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O que revelam as cartas? (II)
LEGENDA: Carta fraterna ilustrada de Van Gogh a seu irmão Theo
O meu coração está cheio de coisas que eu gostaria de te dizer BEETHOVEN Você já ainda escreve cartas? Na Sim do domingo passado vimos como as Cartas revelam a vida oculta, subterrânea, e os sentimentos de pessoas que o mundo só conhece por fora, por aquilo que elas publicamente revelam. Embora as incontáveis cartas de pessoas célebres que chegaram até nós sejam de todos os tipos e sobre todos os assuntos, as Cartas de Amor são predominantes e as mais reveladoras. Embora nem todas tão profundamente reveladoras quanto as cartas fraternas, que Vincent Van Gogh escreveu ao seu irmão Theo – ilustrando com esboços de suas pinturas. Veja esta que o compositor Ludwig van Beethoven escreveu àquela que ele ocultava do mundo se referindo a ela como Amada Imortal.
De Beethoven à Amada Imortal
Meu anjo, meu tudo, meu próprio ser. Hoje apenas algumas palavras à caneta (à tua caneta). Por que sinto essa tristeza profunda se é a necessidade quem manda? Pode o teu amor resistir a todo sacrifício embora não exijamos tudo um do outro? Podes tu mudar o fato de que és completamente minha e eu completamente teu? Oh Deus! Olha para as belezas da natureza e conforta o teu coração. O amor exige tudo, assim sou como tu, e tu és comigo. Mas te esqueces tão facilmente que eu vivo por ti e por mim. Se estivéssemos completamente unidos, tu sentirias essa dor assim como eu a sinto. (...) Nós provavelmente devemos nos ver em breve, entretanto, hoje eu não posso dividir contigo os pensamentos que tive nos últimos dias sobre minha própria vida – se os nossos corações estivessem sempre juntos, eu não teria nenhum… O meu coração está cheio de coisas que eu gostaria de te dizer – ah – há momentos em que sinto que esse discurso é tão vazio – alegra-te – lembra-te da minha verdade, do meu único tesouro, o meu tudo como eu sou o teu. Os deuses devem nos mandar paz… Teu fiel Ludwig. Não tão ardentes mas igualmente reveladoras foram outras, que não temos espaço para mostrar. Mas podemos, ao menos, citar algumas delas. Como a do escritor Lewis Caroll, autor da célebre Alice no País das Maravilhas, a Gertrude Chataway, de Kahlil Gibrán, que deixou uma obra igualmente célebre: O Profeta, a Mary Haskel, do transfigurador poeta inglês Dylan Thomas a sua mulher Caitlin ou as cartas eróticas do renovador da linguagem literária James Joyce a sua mulher Nora. Os escritores - o que não surpreende - foram os que mais contribuíram para a história das cartas célebre. Há cartas de Lord Byron a Caroline Lamb, de Pablo Neruda a Matilde Urrutia, de Henry Miller a Brenda Venus, de Scott Fitzgerald sua mulher Zelda, de Charles Baudelaire a Madame Sabatier, de Marcel Proust a Madame Straus, de Jonathan Swift – autor do célebre romance As Viagens de Gulliver, a Esther Vanhomrigh, de Virginia Woolf a Leonard Woolf, dos argentinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar a Estela Canto e a Edith Aron, de Edgar Allan Poe a Helen Whitman, do mexicano Juan Rulfo – autor do célebre Pedro Páramo - a Clara Aparício, de Gustave Flaubert – criador da célebre Madame Bovary – a Louise Colet, de Simone de Beauvoir a Jean Paul Sartre. Ufa. Dos escritores, há ainda as cartas de seus personagens, como a de Dom Quixote de La Mancha a sua amada Dulcinea - criações de Cervantes. Em nossa Era Virtual, em que ninguém se dá mais ao trabalho de escrever cartas e as pessoas se limitam a enviar um e-mail ou, menos ainda: meia dúzia de palavras pelo celular – será que algumas dessas banalizadas mensagens humanas se tornarão virtualmente celebres? Pode ser. Mas dificilmente as postadas nas chamadas Redes Sociais, que podem ser lida por todo mundo e, assim, quebram uma regra fundamental das
Cartas de Amor – a confidencialidade, o murmurar a dois dos amantes, longe dos ouvidos do mundo. E quem tentar corre o sério risco de suas ardentes palavras nem chegarem ao destino – censuradas e bloqueadas, por exemplo, pelo facebook, como atentados ao pudor. Experimente. Envie uma carta virtual como esta escrita à mão que o romancista Victor Hugo enviou, no século XIX, a Adèle Foucher, a famosa Adele H do filme de François Truffaut: Adèle, tens razão. É preciso amar-se e depois dizê-lo, e depois escrevê-lo, e depois é preciso beijar-se nos lábios, nos olhos, em todas as partes.
Carta de Amor de Albert Einstein a Mileva Maric Em todo o mundo jamais encontraria outra melhor que tu, é o que vejo claramente agora, quando conheço outras pessoas. (...) Até meu trabalho me parece inútil e desnecessário se não penso que também tu te alegras pelo que sou e pelo que faço.
EPORQUENÃO?