BELÉM, DOMINGO, 16 DE AGOSTO DE 2015
OLIBERAL
MAGAZINE 11
sim
VICENTE CECIM
vicentefranzcecim@gmail.com
Diálogo no Espelho
O que reflete um espelho diante de outro espelho?
J
MICHEL FOUCAULT
á conversou com sua Imagem no Espelho? Não? Mesmo que ninguém estivesse olhando? Tem vergonha de si mesmo? Receia que o chamem de louco? Ou, pior: medo que sua imagem de repente não se limite mais a repetir precisamente os seus gestos, e ria da sua cara entristecida, chore da sua cara feliz – e, assumindo o controle, passe a ter ideias próprias, se oponha às suas? E passe a dizer verdades que você não esperava ouvir em do seu pior inimigo? Ah - o pânico da Rainha Má quando o espelho mágico lhe diz que Branca de Neve é mais bela do que ela – e ou terror dos Rockfeller, se, em inesperado ataque de sinceridade, seus espelhos lhes dizem que há alguém mais rico do que eles. Eu? Eu, de vez em quando, dialogo comigo no espelho – e é bem proveitoso quando a minha imagem, lá de dentro, se mostrar mais autêntica do que eu, aqui do lado fora, na Vida. Agradeço a ela – e trocamos de posição. Mas não vá ficar assustado até as raízes dos cabelos da próxima vez que estiver se penteando diante do seu espelho. Esta Sim, sem Tremor & Temor kierkegaardiano dos hospícios nem da chamada opinião públi-
ca - o que cada vez mais vem se tornando a mesma coisa – é só para contar como meu espelho tem sido para reflexões e um bom companheiro nas minhas buscas do autoconhecimento. Uma vez, eu e minha imagem - postado este Vicente Cecim que acho que sou face a face com o Cecim Vicente que acho que não sou - tivemos o seguinte diálogo, que você já vai pegar pela metade:
VC & CV - e por isso não sigo por um caminho único, marcando passo através de uma única dessas tantas vias cheias de promessas que os homens inventam, e que começando na Terra fazem desaparecer entre as estrelas – sem chances de comprovação. CV: Isso é uma negação do Mistério, ou só dos tateares humanos? VC: Ah, não, como negar o Mistério? Do mistério que é a Vida só se pode dizer: É o Mistério. E como negar o que somos? Todos nós somos esse Mistério. Isso é a recusa de escolher uma única dessas vias, porque optar por uma delas será negar as outras. E o Mistério da existência é a soma de todas essas as vias – anulando cada uma dessas que, divididos, os homens criam
Magritte: “Reprodução Proibida” para si, cada um pretendendo que a sua é a verdadeira. Veja as religiões ocidentais monoteístas, o judaísmo, o cristianismo, o islamismo – todas afirmam a mesma coisa: - Há um só deus. Mas garantem que somente o de cada uma delas é o verdadeiro. CV: Então é indiferente optar por uma delas? VC: Sim – fico só com o que
todas têm em comum: - Há um só deus. Que prefiro chamar de O Mistério. Mas não é que seja exatamente indiferente escolher. São justamente as possíveis diferenças que anulam as escolhas. CV: Mas não são exatamente elas - as diferenças - que permitem e tornam necessárias as escolhas? Godard, em Vivre sa Vie/Viver a Vida: - Levanto a
mão, sou responsável. VC: Eu não levanto mão alguma, a menos que seja para salvar uma vida. Não esmago a Liberdade entre as muralhas desse dualismo, me recuso a ficar encurralado entre as únicas possibilidades de um - Sim ou um Não. Só os tolos, de boa ou má-fé, fazem isso – e falamos deles em recente Sim. Chamo a atenção para a vertigem que o segundo título desta pagina introduz: E por que não? Entre o Sim e o Não a vida fica reduzida a uma passagem muito estreita – que, em sua aparente abertura de escolhas, leva a um beco sem saída. CV: Então, nem apenas Sim e nem apenas Não. E buscas uma saída. Será aquela que nos livros de Andara chamas Tempo da Hipótese? VC: O tempo do Talvez, do fosse, seria, estivesse, houvera – o tempo do Quem sabe? É como o tempo do Era uma vez que nos inicia na abertura para o tudo é possível nos Contos de Fadas – mas a Viagem a Andara quer ir mais longe, uma vertigem mais elevada - e nos livros de Andara s se diz: Fosse uma vez. CV: Ah – fosse uma vez. VC: Talvez seja a palavra mais importante para o homem. CV: Talvez. VC: Na verdade, talvez é a única certeza. CV: E o que fazemos com o existencialismo sartriano, que diz: - A minha liberdade é inútil.
Ela só serve para que eu escolha meus compromissos. VC: Repito, quando se trata de salvar uma vida – não há não, nem talvez – somente o Sim, um Sim a plenos pulmões - avassalador, total, inegociável. CV: Entendo. Mas nem todos dizem esse Sim inegociável VC: que não escolhe. É a própria e única escolha. E por que não dizem, ou muitos poucos dizem? Porque quase todos já escolham o caminho da direita ou o caminho da esquerda. E esse não e um sim comum, esse Sim total só passa pelo Caminho do Meio. CV: Que caminho é esse? VC: O caminho Sakyamita, do budismo de Nagarjuna. CV: Onde posso ler sobre ele? Há tradução em línguas ocidentais? VC: O Ocidente só conhece o esquemático e rígido caminho dual, do sim ou não, que chamam de 8 ou 80. Podes ler no original, em sânscrito. Mas, mesmo que venças essa dificuldade inicial ainda terás que por o livro diante de um espelho – para que possa ler as palavras invertidas, como na música: porque és o avesso do avesso do avesso do avesso. CV: E pelo avesso acharei o Caminho do Meio. VC: Talvez, Espelho, espelho meu.