Sim 26 a árvore da vida segundo malick

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Belém, domingo, 1 DE dezembro de 2013

oliberal

magazine n 11

sim

vicente cecim

vicentefranzcecim@gmail.com

A Árvore da Vida segundo Malick Ó minha alma, me deixa entrar em ti, olha através dos meus olhos, contempla as coisas que criaste, vê como brilham. TERRENCE MALICK/

Além da Linha Vermelha

N

a abertura de Além da Linha Vermelha, atravessando os pântanos sangrentos de uma guerra qualquer signo de todas as guerras - o personagem masculino pregunta ao Universo, face a face com a Natureza: - Esta terrível crueldade, de onde sai? Como se enraizou no mundo? De que semente, de que raíz brotou? E de quem é obra? Quem nos mata? Nos arrebata a vida e a luz, zomba de nós mostrando o que poderíamos ter conhecido? Acaso nossa destruição beneficia a Terra? Ajuda que cresça a erva ou busca o Sol? Também em ti há esta obscuridade? Viveste esta negra noite? Ele se também queixa ao Cosmos do que aconteceu aos homens: - Éramos uma familia, tivemos que nos separar e nos distanciamos, e agora estamos em bandos adversarios, nos roubamos a luz uns aos outros. Como perdemos a bondade que nos foi dada? A deixamos escapar, a dispersamos sem perceber? Mas ele sabe que o que é negado pela ações humanas e por elas velado talvez possa ser desvelado, e diz a si mesmo: - Talvez todos os homens tenham uma só alma, da qual todos somos parte, todos os rostos são o mesmo homem, um único ser. E esse mero talvez é o bastante para o iluminar e, como o Cinema de Malick, resistir: - O amor, de onde vem? Quem aviva sua chama? Nenhuma guerra poderá apagá-la nem roubá-la. Um diálogo, também em Além da Linha Vermelha, devesse ser deslocado dos seus personagens para o próprio Malick, que foge de entrevistas, não fala sobre seus filmes, e é através deles que diz tudo o que tem a dizer: Alguém pregunta: - Não se sente só? Alguém responde: - Só quando há gente. E certamente é também Malick, no seu novo filme em exibição na cidade, Amor Pleno, quem através da personagem feminina nos diz: - Eu me fundo na noite eterna.

Quem é Malick? Já sabemos como ele vê o mundo, pelos seus filmes. Poderíamos saber algo mais seguindo seus rastros pela vida? Quem sabe? Malick nasceu no Texas, em 1943, seu pai tinha ascendência assírio-libanesa cristã – origem ancestral da metafísica que impregna seus filmes? Se

Os especialistas em cinema verão apenas a invenção de uma nova linguagem nos filmes de Malick, e isso já será ver muito. Mas um mundo confuso poderá ver esses filmes de outro modo a não seu como confusos? Como poderá se ver no seu Cinema Raro que, justamente, desvela esse mundo confuso a si mesmo? Uma outra Árvore da Vida/ Etz Chaiym, a da Cabala de Isaac Luria, porém, vindo do Século XVI nos levará diretamente à Árvore da Vida segundo Malick.

A Árvore da Vida segundo Luria Eis, que antes das emanações serem emanadas e as criaturas criadas, a simples luz superior preenchia toda existência. E não havia vazio, tal como uma atmosfera vazia, um oco, ou poço, mas tudo estava preenchido com simples, ilimitada luz E não havia tal parte como cabeça, ou cauda. Mas tudo era simples, suave luz, balanceada uniformemente e igualmente. A isso se chamando Luz Sem Fim. E quando sob Sua simples vontade veio o desejo de criar o mundo e emanar as emanações. Para trazer à luz a perfeição de Suas ações, Seus nomes, Suas denominações, que foram a causa da criação dos mundos. Então restringiu Si Mesmo, no meio, precisamente no centro, e a luz se foi longe para os lados ao redor daquele ponto central.

formou com a maior das honras e Phi Beta Kappa em 1965. Depois foi para o Magdalen College, Oxford, mas saiu antes de completar o doutorado. Em 1969, a Northwestern University Press publicou a tradução de Malick de um dos trabalhos de Heidegger. Malick ensinou Filosofia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Fez seu primeiro filme em 1973: Badlands/Terra de Ninguém, literalmente Ermo ou Terras vazias. Cinco anos depois – ele medita bastante antes de fazer um novo filme - Days of Heaven/ Cinzas no paraíso e recebeu o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes. Só vinte anos após veríamos um outro filme seu: The Thin Red Line/ Além da Linha Vermelha, literalmente A Fina Linha Vermelha, em 1998, Urso de Ouro no Festival de Berlim. Voltou em 2005 com O Novo Mundo/The New World. Iniciou em 2008 as filmagens de The Tree of Life/A Árvore da Vida mas só conclui em 2011, quando o filme recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. To the Wonder/Amor Pleno – mas no original seu título é ao mesmo uma dedicatória e uma celebração: À Maravilha – iniciado em 2010 e lançado no Festival de Veneza em 2013 – mostra ou que ele agora tem pressa de dizer mais, ou as portas das produtoras estão mais avidamente abertas para seus filmes e os bolsos dos fieis seguidores que conseguiu. Com apenas seis filmes, em quarenta longos anos. Agora sabemos alguma coisa mais. Pelo menos que Malick é um filósofo que usa o Cinema como o seu meio essencial de expressão.

E lá remanesceu um vazio, um vácuo circulando o ponto central. E a restrição foi uniforme ao redor do ponto vazio, de modo que o espaço circulasse uniformemente ao seu redor. Ali, depois da restrição, tendo formado um vácuo e um espaço precisamente no meio da luz sem fim, um lugar foi formado. Onde o emanado e o criado possam residir. Então da Luz Sem Fim uma única linha baixou descendo naquele local e através daquela linha emanou, formou, criou todos os mundos. Antes que estes quatro mundos viessem a ser havia um infinito, um nome, uma maravilhosa, oculta unidade. Que até para os mais próximos dos anjos não há realização no semfim.

Luminosa Solidão Malick está em sua Luminosa solidão - há apenas umas duas fotos dele circulando, uma delas nesta página Sim - vendo toda a Escuridão dos tempos atuais na Terra e, ao mesmo tempo, denunciando, como Zygmund Bauman, a Vida Líquida, na verdade Pantanosa que a Humanidade está vivendo neste iniciante III Milênio DC, e indicando a inadiável Travessia para um novo tempo - aquele que o também filósofo Giorgio Agamben chama de Tempo Messiânico. O que fica bem evidente já nos títulos originais de seus recentes filmes: A Árvore da Vida - em que percorre, da origem do Cosmos ao surgimento da Vida na Terra, os passos humanos até a Dor cotidiana atual - e À Maravilha. Não são filmes para o chamado o pior cego – aquele que não quer ver.

- Quem somos, cada um de nós? E - pergunta para a qual você não poderá inventar uma resposta autoilusória, como já fez, certamente, para a primeira: - O Que somos? - O que fazemos aqui? É outra pergunta para a qual você também já inventou uma resposta para seu uso pessoal. Mas não inventará para estas: De Onde viemos, e por que e Para Que viemos? E: - Para Onde estamos indo? Ou: - E estamos Indo para alguma coisa? Se você não se faz essas perguntas sem respostas, e se contenta com as respostas fáceis que se inventa para aquelas outras - não foi para gente como você que Malick fez agora To the Wonder/À Maravilha – ou o Amor Pleno em exibição no Cine Estação. Cinema raro. Cinema como fluxo de signos da Vida. Nem claro nem escuro, sua luz é a da Penumbra - para a Reflexão. É mais uma grave imersão que ele faz no que a Vida tem de mais oculto e belo e terrível para nós, homens: Malick abre o Cinema para espreitar as estrelas a partir do nosso próprio cotidiano e do interior humano, e, ao mesmo tempo - por isso é um criador essencial do Cinema - para incluir o Cosmos na existência humana, e, assim, nos dimensionar e lançar para além de nós mesmos, ampliar nossa vida para além dos limites da Terra. O maior Elogio que eu posso fazer ao filme - que faz as perguntas que você não se faz, e, sem inventar falsas respostas, apenas as lança como Malick sempre faz em seus filmes - é: - Não vá ver. Mas o cinema ficou cheio de pessoas que, como eu, foram ao encontro de Malick. Elas ainda não sabiam o que iriam ver, claro. E ficamos todos silenciosos, perplexos, e respirando baixinho diante do que vimos - até o fim. Então, quem sabe você, sim, deva ir ver?


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