OLIBERAL
BELÉM, DOMINGO, 10 DE AGOSTO DE 2014
MAGAZINE 11
sim
VICENTE CECIM
vicentefranzcecim@gmail.com
Escher (1956)
McLuhan (II): O Meio é a Massagem Na Tv, agora, é preciso ser calmo. Hitler aos berros seria visto uma vez e depois estaria acabado. MARSHALL MCLUHAN
A
final, o Meio é a Mensagem ou o Meio é a Massagem? Sempre lúdico & livre, McLuhan optou pelo segundo título que, consta, emergiu de um erro tipográfico na prova do seu livro originalmente denominado O Meio é a Mensagem, quando enviaram para ele revisar. Não é difícil entender porque sua adesão à mudança foi imediata: desde que se entenda, antes de mais nada, que, para ele, cada meio de comunicação – além da mensagem que esteja transmitindo, ou conduzindo em si - em si mesmo já é uma mensagem – isto é, causa uma impressão ou produz um efeito nos sentidos do seu receptor humano. E assim a Televisão, por exemplo, como um meio de comunicação, já atua como uma mensagem sobre nós por sua mera emissão de imagens & sons, independente do programa que esteja sendo exibido. Não está claro? Mas vai ficar com este, bem tosco, exemplo, tirado de antes da invenção do e-mail: Ao receber uma carta, a primeira mensagem recebida pelo destinatário é - chegou uma carta, pois a carta, em si, já significa notícias boas ou ruins – e só depois de abrir o envelope é ler o que vem escrito na carta é que a segunda mensagem é recebida. Essa simplificação da concepção de McLuhan do meio como mensagem é quase vergonhosa – mas não há nada de vergonhoso em fazer tudo para ser bem entendido pelo próximo, concorda? Sigamos adiante. O inesperado surgimento da palavra Massagem/Massage no título original inglês do livro subtituiu mas não apagou o subentendido título Mensagem/Message. Mas a coisa não fica só nisso, porque o título agora permite quatro leituras: - Mensagem e Mess Age – e Massagem e Mass Age. Bem, por mim, não entendo a troca do título como um erro inocente do
sempre substimado Acaso, mas como algo mais: - como uma espécie de anunciação que terá levado McLuhan – entusiasmado com eles, nas suas primeiras antevisões do futuro dos meios de comunicação – a desvelar, no futuro desses meios, também suas ameaças e danos – quando usados para manipulações em massa, projetando ideia, inoculando ideologias, enfim – massageando as pessoas para moldar seu público. A minha compreensão se sente justificada pelo, digamos, método de trabalho usado por McLuhan. Desse método, que se caracteriza pela máxima antecipação possível, ele próprio já nos falou na página Sim do domingo passado, também dedicada a ele. Mas não custa usar um pouco do espaço desta página para repetir para quem não tenha lido a outra: McLuhan: - O que me interessa são as inovações como tais, e sobretudo o efeito dessas inovações. Eu estudo o que aconteceria se fizéssemos tal ou tal coisa. (...) Analiso os fenômenos partindo dos efeitos em direção à causa, e não começando da causa para chegar aos efeitos, como é o hábito mais comum. É como um playback. Analiso tudo em playback. Porque quando invertemos a ordem de um processo, é aí que descobrimos sua estrutura, seu esquema.
Livros & Vídeos McLuhan escreveu vários livros ao longo de sua vida, em cada um deles avançando um passo mais ousado nas suas Visões do nosso Agora – este agora em que podemos, também, voltar no Tempo e vê-lo & ouvi-lo falando de suas ideias e descobertas em vídeos que o mostram dando entrevistas, fazendo palestras sobre o advento da Internet - agora na própria Internet. Mas nos livros que escreveu você terá uma visão mais completa – se ainda
MCLuhan: sobre a Educação Tudo o que agrada ensina mais eficazmente. McLuhan também previu como poderia vir a ser a Educação com o advento da Internet, no mundo que chamou de Aldeia Global. - Uma rede mundial de ordenadores tornará acessível, em alguns minutos, todo o tipo de informação aos estudantes do mundo inteiro. As v isões de McLu ha n sobre o futuro da Educação levaram à criação de um novo campo de estudos, chamado Comunicação e Educação – mas os meios de ensino conservadores resistiram e não responderam de imediato a sua proposta - e esse novo campo só começou a ser explorado na década de 90. McLuhan expôs sua visão no livro Revolução na Comunicação, onde constatou o que já acontecia em seu tempo: - Em nossas cidades, a maior parte da aprendizagem ocorre fora da sala de aula. A quantidade de informações transmitidas pela imprensa excede, de longe, a quantidade de informações transmitidas pela instrução e textos escolares. Segundo ele, esta era a situação, até o surgimento da Televisão: vivíamos na Galáxia Gutenberg – que surgiu quando Gutenberg criou a Imprensa, ainda na Idade Média – e na qual todo o conhecimento era visto apenas em sua dimensão visual. Para McLuhan, se por um lado o invento de Gutenberg permitiu que o conhecimento fosse mais difundido, por outro lado reduziu a comunicação – anteriormente feita, sobretudo, oralmente - a um único recurso – a escrita. - Antes da imprensa, o jovem aprendia ouvindo, observando, fazendo. A aprendizagem tinha lugar fora da aula. McLuhan denunciava agressivamente o conservadorismo dos educadores, em sua época, que se recusavam a usar os novos meios de disseminação do conhecimento. Dizia: - Poucos estudantes conseguem adquirir proficiência na análise de um jornal. Ainda menos têm capacidade para discutir com inteligência um filme. Irreverente e mordaz em sua crítica, acrescentava: - A educação escolar tradicional dispõe de um impressionante acervo de meios próprios para suscitar em nós o desgosto por qualquer atividade humana, por mais atraente que seja na largada.
McLuhan (1940) Para McLuhan, não os educadores, mas os estudantes e sua vontade de aprender são o fundamental. - Onde o interesse do estudante já estiver focalizado, aí se encontra o ponto natural de elucidação de seus problemas e interesses. A educação escolar tradicional suscita em nós o desgosto por qualquer atividade humana. Atualmente, no auge – ao mesmo tempo eufórico e crítico - da Aldeia Global, quando podemos ler os antes impressos livros do próprio McLuhan em versões virtuais, lemos neles coisas assim: - A educação era, até agora, uma tarefa relativamente simples: bastava descobrir as necessidades da máquina social e depois recrutar e formar o pessoal que a elas correspondesse. (...) A nova interdependência eletrônica cria o mundo à imagem de uma aldeia global. (...) A tarefa educativa não é fornecer, unicamente, os instrumentos básicos da percepção, mas também desenvolver a capacidade de julgamento e discriminação através da experiência social corrente. McLuhan concordaria plenamente com Roland Barthes, que concluiu sua Aula Inaugural, no Colégio de França, com a frase, que prometia como seriam suas aulas: – O máximo de sabor e o mínimo de saber. McLuhan já havia dito o mesmo, com estas palavras: - É ilusório supor que existe qualquer diferença básica entre entretenimento e educação. Sempre foi verdade que tudo o que agrada ensina mais eficazmente.
é um daqueles que não desaprendeu de ler livros e prefere a comodidade ociosa dos audiovisuais. Vejamos quais foram os seus livros, e do que tratam – dando seus títulos em português se houver tradução: The Mechanical Bride: Folklore of Industrial Man - 1951 Primeiro livro de McLuhan, com título inspirado em uma peça dadá de Marcel Duchamp – é um estudo inovador sobre a cultura popular na era industrial, construído com vários textos pequenos para se ler em qualquer ordem - como um mosaico, forma que deu também ao seu segundo livro: A Galáxia Gutenberg. The Gutenberg Galaxy/A Galáxia Gutenberg - 1962 Um estudo da cultura escrita, da manscrita à impressa, e de como a Galáxia Gutenberg se apresenta no mundo globalizado e se relaciona com a comunicação eletrônica. Understanding Media: The Extension of Man/Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem - 1964 Na primeira parte do livro, McLuhan afirma: - Toda tecnologia gradualmente cria um ambiente humano totalmente novo. Os ambientes não são envolvidos passivos mas processos ativos. E diz que um meio afeta a sociedade em que tem um papel não pelo conteúdo que transmite, mas pelas características do próprio meio. Na segunda parte, seu assunto são as singularidades das culturas oral e escrita The Medium is the Massage: An Inventory of Effects/O Meio é a Massagem: Um Inventário de Efeitos - 1967 O livro é um mix de textos e imagens – foi feito em parceria com o designer gráfico Quentin Fiore – com páginas cheias de palavras e outras totalmente vazias. Feito com a intenção de transpor os efeitos dos meios sobre o homem para uma composição visual, sua leitura leva a uma experiência sensorial para além do ato de apenas ler. Há uma versão em áudio feita pela Columbia Records com a voz de McLuhan e outras em tom de falsete, sons discordantes e músicas incidentais dos anos 60. Guerra e Paz na Aldeia Global -1968 O livro é um estudo de guerras ao longo da história e de como a guerra pode ser feita no futuro, no formato de uma colagem de imagens e textos, ilustrando como a tecnologia elétrica estimula mais descontinuidade, diversidade e divisão do que a sociedade mecânica antiga. O Finnegans Wake, de James Joyce, foi usado por McLuhan como uma inspiração. From Cliché to Archetype/Do Clichê ao Arquétipo - 1970 Foi seu último livro, com o poeta canadense Wilfred Watson, onde dialoga com a psicanálise de Jung e cria o conceito de Teatro Global.