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Conversas de café - acerca da vontade de ir contra certas cartas de navegação

Pedro Castelo Branco1

1Professor Catedrático

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Pergunta-me o meu bom amigo Daniel:

- Pedro, tu que andaste quase duas décadas lá fora, porque regressaste a Portugal e assentaste ferro no Algarve?

Esta pergunta, vinda do Daniel, Algarvio de gema, homem sábio que cursou medicina em Coimbra durante os famosos anos 70/80, tinha claramente “água no bico” … Ora, como Portugueses e homens do mar, senti que a questão requeria uma resposta à altura dos nossos antepassados… Na verdade, pensei eu, nem sabes tu Daniel, as vezes que a saudade me tocou e como foi difícil continuar a navegar sem terra à vista… Mas a verdade, é que se por vezes não vi o mar de feição, outras houve que a lua estava cheia e ainda me faltavam-me as amarras e os cunhos… Mas sempre com Alexandre O´Neill em mente: “Há mar e mar, há ir e voltar…” Anos passaram e a embarcação ficou pronta a navegar, obras vivas e carena bem sólidas, foi altura de atravessar o Atlântico à procura de um porto seguro. País pequeno, mas voltado ao mar, vi terra na foz do Mondego. Fica para a história a nortada que se abateu sobre a embarcação e me levou a rumar a sul. Assim passei pelas Berlengas, Cabo Espichel, e quando dobrei o de São Vicente, fui bafejado pelos ventos de Levante. Bem sei que daquele lado, “nem bons ventos nem bons casamentos”, mas a bonança levou-me a entrar num estuário idílico.

Tive mestres em Oxford, Harvard e Toronto que me ensinaram como manusear os mais recentes astrolábios da ciência e de facto o rumo podia ter sido outro. Mas não foi! No Algarve encontrei gente boa, sábia e com vontade de ir contra as cartas de navegação (escritas sabe-se lá por quem…) por forma a criar um porto internacionalmente reconhecido, nas artes da cura. Qual Adamastor… Foi o acreditar que, juntos, conseguíamos mudar até “os ventos” que me fez aqui ficar e contribuir para uma causa tão digna e justa como é aquela a de melhorar os cuidados de saúde das gentes desta terra. Tenho a humildade de saber ser um dos muitos marinheiros nesta nau!! Fica o reconhecimento a Dona Isabel de Sesimbra e a Dom Nuno Marque(ê)s das Beiras, atuais timoneiros desta expedição, que mesmo na penumbra conseguem ler as estrelas…

Termino com o orgulho de acreditar ser hoje um filho adotivo desta belíssima região…até porque o Chico, que me vende peixe, chamou-me há dias e disse: “ó vizinho” …

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