8. A história da energia Não podemos entender a evolução das ferramentas do homem sem considerar as fontes de energia que conseguiu dominar. E não é só usar, mas usar cada vez melhor e com mais eficácia. Começando com o uso exclusivo da sua musculatura, o homem domina várias outras fontes e hoje consegue energia de células fotovoltaicas. Não foram proezas menores. Mais precisamente, a evolução do homem se dá pari passu à sua crescente capacidade de usar melhor sua musculatura, bem como o salto que foi desenvolver outras fontes de energia. Vendo de outro ângulo, tudo que conseguiu realizar com suas ferramentas e materiais não teria sido possível sem os avanços paralelos no uso de novas fontes de energia. Afinal, como pôr em movimento uma máquina operatriz sem haver dominado a energia dos ventos, da água ou do carvão? Leslie White diz a mesma coisa de maneira mais concisa. É a Lei do Desenvolvimento Cultural. Segundo ele, “tudo mais permanecendo constante, o grau de desenvolvimento cultural de uma sociedade varia diretamente com o nível de energia per capita que é captada e posta a seu serviço”. Stanley Jevons chama a atenção para um paradoxo. Quanto mais eficiente a produção e o uso da energia, mais fortes as razões para usá-la. Os ganhos de eficiência, em vez de levarem à sua economia, estimulam um uso maior. Antes de prosseguir, vale chamar a atenção para a gigantesca massa de conhecimentos sobre energia
a que somos obrigados a voltar as costas no presente capítulo. A começar pela própria definição do que é. O próprio Richard Feynman, Nobel de física, nos diz que “na física de hoje não temos conhecimento do que é energia”. Assim, a narrativa segue um caminho que evita as complicações teóricas e apenas conta a história dos avanços do homem em dominar fontes cada vez mais eficazes de energia.
O uso inteligente da força humana12 Na sua dotação de força física, o homem não ultrapassa os outros primatas. Pelo contrário, é mais fraco do que a maioria deles. Contudo, em virtude da criatividade com que usa sua escassa força, consegue grandes proezas que estão longe das possibilidades de qualquer outro animal. Inicialmente, o homem usava seus braços para quebrar cocos, raspar e descascar alimentos, preparar e usar armas rudimentares e desenvolver uma infinidade de atividades. Isso lhe permitia um crescente domínio sobre a natureza. Ao inventar tais técnicas, lentamente, vai se diferenciando dos outros animais. Como a sua força física é limitada, ele aprende a usá-la com mais inteligência. Vendo de outro 12 Os exemplos pré-históricos vem do livro de Otis T. Mason, The Origin of Invention (New York: Scribner & Sons, 1895) reproduzido pela Google.
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O parafuso, uma das máquinas simples mais definitivas no salto para a industrialização.
na página ao lado: Polia, a máquina
simples que desemboca em centenas de usos, como guindastes e muitas outras.
ângulo, sua evolução caminhou na direção de perder sua força física, por exemplo, nos braços, em comparação com outros primatas. Isso aconteceu porque sua imaginação o levou a melhor usar seus músculos. Justamente por isso eles puderam se tornar menos robustos. Um grande salto corresponde ao que veio se chamar de máquinas simples: a alavanca, a cunha, o plano inclinado, o parafuso e a polia. Como sabemos, esses dispositivos foram bem estudados pelos gregos clássicos. Não obstante, sem entender as leis da física que lhes correspondem, vem sendo usados há muito mais tempo. O princípio mais abrangente nessas máquinas é a transformação de pouco movimento requerendo muita força em muito movimento requerendo pouca força. Ou vice-versa, pouco movimento vira muito movimento. Em ambos os casos, é a chamada “vantagem mecânica”. No movimento giratório, quanto mais longe do eixo, mais rápido o movimento. O machado converte um gesto relativamente lento do lenhador em um movimento rápido da lâmina. Ao atingir o alvo, a energia cinética da ferramenta é muito maior do que se conseguiria com um machado sem cabo. Isso é fácil testar, basta segurar uma lâmina com a mão e golpear. O impacto é muito mais débil. Esse é um caso de transformar pouco movimento – o gesto dos braços do lenhador – em muita velocidade na lâmina.
O plano inclinado é uma das primeiras máquinas elementares. Diante do peso, pode ser impossível levantá-lo e colocá-lo em um nível superior. Mas é possível construir um plano inclinado e deslizar para cima o mesmo peso. Troca-se um percurso curto e árduo por um longo e suave. Com uma alavanca, pode-se elevar uma pedra que jamais se moveria na força bruta. Mas para cada um centímetro elevado, na outra extremidade da alavanca corresponde um deslocamento de quase um metro. Ou seja, move-se um metro com pouca força, obtendo-se a elevação de um centímetro que exigiria uma força que talvez a pessoa não tivesse. A cunha é uma forma de alavanca. Seu uso para rachar troncos data de muito antes de os gregos estudarem os princípios de sua ação. O impacto de um martelo sobre a cunha faz com que penetre na madeira. Mas para cada centímetro que afunda, abre uma fenda na madeira de não mais do que 1 milímetro. Portanto, transforma 10 unidades de movimento longitudinal em uma unidade de movimento transversal. Com o parafuso, conseguimos um aperto que seria impossível sem ele. Pensando bem, o parafuso não passa de uma cunha. O movimento circular se converte em um movimento longitudinal de muito menor curso. Uma volta no parafuso resulta em um avanço milimétrico, apertando com uma força muito maior do que aquela usada para torcê-lo.
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Sociedades primitivas conheceram e usaram o princípio do parafuso. Por exemplo, os esquimós faziam tampões rosqueados para impedir que escapasse pela cicatriz do arpão o sangue das baleias. Não é tão diferente dos parafusos que usamos hoje. O tipiti dos nossos índios é uma forma de parafuso. Torcendo a esteira cilíndrica, trançada de fibras, a redução do seu volume comprime a mandioca, escorrendo o líquido venenoso. A invenção da roda é um ato de genialidade, por reduzir muito o arraste de um veículo. Aparece por volta de 5000 anos a.C. Mas é interessante notar que civilizações bastante avançadas, como os índios andinos, não a utilizavam, possivelmente, pela topografia acidentada e a ausência de bons candidatos a animal de tiro. Mas a roda tem outros usos. No mesmo período em que começa a ser usada em carros, vira o torno do oleiro. Contudo, a roda é o final de um processo de inovações nessa linha. Como já mencionado, muito antes, troncos roliços foram usados para rolar objetos pesados, reduzindo drasticamente o atrito com o solo. Grandes matacões de granito só assim puderam ser movidas, e essa medida vem também sendo usada para tirar barcos da água. Ao voltarem do mar, sob as jangadas se enfiam roletes, para conduzi-las ao bom local de estacionamento. O mesmo efeito era obtido com o uso de bolsas de pele infladas de ar. Sendo flexíveis, colocadas sob o objeto a ser transportado, iam rolando sem
dificuldades. A esteira de um trator ou tanque de guerra funciona sob o mesmo princípio: rola em vez de arrastar. A polia é mais uma máquina simples. Uma extremidade da corda é atada ao teto, há uma roldana solta no meio da corda e uma segunda também atada ao teto. Para cada metro puxado na corda, o balde pendurado na roldana solta sobe apenas meio metro. Contudo, é necessária a metade da força. Encadeando várias roldanas, vamos reduzindo a força necessária para erguer o balde – ou qualquer peso. O mesmo exercício de trocar muito movimento por muita força reaparece nos sistemas de engrenagens. Ao acoplar grandes com pequenas, um eixo gira rápido e o outro, lento. Assim funciona a caixa de câmbio de um automóvel. Ao longo de sua história, o homem consegue dominar muitas fontes de energia, como descrito adiante. Todavia, não deixa de usar os seus músculos, só que de forma cada vez mais competente. Por exemplo, em vez de labutar no serrote, usa muito menos força para empurrar a madeira em direção à lâmina de uma serra circular. Curiosamente, já em um período avançado da Revolução Industrial, há uma evolução muito curiosa no uso da força humana. Quando poderíamos pensar que tais avanços seriam incongruentes com a Idade da Máquina, eis que se volta a imaginação do homem para melhor aplicar seus músculos. Por que tão tarde?
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Barco a remo moderno, com banco deslizante, visando aproveitar a musculatura do tórax e coxa.
É simples, sem os avanços da fundição e da mecânica, isso não teria sido possível. Torna-se possível construir estruturas leves de ferro fundido, peças torneadas, rolamentos de baixa fricção, correntes e muitos outros dispositivos que não existiam antes.13 Três princípios entram em cena nesse renascimento das máquinas movidas pela força humana. O primeiro é a constatação de que as pernas têm músculos muito mais robustos do que os braços. Ademais, estão muito mais preparadas para fazer esforço, já que, ao andar, as exercitamos sistematicamente. Assim se usarmos as pernas para acionar o que quer que seja, obtemos muito mais resultado do que com os braços. O remo é um exemplo clássico. Desde as galeras gregas, eram os braços a fazer força. Dois mil anos depois, há um grande salto de eficiência com a introdução de um banco que desliza nos barcos a remo de competição. Dessa forma, é possível transferir o trabalho para as pernas. Ao mover-se o carrinho, o que impulsiona o remo são as pernas e o diafragma, músculos muito poderosos. Uma vantagem adicional e nada subalterna de usar as pernas é que passamos a ter as duas mão livres para trabalhar. Um esmeril de manivela, vendido nas lojas de ferragem até recentemente, obriga a segurar a peça 13 Esta parte foi inspirada no ensaio “The short history of early pedal powered machines”, Low-Tech Magazine (http://www.lowtechmagazine.com/2011/05/ history-of-pedal-powered-machines.html).
que está sendo usinada apenas com uma das mãos. Se for a pedal, temos as duas disponíveis. O segundo princípio é trocar movimentos curtos por um contínuo, capitalizando na inércia do corpo e dos mecanismos acionados – inclusive, um volante pesado. Entram em cena os pedais em movimento circular (como na bicicleta). Comparado com pedais que sobem e descem, é significativo o ganho resultante da continuidade do movimento. O terceiro é trocar muita força e pouco movimento por pouca força e mais velocidade. Pesquisas recentes de ergonomia mostram que somos mais eficientes quando movimentamos pernas ou braços com mais velocidade. Naturalmente, isso requer um uso que ofereça pouca resistência. Com os avanços da mecânica, tais ideias se materializam, a partir de 1870, em uma enxurrada de máquinas tocadas a pedal. No caso, usa-se um pedal circular e não os pedais de vai e vem, usados nos tornos de então e nas máquinas de costura. Naturalmente, a grande vedete é a bicicleta. Mercê de sua incrível eficiência, não foram engolidas pelo turbilhão de novos meios de transporte. Estudos recentes sugerem que nenhum animal ou máquina consegue se mover com um consumo tão pequeno de calorias. A introdução das marchas na bicicleta ilustra o que foi mencionado antes sobre a ergonomia humana. Com uma marcha desmultiplicada, girando rapidamente o pedal, vencemos uma ladeira que não seria possível com outras marchas.
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Na virada do século XX, multiplicam-se as máquinas operatrizes tocadas a pedal. Os tornos já existiam, mas ganham eficiência com o pedal circular. Furadeiras, serras, serras tico-tico, esmeris e brocas de dentista são lançados no mercado em rápida sucessão. Respondiam às necessidades das pequenas oficinas, em que os motores a vapor ou elétricos não se justificavam, pelo tamanho e pelo. Eram máquinas leves, com estrutura de ferro fundido, todas elas com um banquinho para o operador. Caem em desuso, com o barateamento dos motores. Na crise do petróleo, tiveram um renascimento, mas foi tão curto quanto o tempo necessário para o óleo barato reaparecer. Sobrou a bicicleta. Seja como for, não é correto dizer que a máquina substituiu a força humana. O que ela fez foi reduzir o esforço. Em vez de fazer girar uma furadeira de manivela, a força só é usada para empurrar a furadeira elétrica. O esforço é muito menor. No limite, a automação praticamente elimina a intervenção humana na operação da máquina. Mas sem o uso dos músculos, não há como instalar a máquina, regulá-la e fazer sua manutenção.
A musculatura superior de bois, cavalos e muares Entre os anos 5000 e 10000 a.C., o homem aprende a domesticar cavalos e bois. Com isso, abrem-se as portas para usar a sua força física, muito maior que a humana. Puxar o cabresto de um cavalo ou segurar um arado consome menos energia do que fazer o mesmo serviço na força bruta. Ao contrário do que pode parecer, a capacidade de carga de um cavalo não se mantém estável ao longo da história. Há transformações profundas, hoje pouco lembradas. A primeira é no sistema de atrelamento do cavalo. Descobriu-se que, com novos desenhos, o cavalo pode puxar uma carga mais pesada. Os colarinhos, apoiando o arreio no músculo peitoral, aproveitam melhor a sua força. São avanços originários da China e que chegam à Europa ao fim da Idade Média. A outra mudança é na genética. Mesmo os primeiros cavalos, extensivamente usados pelo homem, já são o resultado de transformações impostas pela seleção dos mais aptos para o trabalho desejado. Esse processo não tem fim, e até hoje continua o seu aperfeiçoamento genético. Naturalmente, cada modificação visa a uso distinto: carga, montaria, arado ou guerra. Nos cavalos para puxar carroças, seu tamanho aumenta. Um percheron de hoje pode pesar mais de 2 toneladas – mais do que o dobro de um cavalinho árabe, muito mais ágil. Naturalmente, sua capacidade de carga aumenta proporcionalmente.
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O monjolo, milenar mais ainda
encontrado no Brasil. Usa a força da água para moer milho.
A energia que vem das águas Os egípcios usavam diversos mecanismos para elevar a água, sobretudo na irrigação. Já conheciam o que veio a ser chamado de parafuso de Arquimedes. Tinham também os monjolos, até hoje utilizados no interior do Brasil. No período clássico romano, avançam as maneiras de transformar em movimento giratório a correnteza de rios caudalosos. Materializam-se as primeiras rodas d’água. Como com quase tudo, ao longo da Idade Média houve uma completa estagnação nesses dispositivos mecânicos. Mas com os avanços técnicos, a partir do século XVII, tornou-se possível uma transformação dramática nas oficinas. Essas inovações promovem o início da Revolução Industrial, no século XVIII. Mais adiante, passando das ferramentas manuais para as máquinas-ferramenta, rompe-se o limite severo ao que se pode fazer usando a musculatura do homem. Na Revolução Industrial, a roda d’água acopla-se a um longo eixo, cheio de polias. Com correias planas de couro cru, esse movimento giratório é transmitido a cada máquina da fábrica. Inaugura-se um novo patamar de produtividade, com inúmeras máquinas operando simultaneamente. Contudo, esse salto no uso da energia requer um padrão muito especial de localização geográfica das fábricas. Necessariamente, tinham que estar à beira de rios com uma correnteza capaz de impulsionar as pás de uma roda.
Uma limitação inerente a essa forma de energia é segregar as fábricas a locais em que a água tinha condições favoráveis de ser utilizada. Para um moinho de farinha ou uma serraria, isso não era problema. De fato, os moinhos de farinha abundavam pelo Brasil afora e alguns ainda estão produzindo. Mas os problemas de localização impediam a verdadeira nucleação fabril. No fundo, a grande limitação era a dificuldade de levar a energia gerada mais longe do que um eixo pode chegar. A solução final tarda mas chega: transformar o movimento em eletricidade. A corrente gerada é transportada por um par de fios. Mas isso ocorre muito mais tarde. Esta combinação turbina-gerador elétrico é uma fórmula vencedora. Não polui e tem um custo operacional baixíssimo. Por isso, não há um só rio apropriado e perto de centros urbanos que não esteja já no limite do seu aproveitamento. Com os avanços na eficiência das linhas de transmissão, vale a pena ir muito longe, à busca do rio com potencial hidroelétrico. Belo Monte é um exemplo. Por longo tempo, quanto maior a hidroelétrica, mais vantajosa é a sua operação. As pequenas foram sendo abandonadas ao longo das décadas, com a criação das grandes malhas de transmissão elétrica e com as centrais térmicas e nucleares. Diante dos problemas de aquecimento global, resultantes do uso excessivo de hidrocarbonetos, a pequena hidroelétrica volta a ser vista como uma fórmula atraente. Diante do rechaço a energias
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Moinhos de vento na Holanda. Roda d’água primitiva, construída de madeira.
qr code: Dois elementos
poderosos e perigosos, que com a
criatividade e as mãos do homem
foram transformados em energia.
poluentes, vivem um novo ciclo de expansão. É uma eletricidade relativamente barata e eficiente. Havendo uma rede, garantindo o fornecimento, mesmo que tenham suas falhas e paradas, cumprem um papel que, no somatório de todas elas, pode ser substancial.
O vento e os moinhos O vendaval que destrói tudo é a manifestação sinistra do mesmo vento que pode substituir a força humana em muitas tarefas. O primeiro uso sistemático do vento é na vela dos barcos. Consta que os primeiros moinhos de vento aparecem na China, há pelo menos 2 mil anos. Na Europa, chegam muito mais tarde, com um desenho diferente nas pás e na orientação do eixo. Ao fim da Idade Média, aparecem os primeiros moinhos de vento para triturar grãos. Na Holanda, os moinhos tornam-se muito importantes naquele país de muitos ventos e poucos rios favoráveis às rodas d’água. Mas moinhos têm o mesmo problema da energia hidráulica. Precisam estar localizados onde está o vento e não onde seria mais conveniente instalar a indústria. Ainda mais caprichosos que as águas, sopram ou desistem de soprar, ao longo do dia ou das estações do ano. Com o carvão e os geradores a vapor, mais adiante, com os combustíveis derivados do petróleo, os velhos moinhos de vento viraram não mais do que uma
atração turística. Com essas novas fontes de energia, a ditadura da localização foi eliminada. A fábrica vai para onde é mais conveniente para o processo produtivo. Sobraram apenas os nostálgicos cata-ventos rurais, para bombear água dos poços. Trata-se de uma invenção norte-americana do século XIX. Afora esse caso, praticamente desistiu-se do vento. Contudo, tal como na roda d’água, a eletricidade se revelou a solução mágica para transportar o movimento do eixo do moinho de vento para onde é necessário. Mesmo assim, enquanto os combustíveis fósseis eram baratos e considerados saudáveis, o vento perdeu seu papel de gerar energia. Com as crises de petróleo e o aquecimento global, a velha energia eólica volta ao primeiro plano. Porém, traz um avanço considerável na sua tecnologia. As pás de varas e tecidos são substituídas por hélices, desenvolvidas nos mesmos túneis de vento em que se testam os aviões. Igualmente, inspiram-se na última tecnologia das velas de barcos de competição. Em paralelo, os inventores caseiros não deixaram de inovar em alternativas eólicas que podem ser construídas com materiais reciclados ou baratos. E como não se paga pelo vento, geram eletricidade a custos operacionais desprezíveis. Mais um exemplo do vai e vem da tecnologia. Tudo depende do capricho dos ventos. Em alguns lugares, os ventos não justificam qualquer esforço nessa direção. Em outros, podem ser fortes
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qr code: Ao longo da Revolução Industrial,
são encontradas fontes mais convenientes de energia. A roda d’água foi um grande avanço,
mas exigia que as fábricas estivessem próximas dos rios. Já o carvão pode ser transportado para
as fábricas. A eletricidade aumenta ainda mais a transportabilidade da energia.
e previsíveis, mas seus horários não correspondem necessariamente aos anseios dos homens e das fábricas. Paradoxalmente, quanto maior o provimento de energia de outras fontes, mais a energia do vento é útil e prática, complementando a oferta, apesar do seu suprimento irregular.
Carvão e vapor fazem rodar as fábricas14 Quis o destino que no país institucionalmente mais bem preparado para a Revolução Industrial se encontrassem amplas jazidas de carvão mineral – e também de minério de ferro. Como em todas as partes, o carvão sempre foi usado para o aquecimento doméstico, portanto era já bem conhecido e explorado. Em plena fase inicial da industrialização inglesa, começa uma corrida, visando usar o calor do carvão para operar máquinas. Na transição do século XVIII para o XIX, começam a aparecer tecnologias confiáveis. Curiosamente, a busca inicial não é por motores, mas por bombas para esgotar a água no fundo das minas de carvão, um problema crônico e intratável. As primeiras bombas práticas aparecem no início do século XIX. Sua criação está associada a William
Savery e Newcomen. Essas bombas a vapor resolvem um problema grave. De fato, bombas operadas pelas rodas d’água funcionam a contento. Contudo, as minas raramente estão na beira dos rios. Portanto, de nada servem. Mas as bombas a vapor podem ser instaladas onde se queira, pois o carvão é transportável – no caso, está ali mesmo. Pouco depois, James Watt consegue construir um motor a vapor confiável e eficiente. Com ele, as fábricas começam a se liberar do jugo dos cursos d’água. Como resultado, seu tamanho deixa de ter limites. Entramos então na era das gigantescas fábricas do século XIX, com suas chaminés imensas cuspindo fumo. Até recentemente, a fumaceira das fábricas era mostrada com grande orgulho, pois representava progresso e riqueza. Logo que os motores a vapor se tornam práticos, inicia-se a corrida para dar-lhes outros usos. Carroças a vapor são a primeira tentativa. Mas logo a ideia de estradas de ferro ganha vigência. Em 1829, Stevenson cria a primeira locomotiva confiável, a Rocket. Daí em diante não cessa o fluxo de novas versões, maiores, mais eficientes e mais econômicas. O carvão, o motor a vapor, a ferrovia e as grandes fábricas constituem-se no tecido do processo de industrialização do século XIX. Quase tudo era viável sem eles, mas não na escala em que possibilitaram.
14 Esta seção beneficiou-se da leitura do livro de William Rosen, The Most Powerful Idea in the World (New York: Random House, 2010).
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Sonda de petróleo flutuante.
O petróleo e seus motores Comparado com o vento e a água, o carvão mineral é eminentemente transportável. Sem tal portabilidade, é difícil pensar no que teria sido a Revolução Industrial. É possível levar o carvão para uma fábrica. É até viável abastecer uma locomotiva em movimento. Todavia, diante do sonho de um veículo muito mais leve, como um automóvel ou caminhão, o carvão é um grande estorvo. De fato, foram feitas muitas tentativas de criar caminhões, automóveis e até aviões a vapor. Contudo, os resultados não foram nada encorajadores. Durante a Segunda Guerra Mundial, popularizaramse no Brasil os gasogênios, queimando carvão vegetal. Funcionavam, mas era uma solução muito inconveniente. Pela manhã, os proprietários enchiam as caldeiras de carvão, atiçavam fogo e giravam uma ventoinha de manivela. Meia hora depois, o automóvel estava pronto para dar a partida. Voltando ao final do século XIX, registrase uma novidade que vai mudar o cenário do transporte individual: o motor de combustão interna, popularmente conhecido como motor a explosão. Sem dúvidas, esse invento de Nicolaus Otto revoluciona os transportes, a partir da primeira metade do século XX. Ao longo do século XX, a eficiência desses motores não parou de subir, e não há indicações de que
isso ocorra breve. Ao mesmo tempo, com o uso do alumínio, os motores tornaram-se mais leves. Esses avanços impulsionam o seu uso em aviões, além de motocicletas, geradores portáteis, ceifadeiras, motosserras e inúmeras outras máquinas. Em paralelo e mais ou menos na mesma época, aparecem os motores a diesel, obra de Rudolf Diesel. São mais pesados, porém, consomem menos combustível. Praticamente acabam por dominar a cena dos veículos maiores, como caminhões e ônibus. Para que isso tudo acontecesse, foi necessário refinar o petróleo por destilação fracionada, uma considerável proeza de engenharia química. Mais recentemente, o xisto, uma alternativa ao petróleo, passa a ser explorável comercialmente, forçando para baixo o preço do petróleo que dera um grande salto. Apesar de sua imbatível conveniência e confiabilidade, os motores de combustão interna são poluentes. No último meio século, muito se fez para reduzir as suas emissões. De fato, os avanços não foram pequenos. Ainda assim, se conseguimos minimizar as emissões, não sabemos eliminá-las. Com a pressão política para a redução do consumo de hidrocarbonetos, começam a aparecer automóveis movidos à eletricidade. O Tesla é o mais conhecido, mas muitos outros andam por aí. Em muitas utilizações, as turbinas se revelam superiores aos motores a pistom. Na Segunda Guerra, começam a aparecer os aviões a jato puro. Pouco depois, os motores turboélice combinam a hélice
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Torres de transmissão de energia elétrica de alta
voltagem, usando cabos de cobre ou alumínio.
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qr code: Oriundas da necessidade de levar energia até
os grandes centros urbanos, foram desenvolvidas duas
teorias: a teoria da corrente alternada (Nikola Tesla) e a teoria da corrente continua (Thomas Edison).
com turbinas, em soluções mais apropriadas para pequenas aeronaves. Desenvolvimento paralelo ocorre com os navios que passam dos velhos motores a vapor para as turbinas ou o diesel.
A eletricidade: luz e transporte de energia Vento, água, carvão e petróleo são fontes de energia. Eletricidade não é. Ou há uma fonte disponível, ou não há eletricidade. Contudo, a eletricidade é imbatível como forma de transformar movimento em energia elétrica, transmiti-la (por fios) e transformá-la de novo em movimento. Um gerador ou dínamo transforma o movimento giratório em eletricidade, com uma perda de energia de menos de 10% (considere-se que uma lareira perde quase 90% das calorias queimadas e um motor a gasolina perde de 70 a 75%). Ou seja, perde-se pouco da energia gerada pelo movimento, seja de uma roda d’água, um moinho de vento ou uma caldeira a vapor. Os fios de cobre revelaram-se a mais conveniente forma de transportar a eletricidade – e, por consequência, de transportar energia. Em linhas de alta voltagem, as perdas são bastante reduzidas. Estima-se que, nos Estados Unidos, as perdas de energia nas redes interestaduais sejam da ordem de apenas 6%.
No caso dos motores elétricos, a perda de energia é também pequena, como nos dínamos – afinal, é a mesma máquina, funcionando ao inverso. Em contraste, as lâmpadas incandescentes transformam apenas 2% da energia em luz (o resto vira calor). Já as fluorescentes têm uma eficiência de 7 a 9%, e as de LED, de 4 a 18%. Diante do desafio de economizar energia, é inevitável que a iluminação migre para essas novas soluções mais eficientes. Tradicionalmente, a eletricidade era gerada em hidroelétricas e termoelétricas. Mais recentemente, aparecem os reatores atômicos, as turbinas eólicas e os coletores fotovoltaicos. A escolha depende dos recursos naturais que a região tem a oferecer. Por exemplo, na Islândia, o vapor de fontes subterrâneas de água quente faz operar turbinas acopladas a geradores. Chegando ao local de uso, a eletricidade pode ser transformada em luz, movimento, som e muito mais. Tudo muito simples e conveniente. O século XX testemunhou um grande avanço nos motores elétricos. Mas ao contrário dos motores à explosão, cuja eficiência vem crescendo, pouco se pode ganhar nas taxas de conversão dos motores elétricos, já muito elevadas nas suas primeiras versões. O uso do alumínio e, mais adiante, do plástico levou a uma redução dramática no seu peso, tornandoos aptos para máquinas de mão, como furadeiras e muitas outras. Em 1910, um motor de 5 HP pesava cinco vezes mais do que o protótipo atual de um motor da mesma potência.
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De início, um único motor movia todas as máquinas da fábrica. A redução contínua no seu tamanho e preço permitiu o seu uso individual. Ou seja, cada máquina passa a ter o seu, em vez de depender das complexas soluções com eixos, polias e correias – que ademais impõe uma localização não necessariamente apropriada para o fluxo da produção. Em contraste ao carvão e ao petróleo, guardar eletricidade é um desafio sério. No fundo, é a sua maior limitação. É óbvio, uma forma indireta de guardar é não produzir, como no caso das usinas termoelétricas, que, quando cai a demanda, reduzem a marcha ou são desligadas. As hidroelétricas que têm bacia de acumulação podem também desligar algumas turbinas. Poupar água equivale a armazenar energia. Em alguns casos, é possível reverter a direção das turbinas e bombear a água de volta, fora dos horários de grande consumo. Já as usinas de fio d’água (sem bacias de acumulação) não permitem armazenar energia. Mas, propriamente, guardar eletricidade, somente com as pilhas ou baterias. E esse é o seu calcanhar de Aquiles. Como regra geral, as baterias são pesadas, caras e de pouca capacidade. Estão melhorando lentamente, fruto de grandes esforços. Mas ainda são o aspecto mais acanhado da eletricidade. Contudo, os avanços presentes já permitem o seu uso em furadeiras, serras e muitas outras máquinas
portáteis. Observa-se uma conversão inexorável das máquinas portáteis com fio para as sem fio.
Energia atômica: grandes ideias, grandes perigos Falando de energia, há que se mencionar a atômica. Não cabe aqui falar de seus usos militares ou médicos. Como discutimos energia, há que mencionar os geradores termonucleares. No fundo, voltamos à ideia de uma caldeira a vapor. Em vez de carvão, usamos uma reação nuclear para esquentar a água e gerar o vapor. A geração elétrica pela via nuclear teve um ciclo ascendente após a Segunda Guerra. Praticamente todos os países mais avançados criaram uma rede de geradores nucleares. Mesmo no Brasil, temos as usinas de Angra dos Reis. Contudo, após os acidentes de Chernobil e Three Miles Island, houve uma desaceleração na criação de novas usinas. Um tsunami no Japão criou um terceiro acidente nuclear grave. Diante disso, o ciclo nuclear sofreu um revés considerável. Dificilmente haverá novas usinas, e, pressionadas pela opinião pública, é possível que muitas centrais venham a ser fechadas. O assunto é altamente controverso, pois, no alto: Usina termo-nuclear. qr code: Pequena explicação sobre a
energia nuclear e a energia limpa do sol.
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fora o risco de um acidente, é uma energia limpa – o que não é o caso com os hidrocarbonetos de todos os tipos.
Células fotovoltaicas: a energia do futuro? As propriedades fotovoltaicas são conhecidas desde muito tempo. Há mais de meio século que a fotografia usa fotômetros, baseados nas propriedades de alguns metais de produzir ou conduzir energia elétrica quando expostos à luz. Mais recentemente, torna-se possível desenvolver células fotovoltaicas que já começam a fazer sentido comercialmente. Em outras palavras, a energia do sol é convertida em eletricidade, sem a intermediação de vapor, caldeira ou outros aparatos. Simplesmente, temos um painel que, exposto ao sol, gera eletricidade. As limitações presentes são de eficiência e custos. Estima-se que ambos os parâmetros continuarão melhorando, como fizeram até agora. No presente, já é uma alternativa economicamente viável em certas situações. No longo prazo, é difícil superestimar o impacto dessa forma tão limpa e simples de gerar eletricidade. De fato, neste momento, um avião movido exclusivamente a energia fotovoltaica está dando a volta ao mundo.
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