Belém, domingo, 22 DE dezembro de 2013
oliberal
magazine n 11
sim
vicente cecim
vicentefranzcecim@gmail.com
A Vida é um Sonho?
Somos plantas apoiadas nas raízes que têm de romper a Terra para poder florescer no Ar e dar frutos HEBEL
E
ssas são palavras de Johann Peter Hebel, que o filósofo Martin Heidegger cita encerrando seu texto Serenidade, de 1955. É a alma que fala? Fala o mundo? Ou fala Deus? E estas são as perguntas que Heidegger se faz, encerrando um passeio pela Floresta Negra, onde preferiu viver quase toda a sua vida, na Alemanha, e também outro texto seu, O Caminho do Campo, de 1948. Eu, como ele, ainda escutava os estrondos da Segunda Guerra Mundial, interrompida em 1945, nascendo por essa época. Aqui nesta outra Floresta, a Amazônia. Em intimidade com a mesma verdade que Heidegger sentia pela floresta dele. Devemos entender a palavra campo como lugar de Natureza: forma de manifestação, visível & vivível, a partir de uma Origem invisível & invivível, do Universo como ele nos é dado a perceber e conhecer enquanto reduzidos a entes lançados no tempoespaço - se preferirem: nascidos. O campo é simples – nos adverte Heidegger, sob os ecos do Kaos instalado pelo homem no mundo. Mas acrescenta: O Simples guarda o enigma do que permanece e do que é grande. E faz mais uma advertência: Todavia, o apelo do caminho do campo fala apenas enquanto homens nascidos no ar que o cerca forem capazes de ouvi-lo. E completa: O perigo ameaça que o homem de hoje não possa ouvir sua linguagem. Em seus ouvidos returba o fragor das máquinas que chega a tomar pela voz de Deus. Assim o homem se dispersa e se torna errante. Aos desatentos, o Simples parece uniforme. A uniformidade entedia. Os entediados só veem monotonia ao seu redor. O Simples se desvaneceu. Suas forças silenciosas se esgotam. Todo o passeio/texto de Heidegger transpira bem-estar, serenidade e, enfim, Inocência. Sentimos a Natureza como o Real, uma dimensão em que nos sentimos, como se diz, em casa. Uma casa sempre ameaçada de desmoronamento pelos seus habitantes, como mais uma vez estava acontecendo quando o filósofo fez seu passeio, mas, apesar de tudo – a nossa e a única que conhecemos, já que damos pouca atenção ao Ser do Ente que, para além ou no
profundo do Ente que apenas parecemos ser, segundo Heidegger, é o que de fato somos. Foi relendo essas palavras de Heidegger – e concordando com elas – que esta semana recebi a instigante notícia:
Cientistas acham provas de que o Universo pode ser um grande Holograma A descoberta, divulgada na revista Nature, foi feita pelo físico japonês Yoshifumi Hyakutake, e embora não seja definitiva fornece provas mais claras de que nosso Universo – tudo isso o que vemos e tocamos – poderia ser, na verdade, um enorme Holograma – isto é: uma mera projeção. Projeção do que? Este mundo, feito por dez cordas matematicamente intrincadas, vibrante e pulsante – segundo a atual Teoria das Cordas – e com dimensões espaciais, seria só a projeção de uma base lisa, sem dimensões, ela sim sendo o Universo Real. Mas o que é um holograma? E, então, o que seria o nosso Universo? E nós próprios? Para tentar entender, pense em um filme: uma película inerte antes de ser projetada, onde estão, impressas, cidades, paisagens, pessoas e coisas acontecendo, que ganham vida quando a película é projetada. Quem primeiro levantou essa hipótese, em 1997, foi o físico argentino Juan Maldacena: segundo ele este mundo de cordas matematicamente intrincado seria apenas a projeção de um Universo plano, mais simples, onde a ação real aconteceria. Para os físicos podemos ser, pois, fantasmas habitando um mundo fantasma. Ou: é Lá, nessa película inerte, que somos, e Aqui apenas parecemos ser. Mas acreditamos nisso como acreditamos nos nossos sonhos quando os estamos vivendo. Para chegar a isso, Hyakutake calculou a energia interna de um buraco negro, a posição de seu horizonte de eventos, sua entropia e os efeitos das partículas virtuais que aparecem continuamente dentro e fora da existência. Como dessas coisas não entendemos quase nada, nem para confirmar
nem para negar suas descobertas – fiquemos, sem questionar, somente com as possibilidades abertas pelo que ele descobriu. E sigamos em frente. A suspeita ou certeza de que o Universo é uma projeção não é nova. Começou com as religiões ancestrais orientais & ocidentais e os primeiros filósofos – os chamados pré-socráticos – e com o surgimento e avanço da Ciência, quando se pensou que seriam desmascaradas como fantasias ou supertições, só fez se intensificar.
O Sonho de Brama & o Big Bang Os Vedas viram na Índia há milhares de anos, apenas com o Olho da Intuição, o Universo como uma breve manifestação seguida de uma desaparição nos sonos de Brama. Conforme Brama adormece ou acorda – o Cosmos se faz e se desfaz. Muitas das coisas que a Física Quântica agora conhece, utilizando o tecnológico Olho do Hubble, são como um eco distante dessa sabedoria antiga, ressoando no século XXI. Quem fez o primeiro esforço substancial para por em diálogo esse Saber – atingido através da intuição pura - e esse Conhecimento – reunido através da análise de informações – foi o físico teórico Fritjof Capra. Em 1975 ele lançou o livro, famoso, traduzido em quase todos os idiomas, O Tao da Física - Um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental/The Tao of Physics - An exploration of the parallels between modern physics and eastern mysticism. O livro lhe custou ser banido da comunidade científica – afinal, os cientistas como os filósofos bebem nessas fontes mas não gostam que a gente saiba disso e quase nunca as mencionam. Um desses raros rebeldes sinceros foi o próprio Capra, como entre os filósofos foi Schopenhaur que fez questão de declarar os Vedas, Platão e Kant como as bases em que assentava sua obra fundamental O Mundo como Vontade e Representação/Die Welt als Wille und Varstellung – cujas últimas palavras têm a ver com a pergunta que dá título a esta nossa página Sim: Para aqueles a quem a Vontade ainda anima, aquilo que resta, após a supressão da Vontade, é efetivamente o nada. Mas, ao contrário, para aqueles que se converteram e aboliram a Vontade, é o nosso mundo atual, este mundo tão real com todos os seus sóis e todas as suas vias lácteas, que é o nada. Em seu livro, Capra mostra que até algumas palavras do Saber antigo são as mesmas do Conhecimento atual.
E fica evidente que o primeiro concebe enquanto o segundo confirma os mesmos princípios de uma mesma Cosmogonia. Uma breve iniciação aos Vedas nos diz que Brama é o primeiro deus da Trimúrti, a trindade do hinduísmo, sendo os outros Vixnu e Shiva. Brama é a força criadora ativa no Universo. E o Universo tem uma existência cíclica. Brama sonha o Universo – e o Universo surge. Depois que um Universo é destruído por Shiva, Vixnu se encontra dormindo e flutuando no Oceano Primordial. Quando o próximo Universo está para ser criado, Brama aparece montado numa flor de lótus brotada do umbigo de Vixnu e recria todo o Universo. Depois que Brama cria o Universo, o Universo permanece em existência por um dia de Brama - ou um kalpa, tempo estimado em aproximadamente 4 bilhões de anos pelo calendário indiano. Quando Brama vai dormir, após o fim desse dia cósmico, o Universo é consumido pelo fogo. Quando acorda de novo, Brama recria toda a Criação. E assim sucessivamente, até que se completem 100 anos de Brama. Para a Física Quântica não é muito diferente: o Universo surge pela explosão chamada Big Bang. Segundo outra cronologia, que emprega o tempo astronômico e as coordenadas da expansão dos astros, o Universo tal como é conhecido hoje – terá havido um outro antes, como para os Vedas? – surgiu há cerca de 14 bilhões de anos, pelo calendário ocidental. Desde então sua evolução atravessou três fases: - o Universo Primordial em que havia partículas que só conhecemos em detalhes teóricos – o Universo Inicial em que os primeiros prótons, elétrons e nêutrons se uniram, formando núcleos e, finalmente, átomos, e, com a formação do hidrogênio neutro, foi emitida a radiação cósmica de fundo – e a época da formação das estruturas celestes com o surgimento dos primeiros quasares e primeiras estrelas, e depois as galáxias, grupos de galáxias e supergrupos de galáxias se formaram, com a força de expansão que as faz se distanciar do ponto inicial, sua Nascente. Para os Vedas, o Futuro do Universo era dado por certo: não será Eterno – irá durar apenas a centena de anos de Brama. Multiplique, faça as suas contas. E se prepare para a Grande Vertigem. Para a Física Quântica, o Futuro continua oculto e, assim, aberto a várias teorias: o Big Rip/Grande Rasgo ou a infinita fragmentação, dissolução e dissipação de toda a matéria em todos os seus níveis de organização, o Big Crunch/Grande Crise e o Big Bounce/ Grande Elástico ou Balança, um Universo Oscilante e outros modelos cíclicos com suas futuras contrações e reinícios de processos de expansão. Admite-se
também a morte térmica do Universo até teu total esfriamento. Quanto aos movimentos cíclicos, físicos quânticos e místicos vedas se entendem. Onde discordam é na afirmação de um Fim: para os primeiros, pelo Frio, para os segundos, pelo Fogo.
Que Voz nos fala do Escuro? Lembremos as perguntas de Heidegger citadas lá encima: É a alma que fala? Fala o mundo? Ou fala Deus? Quando a gente se faz essas perguntas aqui sobre a Terra terá como única resposta vinda lá do alto a Noite Escura do místico espanhol San Juan de La Cruz? Pois mais inaudível que ela seja, ainda é a Densa Face do Desconhecido. Posta face a face com a mais recente descoberta da Ciência. A de que só 4% do Universo são feitos de pessoas, planetas, estrelas - e ainda assim tudo rarefeito porque feito de átomos. Os outros 96%, como que envolvendo esses 4% e o sugando para fora, são energia escura - 72% - e matéria escura - 24% que ninguém sabe o que são.
A vida é sonho e os sonhos, sonhos são. Disse Calderón de La Barca, na Espanha do século XVI. O homem é o sonho de uma sombra. Já havia dito Píndaro, na Grécia antiga. Chuang Tzu sonhou que era uma borboleta, e quando acordou não sabia se era uma borboleta sonhando que era um homem. Disse Chuang Tzu na China, antes deles. Homens de Sonho ou não – até sermos despertados, ou não, continuemos, sim, nos sonhando.