temo que quando tudo isso acabar, vire tudo um lixo novamente. Muda todo o formato outra vez, porque quando a indústria da tecnologia não tiver mais o que explorar no mundo virtual, tipo fibra ótica, não sei quantos terabytes de armazenamento, velocidade, acessibilidade... quando não tiver mais onde cavar, eles vão começar a cobrar pelo entretenimento. Então, tudo na net vai ter um preço...”, finaliza.

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(algumas tralhas que você pode gostar) Quais são as suas tralhas favoritas? O que você gosta de colecionar? Separamos aqui algumas coisas que gostamos e que talvez você curta também.

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Media4Music: www.media4music.com.br Sick Mind: www.sickmind.com.br/loja Red Tape: www.facebook.com/redxtape Ideal Shop: www.idealshop.com.br HS Merch: www.hsmerch. com Weird: www.shop.weird.com.br Veggie Life Store: Rua Bar達o de Itapetininga, 37, Loja 47, S達o Paulo, SP Casa Dos Toca Discos: www.casadostocadiscos.com.br HBB Store: www. hbbstore.com Django Pedais: www.djangopedais.com.br Monster Records: www.monsterrecords.com.br


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A kombi itinerante Texto: Camila Grillo | Fotos: Samuel Esteves Info: testdeath.tumblr.com .20

Já dizia o velho ditado: se Maomé não vai até a montanha, a montanha vai até Maomé. Assim é o caminho trilhado pela dupla de Death Metal Barata (baterista) e João Kombi (guitarra e vocal) da banda Test. Entre as idas e vindas pela estrada da música, utilizam uma Kombi para levar ao público um som marcante e pesado. Tudo isso feito de forma inusitada, afinal, para eles o grande palco do show é a rua. “Em todos os shows grandes de metal, rola sempre aquela aglomeração maravilhosa na entrada. A galera curte chegar cedo pra ficar bebendo na porta. A ideia veio dali, é ir onde o público já está, não tocar naquele esquema artista de rua passando o chapéu”, diz João.


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Em todos os shows grandes de metal, rola sempre aquela aglomeração maravilhosa na entrada. A ideia veio dali, é ir onde o público já está.


Sem muita inspiração e conceitos, até mesmo o nome da banda surgiu de forma diferenciada, ou melhor, do nada. “Não tem muita explicação. No primeiro CD do primeiro ensaio eu escrevi Test e assim ficou”, afirma.

Sem muitas parafernálias

Para quem está acostumado a ver grandes grupos com muitos equipamentos e produção, deve estranhar estar diante de uma banda com apenas dois integrantes. “No começo foi pela facilidade em ensaiar e gravar rápido. Só depois de um tempo a gente sacou que facilitava em vários aspectos”, revela e ainda destaca: “Você acredita que isso viabiliza ainda mais as questões de trabalho como relacionamento de grupo, logística, etc? Certeza que facilita muito, pra combinar e pra executar. Só vantagem.” Tanta ousadia já levou a dupla dinâmica a tocar por conta própria na virada cultural, mobilizando o som que pulsava na galera - vindo apenas de uma guitarra e bateria - de forma ainda mais criativa.

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A inspiração para um som ágil e inquieto vem de diversas fontes. “Pra essa banda em especial foram as bandas de Minas Gerais dos anos 80, principalmente Sepultura e Sárcofago. Ultimamente eu tenho ouvido muito Grindcore. O Barata ouve mais Rock dos anos 60 e 70, Ramones e AC/DC.”, diz. Tudo isso resulta na criação de um som intenso, capaz de interagir com o público que se surpreende com o que a música é capaz de provocar.


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O Lado B da história

Antes da formação do Test, João tinha um projeto solo chamado Are You God? que acabou porque os músicos não queriam mais trabalhar para ele. Já o Barata ainda toca no D.E.R - uma das principais bandas de grindcore do Brasil - a mais de 10 anos. Porém, para sobreviver, ambos fazem outras coisas. “O Barata é programador e eu faço carretos com a Kombi. Me chamem pra trabalhar por favor!”, brinca João. Sendo integrantes do cenário underground de um país tão diversificado quanto o Brasil, manter-se apenas como artista de um estilo musical como o deles, tem lá suas vantagens. “A gente não se considera Artista. Acho que é mais fácil tocar esse tipo de música do que vários outros estilos, a cena Death Metal, Hardcore, Grindcore Underground são bem unidas. Existe a possibilidade de você manter contato e tocar no mundo inteiro.” Para João, ouvir mesmo o som realizado pela dupla, são poucos que fazem, mas simpatizam com a banda porque eles tocam na rua. “Vira e mexe pessoas de outros estilos falam bem. Na Virada Cultural, como não tem apoio nenhum da prefeitura, não temos estrutura pra informar o que está acontecendo ali, muitos desavisados curtem, mas não tem informação pra continuar seguindo o trabalho das bandas.” .25

Considerando-se “escolhidos pelo estilo musical”, João se pergunta o que o motiva para continuar com esse formato de trabalho e diz que não houve nenhum momento que o fez desistir da banda. “Todos os dias surgem novas dificuldades, então não vai ser esse o motivo pra banda acabar.”


Viajantes da Kombi

Na hora da criação, João geralmente passa a ideia inicial para Barata, que capta e transforma tudo. “ A gente faz e grava muito rápido”, diz. Depois desse processo, os músicos estão prontos para escolher o lugar mais inusitado para fazer um som. “Acho que é sempre na rua, seja em São Paulo na Porta de show, em Recife no Centro Histórico ou embaixo de uma ponte sinistra na Polônia.” Além de terem como objetivo tocar na Africa, Japão, América do Sul e explorar mais o Brasil, o dueto também aposta no formato de shows tradicionais vivenciados por outras bandas. “A gente toca muito mais no esquema comum de shows do que na rua, já fizemos algumas pequenas turnês no Brasil, a maior foram nove dias seguidos pelo Norte/Nordeste e três fora do Brasil.” Para divulgar o trabalho do Test, os músicos usam a mídia online como mais um canal para falar do trabalho. “A gente usa, mas não acho isso o principal. O principal é viajar pra tocar.”

Artístico vs. Produção

Com a filosofia de “tentar fazer o máximo a gente mesmo as coisas”, a dupla precisa se preocupar com todas as questões que envolvem desde o artístico até a produção. “Acho que já estamos acostumados em realizar quase todas as etapas do processo, eu gosto disso. O trabalho é grande, mas o prazer é muito maior.” A formação, que vem desde 2010, já conta com duas demos (Jesus Doom e M´Boi Mirim), dois DVDs pirata oficiais, um vinil 7” (Carne Humana) e um CD/LP(Árabe Macabre). O histórico do Test ainda conta com as apresentações feitas nas portas dos shows do Slayer e D.R.I, além do vídeo clipe oficial “Ele Morreu sem Saber o Porque”.

Carne Humana (7”) Árabe Macabre (LP/CD)


Quando se pensa sobre o que eles desejam expressar com esse estilo musical a resposta é clara: não tem uma razão especial. ‘É o estilo que a gente curte muito, tanto ouvir como tentar fazer. A maioria dos estilos musicais é fácil enganar, esse não.” Para eles, não existe no Brasil um preconceito com relação a esse estilo musical. “O preconceito existe com relação a dinheiro, as pessoas não entendem porque fazer qualquer tipo de coisa que não se ganha grana. Banda underground está no meio disso.” Os artistas de pé na estrada acreditam que quem está começando deve tentar agradar a si mesmo e registram aqui qual é o maior sonho: “Legalização da Maconha. O do Barata já realizou no ano passado, Corinthians campeão mundial”, finaliza João Kombi.


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(wallpaper: flรกvio grรฃo0 Texto: Camila Grillo | Info: www.flavio-grao.blogspot.com.br


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Inspirado na relação entre os seres humanos e o ambiente onde eles vivem, Flávio Grão traz para as ilustrações profundas reflexões e a busca pelo entendimento desse universo. Aos três anos de idade o artista começou a desenhar em cadernos e, desde então, os utiliza das mais variadas formas. Há cerca de dois anos, os cadernos - mais conhecidos como “Sketchbooks” - passaram a ser usados como uma espécie de “laboratórios” em que Flávio experimenta técnicas, registra reflexões e passagens da vida. “Desenhar nestes cadernos acaba sendo uma alternativa leve aos trabalhos mais longos ou projetos mais complexos que sempre estou envolvido, como pinturas ou desenhos encomendados. Nos cadernos é onde encontro o desenho em seu estado mais puro e prazeroso, ‘o desenho pelo desenho’, próximo de uma fonte


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de criação mais espontânea e inconsciente. Costumo levá-los para vários lugares por onde passo, viagens, passeios de bicicleta e até em filas de bancos”, explica o artista. Temas como espiritualidade, política, mitologia, sociedade e filosofia, são encontrados nos trabalhos de Flávio, que utiliza nos cadernos técnicas como nanquim com pincel e bico de pena, guache e aquarela. “Me inspiro muito também no cotidiano. Às vezes pego cartões, pedaços de papéis, embrulhos, ingressos de shows que fui ou outros materiais gráficos que encontro no meu dia a dia e colo no caderno, fazendo depois intervenções em cima. É um modo que tenho de marcar o tempo, ou lembrar de fatos interessantes que ocorreram neste período. Também, se estou lendo livros, costumo escrever pequenos resumos e ilustrá-los”, ressalta.

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(APENAS UM PSICOPATA) Meu amado hippie canadense

André “Tor” Tauil, 42 anos, Zumbis do Espaço / Tauil Entretenimento.

Neil Young é um dos meus artistas preferidos. Sem dúvida nenhuma uma grande fonte de inspiração, não só musicalmente, mas espiritualmente. Recentemente li sua autobiografia “Waging Heavy Peace”. A escrita não é linear, Young começa a divagar a partir de algum fato cotidiano, e suas memórias começam a surgir entre suas obsessões com carros, ferreomodelismo e sua cruzada contra a baixa qualidade do áudio digital de formatos como o MP3. Achei o livro bastante inspirador, mas por outro lado me deu uma certa angustia, pois não existem mais muitos caras como ele por ai. Eles estão acabando e o mais triste é que nunca mais vão surgir pessoas assim, eles são frutos de uma época que não existe mais. .32

Em uma carreira que abrange quase cinco décadas, e extremamente prolífica, de um músico tão original que transita por vários territórios, se torna impossível destacar só um disco. Por esse motivo vou falar de alguns álbuns muito significativos para mim, deixando claro que essa pequena lista é estritamente pessoal. Então vamos lá, “Ragged Glory” décimo nono álbum de estúdio dele e o quinto com a maior banda de bar do mundo, a mítica “Crazy Horse”, produzido por David Briggs (o cara por trás dos melhores álbuns de Young), um disco de redenção após sua fase turbulenta nos anos 80 na gravadora Geffen (que chegou a processá-lo por lançar álbuns que não soavam como Neil Young), de volta ao selo que o lançou (Reprise), talvez o disco que a Geffen tanto queria, mas isso é uma outra história. Canções como “Over and Over”, “Mansion on the Hill”, “Days That Used to Be”, “Country Home” e muito mais. Nesse disco o cavalo louco está solto e indomável, lançado em 1990 e seguido por uma turnê norte americana com nada menos que o Social Distortion (que eu adoro) e o Sonic Youth (que eu odeio) abrindo. Uma configuração perfeita para mim, pois poderia ver o Social D. e depois sair para comprar cerveja, ir ao banheiro, checar as barracas de merchandising e voltar para assistir a atraçãoprincipal: Neil Young.


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Outros dois álbuns fundamentais na minha opinião são: “Comes A Time”, lançado em 1978, o nono álbum de Young trás um retorno a sonoridade mais Country, nesse disco, as harmonias vocais de Nicolette Larson se destacam, faixas como a que dá titulo ao LP, e “Four Strong Winds” são duas das melhores performances do artista em todos os tempos; e “Rust Never Sleeps” de 1979, gravado ao vivo (o som da audiência foi retirado na mixagem), talvez seja o disco que mais represente a obra de Young. Um lado acústico, só ele e o violão, e outro elétrico com o poderoso Crazy Horse. No lado acústico faixas como “My My, Hey Hey (Out of the Blue)”,”Ride My Llama” e “Pocahontas”, no lado elétrico: “Powderfinger”, “Welfare Mothers”, “Sedan Delivery”,”Hey Hey, My My (Into the Black)”, trazem um artista no auge de sua criatividade e fúria. Em comum esses dois álbuns também possuem a co-produção de Briggs. Também não posso deixar de fora um álbum de 1992, “Harvest Moon”, o vigésimo álbum de estúdio, e o subseqüente ao já citado “Ragged Glory”, nesse álbum predominantemente acústico, Young é acompanhado por muitos dos músicos que gravaram seu álbum clássico de 1972 “Harvest”, podendo até ser considerado uma continuação do mesmo, e com uma sonoridade próxima a discos como “Old Ways” de 1985 e “Comes a Time”, onde a guitarra elétrica é substituída por instrumentos como banjo, piano, pedal steel e violões. Músicas como “Unknown Legend”, ”From Hank to Hendrix”, ”Harvest Moon”, “One of These Days” e “Dreamin’ Man” também viriam a se tornarem clássicos do compositor. Para finalizar, vou citar uma de minhas canções preferidas de todas as que eu já ouvi na vida, ela não está em nenhum desses discos que eu citei, é de um álbum feito em 1976 da Stills – Young Band, com o seu parceiro de longa data (desde os tempos do Buffalo Springfield passando pelo C.S.N.Y.) Stephen Stills. Essa música é também o título do LP: “Long May You Run”, uma elegia ao seu primeiro carro, um Buick Roadmaster Hearse de 1948, um daqueles carros funerários, que Young adaptou pra viajar com sua banda e o seu equipamento. Apesar de ser a despedida para um carro, essa canção pode ser interpretada de várias maneiras e significar muitas coisas diferentes para diferentes pessoas, assim como a música e a carreira de Neil Young. Meu amado Hippie Canadense.

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(black hole records) Henrike Blind Pigs, Vocalista do Blind Pigs.

Começo minha entrevista com Brett Weiss, um dos donos do selo punk norte americano Black Hole Records, perguntando o porquê do nome. “Escolhemos esse nome, pois lançar discos é como jogar seu dinheiro em um buraco negro, você nunca mais verá a cor dele”, responde Brett, do escritório do selo em New Hampshire, na costa leste da terra do Tio Sam. A justificativa é triste, porém verdadeira, já que um selo independente é geralmente criado por amor à música ou, como foi o caso de Brett, para lançar sua própria banda. E foi assim, em 1991, que ele e seu guitarrista e agora parceiro no selo, Jim Loscacio, montaram a Black Hole e lançaram a banda punk deles, intitulada Lovegutter. .34

Uns trinta lançamentos depois e o selo agora conta com edições de respeito. Em conjunto com a Pirates Press Records e a Longshot Music, lançaram, em picture disc, o 10 polegadas de “Bottle Of Rock n Roll” da banda australiana The Corps. Coisa linda! Não sei se penduro o meu disco na parede como decoração ou deixo na prateleira. The Corps mistura street punk com a força do Motörhead e Rose Tattoo. Aliás, a cena street punk australiana vem ganhando força a cada dia e ótimas bandas estão surgindo por lá. Alguns anos atrás, meu brother Samuka me mostrou uma banda chamada The Staggers. Punk rock direto, rápido, melódico e sem firulas. Nunca mais ouvi falar deles, até que o Brett me mandou o pacote promocional com os discos da Black Hole. Um deles era o compacto com Strongbow e Dog Company. Ouvi o lado da Dog Company umas cinco vezes seguidas; que banda! Coloquei na vitrola para o véio Samuka ouvir quando ele colou aqui na batcave. “Aí Samuka, ouve esse som, é muito foda!”, falei, enquanto posicionava a agulha do lado do disco que já tinha escutado tantas vezes. “Peraí, conheço essa banda, é o The Staggers!”, disse o véio. Porra! Aí me liguei, ele estava quase certo: essa é a banda nova do vocal do Staggers, Joe Blow. Virei fã e já providenciei os dois LPs da Dog Company, diretamente com o Joe!


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Hounds & Harlots The Good Fight

Revilers Self Titled

Glass Heroes, Mean Streets, Strongbow, Dog Company V/A

Rust, The Guv’nors, Revilers, Cracks & Scars V/A

O LP de estreia da banda Oi! americana The Revilers deve agradar fãs do gênero. Músicas como Quit My Job (‘melhor eu largar meu trampo antes que eu mate a porra do meu chefe’) e Frustration fazem a trilha sonora de qualquer punk. The Revilers também está no split duplo de 7 polegadas, “Mess With The Best”, junto com Rust (Australia), Guv’nors (Dinamarca) e Cracks & Scars (Alemanha). Todas são bandas street punks de primeira. “Coisa fina”, diria o véio Samuka. Mas a melhor surpresa foi a banda punk Hounds & Harlots. Já tinha ouvido falar deles porque a Rat City Riot, banda do meu amigo Noah, estava em turnê com os caras na Europa e sempre postava fotos com eles no Instagram. O vinil é lindo, metade amarelo fosforescente, metade vermelho, a capa também é demais, mas o som é o que realmente importa. E o som, meus amigos, é viciante. Coloquei a primeira faixa, Divisadero, e já queria mais, mais e mais. Na minha opinião, o melhor lançamento do selo. E o futuro? Bom, Brett pelo jeito gosta mesmo de jogar dinheiro fora, ou melhor, no “buraco negro”, como prefere chamar, já que uniu forças com Todd, da lendária banda punk nova iorquina The Radicts e montou mais um selo, o Rebel Sound. O foco da nova empreitada são as bandas punks britânicas dos anos 80, que estão gravando coisa nova, como Menace, Abrasive Wheels e The Enemy. Todas conhecidas de velhos punks de bengala (sem neurose!) como eu. O primeiro lançamento, o LP “Skum” do Abrasive Wheels, já deve estar à venda quando vocês estiverem lendo isso.

The Corps Bottle Of Rock N Roll Black Hole Records www.blackholerecs.com

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(Hardcore nunca foi moda0 Bruno Barbieri, 29, redator publicitário.

No ano 2000 eu tinha 16 anos e uma das minhas bandas favoritas veio tocar no Brasil: o Lagwagon. Eu fiquei maluco quando descobri e mais ainda quando percebi que o show era no mesmo dia do aniversário de 70 anos da minha avó. Por meses ela preparou um festão na fazenda onde cresceu. Impossível faltar. Eu até tentei, juro. Chamei ela pra conversar e disse que não poderia ir porque queria ver o show do Lagwagon. “Léguiwétu? Isso é doença meu filho?, ela respondeu.

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Perdi o show e ganhei meses de zoação dos meus amigos. Não ir ao “melhor show de toda a história do hardcore”, como eles definiram, foi o estopim que faltava pra concluírem que eu só ouvia hardcore porque estava na moda. Se eu gostasse mesmo, teria um allstar rasgado, cinto de tarracha, coturno descolado, moicano abaixado e até um “A” tatuado. A verdade é que, pra mim, moda era o que eles faziam. Eu gostava mesmo era daquele som. Meu caderno do colégio tinha mais letras de música que fórmulas. Eu até aprendi a falar inglês traduzindo aquelas letras. Naquela época o desafio era tentar conhecer o maior número de bandas possíveis. Isso quando baixar um CD demorava uma noite toda. Por isso, a gente ia até a galeria do rock uma vez por mês, cada um comprava um CD gravado e escutava sem parar. Toda segunda a gente era obrigado a trocar de CD. Foi assim que eu conheci, Descendents, NOFX, Millencolin, No Use For A Name, Dropkick Murphys, Rancid, Misfits, MxPx, Nitrominds, Garage Fuzz, Face to Face, Hot Water Music e tantas outras. O tempo passou, o colégio acabou, os amigos desapareceram. O hardcore não. Eu já vi o show de quase todas as bandas que citei e em nenhum encontrei meus amigos do colégio. Disseram que ficaram muito velhos pra isso. A gente tem a mesma idade!!! - eu falo indignado.


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Pra minha sorte, 13 anos depois, o Lagwagon voltou ao Brasil e eu fui. Sem coturno descolado e nem moicano abaixado, mas louco pra ver o “melhor show de toda história do hardcore”. Só consigo dizer que foi uma das coisas mais fodas que eu já vi. A mistura dos moleques e dos marmanjos cantando em coro e se batendo no mosh pit foi incrível. Com certeza, nem a banda esperava por isso. Até que perto do fim, em homenagem à morte do Tony Sly(NUFAN), eles tocaram “Exit”. Nessa hora, a roda ficou mais calma, o povo cantou mais alto e eu vi muito marmanjo com o olho cheio de lágrima. Eu inclusive. Acho que pelo menos pra gente, o hardcore nunca foi moda. Ficou ali a certeza de que, se daqui a 13 anos, o Lagwagon voltar a tocar no Brasil, a gente vai tá lá, com a cabeça cheia de fios brancos e com nossos filhos nos ombros gritando: Léguiwétu!!! Léguiwétu!!!

DISCOGRAFIA

Tragic Vision/Angry Days (7"), Duh (CD/LP), Brown Eyed Girl (7"), Trashed (CD/LP), Hoss (CD/LP), Double Plaidinum (CD/LP), Let's Talk About Feelings (CD/LP), Let's Talk About Leftovers (CD/LP), A Feedbag of Truckstop Poetry (7"), Blaze (CD/LP), Resolve (CD/ LP), Live in a Dive (CD/LP), I Think My Older Brother Used to Listen to Lagwagon (CD/EP)

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(O Papa é pop ou o Gigante acordou?) Mariana Perin, 30 anos e produtora

Devido a um acordo prévio, evitaria escrever sobre política nesta coluna. Primeiro porque me divido entre produções e a gestão pública, dois ofícios apaixonantes, porém, bem polêmicos, pois muitos da “cena” odeiam a política e se auto-intitulam anarquistas. Tirando o Nenê Altro, líder do Dance of Days, ninguém é anarquista, e mesmo ele, já entendeu que é obrigado a se adaptar para sobreviver nesta sociedade maluca capitalista.

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Enfim, eu fui ao 5º ato. Já passou pouco mais de um mês, e parece que as manifestações barulhentas e vandalistas (risos) aconteceram há mais de um ano. Eu sempre fui a favor de um transporte público de qualidade e bato na tecla de existir linhas de ônibus 24h. Para nós, produtores, músicos e artistas, que vivemos da noite, depender de taxi ou esperar o retorno de metrô/trem/ônibus não é bacana. Uma amiga e eu dividíamos o carro para podermos produzir shows e ir aos pontos de encontros de saída de Van. Nem sempre para voltar era fácil, e lá estávamos nós, buscando uma a outra na madrugada e dormindo cada dia na casa de uma... Eu gritei “não” pelo aumento das passagens de ônibus. Mas fiquei bem puta, pois não vi a “cena” se pronunciar. Vi gente indo em protesto pra tirar foto e paquerar. Vi também gente inteligente se abster para não se envolver. E vi poucos entrarem de cabeça numa causa. Porra, qual é a função do rock, senão o protesto? E mesmo os “punks de condomínio”, foram omissos, num momento em que a rua clamava pela história. Sou do ABC, e o movimento sindical teve grande importância na retomada da democracia nas Diretas. E os punks estavam ali. Muitos eram sindicalistas. Uma vez vi um documentário que o Clemente (Inocentes) contava um pouco deste momento político nacional. E em meio às manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre, o documentário “Do Underground ao Emo” foi lançado, para jogar na nossa cara que a o Hardcore Brasileiro foi sempre pouco político e extremamente estético.


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Sou fã das Verduradas, mesmo sem gostar do som que rola por lá. Primeiro, porque vejo princípios nos festivais. Segundo, porque é importante sim o jovem ter bandeiras e causas para se sentir protagonistas de seus mundos. Tapa na cara dos “indieotas”, que acham pseudo-intelectuais e entoaram palavras de ordem pensando no show do Morrissey que poderia ser cancelado (e foi), e que na cabeça “indiorante”, seria mais um motivo para protestar e paquerar na Av. Paulista. Passou um mês... E o Papa veio ao Brasil, esfregando uma simpatia ímpar. Eu tive o (des)prazer de trabalhar em um evento da Pré-Jornada Mundial da Juventude e fiquei bem brava com os Párocos que combinaram mil coisas e na hora H, tiraram a autonomia dos produtores e fizeram do evento, algo desorganizado e sem dono. Mas o rockstar Francisco fez tão bonito, que ninguém nem ligou pra desorganização. Chicão levou mais de 4 milhões de pessoas às ruas no Rio, batendo o quase imbatível show dos Rollings Stones. E em meio a tanta fé, até eu, um pouco descrente, vi esperanças pra uma juventude que precisa se agarrar ao seu ídolo e ter fé. E ele, depois de alguns dias no Brasil, declarou e clamou aos jovens, que não desistam das ruas... Sim, o Papa Chico clamou pela #vozdasruas. Precisa o Papa vir ao Brasil para alertar a juventude? Para dizer que eles devem sim se apropriar do sistema e mudar a sociedade? Portanto, a próxima eleição para o Governo do Estado está aí. E mais, elegeremos Deputados Federais e Estaduais. Se você não se apropriar da política agora, quando é que o Brasil vai acordar de verdade? E ainda defendo que esta mesma cena “independente” deve ter um candidato próprio: ninguém ligado à política até este momento. Alguém que tenha despertado com o gigante. E pode ser você.

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