Sim 7 diálogos com homens sábios eckhart tolle vicente franz cecm

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oliberal

Belém, domingo, 21 DE julho de 2013

magazine n 11

sim

vicente cecim

vicentefranzcecim@gmail.com

Diálogos com homens sábios: Eckhart Tolle Alguns ensinamentos espirituais dizem que todo sofrimento é uma ilusão, e isso é verdade.

n Mas o pensamento do meu eu vem e encobre, oculta essa consciência mais profunda? o Descobrir essa dimensão liberta você do sofrimento que causa a si mesmo e aos outros, quando você conhece apenas esse pequeno “eu” condicionado e deixa que ele conduza sua vida. O amor, a alegria, a criatividade e a verdadeira paz interior só podem entrar em sua vida quando você atinge essa dimensão de consciência livre de condicionamentos.

ECKHART TOLLE

O

que é um Sábio? Não é aquele que de tanto recolher informações aqui e ali sobre, de tudo, um pouco, organizou um sistema de compreensão da Vida. Para o homem sábio, as informações são dados para consulta sobre a epiderme da existência – mas o Sábio sabe que, essencialmente, existirmos é sermos uma parte de mistério, humano, em face do grande Mistério que é o Universo. O que faz a diferença entre um Sábio e um homem culto é que o primeiro não se satisfaz com o acesso que a Razão permite a conhecimentos disso e daquilo, ele emprega um instrumento capaz de atravessar as Aparências que nos encobrem, também usado pelos poetas: a Intuição. Antes e - à margem - das grandes editoras comerciais redescobrirem o filão editorial do que passaram a chamar, a partir dos anos 70, autoajuda – e que já emergira e submergira novamente por volta dos anos 40, sobretudo nos Estados Unidos da América e ainda de certo modo um tanto ingenuamente, como Dale Carnegie e seu famigerado Como fazer amigos e influenciar pessoas - houve outros homens dignos – e sem nenhuma finalidade lucrativa, exceto aliviar as pessoas de suas aflições mentais – que se manifestavam em palestras e livros sobre o assunto. Alguns foram ocidentais, como Alan Watts – que mostrava os caminhos do Zen. Outros – também via Zen – eram orientais, como o mestre japonês D.T. Suzuki. O monge católico e poeta Thomas Merton, inglês, mesclou os ensinamentos do hesicasmo, dos padres do deserto, ao zen-budismo. Houve os que migraram para o Ocidente, como o indiano Osho, que agiu como uma espécie de rebelde livre pensador a partir, também, do budismo. Osho ainda vivia quando Tenzin Giatzo, o atual Dalai Lama, perseguido pela China, teve que se exilar da sua terra natal, o Tibete, e, pelas famosas linhas tortas atribuídas à divindade, atravessou as fronteiras do budismo tibetano esotérico e passou a ser uma presença de luz e constante orientador das pessoas, em todo o mundo, transmitindo a elas as Oito Nobres Verdades através das quais Gautama Buda se dispôs a mostrar ao mundo a origem do Sofrimento e como se libertar dele, o chamado Sansara. Uma personalidade fulgurante foi além de todos esses, rompendo com todas as formas de ensinamentos anteriores e com todas as tradições religiosas, culturais e psicológicas tanto orientais quanto ocidentais: o indiano Jiddu Krishnamurti. Tirado da Índia ainda criança por Anne Besant e levado para a Inglaterra, para ser moldado, através da Teosofia de Blavatski, como um novo guia para um mundo que avançava velozmente para duas guerras mundiais deflagradas pela sempre bélica Europa, e instalado como líder da ordem teosófica Estrela do Oriente, Krishnamurti dissolveu a ordem com as seguintes fulminantes palavras: - “O homem não nasceu para viver trancado em gaiolas. Ninguém pode ser guiado por outro. Só o autoconhecimento é caminho para a libertação”. Foi através de todos esses – e outros mais antigos – mas sobretudo através de Krishnamurti, que emergiu a límpida mente do canadense Eckhart Tolle – autor de livros fundamentais como O Poder do Agora, O Poder do Silêncio e Um Novo Mundo. É com ele, Tolle, que inicio aqui, nesta página Sim de hoje, o ciclo de Diálogos com homens sábios que, de vez em quando, me atreverei a manter com alguns homens benéficos que – muito diferentemente dos homens maléficos que invadiram os tempos modernos – agem como aliados generosos da grande maioria vitimada

n Pensamentos, ideias, sentimentos

Jardim Zen pelas chamadas aflições mentais. Tolle, que nasceu na Alemanha, hoje vive no Canadá. Ele descreve o seu despertar para uma vida serenada assim: até os 30 anos, era ansioso, sofria de depressão e tinha uma forte inclinação para o suicídio. “Um dia pensei: - Não posso mais viver comigo.” Diz que então refletiu: “Eu sou um ou dois?” E suspeitou que só um dos dois era real. Segundo ele, esse pensamento fez sua mente parar. “Fui arrastado para dentro do que parecia um vórtice de energia. Me deixei levar. Não lembro de mais nada do que aconteceu. No dia seguinte fui acordado por um pássaro cantando no jardim. Era como seu eu tivesse acabado de nascer de novo.” O outro – que não era ele – havia desaparecido. “O que restou foi a minha verdadeira natureza, a minha presença, a consciência em seu estado puro, anterior à sua identificação com a forma”. Tolle se dispôs, então, a compartilhar com todas as pessoas a sua libertação. E se tornou provavelmente o mais lúcido e um dos raros integralmente íntegros autores de livros chamados de autoajuda – ele controla rigorosamente o preço dos seus livros em todo o mundo, para que sejam acessíveis ao máximo de pessoas – no Brasil, por exemplo, eles oscilam entre 15 e 25 reais. Para quem nem isso pode pagar – mantém um site aberto com textos em PDF e vídeos de seus ensinamentos. Basta buscar pelo seu nome no Google ou outro buscador qualquer. Com vocês, então: Eckhart Tolle, um homem sábio. Tirem dele o melhor que puderem, neste breve Domingo em liberdade provisória – após uma semana passada imersos nos duros combates cotidianos pela sobrevivência – e essa nova, que já vem chegando sem nenhum sinal de que as coisas nos darão, como se diz, algum refresco. VC

Eckhart Tolle: Sobre a natureza essencial do homem n Qual é a nossa natureza essencial?

só através da calma que você pode perceber o silêncio. Note que, quando você percebe o silêncio à sua volta, você não está pensando. Você está consciente do silêncio, mas não está pensando.

n O silêncio, então, nos mantém em nossa calma essencial? instala-se imediatamente uma calma alerta no seu interior. Você está presente. Nesses momentos você se liberta de milhares de anos de condicionamento humano coletivo.

apenas a ausência de barulho e de conteúdo? Não, a calma e o silêncio são a própria inteligência, a consciência básica da qual provêm todas as formas de vida. A forma de vida que você pensa que é, vem dessa consciência e é sustentada por ela. Essa consciência é a essência das galáxias mais complexas e das folhas mais simples. É a essência de todas as flores, árvores, pássaros e demais formas de vida.

n O que silencia o barulho do mundo e também o barulho da mente? o Olhe para uma árvore, uma flor,

uma planta. Deixe sua atenção repousar nelas. Note como estão calmas, profundamente enraizadas no Ser. Deixe que a natureza lhe ensine o que é a calma.

n Basta olhar? o Quando você olha para uma ár-

vore e percebe a calma da árvore, você também se acalma. Você se conecta à árvore num nível muito profundo. Você sente uma unidade com tudo o que percebe na calma e através dela. Sentir a sua unidade com todas as coisas é amor.

n Buda apontava uma coisa qualquer para a pessoa, e dizia: - Tu és isto. O silêncio da árvore me transmite silêncio e através dele reencontro minha natureza essencial. o O silêncio ajuda, mas você não precisa dele para encontrar a calma. Mesmo se houver barulho por perto, você pode perceber a calma por baixo do ruído, do espaço em que surge o ruído. Esse é o espaço interior da percepção pura, da própria consciência. Você pode se dar conta dessa percepção como um pano de fundo para tudo o que seus sentidos apreendem, para todos os seus pensamentos. Dar-se conta da percepção é o início da calma interior.

n Então a tomada de consciência é fundamental?

cial. É o espaço interior ou a consciência onde as palavras aqui escritas são assimiladas e se transformam em pensamentos. Sem essa consciência, não haveria percepção, não haveria pensamentos nem mundo. Você é essa consciência em forma de pessoa.

de ser tão útil quanto o silêncio. De que forma? Abolindo a sua resistência interior ao barulho, deixando-o ser como ele é. Essa aceitação também leva você ao reino da paz interior que é a calma. Sempre que você aceitar profundamente o momento como ele é - qualquer que seja a sua forma - você experimenta a calma e fica em paz.

n Muitas coisas, externas e internas, nos afastam dessa calma essencial. o O equivalente ao barulho externo é o barulho interno do pensamento. O equivalente ao silêncio externo é a calma interior. Sempre que houver silêncio à sua volta, ouça-o. Isso significa: apenas perceba-o. Preste atenção nele. Ouvir o silêncio desperta a dimensão de calma que já existe dentro de você, porque é

melhor de mim. o Será que a calma e o silêncio são

o Qualquer barulho perturbador po-

mos contatos com nossa calma interior? o Você perde contato com você mesmo. Quando perde esse contato, você fica perdido no mundo. Sua mais íntima noção de si mesmo, de quem você é, não pode ser separada da calma. Ela é o EU SOU, mais profundo do que seu nome e da sua forma externa.

n Devo entender com isso que não se trata de uma fuga, de não agir – mas de me situar no meu ponto de calma, digamos assim, que é o

o Quando você percebe o silêncio,

o A calma é a nossa natureza essen-

n O que acontece quando perde-

lenciosamente. A calma é o lugar onde a criatividade e a solução dos problemas são encontradas.

n E como se dá essa tomada de consciência? o Preste atenção nos intervalos - o in-

tervalo entre dois pensamentos, o curto e silencioso espaço entre as palavras e frases numa conversa, entre as notas de um piano ou de uma flauta ou o intervalo entre a inspiração e a expiração. Quando você presta atenção nesses intervalos, a percepção de “alguma coisa” se torna apenas percepção. Dentro de você surge a pura consciência desprovida de qualquer forma. Você deixa então de identificar-se com a forma.

n Esse intervalo é como um vazio para onde me retiro, ou onde penetro para me reencontrar em minha calma essencial. o A verdadeira inteligência atua si-

n A unidade de todas as coisas, de que você falou antes? Mas as coisas se apresentam sob muitas formas, como identificar essa unidade comum a todas? o A calma é a única coisa no mundo que não tem forma. Na verdade, ela não é uma coisa nem pertence a este mundo. Quando você olha num estado de calma para uma árvore ou uma pessoa, quem está olhando? É algo mais profundo do que você. A consciência está olhando para a sua própria criação. A Bíblia diz que Deus criou o mundo e viu que era bom. É isso que você vê quando olha num estado de calma, sem pensar em nada.

n O que eu preciso saber mais para preservar a minha natureza essencial? o Você precisa saber mais coisas do que já sabe? Você acha que o mundo será salvo se tiver mais informações, se os computadores se tornarem mais rápidos ou se forem feitas mais análises intelectuais e científicas? O que a humanidade precisa hoje é de mais sabedoria para viver.

n E onde achar essa sabedoria? Através das informações, da Ciência, da Cultura? o A sabedoria vem da capacidade de manter a calma e o silêncio interior. Apenas veja e ouça. Não é preciso nada além disso. Manter a calma, olhando e ouvindo, ativa a inteligência que existe dentro de você. Deixe que a calma interior oriente suas palavras e ações.

n Apenas ver e ouvir. Sim. Não pensar? o A maioria das pessoas passa a vida

toda aprisionada nos limites dos próprios pensamentos. Nunca vai além das estreitas ideias já feitas, do sentido do “eu” condicionado ao passado.

n O sábio indiano Krishnamurti denunciou esse condicionamento durante toda a sua vida, ao longo de mais de 90 anos. Ele o chamava “tempo psicológico”. o Em você, como em cada ser humano, existe uma dimensão de consciência bem mais profunda do que o pensamento. É a essência de quem você é. Podemos chamá-la de presença, de percepção, de consciência livre de condicionamentos. Nos antigos ensinamentos religiosos, essa consciência é o Cristo interior ou a sua natureza búdica.

– incessantemente passam pela minha mente. Como distinguir o que vem do meu eu condicionado e o que é manifestação dessa consciência profunda? o Se você reconhecer, mesmo esporadicamente, que os pensamentos que passam por sua cabeça são meros pensamentos, se você consegue se dar conta dos padrões que se repetem em suas reações mentais e emocionais, é sinal de que essa dimensão de consciência está emergindo. Ela é o espaço interno em que o conteúdo de sua vida se desdobra.

n Essa consciência então é como o intervalo onde se manifesta o silêncio entre dois pensamentos? o A corrente do pensamento tem

uma enorme força que pode muito facilmente levar você de roldão. Cada pensamento tem a pretensão de ser extremamente importante. Cada pensamento quer sugar sua completa atenção.

n E geralmente eles conseguem porque acho que eu sou os meus próprios pensamentos. o Eis um novo exercício espiritual

para você praticar: não leve seus pensamentos muito a sério! Com muita facilidade as pessoas ficam aprisionadas nas armadilhas de seus próprios pensamentos! Como a mente humana tem um imenso desejo de saber, de compreender e de controlar, ela confunde opiniões e pontos de vista com a verdade. A mente afirma: “as coisas são exatamente assim”. Você precisa ir além dos seus pensamentos para perceber que, ao interpretar a “sua vida” ou a vida e o comportamento dos outros, ao julgar qualquer situação, você está expressando apenas um ponto de vista entre muitos possíveis. Suas opiniões e pontos de vista não passam de um punhado de pensamentos. Mas a realidade é outra coisa. Ela é um todo unificado em que todas as coisas se interligam e nada existe em si e por si. Pensar fragmenta a realidade, cortando-a em pequenos pedaços, em pequenos conceitos.

n Heráclito, o filósofo grego, já metera o dedo nessa ferida da espécie humana. Ele deixou escrito que há um só Logos - uma só Inteligência - mas que os homens se comportam como se cada um tivesse o seu próprio logos. o A mente pensante é uma ferramenta útil e poderosa, mas torna-se muito limitadora quando invade completamente a sua vida, impedindo você de perceber que a mente é apenas um pequeno aspecto da consciência que você é.

n Não é dessa mente que virá a Sabedoria que a humanidade precisa para viver. o A sabedoria não é um produto do

pensamento. A sabedoria é um profundo conhecimento que vem do simples ato de dar total atenção a alguém ou a alguma coisa. A atenção é a inteligência primordial, a própria consciência. Ela dissolve as barreiras criadas pelo pensamento, levando-nos a reconhecer que nada existe em si e por si. A inteligência une a pessoa que percebe ao objeto percebido, num campo unificado de percepção. É a atenção que cura a separação.

n Fiquemos, então, sim, bem atentos a isso.


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