Sim 66 Como eleger xamanicamente Marina presidente?

Page 1

OLIBERAL

BELÉM, DOMINGO, 7 DE SETEMBRO DE 2014

MAGAZINE  11

sim

D

ois autores, estudiosos dos mitos relacionados ao sagrado feminino e do xamanismo através dos séculos – Robert Graves e Mircea Eliade – vão nos guiar através desta página Sim. E por que precisaremos deles como guias? Porque vamos entrar por um portal inesperado em um assunto sério, que diz respeito a todos nós – mas receio que a página irá acabar sem sabermos exatamente se o que lemos era para rir ou para nos ajoelharmos e rezar. Em seu substancial livro O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase/Le Chamanisme et les Techniques Archaiques de l’Extase, o romeno Mircea Eliade nos introduz no mundo das Mulheres-espíritos protetoras dos xamãs e nos fala das relações dos xamãs com suas esposas celestes e nos diz que não são elas propriamente que consagram o xamã, mas o ajudam, tanto em sua instrução como durante sua experiência extática. Em seu também substancial livro A Deusa Branca/The White Goddess, o poeta inglês Robert Graves nos faz um inventário exaustivo das várias formas como a Deusa tem se apresentado, nas mais diversas culturas e desde remotos tempos ao longo da pré e da própria história, no que ele chamou de – Uma gramática histórica do mito poético. Graves, também autor de O Grande Livro dos Mitos Gregos, mergulha fundo no significado iniciático da Deusa Branca e sua relação com os homens – que podemos associar ao que Eliade nos revelou sobre as relações das esposas celestes com os xamãs. O que essas coisas têm a ver com as eleições brasileiras deste ano onde - além de termos duas mulheres como candidatas liderando as pesquisas de intenção de votos – algo ainda é mais intrigante: - A súbita ascensão de Marina após a queda do avião de Eduardo Campos? Oh, estaríamos de volta aos tempos herméticos da Tábua de Esmeralda em que Hermes Trimegisto nos assegura que – o que está embaixo é como o que está no alto? Bem, façamos um breve desvio para saber o que deu origem a esta página, sim? Conto: Meu muito estranho amigo Jesus Sombra, que conheço dos anos que morou em Belém antes de voltar para os Andes peruanos onde nasceu e novamente vive, quis ter comigo um ainda mais estranho diálogo sobre as eleições deste ano no Brasil - país pelo qual ele se interessa muito, sobretudo por ser um feroz defensor da intocabilidade da Natureza Amazônica. Devo chamar a sua atenção, leitor, para o fato do meu amigo Sombra ser alguém que mantém íntimas e equilibradas relações com o Imanente e com o Transcendentes. E se interessa pelo mundo além-do-humano tanto quanto não perde de vista, com grande perspicácia, também este nosso humano mundo.

Política & Mística? Esses são os elementos que compõem o portal de que falei acima. Pois não foi esse insólito encontro que o Sombra promoveu em nossa conversa sobre as eleições brasileiras - não apenas para a sua surpresa, leitor - mas também para a minha? Confesso: nunca vi nada igual - nem na África, continente essencialmente místico

VICENTE CECIM

vicentefranzcecim@gmail.com

Como eleger xamanicamente Marina presidente? Embora ela ame apenas para destruir, a Deusa destrói apenas para ressuscitar ROBERT GRAVES - onde atuei para a ONU no trabalho de democratização do país e na criação da primeira campanha presidencial de José Eduardo dos Santos, em Angola, nos anos 90. Realmente a primeira e até então única, após 500 anos de tiranias - antes a colonial portuguesa e depois as tribais e ideológicas. Se você quiser entender como Política & Mistificação esse encontro entre coisas aparentemente tão diferentes, promovido pelo Sombra, entenda. Eu também disse a ele que estávamos atravessando fronteiras perigosas. Mas ele me respondeu – do mesmo que responderia a você - citando como exemplo da fusão, ou confusão dessas fronteiras, a história da subida de Moisés à montanha - enquanto o povo judeu se lançava em baixo à adoração do Bezerro de Ouro e em um carnaval de todos os pecados – isto é: de tudo aquilo que ainda não era proibido mas Moisés traria, na sua volta, descendo da montanha, inscrito na Tábua da Lei como pecado. - Vicente, hermanito – me disse meu sombrio amigo – política & mística estão tão unidos, ou pelo menos tão próximos, que nem um judeu convicto frequentador diário do Muro das lamentações poderia distinguir uma coisa da outra. O certo é que, segundo consta, Moisés acabou com a festa e pôs todo mundo na linha fina e sutil em que é preciso andar com todo cuidado – para não escorregar e cair em pecado. O que, na verdade, é um duplo risco, e chega a dar um frio na espinha quando a gente lembra o provérbio hassídico, que diz: - A vida é um fio de navalha: de um lado o inferno, do outro lado, o inferno. Resposta nada surpreendente, vinda do meu amigo Jesus Sombra – sempre ousado e fulminante. E Jesus Sombra foi também fulminante em sua visão mística-política, quando se referiu às atuais diferenças que a queda do avião de Campos cravou entre a presidente Dilma e a candidata Marina. Ele disse: - Vicente, observa o que mudou subterraneamente. Agora, Dilma só tem em comum com Marina o fato de ambas serem mulheres – e embora já seja a presidente, quer dizer: a maior autoridade do país, continua irremediavelmente sendo apenas mais um político entre os outros que teu povo já foi às ruas renegar. - E a Marina, o que ela é, agora, mais do que a Dilma? Perguntei. - Mas isso apareceu tão espontânea e subitamente nas pesquisas – ora, Vicente, não acredito que tu não percebas o que os mais simples eleitores já perceberam: - Marina, agora, mais do que uma mulher como Dilma e já não mais um político como Dilma e tam-

bém Aécio - que tem desvantagem de ser homem - penetrou no Sobrenatural. Foi além. Ela se tornou a única interlocutora de Eduardo Campos, que, por sua vez, transpôs os limites do humano e imergiu no Sagrado – como todos os mortos, considerados sagrados por todos os povos e o povo brasileiro não será exceção. Começas a ver as diferenças? Se reelegendo, Dilma irá governar só com as forças da Terra, da política, da economia – em um mundo global caótico em todos os sentidos – de guerras de matanças pelas armas, guerras de matanças pela fome, guerra de matanças pela mentira, coisas contra as quais nada, ou quase nada ela poderá fazer. - E a Marina? - Ah, a Marina? Segundo já entendeu – ou quer crer - o teu povo, se eleita, além de também governar com os mesmos poderes e instrumentos limitados de Dilma, Marina terá o Sobrenatural a seu favor. Entendes? Assim como Moisés, ela também subiu a montanha enquanto o avião de Eduardo Campos caía em chamas – ela também viu a Sarça Ardente – ela agora como que está ungida, como ele, Moisés, por um Poder mais alto que a ela foi conferido pelo Além do Homem - para guiar os homens para uma espécie de Terra Prometida brasileira. - Mas - Mas o que, Vicente? Não conheces bem as entranhas místicas & míticas do teu povo? Ou esqueceste? Os primeiros brasileiros ao ouvirem o disparo do bacamarte não se prostraram aos pés do colonizador português clamando – Caramuru, Caramuru? Os que vieram depois não subiram o Monte Santo guiados por um messias e tiveram forças suficientes para, do fundo da mais negra e crua miséria, combater por 10 anos as forças armadas equipadas e treinadas da República brasileira? E aí mesmo, na tua terra, em Belém, eu mesmo não vi, com meus próprios olhos quando aí vivi,

um milhão de pessoas caminhando atrás de uma imagem talhada em madeira com a mais singela, comovente e singular fé? - Sim, mas - Mais nada, hermano. Acaso o povo brasileiro, ainda hoje, tantos anos depois, não faria tudo para anular o acidente que matou Airton Sena e trazer ele de volta à vida? E não faria, se pudesse, a História regressar, como o Super Homem girando a Terra ao contrário, para impedir o suicídio e devolver a vida a Getúlio? Pois, acredita: para esse mesmo povo – Marina pode representar a ressurreição de Eduardo Campos. Então, na dimensão simbólica - nenhum avião jamais caiu. Basta que ela fale e haja em nome de Eduardo. - Ah, acho que entendi: - Assim na Terra como no Céu. E assim terminou a minha conversa com o Sombra.

O Asno de Ouro Mas voltemos a Deusa Branca – após esse desvio para ouvir Jesus Sombra jorrar dos altos cumes de Machu Pichu suas teses andinas sobre nós, assim como de lá jorram as águas do rio Amazonas. O que, queiramos ou não, nos faz evocar, o mito do El Dorado sobre mulheres guerreiras. Há, em especial, um trecho no livro de Graves que ele, o Sombra, me apontou para evidenciar a relação da potencial sobrenaturalidade atual e provisória da candidata Marina e a sobrenaturalidade ancestral permanente da Deusa - e como isso pode – ou, de fato, já está afetando a população, e aparecendo nas pesquisas eleitorais. Nesse trecho podemos, querendo, associar as carências do povo brasileiro às do asno de Apuleio recorrendo a Deusa para se ver livre da adversidade, pois já penei

bastante pelas labutas e pelo perigo. Antes de mais nada, Robert Graves nos esclarece sobre as cores da Deusa e sua identificação com a Lua. Diz ele: Escrevo sobre ela como a Deusa Branca porque o branco é sua cor principal, a cor do primeiro elemento da trindade lunar. Mas Suídas, de Bizâncio, registrou que (...) a lua nova é a Deusa Branca do nascimento e do crescimento, a lua cheia a Deusa Vermelha do amor e das batalhas, a lua velha a Deusa Negra da morte e da adivinhação. E sobre o ponto a que Jesus Sombra quer nos fazer chegar, e dele nos convencer, eis o que o poeta Graves nos diz: - O mais abrangente e inspirado testemunho da Deusa em toda a literatura antiga está em O Asno de Ouro, do escritor romano Apuleio, quando Lúcio - homem transformado em asno por um poderoso encantamento - a evoca das profundezas e da degradação espiritual e ela aparece em resposta a seu pedido. A evocação da Deusa é feita dirigida à Lua, quando Lúcio acorda no meio da noite e a vê, poderosa, no Céu. Ele inicia sua evocação assim: - Ó Rainha Bendita dos Céus. E conclui sua evocação a Deusa assim: – Ó tu, que amadureces todas as sementes do mundo em teu calor úmido, dando-lhe a luz que tu modificas segundo tuas viagens para longe ou perto do sol. (...) Confere-me, se for do teu agrado, a paz e o repouso em minha adversidade, pois já penei bastante pelas labutas e pelo perigo. Foi assim que a forma divina, exalando os perfumes da fértil Arábia, destinguiu-me com as seguintes palavras: - Note, Lúcio, estou aqui: seu chorar e preces moveram-me a te socorrer. Eu sou ela que é a mãe de todas as coisas, senhora e governante de todos os elementos, a criação inicial, chefe dos divinos poderes, rainha de tudo que existe no submundo, o principio de tudo que há nos céus, manifestada sozinha e na forma de todos os Deuses. Sob minha vontade os planetas nos céus, os ventos integrais do mar, e os silêncios do submundo serão dispostos. Meu nome e minha divindade são adorados pelo mundo afora, de muitas maneiras e formas, em vários costumes e por muitos nomes. Para os Phrygians que foram os primeiros a chamarem-me de Mãe dos Deuses em Penssinus. Os Athenienses, que me tiraram do seu próprio solo, Cecropian, Minerva. Os Cyprians, que estão pelos mares, Paphian Venus. Os Cretenses com suas flechas, Dictynnian Diana. Os Sicilianos que falam três línguas, Proserpina infernal. Os Eleuseanos, sua Deusa ancestral Ceres. Alguns me chamam Juno, outros Bellona, outros Hecate, outros Rhamnusia e principalmente ambos Ethiopians que vivem no oriente e são iluminados pelos raios do Sol da manhã, e os Egypcios, que são muito bons em todas as doutrinas, com suas próprias cerimônias, eles me cultuam, e me chamam pelo meu verdadeiro nome, Rainha Isis. Veja bem, Eu venho para ter piedade dos acontecimentos e das tribulações. Veja bem, Eu estou aqui ao seu lado para lhe ajudar. Pare de chorar, e de se lamentar, deixe para lá toda tristeza, contemple os dias cheios de saúde que lhe proporcionarei. Bem, a página acabou. Vai rir ou ajoelhar para rezar?


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.