Sim 77 Diálogos com homens sábios: Aurobindo

Page 1

BELÉM, DOMINGO, 30 DE NOVEMBRO DE 2014

OLIBERAL

MAGAZINE  11

sim

VICENTE CECIM

vicentefranzcecim@gmail.com

Auroville: Cúpula central da Cidade da Aurora

Diálogos com homens sábios: Aurobindo É quando a mente fica silenciosa que se produz a realização do Si silencioso acima da mente, espalhado em sua vastidão por toda parte.

 Eu tenho um sentimento muito

grande de Ego como o gerador em nós, homens, de todas as dualidades – somos divididos por ele, separados da Vida Autêntica, e acabamos entrando em conflitos não apenas com o mundo, também cada um consigo mesmo. Afinal, para que serve o Ego?

SRI AUROBINDO

V

ocê lembra o que Sri Aurobindo nos disse sobre o que ele chama de perfeição ativa e pureza positiva, na página Sim do domingo passado? Certamente não, se você nem leu a página – o que nos leva à evidência de que outros também não terão lido e, lendo esta, precisem se situar no tema da primeira, que foi a pergunta: Pode os homens ir além do homem? – e é para esses, então, que reproduzo um pequeno trecho do seu texto, antes aqui mostrado, Os Instrumentos do Espírito:

A primeira necessidade para uma perfeição ativa de nosso ser é a purificação do atuar dos instrumentos que ele atualmente utiliza. O ser em si próprio é eternamente puro. A mente, o coração, a alma de desejo vital, a vida no corpo são os assentos da impureza. O objetivo não é uma pureza negativa, proibitiva, passiva ou aquietadora, mas uma pureza positiva, afirmativa, ativa. É uma total purificação de toda a complexa instrumentalidade em todas as partes de cada instrumento que é solicitada a nós pela perfeição integral. O que vimos na página passada foi que, ante a pergunta abissal - indo de Buda a Cristo e passando por tudo o que há entre os dois - praticamente todos concordam em responder à pergunta: Sim, mas ninguém está de acordo sobre a forma como isso poderá ser feito. Um dos que buscou a resposta foi o brevemente já apresentado no domingo passado - Sri Aurobindo.

Olho / Cosmos

- Quem? Talvez você pergunte. Na dúvida, falemos mais dele. Aurobindo Akroyd Ghosh nasceu em 1872 na Índia e se foi em 1950. Tempo suficiente para conceber e transmitir por todo o mundo a sua Yoga Integral – se preferir, chame de seu Yoga Integral. Aos 5 anos foi para a Inglaterra, aprendeu vários idiomas e só voltou a Índia com 20 anos de idade – iniciado na cultural ocidental, mas querendo mergulhar na sabedoria oriental, sua origem. Contra a Inglaterra, que nessa época se impunha colonialmente a Índia, organizou em segredo e depois assumiu publicamente o comando do movimento revolucionário que lutava pela independência do país. Preso pelo governo inglês, foi durante esse período de isolamento que Sri Aurobindo – Sri é um modo de se referir a alguém muito sábio – passou por experiências que o afastaram da política e o conduziram ao caminho espiritual. Que Caminho foi esse? Sabemos que atualmente, além de seus livros, esse caminho passa pela cidade de Auroville. Bem diferente da infernal Alphaville - que dá título ao filme-parábola de Jean-Luc Godard - dominada por uma máquina que controla seus habitantes, literalmente, com mão de ferro: o computador Alpha 60 – Auroville, a Cidade da Aurora, foi criada na Índia segundo os princípios da Yoga Integral, de Sri Aurobindo, e seus 25 km2 são habitados por, além de indianos, pessoas de todas as na-

- O sentido do ego serve para limitar, separar e diferenciar do modo mais definido possível; serve ao máximo aproveitamento da forma individual e existe porque é indispensável para a evolução da vida inferior. Mas, quando queremos ascender ao grau de uma vida divina, temos de diminuir a força do ego e, por fim, livrarmo-nos dele — assim como é indispensável o desenvolvimento do ego para a vida inferior, assim também para a vida superior esse movimento inverso de eliminação é igualmente indispensável.

 Por quanto tempo ainda o homem Auroville: Viver em uma mandala

cionalidades que para lá convergem em busca de harmonia interior e uma mais ampla reintegração ao Universo. Se você quer visita-la, pelo menos virtualmente, boa viagem: procure no Google por Auroville, Bommayapalayam, Tamil Nadu, Índia. O pensamento de Aurobindo está bem expresso no substancial livro The Syntesis of Yoga que em português apareceu reduzido e com o título Por Uma Psicologia Maior. Nosso Diálogo com homens sábios de hoje é com Sri Aurobindo: ele aborda o Ego, a vida inferior e a redenção humana através de uma vida com elevada consciência.

Sobre a prisão do Ego e a libertação do Eu  O Ego vive fingindo que é o ver-

dadeiro Eu Universal – e dele diz o filósofo pré-socrático Heráclito que leva os homens a pensarem como se cada um tivesse um Logos/inteligência particular e a ignorar esse Eu Universal/a Inteligência do Cosmos. Como você vê isso? - No mundo, nós agimos movidos pelo sentido do egoísmo. Afirmamos que são nossas as forças universais que operam por nosso intermédio - afirmamos que a ação seletiva, formativa e progressiva do transcendente na estrutura da mente, da vida e do corpo não passa de um efeito da nossa vontade, sabedoria, força e virtude pessoais. A iluminação nos dá o conhecimento de que o ego não passa de um instrumento - começamos a perceber e a sentir que essas coisas são nossas, sim, mas porque pertencem ao nosso Si Mesmo supremo e integral, Aquele que é uno com o Transcendente, e não ao ego instrumental. As contribuições que damos à obra são as limitações e distorções, o verdadeiro poder que nela opera é divino. Quando o ego humano percebe que a sua vontade é uma ferramenta, que a sua sabedoria é ignorância e infantilidade, que o seu poder é o tatear de um bebê, que a sua virtude é uma impureza arrogante e pretensiosa - quando aprende a confiar-se Àquilo que o transcende - nisso está sua salvação. A liberdade e a autoafirmação aparentes do nosso ser pessoa, ao qual somos tão profundamente apegados, ocultam uma lamentabilíssima sujeição a milhares de sugestões, impulsos e forças que tornamos estranhas à nossa insignificante pessoa. O ego, que se jacta da sua liberdade, é sempre e a cada momento o escravo, o brinquedo e o marionete de incontáveis seres, forças, poderes e influências da Natureza universal.

permanecerá submetido ao Ego, sem evoluir para uma visão unificada da Vida? Quando veremos e viveremos o Uno de Plotino? Enfim, pode o home ir além do homem e superar essa limitação? - Este ego ou “eu” não é uma verdade permanente, e muito menos a parte essencial do nosso ser. É somente uma formação da natureza: uma forma mental que centraliza os pensamentos na nossa mente que percebe e discrimina; uma forma vital que centraliza os sentimentos e sensações nas partes virtuais do nosso ser - e uma forma de receptividade física consciente que centraliza no nosso corpo a substância e as funções da substância. O que nós somos no interior não é o ego, mas a consciência, ou espírito. O que somos no exterior e na superfície não é o ego, mas a Natureza. Uma força cósmica executiva nos molda e, por meio do nosso temperamento, do nosso ambiente e da nossa mentalidade – todos eles moldados por ela – por meio da nossa formulação individualizada das energias cósmicas, determina nossas ações e os seus resultados. Na verdade, nós não pensamos, nem queremos, nem agimos - são os pensamentos, vontades, impulsos e atos que ocorrem em nós, e o sentido do ego reúne ao seu redor todo esse fluxo de atividades naturais e toma-se como o centro delas. É a Força cósmica, é a Natureza que forma o pensamento, impõe a vontade e confere o impulso. O corpo, a mente e o ego não passam de uma onda nesse mar de força em ação - não o governam, mas, pelo contrário, são governados e dirigidos por ele. O sadhaka – o homem sábio - em seu progresso rumo à verdade e ao autoconhecimento, tem de chegar a um grau em que a alma abra os olhos da sua visão e reconheça esta verdade do ego e esta verdade das obras. Então, o sadhaka compreende ideia de um “eu” mental, vital e física que age ou determina a ação - reconhece que a Praktriti, a Força da natureza cósmica que segue suas leis sempre rígidas, é a única que opera todas as coisas nele e em todas as coisas e criaturas.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.