Belém, domingo, 5 DE janeiro de 2014
oliberal
magazine n 11
magazine
asxt. Página 8.
sim
vicente cecim
vicentefranzcecim@gmail.com
Anjos sobre a Terra
Frequentemente me encontro só com a minha alma e rejeito meu corpo o pondo de lado como se eu fosse uma substância imaterial
O Arcanjo Miguel vence o Demônio (Guido Reni)
O anjo apaixonado (Asas do desejo, de Win Wenders)
nossa Mente emocional, de não saber distinguir o que é imaginado do que consideramos real – confirmada pela nova ciência da Neurobiologia. Por isso, choramos nos filmes que nos emocionam, mesmo mesmo sabendo que são apenas imagens projetadas em uma tela de coisas acontecendo e pessoas vivendo. E juntar esse Dom, ora negativo, ora positivamente empregado, ao nosso outro Dom, sempre disponível também das duas formas: positiva ou negativamente: o Imaginário. É assim que eu, ao escrever os livros de Andara, faço anjos nascerem em minha mente e saírem pelas minhas mãos – na verdade, apenas pela direita – sob a forma de Palavras, e se manifestarem aos outros através de livros. Foi assim desde o primeiro, A asa e a serpente, e prosseguiu pelo segundo, Os animais da terra, onde surge Caminá, a mulher alada, continuou pelo terceiro, Os jardins e a noite, onde a figura angélica agora se apresenta sob a forma do pássaro Curau. E jamais cessou nos que vieram depois. Asas voam por todos os meus livros. Ainda agora, no ano que passou por nós, escrevi mais um, Asa de murmúrios, em que a aparição se dá sob a forma de um ser chamado nãoEusou. E mais não digo, pois são coisas para serem lidas-vivenciadas nos próprios livros, que só cabe insinuar aqui. E vamos adiante, para o final desta página.
SUHRAWARDI
V
ocê já viu um anjo? Não? Eu já vi. E muitos. Basta que eu feche os olhos de fora e abra os de dentro. Aliás, eu faço anjos saírem pelas minhas mãos como um mágico faz sair coelhos da sua cartola. Como? Mais adiante eu revelo. Por enquanto, me limito a repetir a pergunta: - Você já viu um anjo? Não falo dessas pessoas de que dizemos, raras: - É um anjo. E que às vezes achamos pelos nossos caminhos tortuosos e que nos olham com olhos transparentes, sem dissimulações – como se diz: com os olhos da alma – e, nas meninas ou meninos dos olhos delas, vemos refletidas nossas próprias almas. Claras ou obscurecidas, conforme estamos vivendo naquele momento – mas sempre, por esses olhos benignos, perdoadas. Os anjos de que eu falo é o chamado Anjo, mesmo. Esses que, se diz, flutuam sobre nós nos Céus e, às vezes, descem na Terra e se manifestam aos homens e até se misturam a nós, algumas outras vezes se fazendo passar por humanos – e, nesses casos, são os chamados, por Suhrawardi, homens de luz, instrumentos usados pelo Sagrado para nos guiar de volta aos caminhos harmoniosos, trilháveis por nós, dos quais tantas vezes nos perdemos. Por exemplo: alguém que, em um dia que saímos de casa apressados, sem fôlego, impacientes para resolver um assunto – e um sinal de trânsito vermelho no retém por um minuto na calçada – para ao nosso lado e lança um comentário, anônimo, como: - Sinais verdes e sinais vermelhos, são como certos momentos da nossa vida: é preciso ter Paciência e saber a hora certa de atravessar. E tendo dito isso, vai embora, passa por nós. E não sabemos quem era. Nem a pessoa sabia pelo que nós estávamos passávamos naquele momento, quando fez seu comentário. Mas nos serenou e, perplexo, ficamos nos perguntando: - Como ela sabia? E por que me disse aquilo?
Voltemos agora aos anjos que vem a nós, e se revelam como Anjo mesmo. Muitos, ao longo da história humana, já os terão vistos. Os livros ditos sagrados estão cheios de manifestações deles. A Bíblia hebraica nos fala do Anjo de Jacó. Assim: - Uma noite, em um lugar deserto, Jacó viu uma longa escada que subia para o Céu, e, através dela, subia uma multidão de homens, mulheres e crianças. Nessa noite, Jacó encontra um anjo e o agarra e lhe pede que diga quem é. O anjo tenta se libertar, mas Jacó não larga. Durante toda a noite eles lutam ferozmente. E quando o dia vai nascendo, o anjo o fere na coxa e Jacó o deixar partir. Depois disso, sai coxeando. E os judeus vêem nesse coxear um sinal de quem foi tocado por um Anjo. A Bíblia cristã nos descreve, minuciosamente, a aparição do Anjo da Anunciação a Maria. Este, revela quem é a saúda com as palavras da oração que ainda hoje se ora sem que muitos saibam sua origem angélica: - Ave, Maria, cheia de Graça. O Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres, bendito o fruto do vosso ventre. E anuncia a ela que será o meio pelo qual o Deus, futuramente cristão, manifestará sua Presença aos homens, enviando à Terra o seu Filho: Jesus.
Muito além dos Sentidos A frase completa de Suhrawardi, fisósofo-místico persa, chamado o Xeique de Luz, que inicia esta página Sim, diz: Frequentemente me encontro só com a minha alma e rejeito meu corpo o pondo de lado como se eu fosse uma substância imaterial (jawhar mujarrad) e penetro em minha realidade íntima (fi dhâtí), retornando a ela e saindo das coisas restantes. Esta é uma muito elevada Via para ampliar a consciência humana, dando a ela a percepção de dimensões da Vida até então ocultas pela nossa própria consciência desperta e imediata das coisas, a que vê o mundo através dos sentidos.
Revoada de anjos (Ilustração de Gustav Doré para a Divina Comédia, de Dante)
Anjo da Guarda (Bernhard Plockhorst)
A Consciência Cósmica Ascensão de Maomé entre anjos. (Iluminura de 1650)
Não está ao alcance de todos. Mas, como se verá no final da página, segundo Richard Maurice Bucke, um minucioso estudioso dessas dimensões, devemos dizer: - Por enquanto. Será? Só o tempo dirá aos que viverão esses anunciados tempos - quem sabe de fato a caminho, vindo ao nosso encontro.
Anjos do Ocidente & Oriente Médio & Oriente Mas histórias como a judaica de Jacó e a cristã de Maria, você diria, são só histórias. Não sei, não. Você diria isso como um ocidental não crente, mas descrente – ou até radicalmente, ateu – sem esquecer, por favor, o onírico humor com que cineasta onírico Buñuel dizia: - Sou ateu, graças a Deus. Mas se fosse um árabe, diria? Certamente não diria. Porque um dos povos que mais conviveu com os anjos desde épocas muito antigas foramos árabes. Todo o Islamismo, criado por Maomé, que escreveu o Corão, o livro sagrado da civilização árabe, inspirado em Cristo e no que dele narram os Evangelhos Cristãos – terá também conhecido os fundamentais Evangelhos Apócrifos, ou Gnósticos, que o Vaticano mantém no exílio, fora do Novo Testamento? - é povoado de anjos. E há até imagens de Maomé subindo aos Ceus em uma nuvem de anjos, como a que você pode ver nesta página. Convencido? - Bem, mas se eu fosse um chinês, ou indiano, eu diria – são só histórias. Pois também não diria, não. Porque chineses & indianos também viram anjos na Ásia – e, como nós ocidentais, também sob a forma de demônios, o que o Budismo chama Devas. Em tempo, e os nossos ocidentais também anjos diabólicos, esqueceu deles? Esqueceu, ou quis esquecer, por
precaução: Lúcifer, o Anjo de Luz? O inicialmente mais cintilante da hierarquia angélica e que, segundo o Gênesis, atribuído a Moisés, foi negado por Jeová por se insurgir contra ele. E na cultura de todos os povos surge sob a denominação comum de Diabo – nome que não se diz, porque o atrai? Guimarães Rosa, em seu romance Grande Sertão: Veredas, acresceu uma nota de pé de página em que relaciona dezenas de nomes pelos quais o demônio é chamado no Sertão para que a pronúncia do seu nome não o invoque. Como um certo urso negro, das estepes russas, tem um nome que ningém diz, pelo mesmo motivo, sabia? Já o místico sueco Swedenborg, também um homem de forte espírito científico, sabia como atrair os anjos. E todas as noites mantinha com eles longas conversas, em que lhe revelavam segredos profundos da Vida e mistérios sagrados – que no dia seguinte Swedenborg contava aos amigos. E mais: contava nos livros que escrevia. Para grande perplexidade de mentes lógicas, como a do brilhante poeta francês do século XX Paul Valery, que após escrever lucidamente sobre a pessoa e a inteligência excepcional de Swedenborg, se declara incapaz de compreender como um homem assim era capaz de falar com anjos, e ainda mais: tinha quase que o descaramento de contar que falava com anjos a outras pessoas.
Anjos em Andara Mas eu disse, lá no alto, que fazia anjos saírem das minhas mãos, bastando para isso fechar os olhos de fora e abrir os de dentro. Talvez fosse o que fazia Swedenborg. E disse que revelaria como isso acontecia. Vou cumprir minha promessa. Mas, antes, um rudimento das bases imediatas em que essa Via pode se abrir para nós: Em princípio, basta usar a capacidade, ou incapacidade, da
Richard Maurice Bucke escreveu, em 1901, um livro raro chamado Consciência Cósmica. Nele, distingue três níveis de consciência. A primeira é a consciência sensível que, na dimensão animal, se limita à percepção do próprio corpo e do ambiente ao redor. O animal, diz Bucke, está submerso em sua consciência como um peixe no oceano. Não pode sequer imaginar a possibilidade de sair dela por um momento para a compreender. A segunda é a autoconsciência, que o humano atingiu a partir da sua dimensão primária animal, e permite uma percepção mais ampla da vida e ordem verdadeiras do Universo. E também permite, através da Linguagem, expressar essa percepção. Em alguns homens, segundo Bucke, essa consciência ampliada atingiu dimensões mais vastas – é a terceira, a consciência cósmica. Através dela, assim como o peixe submerso no oceano só se dá conta do Oceano, esses homens se deram conta de que estavam imersos no Oceano Cósmico e unidos à Totalidade da Vida como a gota de água ao oceano inteiro. Bucke diz que a Consciência Cósmica é o caminho evolutivo natural do Homem, como espécie – e não se limitará a apenas alguns iluminados, do Oriente & Oriente Médio & Ocidente. Se manifestando esparsamente aqui e ali como até agora - dos considerados santos como Buda, na Índia, e Cristo, na Palestina, ou místicos como Lao Tsé, na China, Suhrawardi, na Pérsia, Hui Neng, no Japão, Mestre Eckhard, na Europa, ou sábios iniciados como Krishnamurti e Ramana Maharshi e sábios estudiosos como Jung, ou poetas videntes como o árabe Rumi e o inglês William Blake, ou filósofos como o grego Plotino - mas, no Futuro, será a dimensão da Consciência de toda a Humanidade. Então, do Visível ao Invisível, conscientes de estarmos imersos no Oceano Cósmico, perceberemos, sim, coisas que, por enquanto, para nós ainda não existem.