Sim 59 De onde vieram o Homem, a mosca e as estrelas

Page 1

BELÉM, DOMINGO, 20 DE JULHO DE 2014

OLIBERAL

MAGAZINE  11

sim

VICENTE CECIM

vicentefranzcecim@gmail.com

De onde vieram o Homem, a mosca e as estrelas?

Ali onde os anjos supremos, a mosca e a alma são semelhantes.

gência - se subdividem. Nesse caso, são os árabes se partindo ao meio em sunitas e xiitas, e mutuamente se devorando, também em nome de Alá, que as duas partes afirmam legitimamente representar aqui na Terra, uma excluindo a outra. Argh.

MESTRE ECKHART

V

ocê sabe a resposta? Não? Sem dúvida, as moscas sabem, e todas as estrelas também – em si mesmas, apenas sendo o que são. Diferente dessa serena e muda ciência de si & sua origem, o Homem atravessa toda a sua vida, como espécie, buscando há séculos a Resposta. Individualmente, poucos tentaram, e vários ousaram mas em tom de hipóteses – somente alguns ousaram dar respostas com firmeza e deslumbrante convicção. Lembro alguns, no Ocidente: Na Grécia antiga, entre os filósofos chamados pré-socráticos, o primeiro foi Thales de Mileto, que disse: - Todas as coisas vieram da Água. E depois dele, filósofos da época apontaram outros elementos como a possível origem de tudo: - Vieram do Fogo. – Não, do Ar. Enquanto os homens comuns, em santa inocência, se limitavam – e ate hoje – a dizer, sem a mínima sombra de dúvida: - Ora, vieram de Deus. A resposta mais atordoante e próxima de ser, de fato, a resposta, foi dada pelo pré-socrático Anaximandro. Ele afirmou: - Todas as coisas vieram do Indeterminado. E é nessa indeterminação que, no fundo, ainda hoje estamos - apesar de toda a nossa Ciência cada vez mais sutil e quântica e enquanto aguardamos a confirmação do Big Bang como origem do nosso Universo – sem descartar a possibilidade de que haja outros, universos, quero dizer, paralelos ao nosso. Mas não avancemos no Tempo assim com tanta pressa. Ainda na antiga Grécia, logo após Anaximandro, Parmênides olhou nos olhos da Deusa – como conta em seu poema filosófico – e através deles viu o Indeterminado como o Ser Imóvel. Foi a primeira intuição humana ocidental de que se tem notícia, do Uno – de que, mais tarde, falaria Platão – como a Origem da Vida. Mas voltemos, de novo, a antes de Platão. Quase ao mesmo tempo que Parmênides, Heráclito de Éfeso, chamado O Obscuro - pela forma enigmática como se expressava e o recolhimento pessoal em que vivia – também viu, na Origem da Vida, uma Unidade. Mas para Heráclito ela não se mantinha como um Centro imóvel: era o Ser móvel - se lançando em dispersão e manifestando o Cosmos, sendo, no Presente, em permanente Vir a ser. O que o levou a fazer a célebre afirmativa: - Nenhum homem se banha duas vezes no mesmo rio, da segunda vez não é nem o mesmo homem nem o mesmo rio. Está ficando difícil de entender? Calma, não se assuste. É simples. É justamente aquilo que você às vezes se diz, em certos dias muito complicados: - Nada como um dia depois

do outro. Isto é: vai passar, porque as coisas mudam, se transformam todo tempo - não é assim que todo mundo entende? Então, estando entendidos – prossigamos. Será que os homens nunca se entenderão sobre a origem da vida, como no título da pintura de Ernst? Apesar de tantas respostas diferentes - você reparou que há uma coisa em comum entre os que tentaram, e ainda hoje tentam, achar a nascente de tudo o que existe? O que é? - É a convergência para uma concordância, que está por trás das diversas respostas: no fundo, todos concordam em que essa Nascente é única, isto é: eles apontam, sempre, para uma única coisa, não várias. E atribuem a essa única causa, seja lá o que for, a condição de semente de onde brotou toda a diversidade da Vida Manifesta – do homem às estrelas, passando pela mosca – e por mim que escrevo isto e por você que está lendo a página Sim de hoje. Mas, então, por que - concordando todos em que há uma origem que é sempre única – isto é, uma só, não várias – eles variam tanto quando dizem o que é essa Origem? - É a Água, é o Fogo, é o Indeterminado, é o Ser imóvel, ou móvel? Terá a ver com o provérbio popular que diz: Cada cabeça, uma sentença?

Tao

sando pela arena das teorias, entre os cientistas, até brutais confrontos que despedaçam corações & mentes em guerra – das guerrilhas domésticas às grandes guerras internacionais – ou crônicas, como, por triste exemplo, o conflito que agora mesmo mais uma vez se intensifica, na Palestina, com Israel lançando modernos mísseis judaicos em nome de Jeová sobre a população árabe e os árabes respondendo com toscos mísseis islâmicos em nome de Alá. Mas as divisões não param por aí e – o que fatalmente acontece em toda diver-

Bem, já tendo apresentado aqui alguns dos principais pontos de vistas do Ocidente sobre a Origem da Vida – é preciso falar dos pontos de vistas do Oriente. Qual a resposta que os orientais dão à pergunta De onde vieram o Homem, a mosca e as estrelas? Talvez baste mencionar uma dessas respostas, para mim a mais vertiginosa, a que os chineses dão: - Vieram do Tao. Esse Tao que você deve conhecer pelo menos de nome, do título do livro Tao te Ching atribuído a Lao Tsé, já bastante difundido no Ocidente. Esse Tao que a tudo rege sem nada reger, que em tudo está não estando em coisa alguma, do qual nada se pode dizer, enfim, conforme diz Lao Tsé, traduzido o mais fielmente possível do chinês original em que foi escrito: Há algo indefinido e perfeito/antes de nascerem céu e terra/silente! Apartado!/ fica só – não muda/ tudo pervade – nada periga/ pode ser considerado a mãe sob o céu// eu não sei seu nome/ dou-lhe a grafia: - Tao/forçado

Logos Voltemos a Heráclito. Pois a resposta parece estar em um outro fragmento que restou da sua obra, em que ele diz: - Há um único Logos, mas os homens pensam e agem como se cada um tivesse o seu próprio logos particular. Aqui, é conveniente deixar bem claro que o Logos de que fala Heráclito, o Obscuro é a Inteligência ou como que a mente do TodoUno, que rege o Universo. Coisa Imensa. Com a qual as nossas pequenas inteligências deveriam se manter sempre alinhadas, mas da qual se perdem e desalinham constantemente. Desalinhamento que é a causa de todas as nossas aflições – conforme afirmam os mestres do Oriente e do Ocidente, unanimemente. Ante essa coisa assim imensa e misteriosa é que oscila, entre o ridículo, o pretensioso – mas também o extremamente comovente – o desejo humano de uma autonomia de saber que nos leva a agir como se cada um tivesse seu próprio logos particular. Dessa multidão de pequenos logos humanos – que se manifestam heterogeneamente, também conflituosamente – embora, às vezes, até complementarmente – é inevitável que surjam multidões de crenças, ideologias, disputas que vão da arena dos conceitos, entre os filósofos, pas-

a nomeá-lo digo: - grande/ grande soa: – além/ além soa: - longínquo/ longínquo soa: - retornante//portanto/o curso é grande/ o céu é grande/ a terra é grande/ o mediador é grande/ no universo há quatro grandes/ o mediador é um dos quatro// o homem segue a terra/ a terra segue o céu/ o céu segue o curso/ o curso segue a si Quando ousamos uma tradução distantemente próxima do seu significado, traduzimos Tao por Caminho. O Caminho por onde tudo veio. O Caminho por onde tudo vai.

Plotino Mas já falei tanto de outras coisas, que acabei quase gastando todo o espaço desta página, que pretendia dedicar a Plotino e à resposta que ele dá à pergunta do título. Ela atravessa toda a sua obra, a Enéadas, como a sua compreensão central da Vida e do Universo. E bem especificamente no Tratado 9, da Enéada 6, a última do livro, com o título Sobre o Bem ou o Uno. A resposta de Plotino é: - Vieram do Uno. E ele afirma que, em decorrência disso, todas as coisas existem como unidades cada uma em si. O que equivaleria a dizer que cada coisa é um eu, existe em uma individualidade. Plotino diz: - Tudo o que está sendo, está sendo por causa do uno. E também: Pois o que existiria se não fosse uno? No instante mesmo em que fosse arrancado do uno não seria o que era. E ainda: Os corpos das plantas e animais, que são uno, se escapam desse uno, se fragmentando, perdem o ser que tinham e se tornam tantos seres quanto fragmentos tenham essa unidade. Lembremos que Plotino já esteve nesta página falando conosco sobre a Beleza Inteligível, na Sim de 24 de novembro de 2013 - Diálogos com Homens Sábios: Plotino. Quando nos disse coisas essenciais, como: Quanto mais a beleza se estende indo em direção à matéria, tanto mais sem vigor é em relação àquela beleza que permanece no Uno. Já que cada coisa que se destaca se distancia de si mesma: se força, em força, se calor, em calor, se beleza, em beleza. E é preciso que toda coisa que primeiro produz seja em si mesma melhor do que o que é criado, já que não é a ausência de música que cria o músico, mas a música, e a música anterior ao sensível é aquela que cria a música no sensível. Quem sabe não o convidemos a voltar em um próximo domingo, dessa vez para nos falar, em profundidade, sobre o Uno como origem de tudo o que existe? Você gostaria de um segundo diálogo com Plotino? Sim? Entre outras coisas, antecipo aqui uma das que ele nos diria: Há saúde quando o corpo tende ao uno, beleza quando as partes participam da natureza do uno, virtude da alma quando se chega ao uno e ao acordo.

Max Ernst: “Os homens nunca saberão”


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.