OLIBERAL
BELÉM, DOMINGO, 5 DE JULHO DE 2015
MAGAZINE 11
sim
VICENTE CECIM
vicentefranzcecim@gmail.com
Voar sem asas Cavalgo este touro enquanto ando a pé Levo a pá na minha mão vazia POEMA ZEN
V
ocê já se acostumou a ter um livro nas suas mãos vazias? A pergunta nos lança em nosso assunto: o livro virtual, e nela ecoa o poema Zen citado nesta Sim. Quando, em 2008, participei em São Paulo do seminário Literatura Web, com outros escritores brasileiros, discutimos a relação entre o livro impresso e o livro virtual, e, certamente, naquele tempo responder a isso não era fácil – e não sei se a dificuldade se atenuou. As resistências em dividir com o livro virtual o espaço – mas nem espaço há para dividir com ele – conquistado há séculos pelo livro impresso, persistem: entre os leitores, muitos ainda não aceitam ter um livro virtual nas mãos vazias de livro – entre os escritores, muitos se recusam a escrever palavras para o vazio virtual. Tão cedo, ou nunca, haverá unanimidade. Mas assim como a televisão não acabou com o rádio nem o cinema acabou
com o teatro, o Passado indica que no futuro livro impresso & livro virtual coexistirão. Bem, se o Futuro será mesmo assim - só saberemos quando ele for Presente. Por enquanto, voltemos àquele passado seminário Literatura Web, que já sabemos como foi. Dele também participaram o ficcionista Carlos Emílio Correa Lima, um mago da palavra de invenção do Nordeste brasileiro, a crítica literária Heloísa Buarque de Holanda, o romancista Raimundo Carrero e cronista Fabrício Carpinejar, com a intermediação do escritor Edson Cruz para a Tv Cronópios, que transmitiu virtualmente o seminário e suas cinco jornadas de duas horas por dia, a partir do Sesc São Paulo.
Literatura Web Em nosso diálogo, precursor na abordagem da relação entre literatura impressa e virtual, defendi:
I O fim da crítica literária como autoridade suprema que julga, aprova ou condena a obra, reprimindo o livre Ato de Criação com regras e leis exteriores à criação - e desconhecendo, porque não pratica, a alquimia interior da criação literária – e a substituição do crítico-juiz por um cúmplice participante - citei Maurice Blanchot, que além de crítico também é ficcionista, como um exemplo disso. Depois que falei, Carlos Emílio Correa Lima comentou: O crítico é como aquele que fica de fora da piscina ensinando as pessoas a nadar.
II Também defendi a superação, através do livro virtual, da atual situação do escritor que insiste em fazer literatura com alma & vida – mas não consegue
editar seu livro impresso, visto como acima da inteligência do leitor brasileiro pelo mercado editorial e seu sistema de comercialização que transformou o livro em produto e o leitor em consumidor. Entendo que o livro virtual permite ao autor realizar, com independência, todo o processo editorial, sem restrições: escrever, editar e lançar sua obra no mundo global, para uma imprevisível quantidade de leitores potenciais. E se libertar do mundo restrito das mínimas tiragens de autores brasileiros feitas pelos editores – as grandes tiragens são privilégios de livros-produtos para leitores-consumidores, preferentemente medíocres, os primeiros, e mediocrizados pelas suas leituras, os segundos como o best seller pré-fabricado em ávidas degradações mercantis dos tons de cinza. Autores
virtuais poderiam, a partir do século XXI, recuperar a autonomia do poeta William Blake, que no século XVIII escrevia, ilustrava, editava e distribuía seus livros.
III Propus ainda a extinção do Ego autoral na criação literária – e na Arte em geral – denunciando todos os que veem sua obra como uma propriedade privada, da qual pretendem ser o único autor – em vez de reconhecer que são apenas meios pelos quais Aquilo que doou aos homens o Dom da Criação, se diz: a própria Vida. Como se não bastassem as expressões de condenação ao meu redor – Como, eu não sou o autor da minha obra? – acrescentei que o meu desejo era que chegasse o tempo em que os autores, se libertando do ape-
go às suas obras, eliminassem seus nomes das capas de seus livros – e os lançassem no mundo, anonimamente – como de todos e para todos. Grátis. Eu já lanço livros meus virtualizados na web, só não eliminei o nome, porque uni ao meu o do meu filho Franz - que já se tornou, muito além do virtual: espiritual. Preciso mesmo dizer que nenhuma dessas minhas propostas teve aprovação, sequer de um dos participantes? E se atualmente fossem repetidas, não seria diferente. Mas continuo suspeitando que a a-dimensão virtual – quem sabe - talvez seja uma Via Sutil para a nossa libertação da Densidade de tudo o que, como Corpo, está submetido à Matéria.