Revista Algarve Médico 10

Page 1

N.10 | JAN2020

www.chualgarve.min-saude.pt

História do Pé Diabético

Insuficiência Cardíaca Agudizada na Urgência - Diurese e pré-carga

Reabilitação Pediátrica e Novas Possibilidades Terapêuticas

Liraglutide na Perda de Peso


EDITOR / EDITOR-IN-CHIEF

EDITOR ASSOCIADO / ASSOCIATED-EDITOR

Daniel Cartucho

Alexandre Baptista

Joana Pestana

Ana Camacho

CO-EDITOR / CO-EDITOR

Jorge Brito

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Nuno Vieira

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EDITOR PAR A ESTATÍSTICA STATISTICAL EDITOR

CENTRO DOCUMENTAÇÃO E BIBLIOTECA DOCUMENTATION CENTER AND LIBRARY

COMISSÃO INTERNOS CHUALGARVE CHUALGARVE’S RESIDENCY COMISSION

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COMISSÃO CIENTÍFICA / EDITORIAL BOARD

Alfredo Santos

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Aparício Fernandes Bruno Santos

Carlos Basílio

Cristina Granja

Dagoberta Lima

Fernando Guerreiro Francisco Aleixo Helena Rita

Horácio Guerreiro Humberto Vassal Ilídio Gonçalves Ilídio Jesus

Irene Furtado

José Leite

José Maio

José Marquez José Morera

Juan Rachadell Luís Barradas Luísa Arez

Isabel Lares João Dias

Joaquim Correia

Madalena Sales

João Estevens

Maria do Carmo Cruz

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Martins dos Santos Mercedes Sanchez Nélio Santos

Pedro Leão Neves Pedro Quaresma Rui Pereira Teresa Vaz

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FICHA TÉCNICA / EDITORIAL BOARD

Informação aos Autores / Information to authors:

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Trimestral/Quarterly

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Algarve Médico é uma revista do Centro Hospitalar Universitário do Algarve destinada à divulgação do conhecimento

médico desde a investigação básica à clínica ou à educação aplicada à Medicina com o intuito de contribuir para a

Centro Hospitalar Universitário do Algarve

disseminação das boas práticas. Esta revista incentiva a publicação de originais que reflitam sobre a diversidade das

ISSN 2184-0393

The Algarve Médico Journal is the property of the Algarve Hospital University Center. The purpose of the Journal is to di-

Linguagem: Português e Inglês

of good clinical practices. This Journal also incorporates reflections on issues emerging from medical practice.

Language: Portuguese and English

CONTACTOS / CONTACTS

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questões emergentes da prática médica.

vulge knowledge from research to pathology and education applied to medicine, thereby contributing to the dissemination

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Sumário Editorial / Editorial 4 | Na minha opinião

Helena Santos Leitão

Artigo Revisão / Review Article 6 | Liraglutide na Perda de Peso Mónica Anta Lopes, Vera Cristina Sousa

Artigo Original / Original Article 16 | Abordagem da Insuficiência Cardíaca Agudizada no Serviço de Urgência – A Importância da Diurese e o Conceito de Pré-Carga Hugo Costa, Teresa Silva, Adriana Quitério, Ana Baptista, Mário Lázaro

Imagens em medicina / Images in medicine 21 | Ferida por abrasão Liliana Sequeira, António Rivero

Caso Clínico / Case Report 24 | A Reabilitação Pediátrica e as novas possibilidades terapêuticas - A propósito de um caso clínico Gisela Henriques Leandro, Ana Lúcia Gomes, Kátia Ferreira, Carla Mendonça, Joana Costa, Conceição Silva, Carla Joaquim Botelho, Daiana Ferreira

30 | The rare Bouveret syndrome - what are the Odds? Davide Reis, João Melo, António Rivero, Daniel Cartucho

História da Medicina

/ History of Medicine

36 | História do Pé Diabético Luís Silveira

Notícias / News 58 | Receção aos internos 2020


EDITORIAL

EDITORIAL

Algarve Médico 2020; 10 (4): 4-5


A minha opinião... Helena Santos Leitão

É com uma enorme emoção que escrevo estas palavras, pois em

conhecem...) complexo em que quase tudo é crítico, urgente e,

breve deixarei esta grande Instituição, onde fiz muitos amigos

por vezes mas nem sempre, difícil de mudar.

(outros talvez menos) e que muito contribuíram para a pessoa que hoje sou.

Creio que quem fica (e quem vem) acredita (acreditará) na necessidade de dar espaço à capacidade de identificar

Apesar de sermos um Centro Hospitalar Universitário e do

pontos críticos, transformar, inovar e disseminar e fazer de

convite que me foi dirigido (em 2016) apresentar grande

todos estes AS componentes indispensáveis de gestão de

enfoque nesta área, rapidamente verifiquei (pois todos temos o

mudança e liderança.

nosso momento de naïveté!) que a atividade a exercer na minha função de Vogal Executivo seria largamente mais abrangente e no âmbito da gestão, governação integrada e em particular na orientação de equipas, constituídas por profissionais que, sem dúvida, corresponderam aos desafios constantes da atividade hospitalar, à minha exigência e, por vezes, eu sei, ao meu “feitio”.

Não tenho dúvidas que são as pessoas que geram valor e criam a vantagem competitiva de uma organização e acredito que um Hospital Universitário com atividade assistencial, ensino e investigação deve estar assente nos pilares da qualidade, efetividade, competitividade, inovação e valor societal. Henry Ford dizia: coming together is a beginning, staying together is a

Pautei-me pelo princípio que o que se desconhece dificilmente

progress, working together is success. De facto, ninguém caminha

se consegue gerir e ao longo destes quatro anos muito aprendi

ou trabalha só e o que consegui fazer crescer em quatro anos,

(e fiz por conhecer) e, sem dúvida, este Centro Hospitalar

como Vogal Executivo do Conselho de Administração do Centro

Universitário do Algarve, com todas as suas Unidades, ficará

Hospitalar Universitário do Algarve, não seria possível sem a

para sempre comigo, lá dizia Fernando Pessoa (noutro

colaboração e empenho de TODOS os profissionais, aos quais

contexto, mas manifestamente aplicável) “primeiro estranha-se,

muito agradeço, lembrando também aqueles com os quais

depois entranha-se”.

mais diretamente partilhei incontáveis horas em reuniões e no

Existiram diversos progressos na reorganização interna geral

terreno a desenvolver projetos.

dos hospitais públicos mas o caminho ainda é longo. Na gestão das instituições será sempre prioritário considerar a expectativa dos utentes, os desejos e aspirações dos profissionais, a rápida

Um bem-haja a todas e todos.

evolução científico-tecnológica e a tudo isto vêm-se somar inúmeras medidas reguladoras, algumas facilitadoras e outras dificultadoras, pois escrevo-vos sobre um ecossistema (que bem

Fritz Kahn, Cartaz 1926, Stuttgart Das Leben des Menschen (O Homem como Palácio Industrial)

5


ARTIGO REVISÃO

Algarve Médico 2020; 10 (4): 6-15

REVIEW ARTICLE

Liraglutide na Perda de Peso Liraglutide in Weight Loss Mónica Anta Lopes¹, Vera Cristina Sousa² ¹. Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Olhão, ACES Central, ARS Algarve ². Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Olhão – Pólo de Moncarapacho, ACES Central, ARS Algarve mslopes@arsalgarve.min-saude.pt

Resumo

Abstract

A obesidade é uma doença crónica, associada a elevada morbilidade e mortalidade, sendo a perda de peso difícil de atingir e manter apenas com medidas de estilo de vida.

Obesity is a chronic disease, associated with high morbidity and

O liraglutide é um análogo do glucagon-like peptide-1 que diminui a sensação de fome, promove e aumenta a saciedade e a diminuição do peso. Apresenta ainda benefícios no perfil glicémico, tensional e lipídico.

O objetivo deste trabalho foi estudar o efeito do liraglutide no tratamento da obesidade, através de uma revisão bibliográfica. Os resultados revelaram que os pacientes submetidos a um programa de perda de peso que inclua dieta, exercício e liraglutide apresentaram uma maior percentagem de perda de peso, melhoria dos parâmetros glicémicos, fatores de risco cardiometabólicos e da qualidade de vida em comparação com placebo ou com outros fármacos usados no tratamento da obesidade.

Palavras Chave: liraglutide; obesidade; tratamento; cuidados de saúde primários; fármacos.

6

mortality, but weight loss is difficult to achieve and maintain only with lifestyle measures. Liraglutide is a glucagon-like peptide-1 analogue that decreases the hunger levels, promotes and increases satiety and weight reduction. It also has benefits in the glycemic, tension and lipid profile. The objective of this work was to study the effect of liraglutide in the treatment of obesity, through a literature review. The results revealed that patients submitted to a weight loss program that includes diet, exercise and liraglutide had higher percentage of weight loss, improved glycemic parameters, cardiometabolic risk factors and quality of life compared to placebo or other drugs used to treat obesity.

Keywords: liraglutide; obesity; treatment; primary health care; drugs.


Mónica Anta Lopes et al

Introdução A obesidade é um dos maiores desafios da saúde pública, sendo considerada

complicações associadas à obesidade e

entre os 45 e os 54 anos (43,7%)

melhora a qualidade de vida.

enquanto a obesidade era mais frequente

3

A prevalência da obesidade está em

entre os 65 e os 74 anos (41,8%).1

crescendo globalmente, não obstante

Em Portugal e na Europa têm sido

as múltiplas campanhas de edução para

implementadas diversas medidas para

a saúde. Em 2016 mais de 1,9 biliões de

combater a epidemia da obesidade.

adultos apresentavam excesso de peso

No nosso país foi criado o Programa

e desses mais de 650 milhões eram

Nacional de Combate à Obesidade

obesos. Na União Europeia, com base

em 2004, que foi integrado em 2008

em dados de 2017, estima-se que 51,8%

na Plataforma contra a Obesidade.

da população apresente excesso de peso,

No Plano Nacional de Saúde de 2012-

mais especificamente 14.9% obesidade

2016 (revisto e estendido a 2020) a

produtividade e anos de vida. 2

e 36.9% pré-obesidade. Em Portugal,

problemática da obesidade é considerada

Segundo a OMS considera-se excesso de

segundo dados do 1º Inquérito Nacional

no Programa Nacional para a Promoção

de Saúde com Exame Físico de 2015

da Alimentação Saudável e nos

(INSEF), a prevalência nacional de excesso

Planos Regionais de Saúde. Apesar do

de peso era de 38,9% e obesidade

investimento realizado, a análise dos

28,7%, destacando-se a duplicação da

resultados dos estudos supracitados não

prevalência da obesidade em relação

evidencia, para já, eficácia das medidas

aos 10 anos anteriores. Verificou-se que

implementadas, o que demonstra a

o excesso de peso era mais prevalente

complexidade deste problema.1

pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a epidemia global do século XXI. É uma doença crónica, com sérias consequências para a saúde, constituindo a segunda causa de morte evitável através da modificação comportamental, apenas ultrapassada pelo tabagismo. As 1

implicações económicas são substanciais, em custos diretos em saúde, na perda de

peso se Índice de Massa Corporal (IMC) ≥ 25 Kg/m2 e obesidade se IMC ≥ 30 Kg/ m2. Diversos estudos demonstram uma associação entre IMC de 35-40 kg/m2 e taxas aumentadas de mortalidade por todas as causas, em comparação com indivíduos com IMC normal. A obesidade associa-se a múltiplas comorbidades tais como Diabetes Mellitus tipo 2 (DM 2), Hipertensão Arterial (HTA), dislipidemia, Acidente Vascular Cerebral (AVC), doença

4

5

nos homens (45,4%) e a obesidade mais prevalente nas mulheres (32,1%) e em relação ao grupo etário, verificou-se que o excesso de peso era mais prevalente

cardíaca, desordens músculo-esqueléticas e vários tipos de cancro além de uma redução na esperança média de vida na ordem dos 5 a 10 anos. Apesar disso, a evidência revela que uma redução de peso na ordem dos 5 a 10% diminui as

7


Liraglutide na Perda de Peso

A base de um programa de perda de

Os fármacos atualmente recomendados

benéficos adicionais não só prevenindo

peso assenta em cinco pilares: dieta,

pela Food and Drug Administration

a progressão e reduzindo a inflamação

exercício, alterações comportamentais,

(FDA), como adjuvantes de dieta

da placa aórtica com consequente

farmacoterapia e cirurgia bariátrica.

e exercício incluem o orlistate,

melhoria do perfil lipídico mas também

A abordagem inicial deverá incluir

lorcaserina, naltrexona-bupropriona,

promovendo uma melhoria significativa

intervenções de estilo de vida, sendo

fentermina, fentermina-topiramato

dos parâmetros glicémicos.9,10

expectável perdas de peso de 4-7%.

e o liraglutide, sendo expectável um

Infelizmente muitos indivíduos têm

incremento da perda de peso média

dificuldade em atingir uma perda de

em 12 meses de aproximadamente 2.6

peso clinicamente significativa (definida

a 8.8Kg (comparativamente a placebo)

como ≥ 5% após 1 ano de tratamento)

dependendo do fármaco utilizado.8 Na

apenas com recurso a modificações

Europa, as opções farmacológicas, de

comportamentais. 2 Após a cirurgia

acordo com a European Medicinal Agency

bariátrica a perda de peso pode variar

(EMA) incluem apenas o orlistate, a

entre os 15-50% dependendo do

naltrexona-bupropriona e o liraglutide.7

procedimento cirúrgico. No entanto existe um gap, onde se inserem grande parte dos nossos doentes, que não respondem às intervenções de estilo de vida mas cuja cirurgia barátrica não é uma opção (por questões médicas ou decisão pessoal).6

like peptide-1 (aGLP-1) que se liga e ativa o recetor do GLP-1. Atua nas zonas do cérebro que regulam o apetite, ao acoplar-se aos recetores de GLP-1 nas células cerebrais, diminuindo assim os níveis de fome e aumentando os

A terapêutica da obesidade pode

níveis de saciedade. Os recetores GLP-1

ser prescrita nos Cuidados de

também estão presentes perifericamente

Saúde Primários constituindo um

pelo que o liraglutide tem efeitos

valioso adjuvante das medidas de estilo de vida2 auxiliando os nossos pacientes a atingir uma perda de peso significativa e sustentada a longo prazo, com consequente prevenção do desenvolvimento de comorbidades associadas à obesidade.7

8

O Liraglutide é um análogo do glucagon-

Está aprovado para o tratamento da DM 2 em doses até 1,8 mg e foi aprovado, pela FDA em 2014 e pela EMA em 2015, na dose de 3.0 mg, no tratamento da obesidade ou excesso de peso com complicações associadas à obesidade.7 A administração é diária, na dose de 3,0 mg, via subcutânea, com titulação semanal da dose durante 4 semanas (0.6, 1.2, 1.8, 3.0 mg). Os efeitos adversos incluem náuseas, vómitos, diarreia, obstipação; aumento do risco de pancreatite, colelitíase e colecistite, devendo ser usado com precaução se antecedentes pessoais de pancreatite aguda ou patologia da via biliar. Está contraindicado se história de hipersensibilidade ao liraglutide ou seus excipientes, neoplasia endócrina múltipla tipo 2 ou carcinoma medular da tiroide.7,9


Mónica Anta Lopes et al

Objetivo

Resultados

familiares de neoplasia endócrina

tratamento da obesidade, com base na

selecionados, após leitura do abstract, um

da tiroide, diabetes mellitus tipo 1 ou 2,

literatura existente.

total de 12. Dos artigos selecionados e após

Estudar o efeito do Liraglutide no

Metodologia

Foi realizada pesquisa bibliográfica, a 3 de maio de 2020, segundo o método Revisão Baseada na Evidência, na base de dados PubMed, com os termos Mesh liraglutide e obesity. Decidimos incluir também outros artigos, com as palavraschave liraglutide, obesity, weight loss,

Foram obtidos 55 artigos, tendo sido

a leitura integral dos mesmos, optou-se por

O primeiro artigo que passamos a

(por exemplo corticosteroides), abuso

descrever foi publicado em 2019 e trata-se de um estudo clinico aleatorizado, com duração de 12 meses que avaliou o impacto da adição de liraglutide 3.0 mg a um programa de

commission e guidelines, pesquisados

para tratamento de obesidade, no que

publicados nos últimos 10 anos e excluídos os estudos realizados em menores de 18 anos.

recente, pressão arterial ≥ 160/100 mmHg, utilização de fármacos com

world health organization, european

artigos em língua portuguesa e inglesa,

doença renal, hepática ou cardiovascular

descrever os resultados de 3 estudos.

terapia comportamental intensiva (TCI)

no Google Scholar. Foram selecionados

múltipla tipo 2 ou carcinoma medular

diz respeito a um aumento significativo de perda de peso e ainda se a provisão de substitutos de refeição resultariam em beneficio adicional. Os critérios de inclusão dos participantes do estudo foram idade entre 21 e os 70 anos, IMC 30-55 kg/m2; tentativa prévia de perda de peso com dieta e exercício e consentimento em participar no estudo durante 1 ano. Os critérios de exclusão incluíram antecedentes pessoais ou

impacto significativo no peso corporal de substancias, depressão major, ideação suicida ou historia de tentativas de suicídio, cirurgia bariátrica, perda ponderal ≥ 4.5 Kg nos últimos 3 meses e gravidez. Foram selecionados 150 adultos com as seguintes características: idade média 47.6 ± 41.8 anos, 79.3% do sexo feminino, peso médio de 108.4 Kg ± 17.5 Kg, IMC médio 38.4±4.9 kg/m2. Os participantes foram aleatoriamente distribuídos por 3 grupos, cada um com 50 participantes: um grupo com programa assente apenas em TCI; um segundo grupo com programa de TCI e liraglutide na dose de 3.0 mg; e um terceiro grupo com TCI, liraglutide 3.0 mg e dieta de substituição de refeiçoes de 10001200 Kcal/dia (batidos, barras e entradas preparadas). A TCI consistiu, para todos os participantes, em visitas semanais no 1° mês, visitas quinzenais do 2° ao 6° mês e sessões mensais após o 7° mês.8

9


Liraglutide na Perda de Peso

Figura 1. Percentagem de participantes dos diferentes grupos (N = 50) que perderam ≥ 5, ≥10 e ≥ 15% do peso basal, à semana 52 Legenda: TCI - Terapêutica Comportamental Intensiva; SR – Substituto de Refeição

O endpoint primário foi a percentagem

peso ≥ 10% e mais de 28% dos indivíduos

gastroenterite, tendo sido relatados

média de redução do peso corporal basal,

perderam ≥15% do peso basal.

6 eventos adversos graves incluindo

às 52 semanas. Os endpoints secundários incluíram circunferência abdominal, pressão arterial, glicémia em jejum, insulina, triglicéridos, proteína C-reativa, perfil lipídico, sintomas de depressão e qualidade de vida.8

8

A perda de peso esteve associada a uma melhoria significativa dos fatores de

asma, cálculos biliares, gastroenterite, pneumonia e infeção de ferida.

risco cardiometabólicos nos 3 grupos,

Este estudo revelou que a TCI realizada

especificamente pressão arterial sistólica

nos Cuidados de Saúde Primários

e diastólica, frequência cardíaca, low

promoveu uma perda de peso

density lipoprotein (LDL) e triglicéridos

clinicamente significativa. A associação

Noventa e um porcento dos participantes

e sintomas de depressão, embora

de liraglutide ao TCI teve como resultado

completaram os 12 meses de tratamento,

não se tenham verificado diferenças

uma duplicação da perda de peso

sendo as perdas ponderais médias de

estatisticamente significativas nos 3

comparativamente ao aconselhamento

6.1 ± 1.3% no grupo TCI, 41.5% ± 1.3%

grupos. Contudo, no que diz respeito aos

realizado de forma isolada.8

no grupo TCI-liraglutide e 11.8% ± 1.3%

parâmetros circunferência abdominal,

no grupo TCI-liraglutide-substituição

high density lipoprotein (HDL), glucose

de refeições, sendo as respetivas

em jejum, HbA1c, triglicéridos, proteína

percentagens de perda de 5% do peso

C-reativa e saúde mental ambos os

corporal 44.0%, 70.0% e 74.0% (Fig.1).

grupos liraglutide revelaram melhorias

Os grupos tratados com liraglutide

significativas comparativamente ao grupo

revelaram uma perda ponderal superior à

TCI isolada (Fig.2).8

do grupo submetido a TCI isolada, não se tendo verificado diferenças significativas entre os 2 grupos liraglutide. Mais especificamente nos grupos liraglutide 46% dos participantes atingiram perdas de

O segundo estudo que iremos descrever é uma análise post-hoc de 2017 que descreve dois estudos clínicos realizados no âmbito do programa Satiety and Clinical Adiposity: Liraglutide Evidence (SCALE), realizado entre 2011 e 2015 em 27 países na Europa, América do Norte,

Também nos grupos liraglutide os efeitos

América do Sul, Austrália, África e Ásia

adversos foram reportados com mais

que envolveu um total de 5358 pacientes,

frequência (≥ 40 pontos percentuais

distribuídos por 4 subgrupos. O objetivo

comparativamente ao grupo TCI isolada).

desta post-hoc foi o de averiguar a

Os efeitos incluíram náuseas, obstipação,

eficácia e segurança da terapêutica com

infeções respiratórias superiores e

liraglutide 3.0 mg, entre dois subgrupos de indivíduos com excesso de peso ou

10


Mónica Anta Lopes et al

Figura 2. Alterações nos endpoints secundários dos participantes dos diferentes grupos, à semana 52 Legenda: TCI - Terapêutica Comportamental Intensiva; SR – Substituto de Refeição; LDL – low density lipoprotein; HDL - high density lipoprotein

obesidade, com e sem DM 2. Ambos os

No subgrupo SCALE Diabetes os

Ambos os grupos receberam

estudos, denominados SCALE Obesity e

indivíduos recrutados apresentavam

aconselhamento no que diz respeito a

Prediabetes e SCALE Diabetes, são ensaios

IMC ≥ 27 Kg/m2 e DM 2 (HbA1c entre

alterações de estilo de vida que incluíam

clínicos, aleatorizados, duplamente

7 e 10%) sob tratamento com dieta e

dieta com défice calórico diário de 500

cegos, controlados com placebo, com

exercício isoladamente ou em associação

quilocalorias e exercício físico (≥ 150

duração de 56 semanas e um total de

a terapêutica farmacológica (metformina,

minutos/semana).6

4285 pacientes. No subgrupo SCALE

sulfonilureia e/ou glitazona). Os critérios

Obesity e Prediabetes os participantes

de exclusão incluíam: uso de aGLP-1,

apresentavam normoglicemia ou pré-

inibidores da DPP-4 ou insulina nos 3

diabetes e IMC ≥ 30 Kg/m2 ou ≥ 27 Kg/

meses prévios ao estudo, hipertensão

m2 e dislipidémia e/ou HTA. Os critérios

não controlada (pressão sistólica ≥ 160

de exclusão incluíam hemoglobina

mmHg e/ou pressão diastólica ≥ 100

glicada (HbA1c) ≥ 6.5%, glicemia em

mmHg). Os 623 participantes foram

jejum ≥ 7.0 mmol/h ou glicémia pós-

randomizados num rácio 2:1 para

prandial ≥ 11.1 mmol/l. Um total de

tratamento diário com liraglutide 3.0

3662 indivíduos foram randomizados

mg (N = 412) ou placebo (N = 211) em

num rácio 2:1 para liraglutide 3.0 mg

associação ao plano terapêutico prévio

(N = 2437) ou placebo (N = 1225) e

de cada individuo.6

11

Após as 56 semanas os pacientes do grupo SCALE Obesity e Prediabetes foram aleatoriamente distribuídos em 2 grupos, num rácio de 1:1. Um dos grupos continuou tratamento com Liraglutide e o outro mudou para placebo, durante 12 semanas, com o objetivo de avaliar se a eficácia do fármaco se mantinha após a sua descontinuação e se havia problemas de segurança relacionados com a descontinuação (Fig.3).6

estratificados de acordo com o seu status prediabetes e com o seu IMC (≥ 30 ou < 30 Kg/m2).

11


Liraglutide na Perda de Peso

Figura 3. Representação esquemática dos dois subgrupos do estudo SCALE

Os endpoints primários, às 56 semanas,

Analisando os endpoints primários,

Relativamente aos endpoints secundários

foram alteração no peso corporal e

92% dos pacientes no grupo liraglutide

verificou-se melhoria significativa nas

proporção de pacientes que atingiram

e 65% do grupo placebo perderam

sub-populações com normoglicémia e

5 e mais de 10% de perda de peso.

peso. Verificaram-se perdas ponderais

pré-diabetes tratadas com liraglutide.

Os endpoints secundários incluíram

superiores nos grupos liraglutide em

Mais especificamente relativamente às

alterações no IMC, circunferência da

comparação com os grupos placebo,

variáveis cardiometabólicas, o grupo

cintura, variáveis de controlo glicémico,

tendo-se registado perdas médias do

liraglutide apresentou percentagens

biomarcadores cardiometabólicos e

peso corporal de 8.0 ± 6,7% (8.4 ±

superiores de diminuição da pressão

qualidade de vida em saúde avaliada

7.3 Kg) e de 2.6 ± 5.7% (2.8 ±6.5 Kg),

sistólica e diastólica, da circunferência

através do questionário Impact of Weight

respetivamente. Comparando as perdas

abdominal, do IMC, da HbA1c e glicemia

on Quality-Lite (ISQOL-Lite). Foram ainda

ponderais entre indivíduos tratados com

em jejum. Em relação à qualidade de vida

registados os efeitos adversos ocorridos

liraglutide, com IMC < 35 e ≥ 35 Kg/m2,

os indivíduos tratados com liraglutide

desde o 1º dia de tratamento até 14 dias

não se verificaram diferenças no que diz

relataram uma melhoria superior da

após término do mesmo.6

respeito à eficácia do fármaco entre estes

função física em comparação com o

dois subgrupos. Uma proporção superior

placebo, avaliada através do questionário

de pacientes nos grupos liraglutide

ISQOL-Lite.6

em comparação com o grupo placebo perderam ≥ 5% do peso corporal (63.2% vs 27.1%), ≥ 10% do peso corporal (33.1% vs 10.6%) e ≥ 15% do peso corporal (14.4% vs 3.5%) (Fig.4).6

Os efeitos adversos mais frequentemente relatados foram os relacionados com o sistema gastrointestinal (náuseas e vómitos), ocorrendo mais frequentemente na fase de titulação do fármaco em percentagens na ordem dos 63-68.5% nos grupos liraglutide e 31.5-44.7% nos grupos placebo. As taxas de doenças da vesicula biliar (2.1-2.3 vs 0.7-0.9) e de pancreatite aguda (0.2% vs

12


Mónica Anta Lopes et al

Figura 4. Percentagem de participantes dos grupos liraglutide e placebo que perderam ≥ 5, ≥10 e ≥ 15% do peso basal, à semana 56

0%) foram baixas, mas superiores em

média 46 anos; 74% mulheres, peso

que apresentaram melhores resultados.

termos numéricos no grupo liraglutide

médio 100.5 Kg, IMC médio 36.1 Kg/

A percentagem de pacientes com

em comparação com o placebo.

m ) tratados com orlistate, lorcaserina,

perda ponderal de 5% foi de 23% no

Verificou-se ainda um aumento da

naltrexona-bupropriona, fentermina-

grupo placebo, 44% com orlistate, 49%

frequência cardíaca em repouso no grupo

topiramato ou liraglutide, durante pelo

com lorcaserina, 55% com naltrexona-

liraglutide na ordem dos 2.3-3.1 bpm,

menos 12 meses e cujos resultados foram

bupropriona, 63% no grupo liraglutide e

mas o seu significado clínico mantém-se

comparados com outro agente ativo ou

75% com fentermina-topiramato (Fig.5).11

desconhecido. No que diz respeito a

placebo. Apenas foram incluídos estudos

hipoglicemias sintomáticas, o subgrupo

cujas dosagens dos fármacos utilizados

com DM2, tratado com liraglutide

correspondiam à dosagem mais efetiva

apresentou taxas de 22.5-23.6%,

aprovada pela FDA, respetivamente

enquanto que no grupo placebo as taxas

Orlistate 120mg 3x/dia, Lorcaserina 40

foram de 12.4-13%, destacando-se a

mg 2x/dia, naltrexona-bupropriona

ausência de hipoglicémia sintomática

32mg/360mg 2x/dia, fentermina-

nos indivíduos sem DM2 (tanto no grupo

topiramato 15 mg/92mg 1x/dia e

liraglutide como no grupo placebo).

liraglutide 3mg 1x/dia.11

As taxas de descontinuação globais foram inferiores no grupo liraglutide em comparação com o placebo, mas o motivo de desistência mais comum no grupo de liraglutide foi a presença de efeitos adversos.6 O último estudo que iremos descrever

2

O endpoint secundário consistiu na proporção de indivíduos com pelo menos 10% de perda ponderal, sendo esta percentagem de 9% nos indivíduos do grupo placebo, 20% com orlistate, 25% com lorcaserina, 30% com naltrexonabupropriona, 34% no grupo liraglutide e 54% no grupo fentermina-topiramato.11

Relativamente ao endpoint primário de perda de pelo menos 5% do peso basal em 52 semanas, verificou-se que todos os agentes ativos estiveram associados a uma percentagem de perda ponderal superior ao placebo, sendo os fármacos fentermina-topiramato e liraglutide os

trata-se de uma revisão sistemática e meta-análise de 2016, que incluiu 28 estudos clínicos, aleatorizados, com um total de 29018 pacientes adultos com obesidade ou excesso de peso (idade

13


Liraglutide na Perda de Peso

Figura 5. Percentagem de participantes dos diferentes grupos (placebo e agentes ativos) que perderam ≥ 5% do peso basal, às 52 semanas

O resultado adverso primário foi a taxa

4.23) e o naltrexona-bupropriona (OR,

Sendo assim, tendo em conta os

de descontinuação do tratamento devido

2.64; 95% CrI, 2.10-3.35) foram os que

resultados descritos anteriormente,

a efeitos secundários. Comparativamente

apresentaram maior probabilidade

é possível afirmar que os fármacos

ao placebo, todos os agentes ativos,

de descontinuação do tratamento e a

fentermina-topiramato e liraglutide

apresentaram probabilidades 1.3

lorcaserina o que apresentou menor taxa

estiveram associados a maior

a 2.9 vezes superiores de serem

de descontinuação (OR, 1.34; 95% CrI,

probabilidade de se alcançar

descontinuados devido a efeitos

1.05-1.76).11

uma perda de peso de 5%,

adversos. Dos fármacos estudados,

comparativamente ao placebo e a

e em comparação com o placebo, o

outros agentes ativos, estando contudo

liraglutide (OR, 2.95; 95% CrI, 2.11-

o liraglutide associado a uma maior probabilidade de descontinuação do tratamento devido a efeitos adversos relacionados com os fármacos.11

14


Mónica Anta Lopes et al

Conclusão A obesidade é uma doença crónica, evidente, mas subestimada e preocupante a nível global. Devido à transversalidade dos Cuidados de Saúde Primários, a prevenção e tratamento da obesidade pode ser iniciada pelo médico de família. Se a obesidade não for adequadamente abordada nas nossas consultas, desperdiçam-se oportunidades preciosas de diagnóstico e tratamento. Apesar dos médicos reconhecerem e tratarem as comorbidades associadas (como a diabetes e a hipertensão), a doença em si é frequentemente ignorada ou mal gerida. Esta realidade pode ser explicada pela falta de tempo para gerir este problema em consulta e pela falta de competências teóricas e práticas. A introdução de qualquer terapêutica farmacológica é complexa e exige uma ponderada avaliação dos riscos e benefícios. No caso da obesidade essa decisão é prejudicada porque atualmente não existem orientações claras para a introdução da terapêutica farmacológica, nem qual a opção terapêutica mais adequada. O liraglutide 3.0 mg, como adjuvante da dieta e exercício,

Referências:

promove a perda de peso nos pacientes com excesso de peso/

1. Gaio V, Antunes L, Barreto M, Gil A, Kislaya I, Namorado S, et al. Prevalência de excesso de peso e de obesidade em Portugal: resultados do primeiro Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico (INSA) [e-book]. 2015 [consultado em 2020 Maio 29]. Disponível em: http://repositorio.insa.pt/bitstream/10400.18/5588/5/Boletim_Epidemiologico_Observacoes_N22_2018_artigo7.pdf

obesidade, melhora os parâmetros glicémicos, os fatores de risco cardiometabólicos e a qualidade de vida, sendo um fármaco seguro e bem tolerado. Na nossa opinião os principais obstáculos à sua utilização são a forma de administração por via subcutânea, devido à renitência dos pacientes em realizar terapêutica injetável e o seu custo elevado. Com efeito, o liraglutide 3.0 mg para tratamento da obesidade (nome comercial Saxenda®) não é comparticipado e o seu custo ronda os 257.23 euros por mês. Contudo, o liraglutide que está indicado no tratamento da DM 2 na dose de 1.8 mg é comercializado em Portugal sob o nome comercial Victoza® e o seu custo mensal (na dose de 1.8 mg) é de 26 euros por mês. Nos doentes que possam suportar o encargo económico e nos obesos com DM 2 o liraglutide é uma opção terapêutica válida, segura e eficaz. É necessário consciencializar a população, os profissionais de saúde e os decisores políticos de que o excesso de peso e a obesidade são doenças crónicas, cujo impacto na sociedade se irá agravar caso não sejam definidas e implementadas estratégias de intervenção, baseadas na evidência, dirigidas ao individuo e à sociedade como um todo, considerando o contexto ambiental, socioeconómico e cultural.

2. Wilding JPH. Beyond lifestyle interventions: exploring the potential of anti-obesity medications in the UK [e-book]. Clin Obes. 2018; 8(3):211-225. doi:10.1111/ cob.12248 [consultado em 2020 Maio 29]. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih. gov/29689646/ 3. World Health Organization [homepage na internet]. Obesity and overweight: Key Facts; 2020 [consultado em 2020 Maio 28]. Disponível em: https://www.who.int/ news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight 4. Eurostat: European Statistics [homepage na Internet]. Obesity rate by body mass index (BMI); 2020 [consultado em 2020 Agosto 21]. Disponível em: https://ec.europa.eu/ eurostat/databrowser/view/sdg_02_10/default/table?lang=en 5. Overgaard RV, Petri KC, Jacobsen LV, Jensen CB. Liraglutide 3.0 mg for Weight Management: A Population Pharmacokinetic Analysis [e-book]. Clin Pharmacokinet; 2016; Nov;55(11):1413-1422 [consultado em 2020 Maio 29]. Disponível em: https://www.ncbi. nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5069304/ 6. le Roux C, Aroda V, Hemmingsson J, Cancino AP, Christensen R, Pi-Sunyer X. Comparison of Efficacy and Safety of Liraglutide 3.0 mg in Individuals with BMI above and below 35 kg/m²: A Post-hoc Analysis [e-book]. Obes Facts. 2017;10(6):531-544 [consultado em 2020 Maio 29]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/ articles/PMC5836203/ 7. Yumuk V, Tsigos C, Fried M, Schindler K, Busetto L, Micic D, et al. European Guidelines for Obesity management in adults. [e-book]. Obes Facts. 2015; 8:402-424 [consultado em 2020 Maio 28]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC5644856/pdf/ofa-0008-0402.pdf 8. Wadden TA, Walsh O, Berkowitz RI, Chao AM, Alamiddin N, Gruber K, et al. Intensive Behavioral Therapy for Obesity Combined with Liraglutide 3.0 mg: A Randomized Controlled Trial [e-book]. Obesity (Silver Spring). 2019;27(1):75-86 [consultado em 2020 Maio 29]. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30421856/ 9. European Medicines Agency [homepage na internet]. Saxenda: EPAR – Product Information; 2020 [consultado em 2020 Maio 27]. Disponível em: https://www.ema.europa. eu/en/medicines/human/EPAR/saxenda

PRÉMIOS O presente artigo foi apresentado sob a forma de comunicação oral, nas VII Jornadas do Internato Médico do Algarve de 2019, sendo-lhe atribuído o 2º prémio de melhor Comunicação Oral.

10. Pi-Sunyer X, Astrup A, Fujioka K, Greenway F, Halpern A, Krempf M, et al. A Randomized, Controlled Trial of 3.0 mg of Liraglutide in Weight Management [e-book]. N Engl J Med 2015; 373:11-22 [consultado em 2020 Maio 29]. Disponível em: https://www.nejm. org/doi/full/10.1056/nejmoa1411892 11. Khera R, Murad MH, Chandar AK, Dulai PS, Wang Z, Prokop LJ, et al. Association of Pharmacological Tratments for Obesity with Weight Loss and Adverse Events: A Systematic Review and Meta-Analysis [e-book]. JAMA. 2016;315(22):2424-2434 [consultado em 2020 Maio 29]. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27299618/

15


ARTIGO ORIGINAL

Algarve Médico 2020; 10 (4): 16-21

ORIGINAL ARTICLE

Abordagem da Insuficiência Cardíaca Agudizada no Serviço de Urgência - A Importância da Diurese e o Conceito de Pré-Carga Approach to Acute Heart Failure in the Emergency Department - The Importance of Diuresis and the Pre-Load Concept Hugo Costa¹, Teresa Silva², Adriana Quitério², Ana Baptista², Mário Lázaro² ¹. Serviço de Cardiologia, Centro Hospitalar Universitário do Algarve ². Serviço de Medicina Interna 2, Centro Hospitalar Universitário do Algarve hugoalexcosta@sapo.pt

Resumo

Abstract

A insuficiência cardíaca é uma síndrome clínica que se apresenta

Heart failure is a clinical syndrome that presents with typical signs

com sinais e sintomas típicos associada a uma morbi-mortalidade bastante elevada. Durante os episódios de agudização, a utilização de diuréticos e nitratos é fundamental na estabilização hemodinâmica e clinica destes doentes com insuficiência cardíaca agudizada. Foi proposto, através de um estudo observacional e retrospectivo, verificar se a abordagem diurética e a utilização de nitratos à admissão no serviço de urgência e durante as primeiras 48 horas de internamento seria a adequada/ otimizada, bem como o tempo de internamento destes doentes. Identificaram-se 50 doentes internados por insuficiência cardíaca agudizada por corte transversal num único dia nos serviços de Medicina Interna do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve, sendo que 54% estava sobre dose diurética otimizada e destes 88% apresentaram internamento de curta duração. Estes doentes foram sujeitos essencialmente a doses diuréticas de furosemida endovenosa pelo menos em dose igual à dose total diária de ambulatório ou na dose de 1mg/Kg/dose. A utilização de nitratos foi precária, apenas em 4% dos doentes. Conclui-se que a maioria dos doentes foi sujeita a uma dose diurética otimizada e que este grupo registou um maior número de internamentos de curta duração, podendo assim ter impacto indirecto

and symptoms associated with high morbidity and mortality. During acute episodes, the use of diuretics and nitrates is essential for the hemodynamic and clinical stabilization of these patients with acute heart failure. It was proposed, through an observational and retrospective study, to verify if the diuretic approach and the use of nitrates on admission to the emergency department and during the first 48 hours of hospitalization would be the appropriate / optimized, as well as the length of hospital stay for these patients. We identified 50 patients hospitalized for acute heart failure, evaluated by cross-section in a single day at the Internal Medicine services of the Centro Hospitalar e Universitário do Algarve, 54% of whom were on an optimized diuretic dose and of these 88% had a short hospital stay. These patients were essentially subjected to diuretic doses of intravenous furosemide at least at a dose equal to the total daily outpatient dose or at a dose of 1mg / kg / dose. The use of nitrates was poor, only in 4% of patients. It was concluded that the majority of patients were subjected to an optimized diuretic dose and that this group had a greater number of short-term hospitalizations, thus being able to have an indirect impact on the short-term prognosis of these patients.

no prognóstico a curto prazo destes doentes.

Palavras Chave: Insuficiência cardíaca; Diuréticos; Nitratos; Internamento; Prognóstico.

16

Keywords: Heart failure; Diuretics; Nitrates; Inpatient; Prognosis.


Hugo Costa et al

Introdução

Por se tratar de uma doença crónica com

Existem estratégias terapêuticas bem

A insuficiência cardíaca (IC) é uma

episódios de agudização frequentes,

definidas e modificadoras de prognóstico

os custos para a saúde são também

na abordagem aos doentes com IC,

elevados, com uma estimativa de custos

com destaque nas linhas orientadoras

anuais totais, diretos ou indirectos, em

internacionais, nomeadamente os fármacos

Portugal continental, de €405 milhões no

inibidores do eixo renina-angiotensina-

ano de 2014.5

aldosterona, os beta-bloqueantes e mais

síndrome clínica que se apresenta com sinais e sintomas típicos, mas não específicos, e que se exacerbam nos processos de agudização. Destacam-se o cansaço e dispneia para esforços, a ortopneia e bendopneia, dispneia paroxística noturna e sinais como

A IC está associada a uma morbimortalidade bastante elevada, com taxas

recentemente os inibidores da neprilisina/ recetores da angiotensina.1

de mortalidade a rondar os 50% aos 5 anos,

Embora sem impacto na mortalidade a

periféricos e o ingurgitamento jugular.1

ultrapassando as principais neoplasias

longo prazo no que respeita à abordagem

Etiologicamente, as principais causas

malignas do sistema hematopoiético/

insuficiência cardíaca agudizada (ICA),

linfático, bem como o cancro da mama e do

a utilização de diuréticos e nitratos

cólon.6 Os processos de agudização com

é fundamental na estabilização

hospitalização e internamento têm impacto

hemodinâmica e clinica do doente, com

prognóstico negativo a médio longo prazo,

forte indicação nas linhas orientadoras.1

num processo em escada descendente

A descongestão do doente através

até à morte por falha de bomba. Além

da promoção da diurese e os efeitos

disso, a própria classe funcional tem valor

vasodilatadores que exercem, reduzem

prognóstico, com os doentes menos

a pré-carga cardíaca com melhoria das

sintomáticos e melhor controlados a

pressões e volumes intracavitários e do

apresentarem menor mortalidade a médio-

débito cardíaco. A sua utilização de forma

longo prazo.

adequada nos episódios de agudização

a congestão pulmonar, os edemas

que estão na génese da IC são o desenvolvimento de doença arterial coronária, hipertensão arterial, doenças valvulares, tóxicos e dependências como o etilismo bem como arritmias como a fibrilhação auricular, entre outros.1 Segundo o estudo EPICA em 1998, Portugal apresentava uma prevalência de IC a rondar os 4%. Passados praticamente 20 anos, é expectável que a prevalência tenha aumentado e que continue a aumentar nas próximas décadas, tendo em conta o envelhecimento da população, o aumento da prevalência dos fatores de risco bem como o aumento da sobrevida pós-enfarte. 2–4

7,8

pode permitir a não descontinuação e/ou introdução da terapêutica modificadora de prognóstico de forma precoce e reduzir o número e dias de internamento, contribuindo assim de forma indireta para um melhor prognóstico a curto-médio prazo destes doentes.

17


Abordagem da Insuficiência Cardíaca Agudizada no Serviço de Urgência - Diurese e pré-carga

Figura 1. Distribuição dos doentes relativamente à dose diurética administrada: Dose Diurética Otimizada (DDO) Vs Dose Diurética Não Otimizada (DDNO).

Figura 2. Duração do internamento nos doentes com Dose Diurética Otimizada (DDO). ILD – internamento de longa duração; ICD – internamento de curta duração.

Objetivos

Métodos

Resultados

Primário: Determinar o número de

Foi realizado um estudo observacional

Foram identificados N50 doentes

doentes internados por ICA, num único

e retrospectivo, com análise descritiva,

internados por ICA num universo de

dia, nos serviços de Medicina Interna

através de um corte transversal num

188 doentes internados nos serviços de

de um hospital central, e verificar se a

único dia nos serviços de Medicina

Medicina Interna, com uma idade média

abordagem diurética à admissão no

Interna de um hospital central. Foram

de 82 anos e com ligeira tendência para

serviço de urgência (SU) e durante as

criados dois grupos: um grupo de Dose

o sexo feminino com 52%. Em termos de

primeiras 48 horas de internamento será

Diurética Otimizada (DDO) e um segundo

distribuição de doentes entre grupos, a

a adequada/otimizada. Verificar ainda a

grupo de Dose Diurética Não Otimizada

maioria foram doentes do grupo DDO

utilização de nitratos nestes doentes.

(DDNO). Define-se DDO à admissão e

com 54% versus 46% dos doentes do

nas primeiras 48 horas de internamento

grupo DDNO (Figura 1).

Secundário: Verificar se os doentes com ICA e uma abordagem diurética otimizada à admissão no SU e durante as primeiras 48 horas de iternamento apresentam tempos de internamento mais curtos.

em dose de: pelo menos 1mg/Kg/dose de furosemida endovenosa (EV) (nº1); ou pelo menos 40mg de furosemida EV se doente naive (nº2); ou pelo menos furosemida EV em dose igual à dose total diária de ambulatório (nº3). Foram verificados os dias de internamento e a utilização de nitratos nos grupos definidos, considerando internamento de curta duração quando inferior ou igual ≤ 15 dias, bem como a morbi-mortalidade. Foi utlizado para este efeito a verificação dos registos clínicos de internamento e urgência bem como os registos de óbito.

18

Dos 54% de doentes do grupo DDO, 88% apresentaram internamento de curta duração, comparativamente ao grupo DDNO com 26% (Figuras 2-3). Relativamente ao tempo de internamento, 60% dos doentes apresentou internamento de curta duração, sendo 80% do grupo DDO e 20% do grupo DDNO (Figura 4).


Hugo Costa et al

Figura 3. Duração do internamento nos doentes com Dose Diurética Não Otimizada (DDNO). ILD – internamento de longa duração; ICD – internamento de curta duração.

Figura 4. Distribuição dos doentes com internamento de longa duração (ILD) Vs curta duração (ICD). Percentagem de doentes com ICD segundo a abordagem diurética efetuada.

Da abordagem diurética inicial no serviço de urgência independentemente do grupo, a estratégica terapêutica mais utilizada foi a de manter a dose diurética de ambulatório em bólus EV, realçando que 34% dos doentes não tiveram estratégia definida (random). A preferência pela estratégia terapêutica do grupo DDO foi 28% pelo método (nº3) seguida de 26% pelo método (nº1) (Figuras 5-6).

Figura 5. Distribuição dos doentes segundo abordagem diurética à admissão.

Figura 6. Abordagem diurética utilizada nos doentes com Dose Diurética Otimizada (DDO).

A utilização de nitratos foi de 4% (dinitrato de isossorbido) em doentes com ICA e apenas nos que se apresentaram com edema agudo de pulmão (EAP) e com necessidade de ventilação não invasiva (VNI), doentes estes incluídos no grupo DDO e com internamento de curta duração. Registaram-se de 4 mortes, 3 no grupo DDNO.

19


Abordagem da Insuficiência Cardíaca Agudizada no Serviço de Urgência

Discussão e Conclusão

A utilização de nitratos foi precária

É importante realçar o fardo da IC nos

e necessidade de VNI. Neste sentido,

hospitais e internamentos de Medicina Interna, com 26% dos doentes internados com o diagnóstico principal de ICA. Dos doentes internados com ICA, 54% foram doentes do grupo DDO e destes, 88% com internamento de curta duração. Nesta pool de doentes, podemos afirmar que a maioria dos doentes internados com ICA receberam doses diuréticas ajustadas às necessidades, o que poderá ter contribuído para os internamentos de curta duração. Por outro lado, perante os dados analisados no estudo, existiram ainda uma grande fatia de doentes que no SU e internamento precoce receberam doses diuréticas não optimizadas (46%), o que se refletiu em parte na maioria dos internamentos de longa duração (74%). De realçar que destes últimos, 34% não tiveram sequer uma estratégia diurética definida (random), o que poderá contribuir para uma má gestão do doente e seus sintomas com impacto prognóstico a curto-médio prazo (4 óbitos todos associados ao grupo DDNO).

(4%), sempre associado a ICA com EAP a utilização de nitratos está longe do aceitável na abordagem aos doentes com ICA. Apenas os doentes com critérios de maior gravidade o fizeram, quando o racional e segundo as linhas orientadoras internacionais com forte indicação será para utilizar-se nestes doentes, para alívio sintomático e estabilização hemodinâmica, independentemente da gravidade da descompensação. De realçar que, embora os doentes com administração de nitratos se tratassem de doentes com critérios de maior gravidade, acabaram por ser também doentes com DDO e internamento de curta duração. Os dados obtidos poderão sugerir a importâncias desta classe de fármacos no sinergismo à terapêutica diurética no controlo destes doentes. Para concluir, verificou-se assim que a maioria dos doentes foi sujeita a uma DDO e que este grupo registou um maior número de internamentos de curta duração. Será necessário no futuro uma avaliação mais abrangente com o intuito de demonstrar ou não esta associação, podendo assim ter impacto indirecto no prognóstico a curto prazo destes doentes.

20


Hugo Costa et al

Apresentações prévias / Prémios

Agradecimento

O presente trabalho foi apresentado nas Jornadas Internato Médico do Algarve, (JIMA 2019), tendo recebido o prémio de melhor trabalho sob a forma de apresentação oral.

A todo o serviço de Medicina Interna e de Cardiologia do CHUA.

O presente artigo foi apresentado no congresso nacional de urgência e emergência 2019, organizado pela sociedade Portuguesa de Medicina Interna, tendo recebido o prémio de melhor trabalho sob a forma de apresentação oral.

Referências: 1. Ponikowski P, Poland C, Voors AA, Germany SDA, Uk JGFC, Uk AJSC, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology ( ESC ) Developed with the special contribution. Eur. Heart J. 2016;2129–200. 2. Mota T, Morais H, Matias F, Sousa D. Prevalence of chronic heart failure in Southwestern Europe : the EPICA study. Eur. J. Heart Fail. 2002;4:531–9. 3. Fonseca C, Brás D, Araújo I, Ceia F. Insuficiência cardíaca em números: estimativas para o século XXI em Portugal. Rev. Port. Cardiol. [Internet]. Sociedade Portuguesa de Cardiologia; 2018;37(2):97–104. Available from: https://doi.org/10.1016/j. repc.2017.11.010 4. Lloyd-jones DM, Larson MG, Leip EP, Beiser A, Agostino RBD, Kannel WB, et al. Lifetime Risk for Developing Congestive Heart Failure The Framingham Heart Study. Circulation. 2002;3068–72. 5. Brito D. Heart failure: The value of evidence-supported decision-making. Rev. Port. Cardiol. [Internet]. Sociedade Portuguesa de Cardiologia; 2020;39(1):13–6. Available from: https://doi.org/10.1016/j.repc.2020.02.005 6. Mcmurray JJ V, Stewart S. The burden of heart failure. Eur. Heart J. 2002;4:50–8. 7. Allen L, Goldstein NE, Matlock DD, Hauptman PJ, Havranek EP, Krumholz HM. Decision Making in Advanced Heart Failure A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2014;125(15):1928–52. 8. Taylor CJ, Ordóñez-mena JM, Roalfe AK, Lay-flurrie S, Jones NR, Marshall T, et al. Trends in survival after a diagnosis of heart failure in the United Kingdom 2000-2017 : population based cohort study. Br. Med. J. 2017;1–10.

21


IMAGENS EM MEDICINA

Algarve Médico, 2020; 10 (4) 22-23

IMAGES IN MEDICINE

Ferida Abrasiva Abrasive Wound

Liliana Sequeira¹, António Rivero¹ ¹. Serviço de Cirurgia II - Centro Hospitalar Universitário do Algarve liliana.sequeira@live.com.pt

Abrasão é uma ferida superficial resultante do atrito de uma força

Abrasion is a superficial wound resulting from the friction of a

tangencial sobre a pele, provocando a desnudação da epiderme e

tangential force on the skin, causing the skin to be stripped and

consequentemente expondo as camadas mais sensitivas da pele.

consequently exposing the most sensitive layers of the skin. Since the

Uma vez que a lesão é confinada maioritariamente à epiderme, as

lesion is mostly confined to the epidermis, abrasive wounds bleed

feridas abrasivas são pouco sangrantes e de fácil cicatrização, não

slightly and heal easily, leaving no scar in most cases. However, when

deixando cicatriz em grande parte dos casos. Contudo, quando

the abrasion includes to the dermis, healing occurs by secondary

o abrasão se expande até à dermis, a cicatrização dá-se por

intention, resulting in a scar at the injury site.

segunda intenção, resultando numa cicatriz no local da lesão.

for the predictability of the epithelialization that will occur and of

a previsibilidade da epitelização que se vai processar e,

the measures to be instituted. As we know, the epithelial tissue of the

naturalmente, das medidas a instituir. Como sabemos o tecido

dermis grows in continuity with the existing dermis. The presence of

epitelial da derme cresce em continuidade com a derme presente.

hair follicles is important, as islands that supply epithelialization, in

Neste mecanismo a presença dos foliculos pilosos é importante,

the mechanism of tangential force of abrasion in the deeper parts of

como ilhas fornecedoras de epitelização, já que por vezes no

the follicle remains preserved.

mecanismo de força tangencial do abrasão as partes mais profundas do foliculo mantem-se preservadas.

In the present case, this mechanism of regeneration of the skin epithelium, where the hair follicles were preserved, is quite evident.

No caso presente este mecanismo de regeneração da integridade

This is a young adult male with a wound on his lower limb, who

do epitélio cutaneo, onde os foliculos pilosos foram preservados,

went to the emergency service of the Centro Hospitalar Universitário

está bem evidente. Trata-se um adulto jovem do sexo masculino

do Algarve, after a road accident. The evolution of this wound is

com ferida no membro inferior que, recorreu ao serviço de

documented, which in its most proximal component presented itself

urgência do Centro Hospitalar Universitário do Algarve, após

as abrasion of the first degree. We can see the evolution from its state

acidente de viação. Documenta-se a evolução, desde o seu

at the admission to surgical care, until discharge.

estado à entrada até à alta, desta ferida que - no seu componente mais proximal - se apresentou como abrasão do I grau.

22

This degree of involvement of the abrasive wound is fundamental

Este grau de afecção da ferida abrasiva é fundamental para


Liliana Sequeira et al

Dia 0

Dia 5 pós trauma

3 semana pós trauma

2 meses pós trauma

23


CASO CLÍNICO

Algarve Médico, 2020; 10 (4): 24-29

CASE REPORT

A Reabilitação Pediátrica e as novas possibilidades terapêuticas – A propósito de um caso clínico Pediatric Rehabilitation and new therapeutic possibilities - a clinical case

Gisela Henriques Leandro¹, Ana Lúcia Gomes¹, Kátia Ferreira¹, Carla Mendonça¹, Joana Costa¹, Conceição Silva², Carla Joaquim Botelho³, Daiana Ferreira⁴ ¹. Serviço de Medicina Física e de Reabilitação da Unidade de Faro, Centro Hospitalar Universitário do Algarve ². Terapeuta do Neurodesenvolvimento, Serviço de Medicina Física e de Reabilitação Unidade de Faro, Centro Hospitalar Universitário do Algarve ³. Terapeuta da Fala, Serviço de Medicina Física e de Reabilitação da Unidade Faro, Centro Hospitalar Universitário do Algarve ⁴. Psicóloga, Especialista em Intervenção Assistida por Animais, Associação Kokua - Cães de Ajuda Social giselahleandro@gmail.com

Resumo

Abstract

As perturbações do neurodesenvolvimento são alterações

Neurodevelopmental disorders are neurobiological changes

neurobiológicas que ocorrem no desenvolvimento da

that occur in the child's development and that arise as a

criança e que surgem como uma consequência de agressões

result of perinatal aggressions or genetic errors, which can

perinatais ou erros genéticos, podendo afetar a cognição,

affect cognition, language, speech, gross and fine motor skills,

linguagem, fala, motricidade grosseira e fina, atenção,

attention, socialization and adaptive behavior / autonomy.

socialização e o comportamento adaptativo/autonomia. A

The performance of Pediatric Rehabilitation, based on the

atuação da Reabilitação Pediátrica, baseada na abordagem

approach of neurodevelopment and the concept of cerebral

do neurodesenvolvimento e no conceito de neuroplasticidade

neuroplasticity, aims to inhibit the appearance or installation

cerebral, pretende inibir o aparecimento ou a instalação de

of pathological patterns and facilitate the experience and

padrões patológicos e facilitar a experiência e a integração

integration of normalizing patterns in the child's behavioral

de padrões normalizantes nos esquemas comportamentais

schemes. Animal Assisted Therapy (TAA) consists of a goal-

da criança. A Terapia Assistida por Animais (TAA) consiste

oriented intervention, the animal being an integral part of

numa intervenção orientada por objetivos, sendo o animal

the entire therapeutic process, with a view to optimizing the

parte integrante de todo o processo terapêutico, com vista

expected results. We describe the case of a 15-month-old child,

à otimização dos resultados esperados. Descrevemos o

with global delay in psychomotor development, whose results

caso de uma criança de 15 meses, com atraso global do

obtained in the SGS-II parameters, evaluated at the beginning

desenvolvimento psicomotor cujos resultados obtidos nos

(T0) and 3 months after complementing the occupational

parâmetros da SGS-II, avaliados no início (T0) e 3 meses após

therapy sessions with TAA (T1), demonstrate a development

complementar as sessões de terapia ocupacional com TAA

corresponding to an average age of 8M, in T0, and 12M in T1,

(T1), demonstram um desenvolvimento correspondente a

with a significant improvement in the parameter of speech and

uma idade média de 8M, em T0, e 12M em T1, com uma

language and in the manipulative capacity.

melhoria expressiva no parâmetro da fala e linguagem e na capacidade manipulativa.

Palavras Chave: Reabilitação pediátrica; perturbações do neurodesenvolvimento; Terapia Assistida por Animais

24

Keywords: Pediatric rehabilitation; neurodevelopmental disorders; Animal Assisted Therapy


Gisela Henriques Leandro et al

Introdução

filogeneticamente mais antigas do que

As perturbações do

O período decorrente entre as 20 e as

as linguísticas e as cognitivas verbais

neurodesenvolvimento são alterações

sendo, como tal, menos afetadas nas

neurobiológicas que surgem durante o

perturbações do desenvolvimento. É

desenvolvimento da criança e que podem

por esse motivo que a linguagem é a

estar presentes desde o nascimento ou

aquisição mais atingida na maioria das

manifestarem-se mais tarde. Com uma

perturbações do desenvolvimento,

expressão de 10 a 20% na população em

mesmo nas mais ligeiras, contrariamente

idade pediátrica, estes distúrbios surgem

à motricidade grosseira, afetada

como uma consequência de múltiplas

significativamente apenas nas lesões mais

causas, nomeadamente, poderão estar

graves e generalizadas. 2

relacionados com a carga genética, com

30 semanas de idade gestacional, é um período onde o sistema nervoso central (SNC) do ser humano apresenta um dinamismo evolutivo muito intenso.1 O desenvolvimento de determinada função depende da maturação do substrato neuronal correspondente, sendo que a mesma decorre fundamentalmente da associação de eventos aditivos (sinaptogénese, migração neuronal, organização e mielinização) e subtrativos (apoptose neuronal, retração axonal e degeneração sinática).1 A maturação cerebral decorre da área posterior para a anterior, à medida que o excesso de conexões neuronais vão sendo progressivamente eliminados e ordenados.1 Dessa forma, as áreas motora e visual são as primeiras a maturar, seguidas da área da linguagem e orientação espacial e por último a área pré-frontal, responsável pelo

Os Seres Humanos, como seres altriciais que são, não apresentam o SNC completamente desenvolvido, pela altura do nascimento.3 O mesmo passa por um processo de maturação, ao longo do primeiro ano de vida, crucial para uma adequada aquisição motora (que permita ao indivíduo mover-se de forma autónoma e manipular os objetos que

o meio ambiente, morbilidade pré-natal, período peri-parto e o meio ambiente pós-natal.4,5 Os mesmos poderão afetar a cognição, a linguagem, a fala, a motricidade grosseira e fina, a atenção, a socialização e o comportamento adaptativo/autonomia, entre outras áreas, manifestando-se por um atraso ou desvio nas aquisições do desenvolvimento e/ou

o rodeia), e que se estende ao longo da primeira infância, quando nos referimos ao desenvolvimento cognitivo, da linguagem e da capacidade de interação social.3

raciocínio mais elaborado e pelas funções executivas.1 Deste modo, as habilidades motoras grosseiras e visuoespaciais são

25


A Reabilitação Pediátrica e as novas possibilidades terapêuticas – A propósito de um caso clínico

por alterações do comportamento. 3,4,5 O

aos 5 anos) e que identifica o nível

fortemente habilitada para estabelecer

termo atraso global do desenvolvimento

de desenvolvimento da criança (em

circuitos cerebrais que serão a base de

psicomotor (ADPM) é comumente

meses), em 10 áreas distintas (controlo

um grande número de competências

empregue em crianças com idade igual

postural passivo, controlo postural

e aquisições. Este facto possibilita que

ou inferior a 5 anos e que apresentem

ativo, locomoção, manipulação, visão,

a interação com o ambiente tenha um

um atraso em alcançar os marcos do

audição e linguagem, fala e linguagem,

papel crucial na expressão dos genes e

desenvolvimento, face ao expectável

interação social, autonomia pessoal e

no fenótipo cognitivo final. 2

para a sua idade cronológica, em duas

cognição), permitindo traçar um perfil

ou mais áreas do desenvolvimento.

de desenvolvimento com áreas fortes

Por sua vez, o termo perturbação do

e fracas. 6

desenvolvimento intelectual (PDI) fica

A intervenção assistida por animais (IAA), em âmbito terapêutico, teve o seu início em 1953 pelo psiquiatra Boris Lewinson

A atuação da Reabilitação Pediátrica,

e, desde então, tem sido amplamente

baseada na abordagem do

implementada em pediatria. De acordo

neurodesenvolvimento, pretende, a

com a organização internacional Delta

O diagnóstico atempado é fundamental,

partir da análise e do conhecimento

Society, entidade de referência no

para que se possa intervir precocemente,

dos padrões e esquemas de

treino e preparação prática de IAA,

numa fase de maior plasticidade cerebral

funcionamento normais (posturais,

definem-se 3 áreas de intervenção: a

e, deste modo, de maior capacidade

motores, propriocetivos, linguísticos,

terapia assistida por animais (TAA), a

de modificação de circuitos neuronais,

comportamentais, entre outros), inibir o

educação assistida por animais (EAA)

com vista a uma maximização das

aparecimento ou a instalação de padrões

e as atividades assistidas por animais

competências do indivíduo.

patológicos e facilitar a experiência e a

(AAA).7 A TAA consiste numa intervenção

reservado para a persistência do atraso a partir da idade escolar.6

2

Para diagnosticar e avaliar a gravidade da perturbação do desenvolvimento são utilizados diversos instrumentos, nomeadamente o Schedule of Growing Skills II (SGS II), que consiste numa escala de avaliação de competências do desenvolvimento infantil (dos 0

integração de padrões normalizantes nos

orientada por objetivos, definidos de

esquemas comportamentais da criança.

acordo com as necessidades da criança,

3

O mesmo só é possível tendo por base o

sendo o animal parte integrante de todo

conceito de neuroplasticidade cerebral,

o processo terapêutico.9 Isto é, o animal

isto é, a capacidade que o cérebro possuí

serve de elemento de ligação entre a

de se reorganizar, através da formação de

tríade criança-pais/cuidadores-técnicos

novas conexões neuronais, e que permite

de saúde, segundo o modelo ecológico

que o mesmo crie formas de compensar

sistémico, atuando como objeto de

determinada lesão e de ajustar as suas

transição.10 Os estudos, atualmente

atividades em resposta a novas situações

existentes, demonstram que a ligação

ou mudanças no seu ambiente.7

estabelecida entre o indivíduo e o

A criança, com a particularidade de ter

animal está associada a uma libertação

um cérebro em desenvolvimento, está

de neuroquímicos que diminuem a frequência cardíaca, a pressão arterial e os níveis de ansiedade, contribuindo, igualmente, para uma melhoria da auto-estima.9,11 A TAA é dirigida por um

26


Gisela Henriques Leandro et al

Quadro I - Objetivos gerais e específicos definidos para C

profissional de saúde, que documenta

de Neuropediatria e Desenvolvimento

e avalia todo o processo. A mesma é

do Centro Hospitalar e Universitário do

desenhada com o intuito de promover

Algarve (CHUA), que pretendia beneficiar

uma melhoria no funcionamento físico,

da TAA (cão) na potenciação dos efeitos

social, psicológico, emocional e/ou

terapêuticos em crianças com alterações

cognitivo da criança, podendo decorrer

do neurodesenvolvimento.

em grupo ou individualmente e em diversos contextos.10,12,13

De seguida descreverei o caso clínico de uma criança que integrou este projeto,

Em pediatria, o ADPM é a perturbação

apresentando os resultados obtidos com

neurológica mais frequente, logo a

esta intervenção. Ressalvo que o referido

seguir à epilepsia.6 O custo associado à

estudo decorreu com a autorização

reabilitação não deve ser avaliado só em

prévia da Administração e da Comissão

função da qualidade de vida em idade

de Ética do CHUA.

pediátrica, com todas as condicionantes inerentes às repercussões na aprendizagem, autonomia e integração destes jovens na sociedade, mas também em função do custo social da sua dependência em idade adulta.5 Deste modo surgiu o projeto “Uma pegada na reabilitação pediátrica”, projeto este desenvolvido pelo Centro

Caso Clínico C de 15 meses (M), era seguida em terapia ocupacional (TO) no CHUA desde os 4M por atraso global do desenvolvimento psicomotor (ADPM). Foi selecionada para integrar neste projeto, sendo definidas, em equipa multidisciplinar (fisiatra e terapeutas) as suas metas terapêuticas e os objetivos gerais e específicos individualizados, que se encontram expressos na tabela seguinte. A instrutora de cães de assistência, especialista em IAA e licenciada em Psicologia, desenhou as atividades a serem implementadas nas sessões, em conjunto com a terapeuta da criança e tendo por base os objetivos delineados previamente. O treino e orientação do animal em sessão foi desenvolvido pela referida instrutora, ambos pertencentes à Associação KOKUA – cães de ajuda social. A cadela de terapia era portadora de seguro de responsabilidade civil e possuía treino de obediência avançada e experiência profissional, garantindo o seu bom comportamento durante as sessões. Os pais assinaram o consentimento informado e as sessões decorreram uma vez por semana (com a duração de 45 minutos cada), sendo as mesmas gravadas em áudio e imagem, para posterior discussão do caso em equipa, programação das sessões seguintes e avaliação dos resultados a longo prazo.

27


A Reabilitação Pediátrica e as novas possibilidades terapêuticas – A propósito de um caso clínico

Figura 1. Resultados dos parâmetros da SGS-II de C, em T0 e T1.

Como instrumento de avaliação, aplicou-se o SGS-II no início (T0) e no fim do estudo (3 meses depois - T1). De acordo com os parâmetros da SGS-II avaliados em T0 e T1, constatámos que C apresentou um resultado correspondente ao desenvolvimento expectável para uma criança de 8M em T0, e 12M em T1, com uma melhoria expressiva no parâmetro da fala e linguagem (com um resultado esperado para o desenvolvimento de uma criança de 3M em T0 e 15M em T1) e na capacidade manipulativa (obtendo um desenvolvimento correspondente a uma criança de 8M em T0 e 15M em T1). Relativamente ao controlo postural passivo, manteve um desenvolvimento equivalente ao de uma criança de 6M em T0 e T1 e no que concerne ao controlo postural ativo apresentou um desenvolvimento similar ao de uma criança de 7M em T0 e de 11M em T1. No que diz respeito à área da visão e interação social, em T0 apresentava um desenvolvimento previsto para uma criança de 6M e em T1 ao de uma criança de 12M.

28

Discussão e Conclusão A criança é um Ser em desenvolvimento motor, cognitivo, emocional e social. O desenvolvimento psicomotor é um processo dinâmico e contínuo, sendo constante a ordem de aparecimento das diferentes funções. Contudo, a velocidade de passagem de um estadio para o outro varia de uma criança para outra e, consequentemente, a idade de aparecimento de novas aquisições também. Para além do referido, todo este processo poderá estar sujeito a agressões perinatais ou erros genéticos, que poderão originar o aparecimento e manifestação de atrasos ou desvios nas aquisições do desenvolvimento e/ou alterações do comportamento.4,5


Gisela Henriques Leandro et al

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CASO CLÍNICO

Algarve Médico, 2020; 10 (4): 30 - 35

CASE REPORT

The rare Bouveret syndrome, what are the Odds? Davide Reis1, João Melo2,3, Bruno Santos3,4, António Rivero2,3, Daniel Cartucho2,3 . Interno MGF, Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Portimão, ARS Algarve . Grupo Digestivo Alto, Serviço de Cirurgia II - Centro Hospitalar Universitário do Algarve . Algarve Biomedical Centre (ABC) 4 . Serviço de Radiologia - Centro Hospitalar Universitário do Algarve 1 2 3

luisgabriel.pereira@gmail.com

Abstract A 74 year old man presents with a two week history of progressive increase in nausea and coffee-like emesis, progressing to a complete haut of fecal emission before coming to emergency. He had abdominal pain and refused food. His abdomen was not distended, but tender on palpation with deep pain in the epigastric area. In the emergency setting, laboratory test results showed increased inflammatory parameters, alterations of renal function with normal liver function tests. The abdominal radiography, followed by an abdomino-pelvic computer tomography scan, identified the presence of an ectopic gallstone, with approximately 4,5 cm, in the gastric peri-antral space, associated with the presence of gas in the lumen of the gallbladder. It was thus hypothesized that we were in the presence of a gastric outlet obstruction, in one of its rarest forms: The Bouveret syndrome. The patient was submitted to surgery, with a removal of the gallstone. In this article the authors do a brief revision of the literature of this topic, describe the syndrome and discuss how this case is among the rarest of the rare.

Keywords: Bouveret syndrome; pylorus impaction; Rigler Thriad

30


David Reis et al

Introduction Gallstone ileus is a rare cause of intestinal obstruction, compromising 1–4% of these cases1,2. This rare complication of cholelithiasis occurs when there is formation of a fistula between the gallbladder and contiguous viscera. Due to the cystic pressures coupled with the eroding effect of the stone itself, the fistula normally forms to the duodenum or stomach and can result not only in a fistula, but also a passage for the stone to the adjoining viscera2. Sometimes, the stone can be large enough to cause mucosal irritation, triggering muscle contraction and consequent lodging, culminating in an ileus with obstructive symptomatology3,4. An even rarer manifestation, compromising

gastroduodenal obstruction as the main cause of the clinical presentation in nearly all the cases. This entity is important to know. Despite improvement in management strategies, the morbidity and mortality of Bouveret syndrome remain high, up to 60% and 30%, respectively. This is mainly attributed to the fact that the majority of patients affected are elderly and frequently have pre-existing comorbidities7. In this report, we describe not only a case of a rare Bouveret syndrome, but its rarest form, as it appears in a man with no prior reported history or clinical symptoms of cholelithiasis.

1–3% of ectopic gallstone occlusion, is when the stone does not migrate accordingly with the normal peristaltic movements of the digestive tract and causes gastric outlet obstruction secondary to impaction of a gallstone in the pylorus or proximal duodenum5. This clinical entity is known as Bouveret’s syndrome, a French expert in gastric diseases, Leon Bouveret, became known after he reported two cases of gastric outlet obstruction due to gallstones in 18966,7. In 1939, when cholelithiasis cases evolved in complexity making diagnosis difficult, today we have easier access to surgery with laparoscopy. Wakefield, et al defend that proximal intestinal obstruction is an exceedingly rare complication of stones occurring in 1 in 10,000 cases of cholelithiasis8. On average, this syndrome emerges in patients at the age of 75 and is more frequent in females (65%). This higher reported incidence in women is hypothesized to be due to the cholestatic effects of female sex hormones and prior pregnancies that increases the incidence of gallstone formation1,9. By this age, approximately 35% of women and 20% of men have already developed gallstones, thus the higher frequency of diagnosis.10 The most common symptoms manifested in more than 70% of the reports were: nausea, vomiting and abdominal pain. The more prominent clinical signs were abdominal tenderness and dehydration. Endoscopic approach, abdominal ultrasound and even computerized tomography were diagnostic in only 60-69% of the cases, despite endoscopy having identified

Case report A 75-year-old man presented at emergency in the Centro Hospitalar Universitário do Algarve-Portimão with a twoweek history of gradually worsening nauseas and subsequent hematemesis of coffee-ground material. In the last days a complete stop in stool emission was noticed associated with abdominal pain and complete refusal of food. In the last 2 weeks he vomited daily. His more relevant past medical history included two surgical interventions for trauma, one due to a plane crash in the Congo war when the patient was in his 20s and another due to knife wound when he was in his 40s. He also had coronary by-pass surgery and had a acute ischemic stroke, both when the patient was in his 60s, with only minor repercussions on his autonomy. He had no acute cholecystitis in the past nor signs or symptoms that could be related to biliary lithiasis. He lived alone and was completely independent in his daily activities. On objective exam, the vital signs were within normal range, but had an SpO2 89%. His abdomen was not distended, but tender on palpation as well as percussion, with deep pain in the epigastric area. There were no peritoneal signs. Bowel sounds were present. On laboratory evaluation, he had a mildly elevated inflammatory marker with white cell count of 16.7 [4.0–10 × 109 /L], C-reactive protein (CRP) of 230 [<5.0mg/L]. His liver function

31


The rare Bouveret syndrome - what are the Odds?

tests showed aspartato aminotransferase (AST) of 55 [10-34 U/L], gam-ma-glutamyl transpeptidase (GGT) of 18.6 [10-44 U/L]. Other laboratory abnormalities identified were kidney function with a urea of 75.2 [16-46 mg/dL], and creatinine of 1.4 [0.7-1.2 mg/dL], indicating mild acute kidney injury and dehydration in the context of his reduced food and liquid intake with serum electrolytes, Cl 98.9 [98-107 mmol/L], K 5.9 [3.5-5.1 mmol/L], Na 134.3 [136-145 mmol/L]. Abdominal radiography, figure 1, displayed a radiopaque formation in the gallbladder/pyloric area, images that could be interpreted as having gas in biliary three, and a gastric contour below the iliac crests (Rigler Triad). On the computed tomography (CT) scan of the abdomen and the pelvis, in the set of images obtained, there were evident signs supporting the hypothesis of Bouveret’s Syndrome. The obstruction observed at the outlet of the stomach was caused by a lithiasic formation impacted in the area of the pyloris and gastric bulb with the expected signs of colecisto enteric fistulization. (figures 2-5). A nasogastric tube was inserted which drained 2.4 L of gastric Figure 1. Abdominal radiography of the patient done in the Emergency Unit findings No gas at the gastric chamber and gastric distension, calcified mass in the gallbladder/ pyloric area, images compatibles whit air in the biliary tree, elements of Rigler’s triade, shown by the arrows.

contents. The patient had his clinical situation explained to him with the diagnostic hypotheses and was proposed surgery after

Figure 2. Abdominopelvic CT scan of the patient in the axial (A), coronal (B) and sagittal (C) showing a gallstone impacted in the bulbo-pyloric area, with signs compatible with cholecystoenteric fistula, namely an empty gallbladder and loss of cleavage plan between the gallbladder and the duodenum.

32


David Reis et al

reestablishment of electrolyte equilibrium with appropriate

No other stones were found by manual exploration in the

hydration through intravenous fluids.

digestive tract. Due to the intense inflammatory changes seen,

The surgical intervention began with laparotomy through a left subcostal Kocher incision. A gastric stone was localized, figure 3 panel A, visualized as the point of obstruction at the gastric antrum, confirming the deformity of the pyloric region.There were severe inflammatory changes in the right upper quadrant involving the gall bladder and the second part of the duodenum, which were more in favour of a cholecystoduodenal fistula over a choledocoduodenal fistula. On examination of the rest of the bowel, it was grossly normal except for several adhesions.

cholecystectomy, resection of the fistula, and CBD exploration were not performed. The stone was manually moved along the stomach and extracted through a small gastrotomy incision with subsequent closure of the stomach wall, figure 3 panel C-D. The size of the extracted calculus was 4,5 x 3,9 x 2,1 centimeters (Figure 5). The gallstone was submitted to radiography to display its differential composition: an interior with an increased radiopacity (around 1,16 cm) surrounded by a more radio transparent external layer (Figure 3) which explained the image

A

B

C

D

Figure 3. Surgical intervention with remove of the gallstone. A - Kocher’s incision and detection of the gallstone in the pylori; B - with mobilization to the body of the stomach; C and D - Gastric incision and removal of the gallstone

Figure 4. The composition of the gallstone, showing an interior with increased radiopacity (1,24 cm) surrounded by a more radio transparent external layer, which confirms and justifies the image in the initial plain x-ray.

33


The rare Bouveret syndrome - what are the Odds?

Figure 5. MRCP after 4 weeks of hospital discharge showing no signs of biliary dilatation, stenosis, lithiasis.or fistulization. Gallbladder is scleroatrophic and the main pancreatic duct is regular with normal diameter.

on the simple abdominal X-ray present and in accordance with

mainly attributed to the fact that the majority of patients affected

the CT scan.

are elderly and have important pre-existing comorbidities.

The patient had an uneventful postoperative recovery with no need for inotropic or ventilator support and was subsequently discharged on the 6th pos-operative day. In follow-up, the Magnetic Resonance Cholangiopancreatography (MRCP) at 4 weeks, no biliary intra or extra hepatic canal dilation was seen, as well as no affectation of the main pancreatic duct which was globally regular with no evidence of stenosis, intraluminal obstruction or extrinsic compression. The gallbladder was escleroatrofic and there were no fistulas were seen, figure 9. During the period of follow-up of a year, the patient remained assymptomatic.

Noteworthy to this syndrome is not only the biliary – enteric fistula formation itself, but the anti-peristaltic movement that the gallstone endures to become logged in the gastric outlet area. Bouveret syndrome is thus a very rare form of gastric outlet obstruction that can effect patients with gallstones, in which 0.3 to up to 5% are reported to develop bilioenteric fistulas10,11. Stones smaller than 2.5 cm usually pass into the small bowel where they can pass uneventfully. Gallstone ileus is more frequent with larger stones12. Its diagnosis thus requires an extremely high degree of suspicion. The most common symptoms are described as a triad consisting of epigastric pain, nausea, and vomiting. As these are non-specific symptoms and signs, tricky therapeutic approaches with new evidence of clinical and histological var-iations are

Commentary Normally it is attributed to Beaussier who, in 1770, describes for the first time the syndrome of Bouveret. However, successive authors cite each other, making it difficult to understand who read the original article. This is merely a detail to get into this infrequent entity which can assume variants we should be aware of. Despite improvement in management strategies, the morbidity and mortality of Bouveret syndrome still remains high. This is

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enough to make of Bouveret’s syndrome a real medical and surgical challenge.10 When the best of two scientific worlds work together, the surgical team with its clinical suspicion based upon experience and the imaging team with a keen eye for details, this cooperation will facilitate decision-making. Lassandro et al. in a paper with diagnosing gallstone ileus in 27 patients, report that the principal


David Reis et al

tool is still plain abdominal X-rays which could provide the diagnosis in 14.81% of cases in his series showing the classical Rigler’s triad that includes gastric dilatation, a gallstone, and pneumobilia and represents imaging findings of Bouveret syndrome.14

Referências

The authors agree that the best approach should be an

1. Clavien P, Richon J, Burgan S, Rohner A. Gallstone ileus. Br J Surg. 1990;77(7):737–42.

individualized one, with careful decision-making regarding the invasiveness and optimal time of treatment. Several authors defend that endoscopic or percutaneous approaches should always be attempted prior to surgery15-19. The main reason for this position is that Bouveret’s syndrome tends to affect the elderly, who will likely be poor surgical candidates in the presence of multiple comorbidities that can lead to greater operative and post operative complications20. However, it has many limitations for example, stones that are larger than 2.5 cm are usually technically difficult to retrieve endoscopically and may also become impacted in the esophagus15,21-25. Because of this high failure rate (91%) with the endoscopic approach, surgery is currently the most common approach. Approximately 73% of patients undergo surgery for Bouveret’s syndrome, among which 61% had failed a prior attempt at endoscopy9. The main controversy of surgical management lies between whether to address only the obstruction or both the obstruction and the fistula (one stage procedure). Treatment plans should be considered case by case with the functional specificities of each particular situation we are confronted with.12 The case described here appears to be rarer, like finding a pearl in an oyster. In this case, our patient is male, Rigler’s thriad is present, there is no previous known history of cholelithiasis and after treatment with full recovery, there are still no signs or symptoms related to biliary tree.

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Acknowledgments I would like to acknowledge the availability of the patient for all the inquiring done to write about this case report having given informed consent for the publishing of case details and accompanying images. I would also like to acknowledge the Upper Digestive Track Team, for giving me this opportunity to write about this case.

22. Katsinelos P, Dimiropoulos S, Tsolkas P, Baltagiannis S, Kapelidis P, Galanis I, Papaziogas B, Georgiadou E, Vasiliadis I: Successful treatment of duodenal bulb obstruction caused by a gallstone (Bouveret’s syndrome) after endoscopic mechanical lithotripsy. Surg Endosc 2002, 16(9):1363. 23. Schneider MU, Matek W, Bauer R, Domschke W: Mechanical lithotripsy of bile duct stones in 209 patients: effect of technical advances. Endoscopy 1988, 20(5):248–253. 24. Heinrich D, Meier J, Wehrli H, Buhler H: Upper gastrointestinal hemorrhage preceding development of Bouveret’s syndrome. Am J Gastroenterol 1993, 88(5):777–780. 25. Bottari M, Pallio S, Scribano E, Certo A: Pyloroduodenal obstruction by a gallstone: Bouveret’s syndrome. Gastrointest Endosc 1988, 34(5):440–442. 26. Caldwell KM, Lee SJ, Leggett PL, Bajwa KS, Mehta SS, Shah SK. Bouveret Syndrome: Current Management Strategies. Clin Exp Gastroenterol. 2018;11:69–75.

35


HISTÓRIA DA MEDICINA

Algarve Médico 2020; 10 (4): 36-57

HISTORY OF MEDICINE

História do pé diabético History of diabetic foot Luís Silveira¹ ¹. Diretor do Laboratório de Gestos Cirúrgicos, Faculdade de Ciências da Saúde – Universidade da Beira Interior luis.silveira.0@gmail.com

36

Resumo

Abstract

Este artigo faz uma resenha da História do Pé diabético. Falando de uma complicação da Diabetes mellitus, inicia-se com um enquadramento da História desta doença. Sem a pretensão de ser completo, o que não seria apenas um artigo, são dados a conhecer os factos mais importantes desde 2600 aC, na China antiga, à descoberta da glicosúria e glicemia e elementos do seu tratamento até aos dias de hoje. No Pé diabético foram separados os aspetos epidemiológicos, etiológicos, clínicos e de tratamento, por motivos didáticos. Como todos os artigos que contam feitos de personagens históricas, é uma homenagem aos grandes cientistas que nos precederam. Se é verdade que a maioria são estrangeiros, muitos são portugueses e, como tal, foram realçados. O autor tem como principal objetivo o relato sequencial das descobertas científicas sobre o tema procurando-se não só divulgar ensinamentos, mas que este também estimule a curiosidade para abordar esta entidade nosológica de forma mais aprofundada, bem como ser um estímulo à investigação científica sobre o Pé diabético.

This article reviews the History of the Diabetic Foot. Speaking of

Palavras Chave: Pé diabético; diabetes mellitus; história; portugueses

Keywords: Diabetic foot; diabetes mellitus; history; portuguese

a complication of Diabetes mellitus, it begins with an overview of the history of this disease. Without claiming to be complete, it would not just be an article, the most important facts as of 2600 BC in ancient China was the discovery of glycosuria and glycemia and its treatment. In the diabetic foot, epidemiological, etiological, clinical and treatment aspects have been separated, for didactic reasons. Like all articles where there are accounts of historical characters, it is a tribute to the great scientists who preceeded us. If it is true that the majority are foreigners, many are Portuguese and, as such, have been highlighted. The author’s main objective is the sequential report of scientific discoveries on the subject, seeking not only to disseminate teachings, but also to stimulate curiosity to the approach of this nosological entity in more depth, as well as to stimulate scientific research on Diabetic foot.


Luís Silveira

Figura 1. Salvador Dalí. 1974. O pé de Gala. Óleo sobre tela (obra estereoscópica). Fundação Gala-Salvador Dalí, Figueres. Foto do autor.

Introdução

major comum da Diabetes mellitus

devemos o que hoje sabemos. Gosto

O pé, porque essencial para nos

sendo o cirurgião geral o responsável

muito de uma citação de Bernard de

pelo seu diagnóstico e tratamento. A

Chartres (?-1124), filósofo que lecionou

infecção aguda é uma urgência médico-

na Catedral de Chartres, no séc. XII, a

cirúrgica.”§ As lesões infetadas com

propósito do conhecimento que temos

necrose tecidular, que surgem em alguns

hoje. Disse “Somos comparáveis a anões

diabéticos, mais conhecidas, em geral,

encavalitados sobre os ombros de gigantes

por Pé diabético (Pd), são muito penosas

(os Antigos): vemos, portanto, mais coisas

para os doentes. Não pelas dores que

do que eles viram e vemos mais longe do

provocam, pois a neuropatia diabética,

que eles.” Esta frase ficou, mais conhecida

ao destruir as terminações nervosas,

em 1676, quando foi divulgada, no

torna-as mais leves, mas pelo prolongado

mundo anglófono, por Isaac Newton,

tempo de internamento a que obrigam,

em carta escrita a Robert Hooke, “Se

pela quantidade de especialistas que

vi mais longe foi por estar de pé sobre

mobilizam (Medicina Interna, Cirurgia

os ombros de gigantes”, e passou a ser

Geral, Cirurgia Vascular, Endocrinologia,

mais utilizada. Por este motivo, todos

Ortopedia, Radiologia de Intervenção,

os trabalhos deste género são uma

Patologia Clínica, Fisiatria, Dor Crónica,

homenagem, não só aos “gigantes” que

Enfermeiros, Assistente Social,

nos precederam, mas também aos que

Podologista) e, também, pela repercussão

nos ensinaram. Não serão todos citados,

na qualidade de vida, tanto pessoal como

não por desconhecimento, mas porque

familiar, que condicionam.

este artigo não é um tratado.

Este artigo, como todos os que

Na História do Pé diabético, tenho

deste género se escrevem, é uma

que “aflorar” a história da Diabetes

homenagem aos grandes cientistas

mellitus (DM ou diabetes), já que estão

que nos antecederam, pois a eles

interligadas. No Pé diabético separei os

locomovermos, é muito importante para a nossa vida profissional e social. Há pessoas que têm fascínio pelos pés e pela sua “beleza”. Por isto, sempre atraiu a atenção, não só dos médicos, mas também dos artistas. Há inúmeras obras de arte, principalmente pinturas e esculturas, que representam o pé, como a que se mostra na figura 1, do conhecido Salvador Dalí. Como elemento do organismo pode ser alvo de doenças, tendo, algumas, grande repercussão na qualidade de vida das pessoas. Neste artigo focar-me-ei no Pé diabético, para lembrar a sua história, ou seja, a evolução dos conhecimentos fisiopatológicos, de diagnóstico e tratamento, ao longo dos anos. Começo com uma frase de José Neves, cirurgião do Hospital dos Capuchos, “O pé diabético é uma complicação

aspetos epidemiológicos, etiológicos, §

Neves J, Matias R, Formiga A, Cabete J, Moniz L, et al. O pé diabético com infecção aguda: tratamento no Serviço de Urgência em Portugal. Revista Portuguesa de Cirurgia 2013; 27: 19-36.

clínicos e de tratamento, apenas por motivos didáticos.

37


História do pé diabético

Na China antiga, a palavra "diabetes"

para os pulmões. O doente manifestará

O cirurgião indiano, Sushruta (séc.

não existia. No entanto, uma referência

exaustão e sede insaciável. Isso chama-se

VI aC), também referiu a diabetes,

precoce a esta doença pode ser

“fei xiao”, ou exaustão do pulmão, e

Prameha, no seu tratado Sushruta

encontrada no clássico médico Huang

para cada parte da água consumida,

Samhita “... a transpiração, expetoração,

Di Nei Jing (Clássico de Medicina Interna

duas partes serão excretadas.” 3, desta

etc., dos doentes-Prameha adquirem um

do Imperador Amarelo), de Huang Ti

vez com menção da poliúria. Embora

gosto doce e um cheiro como o do mel.

(2697-2597), cerca de 2600 aC. Na seção

alguns autores o refiram, não encontrei

Portanto são tecnicamente conhecidos

Suwen deste livro, a diabetes terá sido

referência a polifagia.

como Madhu-Meha (mel-urina) ...”6,

referida quando Huang Ti perguntou: “Algumas pessoas costumam ter um gosto doce nas suas bocas. Qual é a causa disso?” Qi Bo respondeu: “... O estômago recebe a comida e o baço extrai a essência da comida. O baço deve distribuir a essência por todo o corpo. No entanto, neste caso, há calor no baço. Isso faz com que a essência alimentar seja nele detida. Como o baço está conectado à boca, essa essência espalha-se para cima. Esta condição é geralmente causada por uma dieta rica em alimentos gordos, que gera calor interno. A indulgência nos doces também enfraquece o baço, levando a plenitude torácica e abdominal. Isso é conhecido como “xiao ke”, ou exaustão “diabética” . É preciso usar lian cao †

(Euphorbiae) aqui.”1 Também é referida sede e desidratação quando Qi Bo responde “O frio passará então do coração

Também se podem considerar referências à diabetes, as que se encontram no

onde já expunha alguns sintomas, como “... sensação de queimadura nas palmas das mãos e solas dos pés, corpo (pele)

Papiro de Ebers, cerca de 1552 anos

tornando-se untuoso e viscoso e pesado,

aC, onde está escrito “Se você examinar

a urina é doce, com mau cheiro e de

alguém mortalmente doente (e) o seu

cor branca; letargia, debilidade, sede

corpo estiver encolhido com a doença in

profunda, dispneia, mais acumulação de

extremis: … você deve (também), então,

sujidade no palato, garganta, língua e

preparar para ele os ingredientes para

dentes;... ” 7 Dizia que havia dois tipos de

a tratar: pedra de sangue de Elefantina,

Prameha: Sahaja (hereditária/congénita)

moída; grão vermelho; alfarroba; cozinhe em óleo (e) mel; deve ser comido por ele ao longo de quatro manhãs para a supressão da sua sede e para curar da sua doença mortal.”4 e mais à frente propunha “Outra (receita) para corrigir urina em excesso:

em que a doença aparece mais cedo, o doente é magro e seco e a Apathya nimittaja (adquirida devido à ingestão de alimentos impróprios/não saudáveis), que se manifesta mais tardiamente, os doentes são habitualmente obesos,

. verdura de cipreste ....................................... 1

comem muito, são untuosos, desejosos

. sementes de capim ....................................... 1

e dormirem.8 Isto quer dizer que, no séc.

. raiz do arbusto bhh ...................................... 1

VI aC, já eram conhecidos os dois tipos de diabetes pelo sistema de medicina indiano, Ayurveda. Como complicações,

Bata em consistência uniforme (e) ponha

Sushruta apontava, entre outras “...

em infusão em cerveja doce. Uma tijela deste é bebida, junto com os sedimentos.”

de descansar na cama ou de se sentarem

5

arrotos azedos, diarreia, perda de paladar, sensação de desmaio eminente, sede intensa, perda do sono, anemia, palidez...“ 9 No Sushruta Samhita encontrei, também, indicações sobre o tratamento médico da Madhu-Meha (diabetes mellitus)10 em que

Nota do tradutor, Maoshing Ni, pois na tradução deste tratado por Ilza Veith2, não encontrámos referência a esta entidade nosológica. Esta “exaustão “diabética””, diabética entre “” é, traduzida mais à letra, como “emagrecimento sede”, já que não existia o termo no séc. VI aC.

38


Luís Silveira

o exercício físico e o emagrecimento são

imediatamente evacuado... Os doentes

secam as veias da boca do estômago, o

importantes e “Uma medida de Tulá dessa

nunca param de fazer água, mas o fluxo é

doente sente desejos de beber... ; depois

panacéia, quando tomada gradualmente

incessante, como se procedesse de um total

de ingerir a bebida, as veias que baixam

(em doses adequadas), tende a melhorar

relaxamento dos canais.”, no Cap. II, do

do fígado para o estômago, ao estarem

a força e a compleição do corpo, cura

Livro II, das doenças Crónicas, do tratado

ressequidas apoderam-se imediatamente

um ataque de Madhu-Meha e permite ao

Consisting of eight books on the causes,

de todo o líquido e a partir delas passa

usuário testemunhar cem verões na terra,

symptoms, and cure of acute and chronic

às seguintes até que a transmissão chega

livre de doença e enfraquecimento.”

diseases , todo dedicado à diabetes.

aos rins.”18 e também se referiu aos

Depois de fazer uma razoável descrição

sintomas da diabetes “... os afetados

dos sintomas, aponta a cura “Quando,

tinham uma sede desmedida e por isso

portanto, você purgou com a hiera, use

bebiam abundantemente, urinando em

como epítema* o nardo, o mastique, as

seguida o mesmo que tinham bebido...“17,

tâmaras e os marmelos crus; o suco destes

mencionando, ainda, a polifagia “... a

com nardo e óleo de rosa é muito bom

fome canina (insaciável) que aparece na

para loções;... vinhos austeros para dar

boca do estômago, unida à impossibilidade

tom ao estômago,... “

de suportar o peso do ingerido, obriga a

11

O primeiro a usar o termo “diabetes” foi Apollonius de Memphis, em 230 aC, junção de dia - através - e betes - passar, logo passar através. Era considerada doença do rim.12 Aulus Celsus (30 aC50), no tratado De Medicine, descreve uma doença com poliúria, talvez a diabetes, “Quando um fluxo excessivo

14

15

comer muito e vorazmente e a vomitá-lo

de urina é desproporcional à quantidade

O grego Rufus d’Éphèse (98-138), de

de líquidos ingeridos e descarregada sem

Éfeso, chama à diabetes diarreia urinária,

dor, condicionando emagrecimento e

e sugere tratamento com “... espelta

Dos autores islâmicos que se referiram à

colocando em risco a vida, se límpida, há

misturada com vinho de rosas,... licor de

diabetes, o mais importante foi Avicenna

necessidade de exercício e massagem; e

sumo de maçã,... legumes crus (alface

(980-1037), já que menciona esta

isso, especialmente ao sol, ou perto do

brava),... pés de vaca ou de porco,... evitando

doenças em vários locais do seu célebre

fogo: o banho deve ser pouco frequente, e

todos os alimentos salgados e ácidos.”16

tratado ‫بطلا يف نوناقلا‬, O Canon da

sem se demorar nele: a comida austera, o vinho puro não diluído e austero, frio no verão, no inverno morno; mas na menor proporção possível.”13

Galeno (129-200), de Pergamo, referiu-se às causas “Parece-me que os rins estão também afetados nessa doença que uns chamam hidropisia urinária, outros

O nome desta afeção só foi dado por

diarreia de urina, outros diabetes e outros

Aretæus da Capadócia (80-138). Diabetes

“dipsakós”. É uma doença que se encontra

em grego significa “sifão”, quando refere

muito raramente; eu, pelo menos, vi-a

“... A doença consiste numa perda de carne

até agora duas vezes...17 Quando se

em seguida...“19

Medicina, publicado em 1025. No capítulo sobre Urinoscopia, Avicenna refere que, quando a urina é branca e gordurosa ou que parece ter sabão, significa que há “Liquefação do humor seroso; ou pode

e solução de diferentes partes do corpo na urina,... ser chamada de diabetes porque a humidade ou o líquido não permanece no corpo, mas, assim que coletado, é

* - Medicamento tópico, emoluente.

39


História do pé diabético

Figura 2. David Teniers o Jovem, Imitador de, séc. XVIII-XIX, O Alquimista, Óleo sobre madeira, MNAA, Lisboa. Foto do autor.

indicar diabetes, ativa ou latente.”20 e, na

No mesmo período, Paracelsus (1494-

referindo na Cura XCIV, da IIª Centúria4

diabetes, a urina é em grande quantidade,

1541), de Basileia, graças aos seus

“Diabetes é a passagem contínua de

cor pálida, cheiro doce e sem depósito.

estudos sobre diabetes, conseguiu

urina ou mais verdadeiramente, de

uma descoberta sensacional que,

uma poção não modificada, como a

infelizmente, ele entendeu mal. Depois

lienteria dos alimentos... é proveniente do

de ter encontrado alterações no sangue

enfraquecimento da faculdade retensiva

das pessoas que sofriam de diabetes,

dos rins... Portanto este mal chama-se

deixou evaporar a urina destes,

justamente paixão renal (“passio renum”)

tendo constatado a presença de um

e diabetes porque os rins assim doentes

resíduo sólido branco. Concluiu então,

atraem a si todo o humor do corpo.” 24

erradamente, que este resíduo consistia

Também na Cura XCIV, da IIª Centúria,

em sal e passou a atribuir sede excessiva

relata o tratamento de “Um romano...

e poliúria, nesses doentes, à deposição

caiu numa afeção de diabetes. Com

de sal nos rins. 23

efeito, tudo quanto bebia, tal como o

21

Passaram-se cerca de 500 anos até que, segundo Cantani22, Vittorio Trincavella (149?-156?), baseia a descoberta no sabor da urina, caindo num erro antigo “Querendo demonstrar que no diabético, as bebidas saem inalteradas pela urina, Trincavella menciona o facto de provando as urinas, os pais de um doente encontraram o mesmo gosto que os chás de ervas consumidos pelo filho.”, mas acrescenta “É muito provável que os chás fossem açucarados.”

Amato Lusitano (João Rodrigues de Castelo Branco, 1511-1568), que fez clínica em várias cidades da Europa, nomeadamente em Ferrara, também tratou doentes com esta doença,

ingeria, logo o expelia pela urina. Tinha uma sede insaciável... proibimos-lhe as substâncias procatárticas e tratámos de expulsar e diminuir o humor salsuginoso e mordaz...“ 24, depois de purgas e tisanas, “... para aguentar a faculdade de retenção dos rins completamente enfraquecida,

40


Luís Silveira

dava-se-lhe a beber todos os dias ao

poder de atração", ou melhor, por conta

Em 1776, Matthew Dobson (1713-1784),

amanhecer o seguinte: “R.: de xaropes de

dessas coisas de que ouviram falar, como

de Liverpool, demonstrou que era açúcar,

mirtilos, rosado de rosas secas, aná, meia

acontece na diabetes verdadeira, "que

o que dava o sabor doce à urina, e,

onça; de trociscos de terra sigilata, de

o que é bebido será excretado pelas

pela primeira vez provou que também

espódio dos árabes, aná, um escrópulo ‡;

vias urinárias, sem a menor alteração,

existia no sangue em maior quantidade

de águas de cabeças de rosas, de

preservando a mesma cor, consistência,

tanchagen, de corriola, aná, uma onça.

gosto e cheiro" , como quando tomado.”

Misture.”... Ficou de boa saúde no espaço

§

(hiperglicemia). 28 27

Foi John Rollo (?-1809), de Londres,

Permitam-me um aparte para chamar a

Cirurgião-General de Artilharia da

vossa atenção para um pormenor. Até

armada inglesa, que, em 1798, descreveu

agora só referi o “sabor doce da urina”,

as características mais importantes

que desde Sushruta foi salientado,

da diabetes “São, a descarga de uma

porque a observação da urina foi um dos

quantidade maior de urina do que

elementos semiológicos importantes até

na saúde, de um cheiro forte, leve e

ao séc. XVII. A urinoscopia era um dos

transparente, de uma cor de palha, sabor

atos imprescindíveis no exame clínico de

adocicado, e produzindo por evaporação

um doente, de tal modo que Avicenna

matéria sacarina; sede constante; um

lhe dedica um capítulo com 30 páginas,

apetite voraz ou forte, ou um desejo por

Segundo Schneider, em 1648, Thomas

no seu tratado, e vários pintores a

comida;... pele seca e emagrecimento.” 29

Willis (1621-1675), de Oxford, confirmou

representaram (figura 2). Para a efetuar,

Considerava que a diabetes tinha origem

as opiniões de Sushruta e de Avicenna

a colheita da amostra tanto podia ser

no estômago “Em geral, portanto,

sobre o sabor doce da urina dos

presencial ao médico, como enviada por

repetimos que a causa imediata da

diabéticos (glicosúria) e, em 1674,

uma pessoa, urinoscopia por mensageiro.

Diabetes Mellitus, nos parece consistir

diferenciou a diabetes mellitus [(mel em

Deixem-me referir um episódio

numa ação mórbida aumentada do

grego é μέλι – meli), adjetivo adicionado

engraçado, do livro King Henry IV, de

estômago, com consequente secreção, e

por William Cullen (1712-1790), de

Shakespeare, após Falstaff ter enviado,

vitalização do fluido gástrico, marcada

Edinburgh e Glasgow], da insípida. Só

ao médico, uma amostra de urina pelo

por um estado de apetite, e acidez.” 30

em 1794, Johan Peter Frank (1745-

seu servente, Page. Quando este voltou,

e, como tratamento, sugere uma dieta

1821), alemão que trabalhou em Viena,

Falstaff perguntou “Sirrah, seu gigante, o

descreveu e deu o nome a esta última

que diz o médico da minha água?” Ao que

entidade nosológica.

Page respondeu “Ele disse, Senhor, a água

de doze dias.” 24 Considerava a diabetes “... doença rara; Galeno atesta que só viu apenas dois casos.”, como já disse, e refere-se à designação de “dipsakós”, que mencionei na pág. 39 deste artigo. Ainda na XXXIII Cura da Vª Centúria, relata a morte de três doentes em coma diabético 25, das primeiras descrições, que conheço, desta complicação.

26

Giovanni Morgagni (1682-1771), de Pádua, em 1769, também se referiu à diabetes, dizendo "se uma criança

em si era uma água boa e saudável; mas, da parte de quem a produziu, poderia ter mais doenças do que ele conhecia.”#

tiver veias que vão do estômago até a bexiga, que são grandes e têm um ‡

- Escrópulo - antiga medida de peso equivalente a 24 grãos (1 grão = 64,8 mgr) §

- Referência ao tratado de Marcello Donato, De Medica Historia Mirabili, 1597, Libri Sex, Libri quarti Capita, Cap. XXVII, pp. 177-178, Venetiis; Apud Iuntas. #

- William Shakespeare. (1979). King Henry IV (The complete works of William Shakespeare, Second Part, Act I, Scene II, p. 416). 1ª Edição em 1958. London: The Hamlyn Publishing Group Limited.

41


História do pé diabético

pobre em hidratos de carbono e rica em

E só em 1875, no seu livro De la glycosurie

laqueando o canal pancreático, provocou

carne “Leite e carne de vaca ou carneiro

ou diabète sucré – son traitement

diabetes por picada do IVº ventrículo 42;

cosidas em partes iguais; ovos cozidos ou

hygiénique, onde publica os estudos que

os estudos dietéticos de Carl von

ostras, no café da manhã e ceia. Salsichas

fez nos 25 anos anteriores, Apollinaire

Noorden (1858-1931) de 1895 a 191137; os

ou pudins pretos, feitos sem tempero ou

Bouchardat (1806-1886), de Paris, fez a

de SR Benedict (1884-1936) que, em 1911,

qualquer matéria vegetal, ou músculos,

distinção entre as duas formas da diabetes.

introduziu o teste de deteção de glicose

para o almoço. Sopas feitas apenas com

Quer dizer que só 2500 anos depois de

na urina37; os importantes e exaustivos

carne e sem tempero, ou qualquer matéria

Sushruta o ter feito no séc. VI aC (pág. 3).

estudos de Graham Lusk (1866-1932)

vegetal, carne gorda, carne de carneiro,

Nas considerações sobre a etiologia da

de 1898 a 1915, nomeadamente, sobre

carne de porco ou caça, mortas há algum

diabetes33, faz a distinção entre a diabetes

a formação de glicogénio após ingestão

tempo; salmão, ou enguias, para o jantar.

que se encontra nos jovens e nos adulto

de diferentes tipos de açúcar43 e sobre

Nenhum tempero, ou condimento de

e idosos34 e também ao prognóstico35 de

o metabolismo na diabetes 44; os de

qualquer tipo deve ser usado, exceto um

ambos os tipos desta doença.

FG Benedict (1870-1957), estudando

pouco de sal. Para bebida comum, água fervida, leite e água, ou decoção de carne de vaca ou carneiro, que deve ser assim preparada: tome três libras de carne de vaca gorda ou de carneiro e ferva-as em quatro litros de água até reduzir a metade, depois escorra o líquido; este é a decoção.” E, assim, uma dieta controlada 31

passou a ser importante no tratamento da diabetes. Mas Rollo sugeria a ingestão de carne e não de vegetais, porque estes aumentavam a glicosúria. Atualmente sabemos que não aumentam a glicemia...

Citando Garrison “A patologia e o tratamento da diabetes tornaram-se um problema puramente químico com avanços como” a descoberta de Patters da acetona na urina do diabético em 185736; o trabalho de Kussmaul (1822-1902), em Strasbourg, descrevendo o coma na acetonemia, em 187437; de Stadelmann (1853-1941) em 1883, Kulz (1845-1895)

os efeitos do tratamento em jejum, a influência dos hidratos de carbono e do exercício na dieta e controlo da diabetes, de FM Allen (1879-1964) em 1918 46; e os trabalhos de Elliott Joslin (1869-1962) cuja contribuição para o estudo da epidemiologia, diagnóstico e tratamento da diabetes é inestimável47.

em 1884-87, Minkowski (1858-1931) e

As pesquisas sobre antidiabéticos orais

Magnus-Levy (1865-1955) em 1899-1909,

foram publicadas em 1917, realizadas

sobre o ácido β-oxibutírico em relação

por Chihiro Watanabe, em coelhos, que

ao coma diabético ; Bernard Naunyn

chegou à conclusão que uma injeção

Paul Langerhans (1847-1888), em

(1839-1925), de Berlin, pela introdução

de guanidina provocava hipoglicemia.48

1869 descobriu as células de secreção

do conceito de acidose, em 1906,

Apareceram depois as sulfonilureias,

endócrina pancreática, mas só em 1893,

para definir a condição metabólica da

glibenclamida, etc.49

Edouard Laguesse (1849-1910) as nomeou

formação de ácido no coma diabético39; a

ilhéus de Langerhans.

produção experimental de diabetes por:

32

38

pancreatectomia no cão, em 1884, por Minkowski40 e Joseph von Mering (18401908), e deste pela exposição à florizina, em 1886 41 e de Claude Bernard (18131878) que, para além dos estudos no cão

42

o metabolismo na diabetes grave 45;


Luís Silveira

Figura 3. Auguste Rodin. 1901. Tête de la douleur. Bronze. Musée Rodin, Paris. Foto do Autor.

Em 1921, Sir Frederick Banting (1891-

uma hormona anti-diabética, a insulina, e

É no Sushruta Samhita, séc. VI aC, que

1941) e Charles Best (1899-1978), de

publicou todo o protocolo, com detalhe,

encontramos as que podem ser as

Toronto, descobriram a insulina “Os

mas os seus resultados foram escondidos,

primeiras referências à neuropatia e às

extratos foram, portanto, feitos com

não foram considerados e ficou

lesões dos pés dos diabéticos, quando

solução de Ringer gelada, de tecido

desconhecido. E em 1954, Frederick

Sushruta refere “Os Humores agravados

pancreático degenerado removido dez

Sanger (1918-2013), de Cambridge,

do corpo falham em fazer uma passagem

semanas após a ligadura dos ductos. O

conseguiu determinar a estrutura

ascendente no organismo de um doente-

extrato obtido por esse procedimento,

molecular da insulina, o que permitiu a

Prameha, devido à fraqueza dos canais de

quando injetado por via intravenosa

sua produção industrial , e lhe deu o

quilo, sangue, Kapha e Pitta (assim como

ou subcutânea em cães diabéticos,

Prémio Nobel da Química em 1958.

por uma condição exausta dos nervos no

invariavelmente causou uma redução acentuada no nível de açúcar no sangue e da quantidade de açúcar excretado na urina.” e modificaram, por completo, a evolução da diabetes. Nicolas Paulesco 50

(1869-1931), de Bucarest, em Agosto de

51

52

Como disse, separei a evolução dos conhecimentos sobre Gangrena diabética, Gangrena no pé diabético, Úlcera do pé diabético, ou seja, sobre o que agora chamamos Pé diabético.

seu corpo) e os Humores são, portanto, forçados a ficar confinados na parte inferior do corpo, onde o encarceramento ajuda a fácil formação de Pidakás (abcessos).” 53 E estava consciente da sua

1921 (dois meses antes), tinha isolado

43


História do pé diabético

gravidade quando diz, “Uma úlcera que

uma tonalidade sangrenta e um cheiro

fatal.”60 relatando, nesta Comunicação,

aparece... numa pessoa com Madhu-

bilioso, exatamente como o que vem das

outros casos desta patologia.

Meha... deve ser encarada como curável,

úlceras no fígado; e ambos os casos são

mas com maior dificuldade.” 54 A “fraqueza

observados com urina doce como na

dos nervos” e a formação de abcessos e

diabetes.” 56, mas, como diz Marchal de

úlceras nas regiões inferiores do corpo

Calvi, Cheselden viu “... não o antrax no

são relacionados com a diabetes, embora

diabético, mas a glicosúria no antrax, e

sem noção da relação causa/efeito.

isto significa que Cheselden certamente

Avicenna, em 1025, no seu Canon da Medicina, referiu a gangrena “Quando a decomposição ocorre num membro, quer envolva matéria humoral ou não, devido a alguma depravação do temperamento, e quando a prova de humidade ou os epítetos geralmente eficazes, particularizados nos livros especiais, falham, então é preciso remover a carne corrupta.” , sugerindo, então, 55

pela primeira vez, a excisão dos tecidos necrosados. William Cheselden (1688-1752), de Londres, relacionou a gangrena com a diabetes, quando diz no seu tratado, The anatomy of the human body, publicado em 1750, “Essa membrana (pele) é a sede habitual dos abcessos e dos antrax,... que primeiro forma uma grande necrose e um número de pequenos orifícios através da pele, que com o tempo mortifica e cai... ; no último caso, a matéria tem

viu a gangrena diabética, mas que a viu ao contrário.” 57 Por isto, todos os autores consideram que o primeiro a descrever úlceras nos pés dos diabéticos foi Marchal de Calvi (1815-1873), de Paris, em 1852, pois “Antes de 1852, ninguém suspeitava que houvesse gangrena diabética, e quando, em 13 de abril deste ano, eu enviei à Academia de Medicina a minha primeira observação dessa gangrena, apenas viram geralmente uma fortuita, uma mera coincidência, em vez de um relatório de causalidade.” 58 E também mostrou que havia associação entre a diabetes e a lesão dos nervos periféricos, em 1864.59

Frederick Treves (1853-1923), em 1884, também relacionou a neuropatia com a úlcera do pé no diabético, quando relatou “A chamada úlcera perfurante do pé, quando aparece em associação com a ataxia locomotora, ou com as condições vagamente conhecidas como esclerose ou tabes, é o resultado de certas causas puramente locais que agem sobre uma parte cuja condição foi influenciada, negativamente, por um distúrbio do nervo central. Há razões para acreditar que a nutrição de certas partes se torna obscuramente pervertida no curso da enfermidade do nervo, e que o pé oferece um exemplo de tal perversão. Além disso, a sensação no tegumento da planta do pé comumente fica entorpecida; e se a essas condições forem adicionados os efeitos da pressão sobre a pele, pareceria que os principais fatores na produção da úlcera perfurante estão presentes. Destes, a perturbação da nutrição é provavelmente

Logo foi seguido por Thomas Hodgkin

a mais importante;...“61 salientando a

(1798-1866), de Edimbourg, que em

fisiopatologia da úlcera neuropática,

1854, se pronunciou no mesmo sentido,

ou seja, que as deformações do pé, por

quando em Comunicação à Harveian

causa da neuropatia (entorpecimento

Society, declarou “Outro cavalheiro, de

e diminuição da sensibilidade), podem

idade semelhante, que vi ocasionalmente

levar ao aparecimento de úlcera, por

durante o curso da sua doença, mas que

compressão extrínseca da pele, nos locais

deixou de estar sob meus cuidados na parte

que suportam maior carga. A propósito

final, foi, fui informado, cortado por feridas

deste último período, será que podemos

em um ou ambos os pés, tendo um caráter

sugerir que Treves colocou a hipótese de a

gangrenoso e provando-se ser rapidamente

pressão diminuir a vascularização (quando fala em “perturbação da nutrição”) e ser importante na génese da úlcera? Seria o primeiro a sugeri-lo, mas nem todos os autores concordam com esta interpretação.

44


Luís Silveira

Figura 4. Adolf von Hildebrand. 1886. Philoktet (Figura de lenda grega). Alte Pinakothek, Munich. Foto do autor

J K Mitchell (1798-1858), de Philadelphia,

incapacitante, que ficou conhecida

expressou, "como se ele tivesse vinte pesos

em 1831, sugeriu que o reumatismo tinha

como Pé de Charcot.

nas pernas e uma sensação de que as

“... evidente dependência da irritação de

William R Jordan (1902-1993), de

suas botas eram muito grandes para os

massas nervosas,... dois casos de aparente

Richmond, estabeleceu, pela primeira

seus pés”... Não raro, há dor profunda,

reumatismo,... resistiram ao tratamento

vez, a associação da artropatia

localizada, como o doente descreve,

recomendado... e ambos eram na

neuropática do pé e do tornozelo com a

na medula óssea, que está sensível ao

realidade nevralgia, e não tinham sinais

diabetes mellitus. 65

ser agarrada; e notei que essas dores

de inflamação.” e relacionou a artropatia do pé e do tornozelo com lesões medulares. Silas Weir-Mitchell (182962

1914), seu filho, continuou a educação em Paris, com Claude Bernard (1813-1878) (o introdutor da Medicina Experimental), contribuiu para a compreensão das artropatias neuropáticas, em 1864,63 e influenciou os trabalhos de J-M Charcot (1825-1893), de Paris, que com Charles Féré (1852-1907), relatou uma doença óssea e articular do pé, em

64

Mas só em 1936,

Frederick Pavy (1829-1911), de Londres, em 1885, descreveu melhor a neuropatia diabética e a dor que a acompanha “Já vi tantos casos de ataxia associados a essa doença que, há algum tempo, me persuadi

geralmente são piores à noite. Com isso, há a habitual perda ou comprometimento do reflexo do tendão patelar.”66 Parece-me que Rodin representou muito bem esta dor (figura 3).

que há alguma conexão entre os dois... O

Rickman Godlee (1849-1925), de

relato usual dado por esses doentes sobre

Londres, em 1892, foi o primeiro a

sua condição é que eles não se sentem

aventar a hipótese de poderem existir

propriamente nas suas pernas, que os seus pés estão dormentes, que as suas pernas parecem pesadas demais, como um doente

casos de tabes dorsalis, o pé tabético, uma osteoartropatia neuropática muito

45


História do pé diabético

problemas arteriais na génese da

que exibe certas diferenças que dependem

conhecido por ter feito as primeiras

gangrena do Pé diabético “Não quero

da presença de glicose no sangue... é

laqueação vasculares em amputações72;

sugerir que, quando a gangrena começa

muitas vezes iniciada por uma lesão

mas por gangrena, terá sido William

com uma úlcera perfurante, apenas as

ligeira... Prova convincente da importância

Clowes (1543-1604), de Londres, o

alterações nos nervos sejam procuradas.

etiológica das alterações arteriais é

primeiro a realizar uma amputação

Provavelmente, na maioria dos casos,

proporcionada pela ausência de gangrena

abaixo do joelho, em 158873.

também há degeneração arterial; e não

nos jovens diabéticos ... As causas

é improvável que, quando a degeneração

predisponentes podem ser a vitalidade

arterial é o fator mais importante, os

diminuída dos tecidos nos diabéticos

nervos também possam sofrer ao mesmo

(tornando-os menos capazes de resistir

tempo.”, e reconheceu que os casos de

a lesões), o meio favorável que esses

gangrena com neuropatia e infeção

tecidos fornecem para o desenvolvimento

eram potencialmente menos graves que

de organismos piogénicos e a ocasional

naqueles devidos a problemas arteriais.

inervação defeituosa do membro.”69

Naqueles casos aconselhava amputações minor, enquanto que os isquémicos necessitavam major.67

Helmstedt, utilizou a técnica de amputação do cirurgião holandês Pieter Adriaanszoon Verduyn (1625–1700). Este inventou e construiu a primeira prótese que permitia o movimento do joelho e praticou, também, uma das primeiras “amputações com verdadeiro retalho”,

Em Portugal, foi Ana Paula Barbosa,

como descrito em sua Dissertatio

endocrinologista do Hospital de S.

epistolaris de nova artuum decurtandorum

João, no Porto, que, em colaboração

ratione de 1696.74

Em 1912, no Rose and Carless’s Manual

com colegas dos Cuidados Primários

of Surgery, William Rose (1847-1910) e

de Saúde, publicou o primeiro estudo

Albert Carless (1863-1936) realçavam

sobre a prevalência da polineuropatia

o papel das oclusões arteriais no Pd,

diabética, em 2001. Esta estava presente

quando disseram “Gangrena diabética é

em 32,2 % dos 93 doentes, tinha relação

principalmente devido à condição anormal

com a idade, a duração da diabetes,

do sangue na diabetes, reduzindo assim o

as alterações nos pés e a existência

poder dos tecidos para resistir à invasão

de enfarte/isquemia do miocárdio.

bacteriana; mas também é, em parte, o

Aconselhou maior vigilância desde a fase

resultado de uma endarterite esclerosante

precoce da doença.70

e neurite periférica.”68 e, como se vê, a

James Syme (1799-1870), de Edinburgh,

Tratamento

em 1842, operou o primeiro doente com

Os primeiros tratamentos foram

de todo o pé e das extremidades distais

relacionarem os problemas arteriais, a neuropatia e a diminuição das defesas dos tecidos à infeção, pela primeira vez. Cyril Nitch (?-?), de Londres, em 1915, no tratado editado por Choyce, A system of surgery, afirmou, especificamente, a origem em problemas vasculares, como a aterosclerose, “A gangrena diabética é, na realidade, uma forma de gangrena senil

as amputações, das quais faremos referência sucintamente, pois mais não cabe neste artigo. Segundo Friedmann71, já na pré-história, 5000 anos aC, se faziam amputações, muitas vezes traumáticas ou por traumatismos; Ambroise Paré (15101590), de Paris, o primeiro MestreBarbeiro a ser Mestre-Cirurgião, ficou

46

Lorenz Heister (1683-1758), de

François Chopart (1743-1795), de Paris, em 1792, propôs uma amputação pelas articulações talonavicular e calcaneocubóide73 e Jacques Lisfranc (1790-1847), de Paris, em 1815, descreveu a amputação pela articulação tarsometatársica, que ficaram conhecidas pelos respetivos nomes75.

a técnica que aconselhava, a amputação da tíbia e fíbula.76 Mais um parêntesis para falar da figura 4, escultura que não consegui deixar de fotografar, pois parece ter sido submetido a uma amputação tipo Syme. Nikolai Pirogoff, (1810-1881), de St. Petersburg, que, em 1847, foi o primeiro a anestesiar com éter e com clorofórmio77, em trabalho apresentado em 1854, sugeriu uma técnica que consiste na amputação do pé através da parte distal


Luís Silveira

Figura 5. Adriaen Brouwer. 1633. A operação. Óleo sobre madeira. Alte Pinakothek, Munich. Foto do autor

da tíbia e da fíbula com retenção de parte

paciente é confinado ao leito e a sola

espesso, composta de ácido salicílico e

do calcâneo .

do pé é mantida continuamente com

glicerina, à qual se adiciona um pouco de

cataplasma de linhaça. Isso faz com que

ácido carbólico na proporção de dez gotas

o epitélio amoleça e inche, de modo que,

por onça. Esta pasta aplica-se no tecido

ao fim de vinte e quatro horas, o anel

e é bastante indolor. A úlcera logo cura.”

ao redor da ferida apareça como um

Termina sugerindo “Os doentes também

monte branco macio muito proeminente.

devem ser instruídos a prestar muita

Toda essa epiderme redundante é então

atenção à limpeza dos pés, a usar meias

desbastada com um bisturi, e o emplastro

de lã bem ajustadas e botas suaves.”61

é reaplicado. No final de outras vinte e

Alonguei-me um pouco, para mostrar

quatro horas, as camadas mais profundas

que Treves, há mais de 130 anos, defendia

do epitélio que não foram afetadas

três princípios para o tratamento do Pé

pela primeira cataplasma tornaram-se

diabético: desbridamento dos tecidos

inchadas e proeminentes. Elas são por sua

necrosados, com bisturi (figura 5);

78

O prognóstico destas intervenções modificou-se, radicalmente, quando Joseph Lister (1827-1912), de Londres, a partir de 1860, introduziu métodos de assepsia79, pois diminuíram a morbimortalidade peri-operatórias. Nos seus numerosos artigos e capítulos de compêndios dedicou um às amputações de membros “On Amputation”, no Holmes’ System of Surgery80. Também de Londres, Frederik Treves (1853-1923), em 1884, porque o mecanismo principal da génese da úlcera plantar seria a pressão exercida naquele

vez cortadas... As cataplasmas são agora descontinuadas, e na ferida é aplicada uma pasta, da consistência de creme

local pelo peso do corpo, sugeriu, pela primeira vez um tratamento conservador, quando propôs “... o

47


História do pé diabético

alívio da pressão para tratamento e

perigo de lesões locais como uma causa

Depois de a estudar, considerava que

prevenção; e educação sobre cuidados

favorecedora de gangrena... Nos casos de

a gangrena diabética era evitável, e,

a ter com os pés e com o calçado (figura

gangrena não inflamatória é permissível

para isso, apontava cinco medidas: 1.) A

6), ainda hoje fundamentais.

aguardar uma linha de demarcação antes

diabetes deve ser bem controlada, pois

de decidir a amputação, pois ao fazer

“A gangrena é esmagadoramente mais

isso o membro pode ser removido com

comum no diabético descontrolado.”;

segurança num nível inferior; mas se a

2.) “A limpeza é a segunda arma que

condição constitucional do paciente for

temos para evitar a gangrena.”; 3.)

fraca, ou se a percentagem de açúcar

Importante a vigilância das lesões no

permanecer alta, a amputação deve

pé pelo doente; 4.) “Talvez a melhor

ser realizada precocemente... No caso

medida preventiva de tudo o que temos no

da forma inflamatória de gangrena

hospital seja a exibição para os recém-

diabética, o tratamento expectante é

chegados de alguns doentes que tiveram

perigoso e, portanto, não é permissível.“,

gangrena e amputações de uma perna

reconhecendo a necessidade de

ou de um dedo do pé.”; 5.) “Os nossos

tratamento urgente nos doentes

podologistas de Boston são úteis aliados.

com gangrena infeciosa ou sepsis, e

Contribuíram muito para a nossa redução

recomenda utilizar anestesia local ou

da gangrena” 84 (figura 7). Termina o artigo

locorregional (raquianestesia), técnica

dizendo “A morte pela gangrena hoje em

assética, não utilizar garrote e “... Se

dia é geralmente o resultado do protelar

durante a secção do membro os pequenos

por parte do médico e do doente, e no

vasos não sangrarem livremente,

passado foi frequentemente associada

a amputação deve ser realizada

à instauração de uma dieta rica em

imediatamente a um nível superior.”, de

proteínas e anestésicos com éter. A cirurgia

preferência acima do joelho.

muitas vezes recebe, mas raramente

Maurice Lewi (1857-1957) foi o fundador do colégio de podologia médica, em New York, em 1911, e um dos grandes obreiros no desenvolvimento desta área no tratamento do Pd. Editou um tratado Pratical Podiatry, onde o Cap. XX é dedicado às úlceras, nomeadamente às “Úlceras perfurantes do pé” ou mal perfurante plantar, como antes se chamava81. Cyril Nitch, de Londres, em 1915, também se pronunciou quanto ao tratamento dizendo “Do ponto de vista cirúrgico, os pés e as pernas devem ser mantidos aquecidos, e o doente deve ser especialmente alertado contra o

82

Elliot Joslin fundou o primeiro hospital

merece, a culpa por um problema fatal." 84

e a primeira equipa multidisciplinar

E foi também em 1928, que Alexander

para tratamento da diabetes e do Pé

Fleming (1881-1955), em Londres, descobriu

diabético, em 1928, no New England

a penicilina85, e mudou a perspetiva de cura

Deaconess Hospital, em Boston.83

das lesões do Pé diabético. Em 1941, Robert Lawrence** (1931-

1957), também de Londres, diabético tratado com insulina e fundador da British Diabetic Association, revolucionou o conceito de tratamento do Pd. Se

** - Não consegui ter acesso ao compêndio que

escreveu The diabetic life: its control by diet and insulin.

48


Luís Silveira

Figura 6. Manuel Mafra. 1860-70. Paliteiro: Aguadeiro (observando o pé). Barro vidrado policromo. Museu da Cerâmica, Caldas da Rainha. Foto do autor

Figura 7. Degas. 1873. Pédicure. Óleo sobre papel. Musée d’Orsay, Paris. Foto do autor

o problema principal era uma infeção

doente.” 87 Em 1949 propôs a amputação

sem enxerto de pele apresentam excelentes

necrótica do dedo e da articulação

transmetatársica por gangrena, método

resultados; quando, no entanto, há doença

metatarsofalângica, propôs “deve ser

que, defendia, por ser mais distal, era

vascular oclusiva generalizada, a cirurgia

realizada uma ressecção em cunha da

menos agressivo, menos letal e mais

local é acompanhada pelo sério risco de

articulação metatarsofalângica afetada

conservador do membro88.

ulceração crónica, e uma cirurgia mais

e do dedo relacionado.”, logo uma amputação minor86, como se mostra na figura 8.

Em 1950, Paul Brand (1914-2003), de Vellore (Índia), sugeriu calçado especial para os doentes com úlceras, na altura, em

radical, como a amputação abaixo do joelho, provavelmente será necessária para curar a doença.” 90

Leland McKittrick (1893-1978), de Boston,

geral, leprosos, mas que começaram a ser

Em 1981, William Wagner, Jr., deu

escreveu, em 1946, que “O aumento

aconselhados aos diabéticos com lesões

a conhecer uma escala, que ficou

da experiência convenceu-me de que a

do pé, cerca de dez anos depois. Brand

conhecida por Escala de Wagner, em

diabetes mellitus não é contra-indicação

obtinha impressões dos pés do doente,

que “As lesões do pé são divididas em

a qualquer procedimento cirúrgico cujas

em pé, em argila, e usava-as para produzir

seis graus. A determinação do grau

indicações sejam claras, desde que a

palmilhas de borracha moldadas.

é baseada na profundidade da lesão

equipa médica, cirúrgica e hospitalar seja de modo a assegurar um cuidado eficiente e harmonioso do distúrbio metabólico do

89

Wilfrid Oakley (1905-1988), discípulo de Lawrence em Londres, correlacionou a arteriopatia com a neuropatia, a idade do doente e o tempo de evolução da diabetes e, num artigo que publicou em 1956, disse “Quando a lesão no pé é

cutânea e na presença ou ausência de infeção e gangrena.”, ferramenta que se revelou muito útil para a escolha do tratamento mais indicado.91 Neste longo artigo, propõe algoritmos de exames complementares de diagnóstico,

decorrente de neuropatia e há irrigação sanguínea adequada para o pé como um todo, as medidas cirúrgicas locais com ou

49


História do pé diabético

Figura 8. a) O conceito da excisão em cunha; b) A excisão em cunha, mostrando, para além do dedo, a extensão do osso e articulação removidos61.

consoante o grau de evolução da úlcera e

preservar o máximo possível de tecido e de

de Intervenção (Élia Coimbra e Tiago

respetivo tratamento.

função do pé... Isto permite a reconstrução

Bilhim) com a Unidade de Pé diabético

com enxerto de veia da artéria popliteia

(José Neves), daquele Centro Hospitalar,

para a dorsalis pedis ou artéria tibial

demonstrou, especificamente, que a

posterior no tornozelo.” 92

revascularização endoluminal tem grande

Frank LoGerfo (1952-), cirurgião vascular do Boston University Medical Center, em 1992, pelas pesquisas realizadas,

impacto na cicatrização de úlceras em

fez notar que “... a ideia que os doentes

Entretanto, em 1964, Charles Dotter

diabéticos tinham doença oclusiva

(1920-1985), de Oregon, foi pioneiro

microvascular não foi confirmada pelo

da radiologia de intervenção vascular,

microscópio ótico, moldagem vascular

técnica que foi um grande avanço no

ou estudos fisiológicos.” E propôs a

tratamento de oclusões arteriais mais

revascularização “O nosso crescente

distais93, logo muito útil no tratamento

Em 1987 foi criada, em Portugal, a

sucesso com a reconstrução arterial

dos doentes com Pé diabético. Karen

primeira Consulta Multidisciplinar do Pé

distal extrema reduziu bastante a

Brown, de New York, publicou os

Diabético, no Hospital de Santo António

necessidade de amputação do dedo do

primeiros casos de angioplastia

(HSA), pela endocrinologista Beatriz

pé ou transmetatársica. … A restauração

infrapopliteia94, em 1988. Logo em 1992,

Serra, Mergulhão Mendonça, cirurgião

da perfusão do pé aumenta muito a

João Pisco, do Hospital de Santa Marta,

vascular, e Luís Serra, ortopedista, mas

nossa capacidade de realizar cirurgias

em Lisboa, publicou a primeira série

da equipa faziam ainda parte médicos de

com "economia de pé". Em associação

de doentes operados de angioplastia

Cirurgia Vascular, Dermatologia, Fisiatria,

com nossos colegas de podologia, esses

femoro-popliteia95 em Portugal, e, em

Dor Crónica, Microbiologia, Assistente

procedimentos incluem resseções da

2013, Ana Ferreira, do Centro Hospitalar

Social, Enfermagem e Podologia. “Os seus

cabeça do metatársico e osteotomias para

Universitário Lisboa Norte (CHULN), o

resultados na diminuição da percentagem

tratamento de úlceras em diabéticos com

das grandes amputações... foi notável.” 98

isquemia grave dos membros inferiores, revascularizando-os por angioplastia distal.96 Já em 2020, António Caetano, do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC), num trabalho em conjunto da Unidade de Radiologia

pés diabéticos, bem como na diminuição drástica das amputações, ou seja, na percentagem de membros que se conseguem salvar.97

Depois, os meios de investigação melhoraram e apareceram muitos artigos referindo novos métodos para tratamento médico e cirúrgico do Pé diabético, como:

Segundo Endre Nagy, o primeiro artigo publicado sobre terapia por pressão negativa ou vacuoterapia, foi o de Iusupov, em 1987 (artigo em russo). Depois deles muitos

50


Luís Silveira

se seguiram, mostrando os

primeiros resultados do tratamento

G-CSF pode ajudar a curar infeções ou

efeitos benéficos deste método

das lesões infetadas do Pd com

úlceras, para além de ser muito cara;108

terapêutico , nomeadamente

pensos de hidrofibra com prata

o do iraniano Asgar Akbari, de

e alginato de cálcio, ambos com

Zahedan, quando, no artigo

idêntica eficácia;104

99

publicado em 2007, mostrou que conseguia mais rápida cicatrização

das úlceras, se associada à terapêutica convencional, incluindo desbridamento100;

Em 1988, o nigeriano Efem SE mostrou as propriedades de cicatrização do mel, quando

convencional,

101

propriedades essas

vários autores;

possibilidade da terapia por oxigénio hiperbárico ajudar no tratamento das feridas dos pés dos diabéticos, foi o de Ahmed Abidia,

factor (rhVEGF), por exemplo, bem

Ainda em 2008, Awang Shukrimi, de Kuantan, Malásia, comparou a

O desbridamento com larvas, Lucilia cuprina, mostrou ser tão eficaz como

Paul, em 2009;

107

nas úlceras neuropáticas não

a chamar a atenção, para a

mais precoces;

diabético, como demonstrou Aaron

cirúrgico sobre o conservador,

Um dos primeiros trabalhos

human vascular endothelial growth

habitual, no tratamento do Pé

evidente supremacia do tratamento

growth factor (bFGF), o recombinant

mais dispendioso, teria resultados

o desbridamento convencional

Piaggesi, de Pisa, que mostrou

ser mais intervencionistas;

que, embora sendo um método

grupos de diabéticos;106

Após a publicação do trabalho de

infetadas,102 os cirurgiões passaram a

de feridas, como o basic fibroblast

quanto à cicatrização, entre os dois

que foram confirmadas, depois, por

bioquímica de feridas e da biologia celular associadas à cicatrização

notou diferenças significativas,

resistentes ao tratamento

dirigidos à correção de aspetos da

Belleville, sugeriu a hidrocirurgia,

povidona iodada com mel e não

conseguiu curar 59 úlceras

A utilização, e utilidade, de produtos

Em 2008, Wayne Caputo, de

105

Uma meta-análise de Mario Cruciani, de Verona, em 2009, com a colaboração da Cochrane, não

como da aplicação de células, incluindo plaquetas e stem cells, são muito bem analisadas em artigo de Fran Game, de Nottingham, publicado em 2012.109 Entre os portugueses, de salientar o trabalho apresentado por Rui Carvalho sobre a aplicação tópica de hormona do crescimento (HC) em úlceras de pés de diabéticos, onde verificou que o grupo tratado com HC teve diferença significativa no número de curas e da rapidez destas.110 Retomamos a intervenção dos portugueses, para relatar que, temos conhecimento que as consultas

aconselha a utilização de fatores estimuladores dos granulócitos (GCSF), como adjuvante da terapêutica convencional, dada a falta de evidências de que a terapia com

de Hull, em 2003;103

Edward Jude, de Ashon-UnderLine apresentaram, em 2006, os

51


História do pé diabético

Figura 9. Livros publicados pelo Capítulo de Cirurgia Vascular da SPC em 2006 e 2020.

multidisciplinares de Pé diabético foram

Em 1995, Luís Alvim Serra, ortopedista

o relator da 1ª Reunião Inter-hospitalar

sendo criadas e, para além da que já

do CHP-HSA, e ligado à consulta de Pé

(hospitais e centros de saúde da região

mencionámos no Centro Hospitalar

diabético, publicou o primeiro artigo,

Centro), da qual saiu um Consenso sobre

do Porto – Hospital de Santo António

que conheça, “Podobarografia dinâmica:

Pé Diabético111; em 2001, a Direção

(CHP-HSA), agora dirigida por Rui

detecção por processamento de imagem das

Geral da Saúde (DGS) fez uma Circular

Carvalho, endocrinologista, destacamos: em 1993, no Hospital Geral de Coimbra

hiperpressões plantares em movimento” ***,

Normativa sobre Pé diabético, profilaxia

processo que mede as forças que,

e tratamento112; de novo Carlos M. Costa

(Covões), dirigida Álvaro Coelho,

durante a marcha, se exercem nas área de

Almeida, na Separata Científica da

endocrinologista, com Gabriela Figo,

transmissão à planta do pé. Em 1996, com

Revista do Centro Hospitalar de Coimbra,

ortopedista; em 1998, no Hospital de

a equipa com que trabalhava, publicou

escreveu um editorial sobre o Cirurgião

Penafiel (agora Centro Hospitalar Tâmega

um importante livro, O Pé diabético e

face ao pé diabético113; José Neves, em

e Sousa - CHTS) criada por Maria de

a prevenção da catástrofe, onde focava

2004, publicou um folheto de bolso para

Jesus Dantas, cirurgiã geral; e em 2002,

todos os aspetos deste problema e que se

orientação no diagnóstico e tratamento

no Hospital dos Capuchos (agora CHULC),

tornou de consulta obrigatória para os que

da infeção no Pé diabético, muito útil no

por iniciativa de José Neves, cirurgião

iniciavam o contacto clínico com lesões em

“dia a dia” clínico114; em 2006, o Capítulo

geral e vascular, que a dirige.

pés de diabéticos.98

de Vascular da SPC publicou um livro

Sendo o ensino, aos médicos e doentes, uma faceta essencial na abordagem terapêutica do Pé diabético, foram publicados alguns artigos, folhetos, normas de orientação ou livros, dos quais salientamos: em 1997, Carlos M. Costa Almeida, dos CHC Coimbra, foi

“Pé diabético - Recomendações para o diagnóstico, profilaxia e tratamento”115 e já neste ano de 2020, publicou uma atualização, 2ª Edição daquele livro116 (figura 9); em 2010, Gabriela Figo, dos CHC Coimbra, contribuiu para o ensino sobre Pd com um folheto informativo117; José Manuel Boavida, (Coordenador) Ana Luísa Costa, Rui Carvalho e Rui Oliveira para a DGS fizeram Orientações para organização de cuidados, prevenção

*** -

Não consegui consultar este artigo. Não existe nas bibliotecas e, como o Prof. Doutor Alvim Serra já se reformou, é difícil contactá-lo. Serra L: Podobarografia dinâmica: detecção por processamento de imagem das hiperpressões plantares em movimento. Integrar 7: 18-27, 1995.

52


Luís Silveira

Quadro I - Reuniões clínicas em que se versou “Pé diabético”, promovidas pelo Capítulo de Cirurgia Vascular da SPC

e tratamento do Pd, em 2011118; Marta

Maria Jesus Dantas, o Curso prático

Barbosa70, do Hospital de São João, em

Sousa e col., do Hospital Prof. Doutor

de Pé diabético, que teve a primeira

2001$ , e Cláudia Freitas, do Hospital de

Fernando da Fonseca, Amadora, em 2012,

edição em 2015 e se realiza anualmente,

Santo António, em 2009, ambos no Porto,

editaram uma apresentação-artigo sobre

habitualmente em junho; o efetuado

esta investigadora por tentar a deteção

a isquemia e infeção no Pd119; de novo

nos CHUC-CHC que realizou o segundo

precoce da neuropatia utilizando o teste

José Neves, em 2015, publicou o livro

evento em outubro de 2018, dirigido

com Neuropad®123, em 2009. Quanto à

Pé diabético – Uma visão prática120 com

por Amílcar Silva, de Medicina Interna

infeção, tipo de microrganismos mais

excelente iconografia, mostrando casos

e Rita Gaspar, ortopedista, com apoio

encontrados nas lesões e antibióticos

clínicos, que é grande ajuda para quem

dos cirurgiões Armando Influli e Carlos

a usar, devemos salientar os trabalhos

trata esta entidade nosológica; e Maria

Eduardo Costa Almeida, sob a direção

de Ana Luísa Barbosa, do CHP-HSA,

de Jesus Dantas, em 2018, publicou um

da Consulta de Diabetes de Pedro

em 2016, avaliando a eficácia de um

livro Pé Di@bético – soluções para um

Ribeiro, de Medicina Interna; e as dez

protocolo de antibioterapia empírica

grande problema, uma boa revisão do

(10) reuniões promovidas pelo Capítulo

dirigido ao Pd infetado124 e de José

tema, também, com apresentação de

de Cirurgia Vascular da SPC, por todo o

Neves, que chefia a Unidade de Pé

casos clínicos121.

país alertando, principalmente, cirurgiões,

diabético no CHULC (H. dos Capuchos),

médicos de Medicina Geral e Familiar e

pois foi quem mais se preocupou com

enfermeiros, para o grave problema do

a infeção e suas consequências, nos pés

Pé diabético (Quadro I).

dos diabéticos. Em estudos prospetivos,

Os médicos de Medicina Geral e Familiar começaram a despertar para este grave problema e, para além da Reunião Hospitalar, da qual já falámos, Gema

Como é habitual começaram a ser

Revilla, ainda Interna da Formação

publicados trabalhos mais específicos e

Específica, publicou uma revisão sobre o

sobre aspetos particulares desta entidade

Pé dos diabéticos122.

nosológica. O estudo da prevalência

Quanto às ações de formação ou cursos pós-graduação sobre este tema, devemos referir: o organizado pelo CHTS, por

e fatores de risco dos diabéticos com polineuropatia em população portuguesa, problemas que preocuparam as endocrinologistas Ana Paula

bem orientados, este colega, com o Internista João Mendes125, em 2012, ou com José Miguel Neves126, em 2017, pesquisou as bactérias mais frequentes e, baseado em antibiogramas, propôs os antibióticos de primeira e segunda linha, mais indicados, para tratar os doentes diabéticos com infeções graves do pé. São estudos essenciais numa unidade de alta diferenciação. Este último artigo,

$

- Trabalho já referido na pág. 14.

53


História do pé diabético

Figura 10. Leopoldo de Almeida. 1951. Mater Natura. Mármore. Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Foto do autor

faz uma boa revisão da fisiopatologia,

interrupção da educação preventiva, do

tratamento das lesões graves dos pés dos

anatomia do pé, diagnóstico e

tratamento precoce e do diagnóstico,

diabéticos, de modo a que os doentes

tratamento, mostrando excelente

logo do tratamento atempado, levou ao

possam ter pés o mais “normais” possível,

iconografia. Por fim, em 2013, publicou

aumento da hospitalização de doentes

ou, pelo menos, que possam utilizá-los

um dos artigos mais importantes O Pé

com Pé diabético ulcerado grave com alto

para caminhar.

diabético com infeção aguda: tratamento

risco de amputação. Os doentes entraram

no Serviço de Urgência em Portugal127,

no hospital, mais pelo serviço de urgência

onde salienta a imperiosidade de tratar,

que pela consulta, com situações com

na urgência, as lesões infetadas do pé

risco três vezes maior de amputação.128

nos diabéticos.

Como se demonstrou neste artigo, os

As lesões dos pés dos diabéticos são

diagnóstico e tratamento precoces são

um problema muito sensível e sofreram

fundamentais para o sucesso, nestes

alterações graves durante esta pandemia

doentes que sofrem de Pé diabético.

por COVID-19. Em estudo retrospetivo, Caruso e col. mostraram que a

Se o ideal era ter sempre pés como os que esculpiu Leopoldo de Almeida (figura 10), termino fazendo votos que este artigo vos estimule a estudar e investigar os problemas que se põem à prevenção e

54

Que vos seja útil, esta homenagem aos gigantes que nos precederam.


Luís Silveira

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Agradecimento Agradeço ao Dr. José Neves pela revisão do texto e pelas importantes achegas bibliográficas que enriqueceram este artigo.

13. Celsus A. On Medicine. G. F. Collier (Tradução). Second Edition. London: Simpkin and Marshall; 1831. Book IV, p. 155. Available from: https://books. googleusercontent.com/books/content?req=AKW5Qafb2u8HWMZHu k2QT_XMxTb9oIwmF5uImR_hK1ZXTYBLCq7qDg9pPmFcL0yfbE9NO4S 679x4nFRnA4YXS-HSWiyCJhOBv1N93wigs-4FBORDCoreh9uEukG-KcJb5MY7bpyQfnOXWcVwyARL9CYO-KWhi2a4bnuwgae3vgXYWyYtN6J-4qjZvghnPpLQ4pRZ7UnfTM9qMjaeOLy_LI-vL0f4oi1zrhpwYb6aoNaCOZgntrDjfdF69pfdOj U4VE__IsYEhQCuNJ6VRNstnguF-VTNNGSHocTEn_s2ASCjlXEUlayHbI 14. Aretæus. Eight books on the causes, symptoms, and cure of acute and chronic diseases. John Moffat (Tradução). Of the causes and symptons of chronic diseases 1785. Book II, On diabetes, p. 204-208. 15. Aretæus. The extant works of Aretæus, the Cappadocian. Francis Adams (Tradução). of Aretæus, the Cappadocian on the therapeutics of chronic diseases. London: Sydenham Society; 1856. Book II, Cure of diabetes, p. 486. Available from: https://books. googleusercontent.com/books/content?req=AKW5Qaca8UNCg8u95vNrsDbJaWszeJ5TX EvJSEHtKifvs-G64V3Uo3m1gAo0_9TYYk3sctmZETsnCiZwNOZvlUkY8XHWNbE-MYNRHM 4l0bxO697XwzIxko2hMb7OO4hCEWWcFf_iJeHhqstiON1my4BrzGBBck8NQCvevmmHO0 irvnxDPikidfdi8otNvSBGbGuwOU7kZiWLUsSu8mf8gf3pAe4Y1h1zpKoVB5vudORx9LPLSn mQDOSzWydil-QjJ8wC9mRnDOp-U1Tl9sZ1bZEqZYtYcQNE0VjQNL-8f-5IonmAbgN5Klo 16. Rufus d’Éphèse. Oeuvres de Ruphus d’Éphèse. Ch. Daremberg e Émile Ruelle (tradução). (Extraits d’Alexandre de Tralles) Paris: J. B. Baillièrre et Fils; 1879. p. 424-426). 17. Galeno. Sobre la localización de las enfermedades. Salud Andrés Aparicio (Tradução). Libro VI, Parte 3 - ... La diabetes: causas, síntomas y relación con otras afecciones. Barcelona: Biblioteca Básica Gredos; 2002. p. 289. 18. Galeno. Sobre la localización de las enfermedades. Salud Andrés Aparicio (Tradução). Libro VI, Parte 3 - ... La diabetes: causas, síntomas y relación con otras afecciones. Barcelona: Biblioteca Básica Gredos; 2002. p. 291-292. 19. Galeno. Sobre la localización de las enfermedades. Salud Andrés Aparicio (Tradução). Libro VI, Parte 3 - ... La diabetes: causas, síntomas y relación con otras afecciones. Barcelona: Biblioteca Básica Gredos; 2002. p. 291. 20. Avicenna. The Canon of Medicine of Avicenna. Gruner O.C. (Tradução). 1ª Edição. Livro I, Parte II, Tese III, The evidence of disease – Urinoscopy: item 619. London: Luzac & Co; 1930. p. 329. 21. Avicenna. The Canon of Medicine of Avicenna. Gruner O.C. (Tradução). 1ª Edição. (Livro I, Parte II, Tese III, The evidence of disease – Urinoscopy: item 674. London: Luzac & Co; 1930. p. 350. 22. Cantani A. Le diabète sucré et son traitement diététique. H. Chavet (Tradução). Quatrième Lesson. Paris: V. Adrien Delahaye et Cie; 1876. p. 39. Available from: https:// books.google.pt/books?id=Bgw2AQAAMAAJ&hl=pt-PT 23. Zajac J, Shrestha A, Patel P, Poretsky L. The Main Events in the History of Diabetes Mellitus. In Principles of Diabetes Mellitus. Editor Leonid Poretsky. Second Edition. Boston: Springer; 2010. p. 4. 24. Amato Lusitano. Centúrias de curas medicinais. Tradução de Firmino Crespo (da edição de Bordéus em 1620). Vol. I, IIª Centúria, Cura XCIV. Lisboa: Centro de Editor Livreiro da Ordem dos Médicos; 2010. p. 278.

55


História do pé diabético

25. Amato Lusitano. Centúrias de curas medicinais. Tradução de Firmino Crespo (da edição de Bordéus em 1620). Vol. II, Vª Centúria, Cura XXXIII. Lisboa: Centro de Editor Livreiro da Ordem dos Médicos; 2010. p. 154.

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NOTÍCIAS

Algarve Médico 2020; 10 (4): 58-59

NEWS

136 médicos internos escolhem CHUA para realizar a sua formação A cerimónia de receção aos novos médicos internos decorreu

Para além de vários diretores de serviço, estiveram ainda

no dia 2 de janeiro, numa sessão em simultâneo nos hospitais

presentes na sessão os representantes da Direção do Internato

de Faro e de Portimão. Na cerimónia de boas vindas estiveram

Médico, nomeadamente a sua Diretora, Ana Camacho, bem

presentes os 90 médicos internos da Formação Geral e os 46

como os adjuntos Nuno Vieira e Ana Paula Fidalgo.

da Formação Especializada.

No âmbito da Formação Especializada, os médicos internos

Em representação do Conselho de Administração do Centro

foram colocados nas unidades de Faro e Portimão nas

Hospitalar Universitário do Algarve, a vogal executiva Helena

seguintes especialidades: Anestesiologia (2), Cardiologia (1),

Leitão e o diretor clínico Mahomede Americano realçaram a

Cirurgia Geral (3), Doenças Infeciosas (1), Gastrenterologia (2),

crescente qualidade dos programas de formação para os

Ginecologia/Obstetrícia (3), Medicina Física e Reabilitação (2),

jovens internos, destacando o trabalho desenvolvido pelas

Medicina Intensiva (4), Medicina Interna (10), Nefrologia (1),

especialidades clínicas, pelos seus tutores e pela direção do

Neurocirurgia (1), Oncologia Médica (2), Patologia Clínica (2),

Internato Médico, bem como pela forte ligação da instituição

Pediatria (3), Pneumologia (1), Psiquiatria (5), Radiologia (1),

ao mundo universitário, nomeadamente ao Curso de Medicina

Reumatologia (1), Urologia (1).

da Universidade do Algarve através do consórcio entre ambas

No que respeita à Formação Geral, por forma a aprofundar os

as intuições, que deu origem ao Algarve Biomedical Center.

seus conhecimentos em diversos contextos clínicos, os internos

Também o presidente da Administração Regional de Saúde,

vão desenvolver a sua formação, de forma tutelada, em

Paulo Morgado, marcou presença destacando a comprovada

diferentes especialidades e serviços nas unidades hospitalares

experiência de ambas as unidades hospitalares na formação

de Faro e Portimão e ainda nos Centros de Saúde da região.

dos médicos internos que escolhem os hospitais públicos do Algarve para realizarem a sua formação, seja ela de âmbito geral ou especializada.

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