Sim 32 a ciranda da vida

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oliberal

Belém, domingo, 12 DE janeiro de 2014

magazine n 11

sim

vicente cecim

vicentefranzcecim@gmail.com

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Ciranda cirandinha vamos todos cirandar

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CANTIGA DE RODA

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ue a Vida é um vai-evem constante, todo mundo sabe. E nem precisa ir muito longe para ver: nem se atirar a grandes escavações arqueológicas nos conhecimentos acumulados e catalogados pelo Ente coletor e catalogador de informações que o Homem é, desde seus nômades tempos das cavernas - e nem mesmo buscar no mais profundo: os Saberes que por iluminações os iniciados do Oriente & Ocidente nos legaram. Basta, por exemplo, me ver andando nas ruas de mãos dadas com meu neto Rafael, de cinco anos. Estará tudo revelado aí: o mais velho já indo, o mais jovem chegando. E a Vida dando a ele suas boas, ou más-vindas, nunca se sabe até saber, e a mim suas boas, ou másidas. Sei lá que graças mereci. Certamente essas incessantes idas-e-vindas de tudo que floresce & fenece são regidas por uma Lei que tudo abrange. - Por que não basta chegar e permanecer? - O que se passa e faz com que a Vida seja assim? Se quisermos saber, então sigamos as pistas.

Prakirite & Gunas Segundo o Vedanda, um dos

mais antigos Saberes que nos legaram os iniciados indianos através das suas escrituras – as Upanishades e os Hinos Vedas – tudo se deve ao sortilégio das Gunas, que são três: Raja, Tatva e Satva, e agem sobre uma matéria prima, originalmente informe, chamada Prakirite. Como? A primeira guna dá o Impulso inicial - que cria a forma das coisas, moldando uma porção do Prakirite/ a segunda acolhe na Inércia as coisas já formatadas – como homem, peixe, pedra, estrela - para que permaneçam nas suas formas, por algum tempo/ e a terceira as Dilui novamente no Prakirite. Grosseiramente, do jeito ocidental, você já ouviu falar disso com um tom de humilhante maldição bíblica, assim: - Tu és pó e ao pó retornarás. Suspeite dessa condenação, não aceite de cabeça baixa a tal culpa da maçã. Vai lhe ajudar saber que a palavra hebraica para Queda também pode ser traduzida por mudança de estado. E foi o que se deu com o homem e se dá com todas as coisas: elas não caem, elas mudam de estado. O que vem após o retorno à não-forma, rediluidas as coisas na matéria prima informe do Prakirite?

Recomeça o vai-e-vem, que não tem fim. E é assim que antes você via este Vicente caminhando sozinho, jovem, pelas ruas da cidade, depois já o vê com seu neto recém-chegado à Vida Visível, e um dia verá apenas Rafael, o neto, já avô também, caminhando de mãos dadas com seu próprio neto na mesma rua. Para onde foi Vicente? Para onde irá Rafael? Prakirite – regresso à Vida Invisível. Depois, retorno à visibilidade quem sabe sob outras formas. Possivelmente até de entes e coisas que ainda para nós não existem. Que tal não temer esse Mistério e se entregar a ele como a uma Aventura. Com a curiosidade de uma criança e a sede de um nômade do Universo?

Purusha, o Observador Segundo ainda o Vedanta, nós, humanos, somos Purusha. Enquanto o Prakirite é a fonte de todos os fenômenos que se manifestam no Universo Visível, nossa função é a de observar esses fenômenos. E traduzido literalmente do sânscrito é exatamente o que significa Purusha

– Observador. Faço aqui uma transcrição esclarecedora:

Purusha é a consciência que observa os fenômenos de Prakirite. Como em um teatro. Purusha e Prakirite são entidades distintas assim como atores e espectador, mas o espectador não reconhece sua verdadeira posição, ao invés disso se identifica com a história. No entanto, a verdadeira consciência própria - Purusha - não se identifica com os fenômenos que testemunha. É somente o observador. O Ego é que se identifica com o que se desenrola a sua frente. Assim, o sofrimento não é entendido como fruto de um pecado ou erro cósmico, e sim do engano e da ignorância desse eu-ego, nunca de Purusha, que jamais se engana, somente observa e sabe de tudo.

O ir e vir das Estações & Elementos É esse Purusha que observa serenamente a ida e vinda dos avós & netos, das sementes & árvores, e, enfim: das Estações do Ano e as mutações dos Elementos. O pintor italiano medieval Giuseppe Arcimboldo, um dos mestres do Maneirismo, nós diz mais sobre o assunto do que ape-

nas as palavras desta página Sim podem dizer, através das suas pinturas que a ilustram. Em 1563, ele pintou uma série que chamou As Quatro Estações. E em 1566, outra série que chamou Os Quatro Elementos. Nelas, registrou a passagem das coisas: como sob o efeito das Gunas elas se formam, mantém por algum tempo, e depois se desfazem. Ou melhor: se transformam. Por uma combinação das qualidades reunidas nos objetos, frios - quentes e secos -úmidos, os elementos correspondem às estações. Assim a Primavera úmida quente corresponde ao Ar, o Verão seco quente corresponde ao Fogo, o Inverno úmido frio à Água, e o Outono seco frio à Terra. E no Centro, quem está? Purusha, o Homem – o Observador. No nosso caso, no centro da página está o próprio Arcimboldo em seu autorretrato. Enquanto esses vastos Mistérios da Vida se abrem diante dos nossos olhos escuros de espanto - e nós ainda não os vemos com olhos claros - voltemos ao nãosaber que tudo sabe. E com a Inocência da Infância nos limitemos a cantar – enquanto estamos vindo, permanecendo algum tempo e passando - a antiga Cantiga de Roda:

Ciranda cirandinha vamos todos cirandar Vamos dar a meia volta Volta e meia – e meia volta, sim, retornando – vamos dar


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