SIM 97 No espelho das relações

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OLIBERAL

BELÉM, DOMINGO, 19 DE ABRIL DE 2015

MAGAZINE  11

sim

VICENTE CECIM

vicentefranzcecim@gmail.com

No espelho das relações

O relacionamento é o espelho em que podemos ver-nos como somos.

Jiddy Krishnamurti: O começo do autoconhecimento O relacionamento é o espelho

KRISHNAMURTI

S

e você julga, em vez de apenas olhar - você distorce aquilo que vê. Assim como distorce sua própria imagem em um espelho, até para bem pior se não lhe agrada o que o espelho mostra, ou bem melhor, exagerando o que vê e lhe agrada. A mesma coisa você, eu, todos nós, temos a sempre maléfica tendência de fazer com os outros, no espelho das relações - sejam estranhos que passam por nós na rua, ou, e sobretudo, aqueles com quem mais convivemos. Também esses, parentes ou não, você julga, aprova ou desaprova – perdoa ou condena, levando em conta o que podem ser somente aparências – sem nenhuma substância de realizade. Junto com essas distorções, de si e dos outros, você também costuma dar as costas ao que é, o real, e envolve o que vê em uma aura de fantasia – o que também pode levar a um outro tipo de distorção – chamemos de idealizações, positivas e negativas. Nossa caixa de Pandora de autoenganos não se esvazia por aí: há ainda o olhar que - não vê - através dos preconceiros, esse faz projeções de um pseudo conhecimento prévio sobre algo ou alguém, antecipando aquilo que de fato só será quando for, e assim, quando tem o que antecipou diante de si, vê apenas o que ocultou de seus próprios olhos. Também com esse mascaramento, surge a ocultação que você faz de si próprio. Assim, de autocríticas em

Munch: “Ciúme”

autocríticas e de autoaprovações em autoaprovações – jamais saberá quem realmente é. Mas – ah, ainda há mais: Acrescente a isso as obscuras aversões & secretas simpatias que também agem em nós, na relação com o nosso distante próximo, sem que delas tomemos consciência – embora não possamos

afirmar com certeza que isso signifique que os outros percebidos por meio dessas intuições ou instintos sejam igualmente simulacros de realidades humanas – pois, até muito pelo contrário, talvez seja precisamente nesse nível mais profundo que, desde sempre, pudemos perceber sinais bem reais de antiguíssimas presenças ao nosso redor, instaladas em nossa coletiva Memória Ancestral. Sob a forma de anjos ou demônios? Talvez. Paremos por aqui, sem esgotar nossa cota de autoenganos. E deixemos agora que, com sua serena sabedoria, Jiddu Krishnamurti nos fale. Escutem, e vejam-se.

Toda a vida é um movimento de relacionamento. Não existe nada vivo na Terra que não esteja relacionado com uma coisa ou com outra. Mesmo o eremita, o homem que parte para um lugar solitário, está relacionado com o seu passado, está relacionado com aqueles que estão ao seu redor. Não há como fugir ao relacionamento. Nesse relacionamento que é o espelho no qual podemos ver-nos, podemos também descobrir o que somos, as nossas reações, os nossos preconceitos, os nossos medos, depressão, ansiedades, solidão, sofrimento, dor, pesar. Podemos também descobrir se amamos ou se o amor não existe. Por conseguinte examinaremos a questão do relacionamento porque ele é a base do amor.

O autoconhecimento mediante o relacionamento O autoconhecimento não se dá em conformidade com nenhuma fórmula. Você pode consultar-se com um psicólogo ou psicanalista para descobrir coisas sobre si mesmo, mas isso não é autoconhecimento. O autoconhecimento surge quando temos consciência de nós mesmos no relacionamento, o que revela o que somos de momento a momento. O relacionamento é um espelho em que podemos ver-nos como realmente somos. Mas a maioria de nós é incapaz de olhar-se tal como é no relacionamento, porque imediatamente começamos a condenar ou justificar aquilo que vemos. Nós

julgamos, avaliamos, comparamos, negamos ou aceitamos, mas nunca observamos realmente “o que é”, e, para a maioria das pessoas, isto parece ser a coisa mais difícil de fazer; contudo somente isto é o começo do autoconhecimento.

Observando a si mesmo Afinal, conhecer-se a si mesmo é observar o seu comportamento, as suas palavras, o que você faz em seus relacionamentos diários; isso é tudo. Comece com isso e verá quão extraordinariamente difícil é ter consciência, apenas observar o seu tipo de comportamento, as palavras que usa com o seu empregado, o seu chefe, a atitude que tem em relação às pessoas, às ideias e às coisas. Apenas observe seus pensamentos, seus motivos, no espelho das relações, e verá que, no momento em que observa, você quer corrigir; você diz: “Isto é bom, isto é ruim, tenho de fazer isto e não aquilo.” Ao ver-se no espelho do relacionamento, sua abordagem é de condenação ou de justificação; portanto, você distorce aquilo que vê. Ao passo que, se você simplesmente observar naquele espelho a sua atitude em relação às pessoas, às ideias e às coisas, se você vir somente o fato, sem julgamento, sem condenação ou aceitação, então descobrirá que a própria percepção tem sua própria ação. Esse é o começo do autoconhecimento.


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