oliberal
Belém, domingo, 20 DE abril de 2014
magazine n 11
sim
vicente cecim
vicentefranzcecim@gmail.com
Diálogos com homens sábios: Dalai Lama Cada um de nós é responsável por toda a humanidade. TENZIN GYATSO
S
e imagine tendo que fugir da sua terra natal, aos quinze anos de idade, para não ser assassinado e já estando no Exílio, proibido de voltar, há exatamente 63 anos. Imaginou? Agora, tente sentir – Compaixão - por quem lhe fez e continua fazendo isso. Difícil, não é? Agora, se imagine assistindo, do seu Exílio, sem poder fazer nada para impedir, a cultura do seu povo sendo destruída, anulada, reduzida a Zero por um povo inimigo. E acrescente a Dor de ver pessoas da sua terra se imolando pelo Fogo em praças públicas, em protesto contra isso. Imaginou? Agora diga a palavra – Bondade. E a aplique, mas de coração, a quem está matando seu povo e destruindo sua terra natal. Se engasgou, está espumando de raiva - não consegue? Pois Tenzin Gyatso, o Dalai Lama – consegue. Ele prega a prática da Compaixão e da Bondade entre os homens, apesar e através de tudo o que tem passado. Segundo ele: - Uma mente comprometida com a compaixão é como um reservatório que está transbordando — é uma fonte constante de energia, determinação e bondade. É como uma semente: quando cultivada germina muitas outras boas qualidades, como o perdão, a tolerância, a força interna e a confiança para superar o medo e a insegurança. A mente de compaixão é como um elixir - é capaz de transformar uma má situação em uma situação benéfica. Tenzin nasceu no Tibete em 1935, mas vive exilado na Índia, onde se mantém, à distância, o guia espiritual do seu povo, desde 1951, ano da invasão do Tibete - desde sempre místico – ocupado por tropas comunistas da China – agora afastada do seu ancestral Tao celeste e tornada ideologicamente materialista. E do seu Exílio assiste as imolações de dezenas de monges budistas tibetanos na própria China, no Tibete, também na Índia, no Nepal e outros países asiáticos, em protesto contra a ocupação do Tibete. Foi lá que soube que a polícia chinesa atirou, em julho do ano passado, em tibetanos que celebravam o aniversário do Dalai Lama em Daofu, província chinesa de Sichuan, baleando um na cabeça e ferindo outros gravemente. Lá também ficou sabendo do grande incêndio – causa: não esclarecida pelas autoridades chinesas - que destruiu, na noite de 20 de janeiro deste ano, um dos maiores centros do budismo tibetano na China, o Instituto Larung Gar, fundado em 1980, com uma população de dez mil pessoas entre monges, monjas e estudantes. Já antes, em 2001, a polícia chinesa obrigara centenas de monges e monjas tibetanos a abandonar o local e destruiu mil casas. Exigiu que os religiosos assinassem um documento denunciando o Dalai Lama. E prendeu o fundador do centro. Desde 2009 mais de 120 monges tibetanos já se incendiaram, se lançando vivos em chamas contra a violenta ocupação chinesa, que não se manifesta apenas nesses acontecimentos de choque que a imprensa mundial mostra - age também nos subterrâneos da vida cotidiana do Tibete, reprimindo, proibindo e controlando a Liberdade de toda a população. Do seu Exílio, o Dalai Lama saiu da Índia pela primeira vez em 1967, visitou o Japão e a Tailândia e iniciou sua peregrinação pelo mundo transmitindo a Via do Budismo, defendendo os Direitos Humanos e lutando, sem armas – como Gandhi lutou pela libertação da Índia do imperialismo inglês, e venceu – pela libertação do Tibete. Recebeu o Nobel da Paz em 1989. Mas o que é isso para quem é considerado pelo seu povo a reencarnação do bodisatva da compaixão. A China intimida e ameaça todos os países para que fechem suas portas ao Dalai Lama, mas algumas delas têm se aberto – certamente não por o considerarem o bodisatva da compaixão, mas porque fechar as portas a um Prêmio Nobel da Paz não atrai votos e simpatia. Quando veio ao Brasil, o então presidente Fer-
Enquanto os monges tibetanos se imolam em protesto contra a ocupação do Tibete pela China, o Dalai Lama prega compaixão pelo inimigo.
nando Henrique Cardoso, intimado pelo governo chinês a lhe dar com a porta do Palacio do Planalto na cara, só o recebeu escondido, na calada da noite e lugar ignorado, mas não oficialmente, como o Dalai Lama, um Chefe de Estado no Exílio. Já Obama o recebeu três vezes durante seus dois mandatos – apesar das exigências chinesas de que lhe batesse com as portas da Casa Branca na cara também. Obama segue uma estratégia: gerar uma imagem positiva dos Estados Unidos da América e contrapor a ela uma imagem negativa da China aos olhos do mundo, para desgastar seu crescimento militar e econômico. Entre os jogos sujos de interesses das nações é que ele se move. Ora como apenas o homem Tenzin Gyatso, ora como o guia espiritual Dalai Lama. E além dos profundos ensinamentos budistas que ministra pelo mundo afora, dos imensos esforços para libertar o Tibete e sob a permanente ameaça chinesa a sua própria vida, tem ainda fôlego para estimular um histórico e fundamental encontro entre Espiritualidade & Ciência, participando de investigações sobre a proximidade entre o Budismo e as Ciências Cognitivas e dialogando com a Física Quântica. É com Tenzin Gyatso, o Dalai Lama, que vamos dialogar na página Sim de hoje.
Sobre Bondade & Compaixão n Quem vai nos falar, o homem Ten-
zin Gyatso ou o Dalai Lama? o Ao falar sobre a importância da bondade e da compaixão não me vejo como budista, Dalai Lama ou tibetano, mas sim como um ser humano e espero que pensem em si mesmos dessa maneira. Não como ocidentais ou membros de um determinado grupo, pois essas condições são secundárias. Caso eu diga sou monge ou sou budista, as afirmações serão, em comparação com a minha natureza de ser humano, temporárias. Ser humano é básico. Uma vez nascido assim, não se poderá mudar até a morte.
n Mas as pessoas invertem isso. Fazem do secundário o principal.
o Enfrentamos muitos problemas. Al-
guns criados por nós mesmos, com base em diferenças de ideologia, religião, raça, situação econômica ou outros fatores. Chegou o momento de pensarmos em níveis mais profundos. Em nível humano. Devemos construir relacionamentos baseados na confiança mútua, na compreensão, no respeito e na solidariedade, independentemente de diferenças culturais, filosóficas ou religiosas. Todos os seres humanos são iguais. O fato de brigarmos uns com os outros se deve a razões secundárias, e todas essas discussões são inúteis. Infelizmente, durante muitos séculos, os seres humanos usaram todos os meios para ferir
o certo e o errado. Imaginar as causas e seus possíveis efeitos. Mas se nossa mente estiver ocupada pela raiva, perderemos o poder de discernimento e nos tornaremos mentalmente incompletos. Devemos salvaguardar essa capacidade e, para tanto, temos de criar uma companhia de seguros interna: autodisciplina, autoconsciência e uma clara compreensão das desvantagens da raiva e dos efeitos positivos da bondade. Se refletirmos a respeito dessas questões com frequência, podemos incorporar a ideia e, então, controlar a mente.
n Controlar a mente é então o caminho para a paz interior?
o É claro que todos necessitam de paz
uns aos outros. Muitas coisas terríveis aconteceram, resultando em mais problemas, mais sofrimento e desconfiança. E, consequentemente, em mais divisões.
n Herdeiros desse passado, o que podemos mudar?
o O mundo hoje está cada vez menor
em vários aspectos, particularmente o econômico. Os países estão mais próximos e interdependentes e, nesse quadro, se torna necessário pensar mais em nível humano do que em termos do que nos divide. Todos queremos a felicidade, as pessoas trabalham com o objetivo de alcançá-la, entretanto, devemos ter em mente que viver a vida superficialmente não solucionará os problemas maiores. Há muitas crises e medos à nossa volta. Por meio do grande desenvolvimento da ciência e da tecnologia, atingimos um estado avançado de progresso material, que é necessário. Não podemos, no entanto, comparar o progresso externo com nosso progresso interior.
n Podemos harmonizar vida inte-
rior & vida exterior neste mundo agressivo? o No passado remoto, se houvesse uma guerra, os efeitos seriam geograficamente limitados, porém hoje, em função do progresso, o potencial de destruição ultrapassou o concebível. No ano passado estive em Hiroshima. Fiquei profundamente emocionado. Uma arma terrível tinha sido usada. Embora possamos considerar alguém como inimigo, temos de levar em conta que essa pessoa é um ser humano e tem direito de ser feliz. Olhando para Hiroshima e refletindo a respeito, fiquei ainda mais convencido de que a raiva e o ódio não são meios para solucionar problemas. A raiva não pode ser superada pela raiva. Quando uma pessoa tiver um comportamento agressivo com você e a sua reação for semelhante, o resul-
tado será desastroso. Ao contrário, se você puder se controlar e tomar atitudes opostas - compaixão, tolerância e paciência - não só se manterá em paz, como a raiva do outro diminuirá gradativamente. Do mesmo modo, problemas mundiais não podem ser solucionados pela raiva ou pelo ódio. Sentimentos como esses devem ser enfrentados com amor, compaixão e pura bondade.
n Isso lembra a milenar recomenda-
ção do Cristo: se alguém lhe esbofeteia, ofereça a outra face. o Pensem em todas as terríveis armas que existem, mas que, por si mesmas, não podem iniciar uma guerra. Por trás do gatilho há um dedo, movido pelo pensamento, não por sua própria força. A responsabilidade permanece em nossa mente, de onde se comandam as ações. Portanto, controlar em primeiro lugar a mente é muito importante. Não estou falando de meditação budista profunda – sobre o Vazio como o fundamento de tudo e a irrealidade dos fenômenos por sua originação dependente ou da obtenção de Rigpa, a Mente de Clara Luz - mas apenas de cultivar menos raiva e mais respeito aos direitos do outro. Ter uma compreensão mais clara da nossa igualdade como seres humanos. Ninguém quer a raiva, a intranquilidade, mas por causa da Ignorância – a Avydia, que é o contrário da Mente de Clara Luz - somos acometidos por sentimentos como esses. A raiva nos faz perder uma das melhores qualidades humanas, o poder de discernimento. Temos um cérebro bem desenvolvido, coisa que outros mamíferos não têm. Esse órgão nos permite julgar o que é certo e o que é errado. Não apenas em termos atuais, mas em projeções para daqui a dez, vinte ou cem anos. Sem nenhum tipo de pré-cognição, podemos utilizar nosso bom senso para determinar
interior, que só pode ser alcançada pela bondade, amor e compaixão. O que pode resultar em uma família em paz, e em uma nação criar unidade, harmonia e cooperação. No nível internacional, precisamos de confiança e respeito mútuos, discussões francas e amistosas, com motivações sinceras e um esforço conjunto no sentido de resolver problemas. Tudo isso é possível. Precisamos, porém, mudar interiormente. Atualmente, quando um problema é resolvido, surge outro. Tenta-se solucionar este, surge mais um em outro lugar. Nossos líderes mundiais nada conseguem. Chegou o momento de tentar uma abordagem diferente.
n Já ouvimos também isso antes,
dito de outro modo: - Paz na terra aos homens de boa vontade. o É certamente difícil realizar um movimento mundial pela paz de espírito, mas é a única alternativa. Não há outro método, fácil e prático. Se com armas pudéssemos chegar à paz duradoura, muito bem. Transformaríamos todas as fábricas em produtoras de armamentos. Mas isso é impossível. As armas não permanecem empilhadas. Uma vez desenvolvidas, alguém irá usá-las. Portanto, a única maneira de atingirmos uma paz mundial duradoura é por meio da transformação interior. E, mesmo que essa transformação não ocorra durante esta vida, a tentativa terá sido válida. Outros seres humanos virão, a próxima geração e as seguintes. Cada um de nós é responsável por toda a humanidade. Chegou a hora de pensarmos nas outras pessoas como verdadeiros irmãos e irmãs e nos preocuparmos com seu bemestar. Se você tentar dominar seus sentimentos egoístas e desenvolver mais bondade e compaixão, em última análise, você é quem irá sair beneficiado. Não há necessidade de templos ou de filosofias complicadas. Nosso próprio cérebro, nosso coração são nossos templos. A filosofia é a bondade.