Sim 44 Poética de Sapho, a Vênus de Lesbos

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oliberal

Belém, domingo, 6 DE abril de 2014

magazine n 11

sim

vicente cecim

vicentefranzcecim@gmail.com

Lawrence Alma Tadema: “Sapho e Alceu”

Poética de Sapho, a Vênus de Lesbos Embora ela ame apenas para destruir, a Deusa destrói apenas para ressuscitar ROBERT FROST/A Deusa Branca

C

hamada por Platão de décima Musa e por Sócrates de a Bela, em vida ela foi amada e odiada, adorada como deusa

e exilada como inimiga política. Lembrada pela ignorância contemporânea preferentemente não pelo seu nome mas por sua forma adjetiva:

lésbica, e sua variante: lesbianismo, ela está quase esquecida como poeta, mas, em sua época, assim como Homero era considerado o Poeta, ela era considerada a Poeta. Nascida na ilha de Lesbos no século VI AC, sua celebridade atravessou toda a Antiguidade, como lendária poesia sublime, até ser execrada na Idade Média, quando os padres copistas da Igreja Católica deformaram e destroçaram

Poemas de Sapho

de Tebas sacra e da Plácia de fontes perenes ela, delicada Andrômaca, nas naus, sobre o salso mar. E muitos braceletes áureos e vestes de púrpura fragrantes, adornos furta-cor, incontáveis cálices prateados e marfins”. Assim ele falou; e rápido se ergueu o pai querido, Príamo; e a nova, cruzando a ampla cidade, chegou aos amigos. Logo os troianos às carruagens de boas rodas atrelaram as mulas, e nelas subiu toda a multidão de mulheres e junto as virgens (...), mas apartadas as filhas de Príamo (...) e cavalos os homens atrelaram aos carros (...) ... rumou (...) em direção a Ílio*, e a flauta de doce som (...) se misturou e o som das castanholas (...) e então as virgens cantaram uma canção sacra e chegou aos céus eco divino (...) e em toda parte estava ao longo das ruas (...) crateras e cálices (...) mirra e cássia e incenso se misturavam,..... e as mulheres soltavam alto brado, as mais velhas, e todos os homens entoavam adorável e alto peã a Apolo invocando o Arqueiro habilidoso na lira, e hineavam Heitor e Andrômaca, semelhantes aos deuses.**

Fragmento 1

De florido manto furta-cor, ó imortal Afrodite, filha de Zeus, tecelã de ardis, te suplico: não me domes com angústias e náuseas, veneranda, o coração, mas para cá vem, se já outrora — a minha voz ouvindo de longe me atendeste, e de teu pai deixando a casa áurea a carruagem atrelando vieste. E belos te conduziram velozes pardais em torno da terra negra — asas rápidas turbilhonando, céu abaixo e pelo meio do éter. De pronto chegaram. E tu, ó venturosa, sorrindo em tua imortal face, indagaste por que de novo sofro e por que de novo te invoco, e o que mais quero que me aconteça em meu desvairado coração. “Quem de novo devo persuadir (?) ao teu afeto? Quem, ó Sapho, te maltrata? Pois se ela foge, logo perseguirá; e se presentes não aceita, em troca os dará, e se não ama, logo amará, mesmo que não queira”. Vem até mim também agora, e liberta-me dos duros pesares, e tudo o que cumprir meu coração deseja, cumpre; e, tu mesma, sê minha aliada de lutas.

* outro nome de Tróia. ** os personagens citados fazem parte da realeza troiana retratada na Ilíada de Homero.

Fragmento 96

Fragmento 2 Para cá, até mim, de Creta, (para este?) templo sagrado, onde (...) e agradável bosque de macieiras, e altares nele são esfumeados com incenso. E nele água fria murmura por entre ramos de macieiras, e pelas rosas todo o lugar está sombreado, e das trêmulas folhas torpor divino desce. E nele o prado pasto-de-cavalos viceja (...) com flores, e os ventos docemente sopram (…) Aqui tu (...) tomando, ó Cípria*, nos áureos cálices, delicadamente, néctar, misturado às festividades, vinho-vertendo... * outro nome de Afrodite, a Deusa do Amor

Fragmento 3 Semelhante aos deuses parece-me que há de ser o feliz mancebo que, sentado à tua frente, ou ao teu lado, te contemple e, em silêncio, te ouça a argêntea voz e o riso abafado do amor. Oh, isso - isso só - é bastante para ferir-me o perturbado coração, fazendo-o tremer dentro do meu peito! Pois basta que, por um instante, eu te veja para que, como por magia, minha voz emudeça; sim, basta isso, para que minha língua se paralise, e eu sinta sob a carne impalpável fogo a incendiar-me as entranhas. Meus olhos ficam cegos e um fragor de ondas soa-me aos ouvidos; o suor desce-me em rios pelo corpo, um tremor (…)

sua obra, deixando dela apenas fragmentos. - Santa Inquisição. Que só não a queimou como fez com outra mulher tristemente célebre por seu fim doloroso, Joana d’Arc, porque de Sapho não restavam nem mais as cinzas. Sua escola para moças foi a historicamente a primeira destinada ao aperfeiçoamento – onde ensinava poesia e música e suas alunas eram chamadas de amigas.

Fragmento 16 Alguns, renque de cavalos, outros, de soldados, e outros, de naus sobre a terra negra dizem ser a coisa mais bela, mas eu (digo): o que quer que se ame. Inteiramente fácil fazer compreensível a todos isso, pois a que muito superou em beleza os homens, Helena, o marido*, o mais nobre, tendo deixado, foi para Tróia navegando, até mesmo da filha e dos queridos pais completamente esquecida, mas a desencaminhou Afrodite (?) (...) (...) agora traz-me Anactória à lembrança, a que está ausente, seu adorável caminhar quisera ver, e o brilho luminoso de seu rosto, a ver dos lídios** as carruagens e a armada infantaria... * Menelau. ** povo da antiga Lídia (atual Turquia), bem próxima de Lesbos, poderosa e rica em ouro.

Fragmento 44 (...) Veio o arauto (...) Ídaos (...), veloz mensageiro: “(...) Heitor e os companheiros a de vivos olhos trazem

(...) Mas agora ela se sobressai entre Lídias mulheres como, depois do sol posto, a dedirrósea lua supera todas as estrelas; e sua luz se esparrama por sobre o salso mar e igualmente sobre multifloridos campos. E o orvalho é derramado em beleza, e brotam as rosas e o macio cerefólio e o trevo-mel em flor... E (ela) muito agitada de lá para cá a recordar a gentil Átis com desejo; decerto frágil peito (...)? se consome.

Fragmento 112 Ó feliz noivo, tua boda, como pediste, se cumpriu, e tens a virgem que pediste. Tua forma é graciosa, e (....) olhos de mel, e amor se derrama na desejável face (...) te honra em especial Afrodite...

Fragmento 140 “Morre, Citeréia*, delicado Adônis. Que nos resta fazer?” “Golpeai, ó virgens, vossos seios, e lacerai vossas vestes...”** * outro nome de Afrodite. ** nos mitos antigos, Afrodite e Adônis são amantes separados pela morte dele no auge de sua juventude e virilidade. TRADUÇÃO Giuliana Ragusa

Combateu o Ditador Pitaco, em Mitilene, a maior cidade de Lesbos. Ele temia sua poesia e a condenou ao exílio com outros opositores do seu regime. Entre eles o também poeta Alceu, que apaixonado por ela lhe escreveu estas palavras: Oh pura Sapho, de violetas coroada e de suave sorriso, queria dizer-te algo, mas a vergonha me impede. Ao que Sapho lhe respondeu: Se teus desejos fossem decentes e nobres e tua língua incapaz de proferir baixezas, não permitirias que a vergonha te nublasse os olhos - dirias claramente aquilo que desejas. Não se sabe detalhes do amor entre eles. Mas se sabe de outro, entre Sapho e uma de suas amigas, Atis, que depois a trocou por um jovem e recebeu de Sapho um poema que aparece inteiro na seleção de fragmentos poéticos de Sapho reunidos nesta página Sim, e começa assim: Semelhante aos deuses parece-me que há de ser o feliz mancebo que, sentado à tua frente, ou ao teu lado, te contemple. De amores, entendia bastante e de várias formas, pois se casou com um comerciante que deixou a ela uma rica herança e uma filha, a quem Sapho declarou seu amor com um poema, em que disse: Dourada flor que eu não trocaria por toda a Lídia, nem pela formosa Lesbos. Dizem que se suicidou saltando em um abismo, apaixonado pelo marinheiro Feonte. Mas sua Vida se mistura com a Lenda, e consta também, entre outras versões, que viveu até idade avançada. O poeta grego Estrabeu escreveu sopre ela: Sapho era maravilhosa pois em todos os tempos que temos conhecimento não sei de outra mulher que a ela se tenha comparado, ainda que de leve, em talento poético. Entre os gregos que foram seus contemporâneos e os que vieram depois, Sapho era considerada um dos chamados Nove Poeta Líricos. Os outros eram Álcman, Estesíaco, Ébico, Simônides, Baquílides, seu amado Alceu, o até hoje celebrado Anacreonte, das Odes, e o de todos mais sublime Píndaro que escreveu: O homem é o sonho de uma sombra. Mas para Platão, ela era mais do que um poeta. Era uma Musa. Suas palavras exatas sobre ela foram: Há quem afirme serem nove as Musas. Que erro. Pois não veem que Sapho de Lesbos é a décima? Neste domingo, ouçamos, para não esquecer, esta Voz que ainda vem de longe até nós, atravessando cerca de dois milênios e meio. Mesmo que aos pedaços. Balbuciante, murmurante. A voz de Sapho, a Vênus de Lesbos. Sim?


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