Sim 33 diálogos com homens sábios krishnamurti

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oliberal

Belém, domingo, 19 DE janeiro de 2014

magazine n 11

sim

vicente cecim

vicentefranzcecim@gmail.com

Diálogos com homens sábios: Krishnamurti Viver é descobrir por si mesmo o que é verdadeiro. E só se pode fazer isso quando há liberdade, quando há uma constante revolução interior. KRISHNAMURTI

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amana Mararshi, que Jung dizia ser a luz mais brilhante nos céus da Índia, recomendava a todos nós a prática do que chamava Inquirição. Como? Em vez de se contentar em confirmar a identidade que você ou o mundo ao ser redor, atribui a si mesmo, pôr essa certeza em estado de suspensão e se perguntar, constantemente: - Quem sou seu? Certamente para fazer essa perguntar antes de mais nada é preciso não temer descobrir que você não é exatamente quem até então achou que era. Mas fique calmo: a resposta jamais revelará alguém pior do que você pode estar sendo - feita a pergunta com absoluta sinceridade, a resposta pode lhe desvelar sua verdadeira identidade, logo, será uma descoberta que o libertará das imposturas e incertezas que o têm mantido oculto de si. Não havendo nada mais legítimo que a verdade do que somos, você só tem a ganhar. - Quem sou eu? Cada vez que eu perguntei a mim mesmo, uma asa mais leve emergiu do meu ombro, um sentimento mais límpido floresceu no meu peito, uma ideia mais clara iluminou a minha mente. Mas não é com Ramana que falaremos nesta página Sim, é com Krisnamurti. Porque para praticar plenamente a Inquirição de Ramana você precisa se despojar, jogar fora todas as farsas que tem criado, alimentado e protegido sobre você, de você e em você. Nu, então, estará pronto. Krisnamurti é aquele que lhe dirá coisas que vão lhe ajudar a limpar o caminho. Comecemos então este estimulante Diálogo com Jiddu Krishnamurti, que aqueles que o amavam, e amam, chamam, carinhosamente, apenas: Krishnaji.

Sobre a superação dos conflitos humanos - Krishnaji, sobre o que vamos falar? Sobre toda a nossa existência, a partir do momento em que nascemos até morrermos. Nesse período de tempo, passamos por todos os tipos de problemas e dificuldades - econômicos, sociais, religiosos, de relacionamento pessoal, de realização individual, querendo encontrar as próprias raízes em um lugar ou outro. E nós temos inúmeras feridas psicológicas, medos, prazeres, sensações. E também há uma grande quantidade de medo em todos os seres humanos - grande dose de ansiedade, incerteza e a busca do prazer. E todos os seres humanos sobre esta bela terra sofrem uma grande quantidade de dor, a solidão. Vamos falar sobre tudo isso. E sobre que lugar tem a religião na vida moderna. E também sobre a questão da morte, o que é uma mente religiosa, e o que é meditação, e se há alguma coisa que está além de todo o pensamento, o que há de sagrado na vida, ou tudo é matéria e, portanto, devemos levar uma vida materialista. Vamos procurar juntos o que a humanidade tem feito ao mundo e aquilo que fizemos uns aos outros. - Por onde começamos? A humanidade tem vivido nesta terra por muitos e muitos milênios. E durante esse tempo todo tem experimentado prazer, a solidão, o desespero, a incerteza, confusão, múltiplas escolhas, portanto, várias complexidades, e tem havido guerras. Não só guerras sangrentas, físicas, mas também psicológicas. E a humanidade tem perguntado se não pode haver paz na terra - Pacem in Terris. E, aparentemente, isso não é possível. As guerras continuam. Físicas, ideológicas, teóricas, econômicas, sociais. A guerra parece ser o destino comum da humanidade. - E como podemos ter Pacem in Terris? Alguns dizem que não há paz na terra, só no céu. E isso é repetido no

Oriente e no Ocidente. Há todas essas religiões: cristianismo, islamismo. E o hinduísmo e o budismo. E as várias seitas dentro do cristianismo organizado, e também na Índia e na Ásia. No budismo não há Deus. No cristianismo e no islamismo há apenas um deus, baseado em dois livros, a Bíblia e o Corão. No hinduísmo há cerca de 300 mil deuses. Isso é bastante divertido, você pode escolher o deus que quiser. Então, as religiões têm dividido o homem. Como o nacionalismo, que é uma forma de tribalismo glorificado, tem dividido o homem. - Vivemos imersos em conflitos materiais e conflitos espirituais, é esse o caminho a que está condenado o homem? Nós queremos fugir de tudo isso. Vamos observar este fenômeno extraordinário: o que o homem tem feito após esses milhares de anos. Ele continua a ser um bárbaro: cruel, vulgar, cheio de ansiedade e ódio. E a violência aumenta no mundo. Eis a pergunta: pode haver paz nesta terra? Porque sem paz, interiormente, psicologicamente primeiro, o cérebro não pode florescer. Os seres humanos não podem viver completamente de forma holística. Então, por que nós, depois desta longa evolução - durante esse período reunimos imensa experiência, conhecimento, grande quantidade de informações - por que somos seres humanos perpetuamente em conflito? Essa é a questão real. Porque quando não há conflito, há, naturalmente, a paz. É nossa responsabilidade observar isso para saber, e não apenas intelectualmente, verbalmente, mas com o coração, com o cérebro, com todo o nosso ser. E descobrir por que somos o que somos. Tentamos várias religiões, vários sistemas econômicos, as diferenças sociais, e ainda vivemos em conflito. Pode este conflito em cada um de nós acabar? Completamente, não parcialmente, não ocasionalmente. É uma questão muito séria. Ela exige uma resposta séria.

- Por onde se poderia começar? Primeiro psicologicamente, interiormente, porque se há uma certa qualidade de liberdade interior, então vamos produzir uma sociedade em que não haverá conflito. Por isso, é nossa responsabilidade como seres humanos, como os chamados indivíduos, seriamente colocar nosso cérebro, nossa energia, nossa paixão em descobrir por nós mesmos, não de acordo com qualquer filósofo, não de acordo com algum psiquiatra e assim por diante, mas para saber, observar, descobrir por si mesmo se este conflito coletivo e também entre dois seres humanos, sejam eles íntimos ou não, se ele poderia acabar.

O que é conflito? - Começamos investigando então a natureza do conflito? Sim. Por que temos vivido com o conflito? Por que temos problemas? O que é um problema? Um problema é um desafio, algo que você tem que responder. Mas se deve investigar toda a natureza de um problema, se é mais íntima ou um problema mundial. O significado dessa palavra etimologicamente é: algo impulsionado, algo jogado em você. - Desde criança? Quando você é uma criança, você é enviado para a escola. Lá você tem o problema da escrita, da matemática, de história, ciência, química, e todo o resto. Assim, desde a infância somos treinados para ter problemas. Assim, o nosso cérebro é condicionado, treinado, educado para ter problemas. Observe por si mesmo. E não, por favor, apenas me ouvindo. Desde a infância somos treinados, educados, condicionados a ter problemas. E quando surgem novos problemas o nosso cérebro, cheio de problemas, tenta resolver outro problema e, assim, aumentar mais o número de problemas, que é o que está acontecendo no mundo. Os políti-

Krishnamurti jovem: primeiras palestras

cos de todo o mundo estão aumentando os problemas, problema após problema. E eles não encontram nenhuma resposta. - É possível ter um cérebro livre de problemas, de modo que se possa resolver problemas? Não um cérebro confuso, cheio de problemas? Isso é possível? Se você diz que não é possível ou é possível, você parou de investigar. O que é importante nesta investigação é que é preciso ter uma grande dose de dúvida, o ceticismo. Nunca aceitar qualquer coisa pelo seu valor de fachada ou de acordo com o seu prazer ou gratificação. A vida é muito séria. Entenda isso - não intelectual ou ideologicamente ou como uma hipótese, mas como uma realidade, a realidade em chamas, que você psicologicamente é o resto da humanidade. Por isso, psicologicamente, não se trata de indivíduos. Sua consciência não é sua. É o resto da humanidade. Porque todos nós passamos pela mesma fábrica, o mesmo conflito interminável. Quando se percebe isso, não emocionalmente, não como um conceito intelectual, mas como algo real, verdadeiro, então você não vai matar outro ser humano. Você nunca vai matar outro, verbalmente ou intelectualmente, ideologicamente ou fisicamente, porque então você está se matando. Mas a individualidade tem sido incentivada em todo o mundo. Cada um está lutando por si mesmo: o seu sucesso, a sua realização, perseguindo seus desejos e criando a confusão no mundo. - E o indivíduo, onde fica nisso tudo? Por favor, entenda isso com muito cuidado. Nós não estamos dizendo que cada indivíduo não é importante: ao contrário. Se você está preocupado com a paz mundial, e não apenas a paz no seu quintal - se você está realmente voltado para o resto da humanidade - isso é uma grande responsabilidade individual. Portanto, temos de voltar e descobrir por nós mesmos por que os seres humanos reduziram o mundo ao que é agora. Qual é a causa de tudo isso? Por que nós transformamos em confusão tudo o que tocamos, em nossa relação pessoal - também entre homem e mulher - por que há um conflito entre os deuses: o seu Deus e o Deus do outro? Temos de investigar juntos se é possível acabar com o conflito. Caso contrário, nunca teremos paz neste mundo. - E como investigaremos juntos? Não eu falando e você casualmente me ouvindo, concordando ou discordando. Poderíamos pôr de lado toda essa ideia de concordar e discordar? Você vai fazer isso? Para que possamos - tantos de nós - olharmos para as coisas como elas são, não o que você acha que elas são, não a sua ideia ou conceito do que é. Olhe as coisas de modo não verbal, se isso é possível. Isso é muito mais difícil. - O homem e a mulheres, unidos, o que podem fazer nesse sentido? Temos conflitos no relacionamento entre homem e mulher: a divisão sexual, sensorial. E nesta relação o homem está buscando sua própria ambição, a sua própria ganância,

seus próprios desejos, sua própria realização, e a mulher está fazendo o mesmo. Eu não sei se você tem notado tudo isso por si mesmo. Portanto, há dois ambiciosos, dirigindo - sendo impulsionados pelo desejo e tudo o mais, duas linhas paralelas, não uma união, exceto talvez sexualmente. Então, como pode haver uma relação entre duas pessoas, quando cada um está seguindo os seus próprios desejos, ambições, cobiças. Nessa relação, porque há divisão, não há amor. Essa palavra – amor - é poluída, cuspido, degradada, se tornou meramente sensual, prazerosa. O amor não é prazer. O amor não é algo criado pelo pensamento, não é algo dependente da sensação. Assim, como pode haver verdadeira relação entre duas pessoas quando cada um só vê a si mesmo. O interesse próprio é o começo da corrupção, de destruição, seja em um político, ou em um homem religioso, em todos os níveis. O interesse próprio domina o mundo e, portanto, há conflito. Onde há dualidade, há separação, como entre os judeus e os árabes, como entre o cristão que acredita em algum salvador e o indiano que não acredita nisso. Há divisão nacional, religiosa, divisões individuais - onde há divisão tem que haver conflito. Essa é uma lei. Então, nós vivemos nossa vida diária de modo autocircunscrito, autolimitado. - Limitado ao nosso próprio eu?

A limitação do eu O eu é sempre limitado. E essa é a causa do conflito. Esse é o núcleo central da nossa luta, dor, ansiedade, e todo o resto. - E continuará sendo assim? Como foi dito, cada um está preocupado consigo mesmo. Vive em um mundo separado, só para si. E, portanto, há divisão entre você e outra pessoa, entre você e sua religião, entre você e seu Deus, entre você e suas ideologias. Mas é possível entender - não intelectualmente, profundamente, que você é o resto da humanidade. Faça o que fizer, bom ou ruim, afeta o resto da humanidade, porque você é a humanidade. - Essa é a tarefa da consciência de cada um para mudar esse estado de coisas? Sua consciência é o seu conteúdo, a consciência é composta de seu conteúdo. Sem o conteúdo não há consciência. Sua consciência, como do resto da humanidade, é composta de crenças, medos, fé, deuses, ambições pessoais e todo o resto e tudo isso junto. Toda a sua consciência é feita de tudo isso, amontoado pelo pensamento. Mas estamos nessa viagem juntos, trilhando o mesmo caminho. Não se trata de ideias ou ideologias, mas de enfrentarmos, juntos, a realidade. Descobrir quando não é a verdade, é a coisa mais perigosa. A verdade é muito perigosa, pois traz uma revolução em si mesma.


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