oliberal
Belém, domingo, 24 DE novembro de 2013
magazine n 11
sim
vicente cecim
vicentefranzcecim@gmail.com
Diálogos com Homens Sábios: Plotino A sapiência governa a criação por toda parte. PLOTINO
A
cerca da Beleza Inteligível é o Tratado V, 8 das Enéadas de Plotino. Vem da sua maturidade, quando tinha entre sessenta e sessenta e cinco anos. Foi escrito entre 263 e 268 DC e chamado por Porfírio, seu discípulo, de um dos vinte e quatro tratados perfeitos. Porfírio recebeu os tratados de Plotino para organizar, por temas, em um número perfeito: nove em cada livro. Por isso a obra de Plotino, reunida em seis livros, se chama Enéadas. Através deste diálogo Sim com Plotino ele nos fala do caminho do conhecimento que a atividade contemplativa da Alma deve percorrer para atingir a visão do Universo Inteligível: descreve essa realidade inteligível como uma identidade do Ser, Pensamento e Intelecto, e além disso como essência fundadora e verdadeira da Alma. Certamente essa é uma Via para a Beleza mais elevada, e vai muito além das noções correntes na chamada Cultura do que se tornou um ramo de estudos: a Estética. Vai muito além e também vem de muito aquém, porque a noção da Beleza/kállos de Plotino está intimamente ligada aos três níveis da realidade que ele identificou como a Alma/psukhé, o Intelecto/noûs e o Uno/hén. Em Plotino sempre estamos atravessando dimensões metafísicas. E isso faz com que também sua compreensão da Arte/tékhne – que para os gregos antigos tinham um sentido bem diferente de como soa artesanalmente a palavra técnica em nossos ouvidos hoje – seja como um dos modos de reconhecimento da Beleza. Em V, 8 eis Plotino se lançando, mais fundo, sobre os fundamentos da natureza da Beleza, o que antes já fizera no Tratado I, 6 das Enéadas, especificamente Acerca do Belo, onde vemos a busca da Beleza pela Alma a partir dos objetos sensíveis, passando pelas ações virtuosas, até atingir a sua própria Beleza e a do Inteligível. Claro que você pode virar esta página e seguir adiante, se já não virou, ou até voltar atrás algumas páginas para rever alguma coisa mais sedutora - que não consegue esquecer. Mas alguns justos, e justas, espero que não se voltem e virem estátuas de sal. E venham comigo e Plotino por esta Via de Beleza.
é seguramente maior e mais bela do que aquela que está no objeto exterior. - Há aí três como que nuances de beleza, então: a que já estava no ser natural da pedra, a que se transferiu para a pedra quando tocada pelo artista, e aquela que é, em si mesma, a Beleza que moldou a pedra? PLOTINO: Quanto mais a beleza se estende indo em direção à matéria, tanto mais sem vigor é em relação àquela beleza que permanece no Uno. Já que cada coisa que se destaca se distancia de si mesma: se força, em força, se calor, em calor, se beleza, em beleza. E é preciso que toda coisa que primeiro produz seja em si mesma melhor do que o que é criado, já que não é a ausência de música que cria o músico, mas a música, e a música anterior ao sensível é aquela que cria a música no sensível. - E o que seriam as coisas belas por natureza? Elas também não são manifestação do Uno que tudo emana de si, como tu dizes? PLOTINO: Não é talvez esta beleza por toda parte uma forma, que atinge isto que é gerado partindo daquilo que o produziu, tal como se dizia nas artes nas quais a forma vai das artes aos objetos produzidos? Por um lado, são belas as obras e o princípio inteligente que governa a matéria, por outro, o princípio inteligente que não está na matéria mas naquele que cria, este Princípio, primeiro e imaterial, não é beleza? Mas também a natureza que produz coisas tão belas é bela muito antes dos seus produtos, todavia nós que não estamos habituados a ver nada das coisas internas nem as conhecemos, seguimos o exterior ignorando que é o interior que move. Como se alguém, vendo a própria imagem, não reconhecendo de onde ela vem, a seguisse. - A Natureza, além de criada por um Princípio Primeiro, o Uno, também não se cria – ou recria? É o que vemos bem diante dos nossos olhos. PLOTINO: Existe também na natureza um princípio inteligente modelo da beleza corpórea, mas o princípio que está na alma é mais belo do que o
Os sonhos da Razão moderna geram monstros que está na natureza e deste provém o princípio inteligente que está na natureza. Certamente, o princípio que está na alma nobre é muito fúlgido e já supera em beleza. De fato, adornando a alma e fornecendo luz, proveniente de uma luz maior que é primeiramente beleza, estando este princípio na alma, a faz deduzir qual é o princípio antes dele que não nasce nem é outro, mas está em si mesmo. Por isso, não é nem mesmo um princípio criador, mas o criador do primeiro princípio inteligente da beleza, que está na matéria da alma. - Como tu o chamas? PLOTINO: Este é o Intelecto, aquele que é sempre intelecto e não que é algumas vezes Intelecto, porque não adquire nada para si mesmo. Qual imagem então alguém poderia colher dele? Pois toda imagem será proveniente de alguma coisa de inferior. - Hoje em dia os homens não têm assim em tão elevada dimensão o teu Intelecto de grego antigo: são apenas especialistas, que chamamos meramente de intelectuais. PLOTINO: Estes de que falo não são deuses, mas também são deuses segundo o intelecto. E certamente são belos enquanto deuses. Certamente não é que algumas vezes são sábios e outras vezes não usam de sabedoria, mas sempre são sábios no intelecto impassível, constante e puro e sabem tudo e conhecem não as coisas humanas, mas as próprias coisas divinas e
Plotino: Acerca da Beleza Inteligível - Por onde começamos? PLOTINO: Tome como exemplo duas pedras em estado bruto uma ao lado da outra, uma sem proporção e desprovida de arte e a outra já transformada pela da arte na estátua de um deus ou ainda de um homem, de um deus como uma Graça ou uma Musa e de um homem, não qualquer um, mas aquele que a arte criou escolhendo todas as belas qualidades. Aquela pedra que atingiu a beleza de uma forma devida à arte, aparecerá bela não em relação ao seu ser pedra - pois seria igualmente bela também a outra - mas pela forma que a arte infundiu. - E antes, o que essa pedra era no que tu chamas seu ser pedra? PLOTINO: A matéria não tinha esta forma, mas esta estava em quem a pensava já antes de atingir a pedra. Estava no artífice, não enquanto é dotado de olhos e mãos, mas porque participava da arte. - Mas já havia alguma espécie de beleza na pedra. PLOTINO: Porém esta beleza estava muito melhor na arte: na verdade, não é aquela beleza que está na arte que atingiu a pedra, mas aquela beleza da arte permanece em si. Ao contrário, atingiu a pedra outra beleza proveniente daquela da arte e inferior a ela. E nem esta beleza permanecia pura na pedra, nem como queria, mas na medida em que a pedra cedeu à arte. É muito maior e mais verdadeiramente bela a arte porque possui a beleza que
A Colheita das Paisagens A Plotino Para descer o céu à terra num antro mais cheio de murmúrios aquilO que morre nas flores canta um Rumor de luz Eu escuto, na Residência da Semente Branca daqueles que tiveram o pé esquerdo devorado por ovelhas Eu nutro: os caminhos apagados Eu nutro: a mais antiga, a Visão que veio ao encontro dos que vão em busca da espera de Si mesmos Eu não sou a semente de uma intensidade nua de espinhos, eu não sou Eu não sou
Vicente Franz Cecim
todas as coisas que o intelecto vê. - Gostaria de ter um amigo assim. Onde vivem, como acho um? PLOTINO: Entre os deuses, aqueles que estão no céu — já que têm disponibilidade — contemplam sempre, como de longe, as coisas que estão naquele outro céu levantando as próprias cabeças. Aqueles deuses que, ao contrário, estão naquele outro céu, quantos têm morada junto a este céu e neste céu, habitando em todo o céu de lá — pois tudo ali é céu, a terra é céu, o mar, os animais, as plantas, os homens, cada coisa daquele céu é celestial — os deuses que estão neste céu, não desdenhando dos homens nem de nada daquelas coisas de lá, porque se encontram lá no alto, percorrem toda a região e o espaço repousando. Pois que ali está “o viver facilmente”, pois a verdade é para eles geradora, nutriz, ser e nutrição — e veem todas as coisas, “não aquelas às quais pertence o vir a ser” mas aquelas às quais pertence o ser e veem a si mesmos nos outros: pois todas as coisas são transparentes e nada é obscuro nem resistente à luz, mas tudo é manifesto a tudo até o íntimo e assim todas as coisas são manifestas a todas as coisas até o interior - já que a luz é manifesta à luz. Pois cada coisa tem todas as coisas nela mesma e, por outro lado, vê todas as coisas no outro, de modo que todas as coisas estão em toda parte e tudo é tudo e cada coisa é tudo, e o esplendor é infinito. - Oh. PLOTINO: Na verdade, cada uma destas coisas é grande, pois que também o pequeno é grande: mesmo o sol ali é todos os astros e, por outro lado, cada um destes é sol e todas as coisas. E em cada um é proeminente um traço particular, mas manifesta também todas as coisas. E também o movimento é puro, pois isto que move não o turba no seu proceder, como se fosse diferente dele, também a imobilidade não é perturbada porque não é misturada ao que não é imóvel. E o belo é belo porque não está no não belo. - Oh. PLOTINO: E cada um não avança como numa terra estrangeira, mas para cada um o lugar em que está e isto que é são o mesmo, e o lugar de onde vem vai com ele que procede como em direção ao alto, e não é que ele é uma coisa e o seu lugar um outro. Pois o substrato é Intelecto e ele mesmo é Intelecto. Como se alguém pensasse que, neste céu visível, que é luminoso, esta luz que vem dele são os astros. - Oh. PLOTINO: Aqui, uma parte não nasce de uma outra e cada coisa é apenas uma parte, lá, ao contrário, cada coisa deriva sempre do todo e é ao mesmo tempo uma única coisa e todo. Na verdade, cada coisa aparece como uma parte, mas o todo é observado por quem é agudo de vista, como se alguém se tornasse, em relação à vista, tal qual se dizia ser Linceu, que via também as coisas de dentro da terra - já que o mito alude aos olhos que veem lá no alto. - E que mais? Diz.
PLOTINO: Não há cansaço nem saciedade de contemplação lá no alto, de modo a existir um final para quem contempla, nem há um vazio para este, de modo que, chegando à plenitude e ao fim, esteja satisfeito. Nem há uma coisa e outra, de modo que as coisas de um não sejam apreciadas por um outro entre aqueles de lá, e as coisas de lá são inexauríveis. Mas há a insaciabilidade pelo fato de que a plenitude não faz desprezar aquele que a produziu. De fato, quem vê, vê mais, e observando a si mesmo infinito e as coisas visíveis, segue a própria natureza. E a vida não comporta cansaço para ninguém quando ela é pura: de resto, isto que vive do modo melhor, por que deveria cansar-se? - Sim. Por que? PLOTINO: A vida lá é sapiência, sapiência não adquirida com raciocínios, porque sempre toda inteira e carente de nada, de modo que tenha necessidade de busca, e o ser mesmo é sapiência, mas não existe antes somente o ser e, em seguida, o ser sapiente. Por isso nenhuma sapiência é maior e a ciência em si aqui se senta ao lado do Intelecto - Não como agora, aborrecida e se sentindo uma ignorante pelo fato de que se mostram juntos, como dizem, referindo-se a uma imagem, aquela da Justiça que se senta ao lado de Zeus. Pois todas as coisas deste tipo lá são como imagens vistas por si mesmas, de maneira que “seja espetáculo de espectadores extremamente felizes”. - Intelectuais felizes, hoje em dia, são uma espécie extinta. Os sonhos da Razão moderna geram monstros, se poderia dizer parodiando Goya. PLOTINO: Alguém poderia ver a grandeza e a potência da sapiência pelo fato de ela ter nela mesma os seres e os ter produzido e de todas as coisas derivarem dela. Ela mesma é os seres, eles nasceram com ela, e ambos são uma única coisa, e o ser lá é sapiência. - Me atrevo a te dizer que faço uma longa Viagem a um lugar assim que chamo de Andara, embora não dê um passo para ir até Lá porque já estou, ao mesmo tempo visível e Invisível. E o compreendi como O Um vários onde todos, e tudo, estamos e somos. PLOTINO: Nós não chegamos até a compreensão disto porque consideramos que também as ciências são teoremas e uma reunião de premissas, mas isto não vale nem mesmo nas ciências daqui. Se alguém ainda sobre isto discute, é preciso, neste momento, deixar de lado esta discussão. Mas sobre a ciência de lá também Platão, observando-a, declara “que não é outra em outro” — mas como isto é possível, ele deixou a nós buscar e descobrir, se dizemos que somos dignos do nome que temos — então provavelmente é melhor começar deste ponto. - Foi a primeira coisa que escrevi, ao iniciar a Viagem a Andara: Atravessar o que nos nega: chegar ao Sim.