Ciência para todos - Nº. 01

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INPA Revista de divulgação científica do

Ciência para todos Nº 01 - ano 1 (distribuição gratuita) ISSN 19847653

Aqui se faz

ciência Projetos aprovados pelo CNPq garantem avanço da pesquisa científica

Árvores ajudam no estudo da seca

Cientistas alertam: floresta emite CO2

Projeto estuda DNA das espécies



EDITORIAL

Popularizando a Ciência

O

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) dá mais um passo em sua missão de divulgação e popularização da ciência. A revista que chega agora em suas mãos marca o início de uma nova forma de comunicação para mostrar ao país o empenho do instituto em garantir o melhor aproveitamento da biodiversidade amazônica. A revista de divulgação científica do Inpa tem como proposta mostrar que a ciência está presente em todo o nosso dia-adia e os avanços dos pesquisadores para manter a floresta em pé, apesar de todos os ataques a que a mesma é submetida, por meio de ações impensadas ou que levam em conta apenas o retorno do capital. Nesse primeiro número trouxemos uma reportagem sobre os institutos criados para incentivar as pesquisas realizadas na região, estudos esses que vão garantir a harmonia entre o meio ambiente e o homem. O leitor também ficará por dentro do que os laboratórios do Instituto vem fazendo para minimizar alguns problemas da sociedade, como é o caso da matéria que trata da identifi-

cação de fungos no tratamento de micoses, ou da guerra contra o mosquito da malária. Aproveitamos para fazer um alerta a todos, ao abordar o problema da seca na região, enfatizando as pesquisas que vêm sendo realizadas para evitar que a situação fique irreversível. Uma reportagem sobre o uso da palmeira do açaí e da produção de chapas e tijolos a partir de folhas secas mostra que é possível a harmonia entre a floresta e o homem, em que todos saem ganhando. E abram alas para elas, as mulheres, que pegaram a dianteira na pesquisa e mostram que o chamado “sexo frágil” é composto de charme, sim, mas muita competência também. Para quem ainda não conhece o trabalho do Inpa de conscientização das crianças para que haja respeito ao meio ambiente, apresentamos o projeto Pequenos Guias. Esperamos que as próximas páginas sejam uma verdadeira descoberta desse mundo fascinante da Ciência, que não mede esforços para trabalhar em prol da sociedade, oferecendo soluções viáveis para a boa convivência entre as comunidades e a floresta.

EXPEDIENTE Luís Inácio Lula da Silva Presidência da República Sérgio Machado Rezende Ministro da Ciência e Tecnologia Adalberto Luis Val Diretor do INPA Wanderli Pedro Tadei Vice-diretor do INPA

Beatriz Ronchi Teles Coordenadora de Capacitação - COCP Lucia Yuyama Coordenadora de Pesquisas e Projetos - COPE Carlos Roberto Bueno Coordenador de Extensão COXT

Sérgio Fonseca Guimarães Chefe de Gabinete

Tatiana Lima da Silva (MTB 4214/MG) Coordenação de Comunicação

Estevão Monteiro de Paula Coordenador de Ações Estratégicas - COAE

Leila Ronize (MTB 179/AM) Jornalista Responsável

Redação Ana Célia Ossame Hemanuel Jhosé Janaína Karla Lisângela Costa Leila Ronize Mário Bentes Rosilene Corrêa Tabajara Moreno Projeto Gráfico Leila Ronize Rildo Carneiro Diagramação Rildo Carneiro (DRT-004/AM) Design Eric Rebello

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Matéria da capa Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa (CNPq) aprova quatro projetos oriundos do órgão no âmbito do programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT): Centro de Estudos de Adaptações da Biota Aquática da Amazônia (ADAPTA), Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica (Cenbam), Instituto Nacional de Serviços Ambientais da Amazônia (Semvab) e Centro Nacional de Pesquisas e Inovação de Madeiras da Amazônia (INCTMadeira). Os novos institutos devem ocupar posição estratégica no sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (C&T&I), atuando em áreas bem definidas, o que permitirá o desenvolvimento de pesquisas de vanguarda relacionadas a ambientes aquáticos amazônicos, biodiversidade da região, serviços ambientais para a preservação da floresta e manejo florestal, com destaque para socialização, e transferência de tecnologia para o uso de madeira e seus resíduos.

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Alerta da Floresta

Sumário

Pesquisa divulgada na revista Science traz dados preocupantes quanto à mudança da temperatura nos próximos anos. A floresta que até então era responsável pelo sequestro do carbono, evitando que o meio ambiente ficasse sobrecarregado desse gás apresentou um comportamento inverso. Após a seca de 2005 as árvores passaram a emitir carbono, deixando o clima muito mais quente. Pesquisadores alertam para a necessidade de ações que mudem o cenário, antes que a situação fique irreversível.

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Açaí gera bioenergia

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Estudos realizados pelo Laboratório de Estudos em Palmeiras, do Inpa, comprovam a capacidade da palmeira de açaí na produção de bioenergia. Foi constatado que os caroços descartados pelos ribeirinhos podem ser reaproveitados em energia elétrica. Bom para o meio ambiente e ótimo para as famílias que, além de poder utilizar o fruto em forma de vários alimentos, ainda aumenta o valor agregado desse produto.


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Metamorfose das espécies aquáticas

A força das guerreiras pesquisadoras

INPA promove tratamento de referência

A sabedoria centenária das árvores amazônicas

As folhas que produzem chapa e tijolo 5


Pequenos

Educação Ambiental

Guias

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Promove difus > Por Ana Célia Ossame

S

ituado numa área de 13 hectares no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Bosque da Ciência é uma fonte inesgotável de experiências e conhecimento sobre fauna e flora da região amazônica. Esse entendimento, somado à solicitação da comunidade vizinha combinam para o desenvolvimento de uma atividade destinada a crianças e adolescentes da área, foi a centelha do programa Pequenos Guias (PG) do Bosque da Ciência, instituído em 1994 que, pres-

tes a completar 15 anos, comprova sua eficiência e importância dessa experiência inovadora para a difusão da ciência e educação ambiental, destinada a crianças e adolescentes que acessaram pela porta da frente os laboratórios de um dos mais importantes institutos de pesquisas da região. A experiência, que já resultou na edição de um livro, é motivo de orgulho não só para as coordenadoras e idealizadoras do projeto, Maria Inês Gasparetto Higuchi, psicóloga e Ph.D em Antropologia e Maria Solange Moreira de Farias, pedagoga, mas


Jorge Saldanha

são da ciência também para adolescentes como Letícia Duarte Pantona, 16, e Jéferson Cruz, 15, estudantes do ensino médio, entusiastas do projeto que não vêem mais como algo impossível tornar-se pesquisador. Destinado às crianças na faixa etária a partir de 11 anos, já cursando a 5ª série, o programa, segundo Maria Inês Gasparetto Higuchi, desenvolve atividades de educação ambiental, considerando a necessidade dessa formação aos moradores do entorno do bosque. Diretora do Laboratório de Psicologia e Educação Ambiental (LAPSEA) do Inpa, que

coordena as atividades, Inês não mede palavras para falar dos PG, cujo mérito principal é a abertura do instituto aos estudantes e à sociedade, via Bosque da Ciência. Para ela, a acolhida dada por meninos e meninas aos visitantes faz brilhar os olhos mais atentos aos frutos desse projeto responsável por criar um vínculo deles com o Inpa e, o mais importante, a popularização da ciência. É que a partir do PG, segundo ela, quebra-se a imagem de uma instituição fechada em quatro paredes e inacessível. E o melhor, desperta nos meninos e meninas interesse pelo estudo da ciência.

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Jorge Saldanha

No detalhe, Maria Inês Gasparetto Higuchi (diretora do laboratório de sociologia e educação ambiental do Inpa)

A nomenclatura “Pequenos Guias” não significa que eles executam somente essa tarefa. No total, mais de 860 adolescentes já participaram do projeto nesses 14 anos, com duração total de aproximadamente seis meses. Cada turma passa por três fases nas quais tem a oportunidade de aprendizado bastante amplo sobre temas sócio-ambientais, desenvolvimento social, turismo, cidade, comunicação, trabalho etc. Inicialmente, reO sucesso do cebem palestras e desenvolvem atividades relacionadas ao programa meio-ambiente com o objetivo Pequenos Guias é de estimular a apropriação do espaço do bosque, que não é um uma realidade. Ele território do Inpa, mas de uso já foi copiado por de toda a sociedade manaueninstitutos de se, explica a diretora do Lapsea.

pesquisas de outras

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Mário bentes

ras para se manter. Embora os guias não recebam mais uma espécie de bolsa-auxílio paga no início do projeto, têm custos que precisam ser financiados como fardamento, lanche etc. Este ano, segundo Inês, eles estão com projeto de pesquisa aprovado pela Fapeam para fazer a avaliação do programa. O fim do pagamento foi decidido para desvincular a participação ao voluntariado. O projeto recebe apoio da Petrobras e Moto Honda, assim como parcerias da Prefeitura de Manaus, da Kodak, Projeto Corredores Ecológicos, a Cultura Inglesa e a Vara Especializada em Meio AmQuestões Agrárias (Vemaqa).

Na primeira fase, são aproxiregiões e inspirou madamente 60 horas de aulas dezenas de projetos distribuídas ao longo de seis meses, cujos professores são semelhantes pesquisadores e educadores convidados. Após situarem-se na questão ambiental, conhecem o Inpa em cada departamento para que, quando for necessário, guiarem biente e os visitantes para mostrar o que o Inpa faz. “Por serem crianças e adolescentes, apresentam o que Inês explica que alguns dos ex-pequenos guias o Inpa faz não de forma profissionalizada, mas têm retornado ao Inpa como estagiários ou particom eles, não só abrimos as portas das pesquicipando de projetos de pesquisa. O reconhecimensas, mas proporcionamos momentos de entretenito da sociedade não vem só por meio dos pais e mento e de lazer, com destaque ao aspecto mais deles próprios. O instituto já recebeu muitas meninformativo”, argumenta a pesquisadora, destações honrosas de casas legislativas como a Câmara cando a impressão de acolhimento dada pelos joMunicipal de Manaus (CMM), parabenizações da vens numa instituição que trabalha com a ciência. Vemaqa. Na terceira fase eles integram-se aos projetos da Semma, IBAMA e chamamos os que estão O programa recebe a ajuda de empresas parceicom mais de 16 anos e atuam como voluntários.


Prontos para a aula de cidadania Ser a sala de entrada do Inpa aos visitantes é apenas uma das tarefas dos integrantes do PG, que hoje reúne 22 estudantes atuando e 35 na formação. Desde outubro do ano passado no Pequenos Guias, Altair Marques Colares Júnior, 13, morador do bairro Coroado 3, afirma ter aprendido muitas coisas importantes sobre o meio ambiente. Aluno da 7ª série, sempre teve curiosidade de conhecer o Inpa, onde surpreendeu-se com a quantidade de assuntos pesquisados como a vida do peixe-boi, por exemplo. “Hoje, dá uma tristeza quando vejo uma pessoa jogando lixo do carro nas ruas ou mesmo no igarapé, porque sei o que isso representa para a natureza e para nós seres humanos”, conta ele, cujo pai é funcionário terceirizado do Inpa e já o havia levado para visitar. “Gostei desde o início quando senti que, ao entrar aqui, temos ar-condicionado natural”, afirmou ele, relatando os efeitos da climatização natural oferecida pela área de preservação onde fica toda a tarde. Altair quer prolongar essa relação com o Inpa pensando em seguir carreira como pesquisador dessa área. Letícia Duarte Pantoja, 16, 2º ano do ensino médio, conhecia o PG porque o irmão dela já havia participado e, por meio dele, já havia visitado o Inpa. Ela participou no período

de 2004 e 2005, após a irmã dela, Lícia Duarte Pantoja, 18, integrante do programa nos anos de 2000 a 2001, ter participado. Letícia tinha curiosidade de entrar no Inpa e quando pôde fazer isso, não se decepcionou. “Fiquei encantada com o que se faz aqui, pesquisas da maior importância para as nossas vidas”, disse ela, citando que a cada vez que chega vê coisas diferentes e recebe informações que podem mudar o seu olhar e o seu jeito de ver. Isabelle de Souza Alencar, 12, estudante do Centro Educacional Imperial, mora na Cidade Nova, Zona Norte, está há quase um ano no PG. “Gosto muito dos animais, especialmente do peixe elétrico”, disse ela, que aprendeu como evitar o choque. “Esse foi só um dos diversos assuntos que pudemos aprender”, afirmou ela, que convida amigos e parentes a visitar o bosque. Jéferson Cruz de Souza, 15, aluno do 1º ano do ensino médio, é outro que, ao escolher uma profissão, vai procurar uma área relacionada ao Inpa. “Descobri o quanto é importante ser pesquisador e o que isso representa para a nossa cidade e estado”, disse ele, convicto de que não perderá o vínculo com o instituto responsável por despertar nele a consciência ecológica e a responsabilidade nessa área como cidadão.

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Identificação de fungos auxilia tratamento de

Prestação de serviço

Micoses

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> Por Tabajara Moreno

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m casa, no ônibus, na escola ou no trabalho, em toda a parte o homem se depara com fungos. Alguns podem ser utilizados na alimentação; uns podem ser usados na produção de medicamentos; e outros são responsáveis por doenças que atingem homens, animais e plantas. O clima tropical da Amazônia fornece condições privilegiadas para o desenvolvimento dos fungos. A micose é a principal forma de manifestação do fungo nos seres vivos e, no homem, pode ocorrer em diversas partes do corpo. A

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ação maléfica do fungo é de difícil tratamento médico devido ao seu caráter oportunista. Com o objetivo de auxiliar o diagnóstico médico das micoses e possibilitar a população um tratamento mais eficaz contra o problema, o Laboratório de Micologia Médica da Coordenação de Pesquisa em Ciências da Saúde (CPCS) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) tem recebido regularmente, há vários anos, pacientes encaminhados por médicos do Sistema Único de Saúde (SUS), de hospitais particulares e de empresas, a fim de esclarecer o tipo do agente causador da micose para que o tratamento seja mais eficaz.


Esse é o caso da Corretora de Imóveis, Maria

Almendros ressalta que o diagnóstico correto ajuda no uso da medicação mais eficaz

Iraci Borges, 41, que apresenta há cinco anos uma unheira “incurável” no dedão do pé esquerdo. Segundo a corretora, apesar de já ter ido a três dermatologistas diferentes, ainda não conseguiu melhorar sua situação. Como as diversas medicações que ela usou não surtiram o efeito esperado, Iraci adotou uma medida para não atrapalhar seu trabalho. “Só uso sapato fechado porque a unheira, além de incomodar, é muito feia, trabalho com atendimento ao público e não é bem apresentável”, expõe.

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O pesquisador responsável pelo Laboratório de Micologia Médica do Inpa, José Augusto Almendros, ressalta a importância social que o trabalho desenvolvido pelo laboratório assume. “As pessoas quando vêm ao nosso laboratório, geralmente apresentam um histórico de insucessos, em relação aos tratamentos utilizados. Já passaram por diversos médicos, usaram vários remédios que não produziram melhora. Com o diagnóstico correto, podemos então auxiliar o clínico a receitar a medicação mais eficaz”, conta.

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Nesse primeiro trimestre de 2009, têm sido atendidos, em média, cinco pacientes por dia

Número de atendimentos O número de pacientes atendidos pelo laboratório vem crescendo nos últimos três anos. De acordo com o banco de dados, em 2006 foram feitos 354 exames; em 2007, 401, e em 2008 foram 621 exames de diagnóstico. Nesse primeiro trimestre de 2009, tem sido atendidos, em média, cinco pacientes por dia. Em muitos casos, o laboratório de micologia do Inpa representa uma boa instância na busca por um trataEm 2006 foram mento adequado.

Já a técnica de cultivo em meio específico é feita exclusivamente no Inpa. Para cada grupo de fungos, há métodos e meios de cultivo diferentes. Durante quinze dias, o material coletado dos pacientes fica sob cultivo em um tubo de ensaio esperando evolução. Quando o material coletado pode ser visto macroscopicamente, ou seja, a olho nu, para a identificação específica do tipo de fungo, porções do cultivo são aplicadas a duas feitos 354 técnicas diferentes, Inpa; em 2007, 401, o microcultivo e o cultivo em lâmina. foram 621 exames

exames no e em 2008 de diagnóstico. Em 2009, em média, cinco pacientes por dia são atendidos

No laboratório do Inpa são feitos vários tipos de procedimento para a identificação micológica. Os principais são o exame direto e a técnica de cultivo em meio específico.

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O exame direto é o método mais usado atualmente para a identificação da presença do fungo. Além do Inpa, ele também pode ser feito no Hospital de Medicina Tropical de Manaus e na Fundação Alfredo da Matta. O método detecta a presença do fungo a partir de suas estruturas celulares típicas.

Depois de emitido o laudo, os agentes identificados são conservados por diferentes técnicas de manutenção, na Coleção de Fungos de Interesse Médico do Inpa. O atual acervo conta com mais de seis mil amostras de fungos isolados de pacientes, de animais e de alimentos. “Mais tarde esses agentes serão usados em pesquisas tanto para a aplicação de novas técnicas de identificação, quanto para busca de atividade antifúngica”, ressalta o pesquisador José Augusto Almendros.


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No laboratório exames diretos e técnica de cultivo em meio específico são procedimento para a identificação micológica

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Mulheres superam obstáculos na

Ciência

> Por Mário Bentes, Tabajara Moreno e Janaína Karla

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Guerreiras da pesquisa

Para Vera Val a mulher é uma guerreira, pois consegue conciliar as obrigações da atividade científica profissional com as imposições sociais

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História da humanidade é a maior testemunha da luta das mulheres na conquista de uma situação de equilíbrio e justiça social, em que o sexo não seja parâmetro para definir níveis de direitos ou deveres. No entanto, mesmo com a instituição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no século XVIII, as diversas sociedades – baseadas em princípios culturais notadamente patriarcais – colocam a mulher como coadjuvante. Na área científica, comumente frequentada por homens, a academia sempre se mostrou fechada para as mulheres, seja pela própria comunidade científica ou pela sociedade, que não via com bons olhos a entrada destas em determinadas áreas de atuação. moreno Tabajara


O caso do Brasil é similar a outros países, embora tenha particularidades sociais que agravam ainda mais o quadro de segregação entre homens e mulheres, sobretudo no mercado de trabalho. É o que pensa a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Vera Val, que enfatiza a capacidade da mulher brasileira de conciliar as obrigações da atividade científica profissional com as imposições sociais “tradicionais”, como cuidar do lar e da família. “Sempre achei a mulher brasileira uma guerreira, que consegue cuidar da família e trabalhar mesmo com todas as dificuldades que essas duas tarefas, quando juntas, impõem”,

Mulheres lutam dia-a-dia em busca do seu espaço que lhes foi invadido. Mulheres guerreiras abençoadas por Deus usam sua força soberana para continuar sempre de olhos abertos diante das dificuldades. Mulheres que acordam cedo para mais um dia de rotina e ainda tem tempo pra falar com Deus (Fábio Ferreira)

afirma, citando como argumento a situação sócio-econômica do país: “Se você reparar, em qualquer área, a mulher brasileira, de classe média ou com rendimentos inferiores ao da classe média, tem que trabalhar para ajudar na renda da família porque um salário apenas não resolve, particularmente quando se tem muitos filhos”. Mãe de dois filhos e casada com outro pesquisador, o doutor Adalberto Luis Val, atual diretor do Inpa, Vera, que vem se dedicando à academia há mais de 30 anos, acredita que a trabalhadora da área científica tem ainda mais obstáculos que o normal, já que, segundo ela, “não há hora nem local para a criação, para o pensamento e para o desenvolvimento de idéias e, portanto, é preciso compatibilizar disciplina e horário com a casa e os filhos”. Questionada a respeito da importância da presença da mulher na área científica, Vera Val diz que a alegria de trabalhar na Ciência só pode ser completa quando a mulher é realizada profissionalmente, feliz com sua própria escolha e realizada com sua carreira e família. “Os trabalhos são compatíveis, mas somente quando a pessoa é compromissada com ela mesma de forma que a recompensa dos seus objetivos seja dividida entre as pessoas à sua volta e vice-versa”.

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A declaração da pesquisadora está fundamentada na sua experiência de vida. Mãe de Juliana Coutinho, 35, Engenheira Florestal, e Lívia Coutinho, 24, estudante de Odontologia, Maria de Jesus sempre teve de dividir o tempo dedicado à pesquisa com as responsabilidades da educação das filhas. Para tamanha empreitada, ela se orgulha de ter contado

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Desde o primeiro contato com um laboratório de pesquisa científica, ainda no segundo grau, Maria de Jesus decidiu ser química e trabalhar na área industrial. Ela só mudou de opinião depois de uma experiência marcante vivida no fim da década de 60, quando participou do curso de formação de engenheiros da Fundação Ford. Lá, Maria de Jesus sentiu as dificuldades de atuar numa área marcadamente masculina. Filha de professores, desde cedo Maria de Jesus foi incentivada a ler. Trocou as bonecas pela leitura. Ela relembra que, aos cinco anos de idade, logo quando começou a ler, pegava o jornal que o pai comprava diariamente, sentava-se e começava a se inteirar dos fatos. A atitude levava os mais velhos às gargalhadas. “Sempre fui determinada, estudiosa”, ressalta. E foi com essa determinação e a dedicação aos estudos que Maria de Jesus cursou Engenharia Química na Universidade Federal de Pernambuco. Já no primeiro período ela participou de um curso ministrado por aquele que ela considera um dos maiores químicos do país, Otto Richard Gottlieb. No fim do curso, ela recebeu um convite para ingressar na equipe de pesquisa dele quando se formasse. Depois da experiência no curso da fabricante Ford, Maria de Jesus resolveu procurar Gottlieb no Rio de Janeiro. Ela ainda passou algum tempo na cidade aprendendo as técnicas da química de produtos naturais, antes de vir para Manaus. Quando chegou à capital amazonense, no início dos anos 70, para trabalhar no Inpa, a pesquisadora não encontrou muitas outras mulheres. “O mercado era muito masculinizado e restrito para as mulheres em todas as áreas de atuação quando comecei”, relembrou.

Ires Miranda lembra que a mulher sempre manteve uma trajetória científica arraigada à sua natureza feminina

moreno

Outra pesquisadora do Inpa, Maria de Jesus Coutinho Varejão, 65, acredita que a produção de conhecimento deve superar os obstáculos impostos pela sociedade contra as mulheres. “No âmbito da pesquisa, o mérito da produção de conhecimento é maior do que questões de preconceito”, afirma.

com a parceria do esposo Clóvis Ribeiro. “Meu marido foi um grande companheiro e me ajudou a conciliar o trabalho no Inpa com as minhas responsabilidades em casa, com minhas filhas”, conta a pesquisadora.

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Conhecimento VS. Preconceito


Contudo, Maria de Jesus sentiu que o novo terreno onde pisava era mais sólido. “Para ser pesquisador é preciso estudar,

ter responsabilidade e dedicação à pesquisa. Isso independe de sexo”, contou a pesquisadora, enfatizando a importância da formação acadêmica para as mulheres. “As mulheres precisam se formar, fazer mestrado, doutorado, e só depois procurar casamento”, finalizou.

Maria de Jesus, acredita que produção de conhecimento deve superar os obstáculos impostos pela sociedade

tabajara moreno

Uma questão de “identidade” A opinião dessas pesquisadoras é reforçada nas palavras de Ires Paula de Andrade Miranda, coordenadora do Laboratório de Pesquisas em Palmeiras (LABPALM/Inpa). Segundo ela, a mulher vem desenvolvendo “com muita força” sua evolução no que diz respeito à ciência e à tecnologia. “A mulher foi revelando sua identidade nas relações sociais por meio do discurso e da ação. A partir de uma teia já existente na sociedade, e mesmo sofrendo as conseqüências imediatas de sua ação, ela foi avançando em diversos processos a fim de usufruir de sua cidadania como ser humano independente de sexo, cor ou origem”, argumenta. Para a pesquisadora, a mulher sempre man-

teve uma trajetória científica arraigada à sua natureza feminina, apesar dos ainda notáveis preconceitos. “Hoje, apesar do preconceito patriarcal que não considera a mulher como auxiliadora e colaboradora na organização social, mulheres empenhadas no rompimento de vários obstáculos tem se revelado líderes na pesquisa científica e tecnológica”, comemora. Sobre o futuro da comunidade científica com a entrada de mais mulheres, Ires Miranda aconselha: “O exercício contínuo da ética, o aprendizado amplo e o entendimento real das relações sociais com compartilhamento de idéias e ideais, a fim de tornar a sociedade mais justa e em prol da melhoria da qualidade do coletivo”, finaliza.

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Fechando o cerco contra a

Malária > Por Hemanuel Jhosé

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Combate ao mosquito

ebre alta, dor na cabeça e por todo corpo. Waldimar Monteiro define a dor que sentia como algo que não deseja a mais ninguém. “Eu comecei a sentir uma febre alta com tremedeira pelo corpo durante vários dias. Quando o sujeito sente isso, ele não consegue fazer mais nada além de ficar deitado. Aí o pessoal das antigas começou a falar que podia ser malária”, recorda Monteiro. O mecânico conta que teve malária pela primeira vez em 1976, no município de Manaquiri (AM). Naquela época o diagnóstico demorava quatro dias para sair e só era feito no prédio da Fundação Nacional de Saúde (FNS), em Manaus. “Enquanto o resultado não saía você ainda passava esses dias sofrendo, só depois recebia o medicamento”, relembra. No mesmo ano ele pegou malária pela segunda vez, porém nesta o diagnóstico foi mais rápido, pois já morava no bairro da Glória, em Manaus.

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Atualmente os pacientes são diagnosticados com mais rapidez, mas a malária ainda faz parte do cotidiano de muitas pessoas que habitam a região. É difícil imaginar que até a década de 20 o Sudeste era a região com maior número de casos de malária no Brasil, em especial no estado de São Paulo. Wanderli Pedro Tadei, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), explica que a malária desapareceu junto com o habitat de reprodução do mosquito. “A malária desapareceu na região Sudeste e em áreas do Mato Grosso, em função das ações de controle implementadas em associação com as modificações ambientais que a atividade agrícola introduz nas áreas, transformando totalmente a paisagem, com as plantações de café e soja”, afirma o pesquisador. Para ele, as mudanças ecológicas contribuem sobremaneira com a redução da densidade populacional ou o desaparecimento do Anopheles darlingi, o vetor da doença, alte-

rando o número de casos em regiões específicas da Amazônia. Atualmente, no Brasil, cerca de 99% dos casos de malária acontecem na região Amazônica e a incidência da doença está ligada às enchentes e vazantes da região. Paulo Afonso Nogueira, pesquisador do Centro de Pesquisas Leônidas e Maria Deane da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), explica que a malária está presente em toda região. “Se você for à zona rural de Manaus ou mesmo em sua periferia você corre risco de pegar malária, por estarmos numa região endêmica. Na periferia, dependendo da distância das casas com a floresta você pode ter o vetor ou não”, explica. A presença da doença na região ocorre devido às condições naturais serem favoráveis para o ciclo de vida do mosquito. “Esse foi o grande achado do laboratório de Malária e Dengue do Inpa: estabelecer a conexão en-


tre o ciclo de vida do Anopheles e o ciclo das águas na região amazônica”, afirma Tadei.

O Anopheles e o Ciclo Amazônico O Rio Amazonas tem um período de cheia de oito meses, durante os quais em certas áreas a água sobe até 20 metros e, em algumas localidades registra-se até 30 metros. Neste período de alagação, formam-se o igapó no Rio Negro e a várzea no Rio Solimões e em outros rios de águas brancas, barrentas e ricas de material em suspensão. Tadei explica que apesar das águas que invadem a região de água preta não serem propícias à agricultura, é nelas, chamadas de igapó, em que os raios solares incidem criando algas e microorganismos, forma-se um ambiente propício para a reprodução do mosquito. “Basta uma semana em que a água pare de subir, que é o bastante para as fêmeas dos mosquitos

acervo laboratório de malária e dengue

Tadei destaca que aplicações do fumacê melhoram a qualidade das habitações do interior

detectarem o local para colocarem seus ovos e que, em uma única desova, podem colocar de 150 até 250 ao todo”, explica o pesquisador. Dessa forma, a transmissão da malária na Amazônia é uma equação direta das mudanças ambientais e dos ciclos das enchentes, que originam os locais para a reprodução dos mosquitos sendo, portanto, um evento anual. Naturalmente, o “pico” de malária acontece em julho, agosto e setembro, pois é nessa época que a água já subiu e as fêmeas colocaram os ovos, originando os mosquitos que transmitem a doença. Tadei conta que essas informações são imediatamente passadas para os técnicos da Fundação de Vigilância em Saúde do Estado do Amazonas (FVS) para que eles possam utilizá-las. “A FVS é órgão no estado do Amazonas que controla as endemias e a parceria entre as duas instituições tem sido muito proveitosa no combate à malária”.

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Em 2007 os níveis da água em janeiro já estavam próximos das estimativas para o mês de maio. Como os rios ficaram cheios mais tempo, registrou-se uma grande quantidade de mosquitos. “Em nossos pontos sentinelas de controle do mosquito da malária, nos quais se capturava dez ou quinze mosquitos, de repente pegamos cerca 1.500, já em fevereiro. Esta quantidade de mosquito manteve-se alta de fevereiro a junho”, conta Tadei.

Ações Contínuas

Para Tadei é de vital importância o investimento ininterrupto em ações de controle e pesquisa. “Se essas ações forem interrompidas a malária cresce muito. Isto ocorre porque, todo ano, a partir de dezembro ou janeiro surgem as condições de reprodução do mosquito. Nós precisamos estar atentos a isso senão em maio e junho teremos muita malária”, alerta. Nesse sentido, ações como a formação da “Rede Malária”, 99% dos casos de que está sendo implementada, malária acontecem são de fundamental importância para o combate à doença. na região Ela surgiu de uma iniciativa da Amazônica e a Fundação de Amparo à Pesquisa incidência da do Estado do Amazonas (Fapeam) que, junto à Secretaria de doença está ligada Estado de Ciência e Tecnologia às enchentes e do Amazonas (Sect) elaborou o programa especificamente vazantes da região para alavancar a pesquisa básica e aplicada sobre Malária.

Naquele ano praticamente todos os municípios, no trecho Manaus/Coari, tiveram o número de casos de malária aumentados neste período. “Isso já é uma evidência de que o aquecimento global pode aumentar a malária na Amazônia, em decorrência do mosquito se reproduzir de maneira mais rápida e permanecer, em densidade alta, em um tempo maior. A população ficará exposta aos mosquitos em um tempo maior”, afirma

Tadei.

A compreensão dessa dinâmica é importante para se entender a transmissão da malária na região. Com esses dados, os pesquisadores, técnicos e profissionais de saúde podem se preparar contra futuros surtos da doença na região. “Infelizmente estamos numa região muito suscetível a surtos de malárias por mais que se trabalhe ou se controle. Estamos no habitat do mosquito”, enfatiza o pesquisador. Com novos dados, pesquisadores e profissionais de saúde podem se preparar contra surtos da malária

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Afonso Nogueira acredita que a Rede tem que focar em quatro principais fatores na luta contra a malária: controle do vetor, aprimoramento das estratégias de diagnóstico, compreensão dos casos graves da doença e o desenvolvimento de uma vacina. Todos esses fatores são importantes no combate à malária. “Combater a malária não é apenas chegar e cuidar do homem doente. Hoje, já está estruturado que para combater a malária, precisamos ter ações integradas, envolvendo aspectos clínicos, entomológicos e ambientais. É importante fazer o monitoramento e dar assistência à população, mas sempre focando para diminuir a circulação do plasmódio”, reitera Tadei. No que tange às ações de controle do vetor, o pesquisador destaca as aplicações aeroespaciais (fumacê) de produtos que matam mosquitos instalados na vegetação, a melhora na qualidade das habitações do interior com telas e a utilização de novos tipos de mosquiteiros impregnados. Ressalta-se também o monitoramento dos tanques de piscicultura que, com os devidos cuidados, são perfeitamente viáveis. Com o controle de nível de água dos tanques é possível impedir que a água fique no mesmo nível por mais de uma semana e retirando a vegetação das margens se desfaz os locais de reprodução mosquito. Tabajara moreno


Kit rápido ajuda no diagnóstico Atualmente os pesquisadores da Fiocruz procuram formas de melhorar o diagnóstico da doença. “Nós estamos tentando fazer um kit de diagnóstico rápido que seja aplicado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esse kit será feito com matérias-primas locais, porque existem kits rápidos de diagnóstico de malária, mas como todos são importados eles se tornam caros”, afirma o pesquisador Paulo Afonso Nogueira, pesquisador do Centro de Pesquisas Leônidas. O pesquisador prossegue explicando que o kit vai ser igual ao utilizado em exames de gravidez: um resultado de dois traços indicará positivo para malária. Como existem dois tipos de plasmódio que causam a doença, o vivax e o falcíparum, o teste fará uma pequena diferenciação. “É importante ao diagnosticar distinguir os dois, pois o falcíparum é maligno, ele pode levar o paciente à óbito. Então no resultado do exame nós teremos dois traços para o vivax e três pra o falcíparum, por exemplo”, esclarece Nogueira.

Como a quantidade de plasmódio nesses pacientes é baixa, é difícil diagnosticá-los pelo exame de gota espessa. Assim, o PCR pode vir a ser muito útil. Já se sabe, por meio da bibliografia, que as formas graves de malária ocorrem quando o plasmódio falcíparum gruda nos vasos sanguíneos e os obstrui, impedindo a circulação do sangue, podendo levar ao coma ou prejudicar uma gravidez. Entretanto, nos últimos anos estão aumentando os relatos desses casos por plasmódio vivax. “A maior quantidade desses relatos diz respeito à malária acompanhada de comprometimento pulmonar. Queremos pesquisar mais sobre isso”, indica Nogueira. Uma unanimidade entre os pesquisadores é a necessidade de uma vacina para a doença, mas existem dificuldades para sua criação. Os especialistas explicam que a vacina contra um plasmódio é mais complicada de se produzir que uma contra um vírus, por exemplo, porque o plasmódio é um organismo celular que tem mecanismos de adaptação.

A Fiocruz também está deA esperança senvolvendo para a descoum diagnósberta de uma tico molecuvacina aular, chamado menta com as de PCR. O possibilidaprocesso endes advindas volve a amda engenhaplificação de ria genética. um pedaço de Com essas nogene através de vas técnicas os uma máquina chapesquisadores mada termocicladoestão mais próxira. Com o fim do promos de uma vacina acervo laboratório de malária e dengue cesso é possível realizar e também de aprendeum diagnóstico mais cuidarem mais sobre o seu vetor. doso do que no tradicional exaCom esse intuito o Inpa vem me da gota espessa, feito por microscopia. trabalhando com outras instituições em uma pesquisa inédita. “Ainda esse ano o Inpa, junEsse exame deverá ser usado apenas em pesto com o Laboratório Nacional de Computação quisas devido seu alto custo, mas pode vir a ter Científica (LNCC), a Universidade Federal do grande importância para detecção dos pacienAmazonas (Ufam), a Universidade de Brasília tes assintomáticos, fontes de preocupação no (UnB) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agrocontrole da malária. “O assintomático é aquela pecuária (Embrapa), vão terminar de sequenciar pessoa que está contaminada pela oitava, décio genoma do Anopheles darlingi”, revela Tadei. ma ou mais vezes e não apresenta mais o quadro clínico, não sofre com os sintomas por ter O sequenciamento está em fase final e os pescriado imunidade contra eles”, indica Tadei. quisadores ainda se reunirão para discutir os resultados do estudo, que são relevantes para a O risco é que essas pessoas não se tratem e posimplementação das ações de controle da malária sam transmitir o plasmódio a novos mosquitos, que na Amazônia. Mais uma das várias ações que obpor sua vez transmitem para pessoas ao seu redor. jetivam fechar o cerco contra a malária na região.

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Alerta ambiental 22

Seca Amaz么nica aponta confus茫o no

Clima mundial > Por Leila Ronize


jorge saldanha

anselmo d´affonseca

Pesquisadora enfatiza que ações países ricos tem que fazer sua parte para reverter a situação

S

e a cada ano você convive, mais frequentemente, com uma temperatura de “torrar os miolos”, saiba que essa não é privilégio do calor amazônico. O clima está muito mais confuso do que se pode imaginar, tirando do homem a certeza de planejar colheitas ou viagens pelos meses do ano, ação tão praticada por nossos avôs. Uma pesquisa divulgada na Revista Science traz dados que apontam o que todos sabem, mas ninguém quer enxergar: o aquecimento global é uma realidade. Um dos sinais veio da

floresta mais famosa e cobiçada no mundo – a Amazônica, que foi atingida em 2005 por uma das mais intensas secas dos últimos 100 anos, deixando rastros de peixes mortos sobre terras que antes tinham água em abundância. A constatação de que o verão está muito mais quente do que anteriormente é uma consequencia direta, segundo a pesquisadora Ieda Leão Amaral, do aumento da temperatura, sentidas principalmente por pessoas que moram perto de áreas em

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anselmo d´affonseca

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moreno

que houve mais mortes de árvores do que incremento de espécies, que atingem 10 centímetros de diamentro (o que os pesquisadores chamam de taxa de recrutamento). “Em novembro do ano passado apresentei um artigo, na Conferência Internacional do LBA, mostrando que nas áreas estudadas em 2005 – ano da seca – houve uma redução de biomassa”, conta Ieda Amaral.

tabajara

Higuchi (no detalhe), ressalta que é preciso sair do discurso e partir para a ação

planeta, já que sem ele a Terra seria muito fria Para chegar a este resultado os pesquisadopara abrigar vida, mas muitos cientistas alertam res fazem, anualmente, a medição de espécies, que a grande quantidade desse gás causará o aupintando uma faixa à altura de 1,30 metros do mento da temperatura da Terra, levando ao derretronco da árvore. Percebeu-se, um ano depois, timento de geleiras, ao crescique as medições foram menores mento dos níveis dos oceanos e que as dos anos anteriores. ”O a mudanças no meio ambiente. recrutamento de 2005 foi pequeno em comparação com a O manejo florestal “O aquecimento global é um mortalidade, o dobro precisana Amazônia é fato comprovado. Cada vez mais mente”, enfatiza a pesquisadora a temperatura tem aumentanque contribuiu com dados que uma das saídas do e vai aumentar ainda mais. subsidiaram o artigo publicado para garantir que Realmente é grave. Já está na revista Norte Americana. O a floresta continue comprovado que há mudança pesquisador Niro Higuchi, que climática e se o homem não também deu contribuição valioem pé tomar cuidado vai ser irreversa para o artigo, explica que a sível”, profetiza Ieda Amaral. morte dessas árvores reduziu de Higuchi diz que o pior é a informa drástica a capacidade da certeza sobre o período de ocorrência de outra floresta absorver o CO² (gás carbônico), provocando uma reação inversa, em que cinco bilhões de seca como a de 2005. “Não podemos confirmar toneladas de CO² foram liberadas no ambiente, se vai acontecer, mas o que nos preocupa é a abalando o equilíbrio do planeta. O gás carbônico frequência. Se continuar com um espaço de 40 é um componente químico indispensável para o anos, estamos dentro da normalidade, mas o pro-


blema é se ocorrer daqui a três anos”, esclarece.

prometer o desenvolvimento econômico do país.

A velha mensagem de que cada um tem que fazer sua parte, precisa ser encarada de forma mais responsável. “Se não houve mudanças sensíveis na preservação da Floresta é por que o homem não está fazendo o que deve fazer”, lamenta o pesquisador. “Ainda acredito que se cada um fizer algo podemos sim mudar, o problema é que só existe discurso. É preciso partir para a ação”, completa.

Uma das saídas para manter a floresta em pé está no Manejo Florestal. Especialista no assunto, Higuchi reconhece que sozinho o manejo não vai mudar o cenário, mas ele é essencial para que se possa continuar desenvolvendo estudos para evitar que as profecias mais tenebrosas aconteçam.

A puxada de orelha serve também para os líderes de países ricos, que na prática não se mobilizam para reverter a situação. A oposição dos Estados Unidos à assinatura do Protocolo de Kyoto (documento em que os países são obrigados a reduzir, em 5,2%, a emissão de gases poluentes, entre os anos de 2008 e 2012) foi um balde de água fria para os ecologistas mais otimistas. “Estamos em uma época que não basta apenas que cada um faça sua parte. As ações devem partir de países, principalmente aqueles conhecidos como maiores poluidores, como é o caso dos Estados Unidos. E no caso individual de pessoas que trabalham com queima de pasto achando que a situação está longe do irreversível”, desabafa Ieda Amaral. O EUA se desligaram em 2001 do protocolo, alegando que a redução iria com-

Mapa mostra áreas de estudos que serviram para embasar dados do artigo da revista Science

Amazônia é sensível à seca O alerta é preocupante: “secas prolongadas em florestas tropicais podem causar mortalidade de árvores e alguns modelos climáticos predizem que a Amazônia entrará em um processo de mortalidade contínua nesse século”. O texto em tom de profecia compõe um dos parágrafos do artigo “Sensibilidade da Floresta Amazônica à Seca”, publicado na revista Science, no início deste ano. O estudo que durou cerca de 30 anos foi realizado graças à Rede Amazônica de Inventários Florestais (RAINFOR) – uma rede de cooperação que monitorou 136 parcelas (espécies) localizadas em diferentes áreas de floresta na bacia Amazônica. O objetivo da Rede é avaliar o processo de troca de carbono e melhor compreender o impacto da Amazônia no clima mundial. E foi justamente a seca de 2005 que ofereceu

aos cientistas uma idéia de futuras ocorrências de mudanças climáticas, nas quais a estação seca na Amazônia se tornará, provavelmente, mais intensa e mais quente. Naquele ano o fenômeno causou perda de biomassa florestal, invertendo o processo de sequestro de carbono que ocorre em grande escala temporal e espacial. Outro resultado da pesquisa aponta que as árvores que morreram durante o período de 2005 apresentam menor densidade de madeira que aquelas que morreram no período anterior, ou seja, em 2006 as que foram registradas como mortas eram 5% mais leves que em censos anteriores. Isso mostra que a seca pode alterar a composição da espécie, traçando um caminho nada animador para aqueles que contam com a biodiversidade da região Amazônica, uma vez que esta também pode ser afetada.

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ALTERNATIVA ENERGÉTICA

Planta

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gera energia elétrica Pesquisa avalia potencial produtivo da palmeira açaí para fins bioenergéticos em comunidades ribeirinhas do Lago do Cururu, próximo ao município de Manacapuru

acervo labpalm


> Por Janaína Karla

“M

inha terra tem palmeiras onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá, no céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossas vidas mais amores”. Com certeza alguém já ouviu esses versos do famoso poeta Gonçalves Dias. Mas, será que realmente conhecemos a verdadeira produtividade da palmeira?

Planta de uma beleza excêntrica e rica fonte em sustentabilidade econômica, a palmeira é alvo de vários estudos, que já comprovaram que a planta tem capacidade oleaginosa, de produção de biocombustíveis, além de ser alimento complementar e barato na ração de animais e consumo humano. Desta vez, em recentes estudos realizados pelo Laboratório de Estudos em Palmeiras (LABPALM), do Instituto Nacional em Pesquisas da Amazônia (Inpa), em parceria com o projeto Neram (Modelo de Negócio de Energia Elétrica em Comunidades Isoladas na Amazônia), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), foi comprovada a capacidade da palmeira açaí (Euterpe precatória Mart) em produção de Bioenergia. O estudo possibilitou conhecer o potencial produtivo do açaí amazonense com 1,8 toneladas de frutos por hectare em comunidades ribeirinhas do Lago do Cururu, próximo ao município de Manacapuru, no Estado do Amazonas. Na pesquisa se constatou que a partir daqueles caroços

descartados pelos ribeirinhos, os subprodutos do fruto do açaí, é possível reaproveitá-los em energia elétrica ajudando no aumento da renda dessas famílias. O Laboratório de Estudos em Palmeiras avaliou o potencial produtivo da matériaprima e o número de plantas por hectare, subsidiando o Neram na busca do aproveitamento de maneira sustentável junto às comunidades. De acordo com a pesquisadora Ires Paula de A. Miranda , coordenadora do LABPALM, as pesquisas desenvolvidas pelo grupo na identificação e produtividade dessas espécies são de suma importância para as comunidades isoladas, pois elas são reféns da falta de energia - detectado pelo Coordenador do Neram, Prof.Dr. em Engenharia elétrica, Rubem César Rodrigues, da Ufam - e consequentemente da incapacidade produtiva de subsistência. “Um dos problemas mais graves dessa população ribeirinha é a falta de energia, dificultando a implementação da agroindústria isolada na região amazônica’, afirmou Miranda. A pesquisa teve duração de dois anos e foi realizada no período de pico da produção da planta, de março a julho de 2008. No total foram beneficiadas com a pesquisa seis comunidades ribeirinhas: Comunidade do Cordeiro, Terra Preta, Divino Espírito Santo 1 e 2, Bom Jesus do Cururu, Cidade Nova do Cururu. O projeto Coordenado por Rodrigues teve financiamento do Neram/CNPq e foi apresentado por Miranda no Simpósio Internacional de Especialistas em Palmeiras, realizado em Lima (Peru), no ano de 2008, e publicado em edição especial da revista Peruana de Biologia.

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pesquisa constata que a partir dos caroços descartados pelos ribeirinhos, é possível gerar energia elétrica, ajudando no aumento da renda dessas famílias

Laboratório de Estudos em Palmeiras é referência

O Laboratório de Estudos em Palmeiras – LABPALM tem como missão estudar o potencial das palmeiras da Amazônia, para contribuir como alternativa de sustentabilidade econômica, proteção e adaptabilidade no desafio das mudanças climáticas e da produção de combustíveis. Foi neste âmbito que em 1980 teve-se a iniciativa da criação de um grupo de pesquisadores, técnicos e especialistas botânicos com interesse em estudos sistemáti-


jorge saldanha

cos e ecológicos das palmeiras da Amazônia. Em sua atuação estão as funções de subsidiar a estruturação de cadeias produtivas a partir de palmeiras nativas; incentivar a fixação do homem no campo; mapear as unidades de paisagem e densidade de espécies nativas nas áreas alteradas; e, estudar a produtividade das espécies promissoras. O LABPALM já publicou cinco livros, além de artigos em revistas nacionais e internacionais,

contribuindo para o esclarecimento não só da população leiga, mas principalmente daquelas que vivem e precisam do conhecimento científico para facilitar sua subsistência. São elas: Palmeiras no Herbário (1994), Frutos de Palmeiras da Amazônia (2001), Ecossistemas Florestais em Áreas Manejadas na Amazônia (2003), Guia de Identificação das Palmeiras de um Fragmento Florestal Urbano (2006) e o Guia de Identificação das Palmeiras de Porto Trombetas (Pará – 2008).

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NA VANGUARDA DA CIÊNCIA

Novos

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Os institutos criados serão fundamentais para as pesquisas sobre diversidade animal e vegetal, de adaptação das espécies na biodiversidade amazônica, a necessidade do manejo florestal, a água e o carbono


institutos impulsionam pesquisa na região

surgiu a partir de demandas de núcleos de estudo regionais, nacionais e, inclusive, internacioInstituto Nacional de Pesquisas da Amanais. Os novos institutos devem ocupar posição zônia (Inpa) mostra novamente a sua vanestratégica no sistema nacional de Ciência, Tecguarda em termos de produção científica na nologia e Inovação (C&T&I) e atendem ao preregião. Prova disso, foi a aprovação recentemenvisto no Plano de Ação em C&T&I (PACT&I 2007te pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento e 2010), atuando em áreas bem definidas, o que Pesquisa (CNPq) de quatro propermitirá o desenvolvimento jetos oriundos do órgão no âmde pesquisas de vanguarda rebito do programa Institutos Nalacionadas a ambientes aquátiO Conselho cionais de Ciência e Tecnologia cos amazônicos, biodiversidade Nacional de (INCT): Centro de Estudos de da região, serviços ambientais Adaptações da Biota Aquática para a preservação da floresta Desenvolvimento da Amazônia (Adapta), Centro e manejo florestal, com destae Pesquisa (CNPq) de Estudos Integrados da Biodique para socialização, e transe a Fundação de versidade Amazônica (Cenbam), ferência de tecnologia para o Instituto Nacional de Serviços uso de madeira e seus resíduAmparo à Pesquisa Ambientais da Amazônia (Seos. “As informações geradas do Estado do mvab) e Centro Nacional de Pespor esses projetos servirão para Amazonas quisas e Inovação de Madeiras subsidiar o processo decisório da Amazônia (INCT-Madeira). de questões relacionadas aos (Fapeam) temas, bem como propiciarão a disponibilizarão Esses foram os primeiros progeração de novas patentes que jetos do Amazonas aprovados devem beneficiar a sociedade em torno de R$ 22 na esfera do INCT, que tem de modo geral, a exemplo do milhões para os como meta mobilizar e agreque vem ocorrendo no âmbito projetos, que serão gar, de forma articulada, os dos demais projetos desenvolmelhores grupos de pesquisa vidos pelo corpo de pesquisadousados em diversas em áreas de fronteira da cires do Inpa”, destaca o diretor ações ência e em áreas estratégicas do Inpa, Adalberto Luis Val. para o desenvolvimento sustentável do País; impulsionar No total, serão destinados a pesquisa científica básica e fundamental compelo CNPq e pela Fundação de Amparo à Pesquisa petitiva internacionalmente; estimular o desendo Estado do Amazonas (Fapeam) em torno de volvimento de pesquisa científica e tecnológica R$ 22 milhões para os projetos. Esses recursos de ponta associada a aplicações para promover a serão usados em diversas ações, entre as quais, inovação e o espírito empreendedor, em estreita capacitação de pessoal, intercâmbio de pesquiarticulação com empresas inovadoras, nas áreas sadores, desenvolvimento de novas tecnologias, do Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec). além de melhoria de infra-estrutura laboratorial. A execução dos trabalhos será feita mediante uma A idéia de lançar os institutos amazonenses rede de pesquisa, formada por diferentes grupos,

> Por Lisângela Costa

O

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que atuarão em diversas frentes, sendo que todos os institutos serão sediados no próprio Inpa. Os projetos aprovados vão receber financiamento por até cinco anos. Na soma dos recursos que serão disponibilizados, também estão incluídos R$ 30 milhões em bolsas, que serão concedidas pela Capes. A criação dos institutos conta com a parceria da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/ MEC), e das Fundações de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), do Pará (Fapespa), de São Paulo (Fapesp), Minas Gerais (Fapemig), Rio de Janeiro (Faperj) e Santa Catarina (Fapesc).

Projetos O pontapé inicial para a execução das atividades previstas nos projetos já foi dado. A primeira parte dos recursos foi repassada recentemente e o otimismo quanto ao sucesso dos projetos prevalece entre os pesquisadores envolvidos. Coordenador do INCT Madeiras da Amazônia, o pesquisador Niro Higuchi mostra-se bastante motivado. Criado com a finalidade de aumentar a produtividade da floresta primária e melhorar o rendimento das indústrias de madeira da região, o instituto surgiu da necessidade de viabilizar o manejo florestal sustentável na Amazônia. “A expectativa é que dentro de pouco tempo, o Amazonas possa contar com um INCT capaz de centralizar as discussões e ações voltadas ao manejo sustentável da floresta amazônica”, afirma Higuchi. O orçamento aprovado para o projeto foi de R$ 4,8 milhões. Esses recursos serão investidos na construção de um centro de treinamento na estação experimental do Inpa, recuperação da infra-estrutura de laboratórios de tecnologia da madeira, além de permitir o desenvolvimento de experimentos de exploração florestal e tecnologia da madeira, intercâmbio técnico-científico, treinamento de pessoal e, ainda, favorecer a transferência de tecnologia. Sediado no Inpa, o INCT Madeiras da Amazônia contará com laboratórios associados da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Universidade de Brasília (UnB).

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Com a finalidade de criar cadeias de produção de conhecimento efetivas na área da biodiversidade Amazônica, o Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica (Cenbam) tem um grande desafio: unir esforços de diversos centros de pesquisa de todos os Estados da região com foco especificamente nessa temática, a fim de ampliar o conhecimento científico acerca da diversidade animal e vegetal da Amazônia. Aproximadamente R$ 7,2 milhões serão investidos no Cenbam. Os recursos serão usados no inter-

câmbio de pesquisadores, melhoramento de infraestrutura de laboratórios, capacitação de pessoal em nível de graduação e pós-graduação e desenvolvimento de atividades junto à população assistida pelos núcleos regionais vinculados ao projeto e localizados em diferentes Estados. As ações do Centro serão definidas por um conselho diretivo, formado por sete pesquisadores do Inpa e centros regionais do Amapá, Roraima, Rondônia, Acre e Mato Grosso. “Este conselho será o responsável por determinar os objetivos e metas de todas as fases de implantação do projeto”, informa o pesquisador-chefe do Cenbam, William Magnusson. À frente do Instituto Nacional de Serviços Ambientais da Amazônia (Semvab), o pesquisador Philip Fearnside explica que o Semvab terá a tarefa de atuar no desenvolvimento de serviços ambientais relacionados ao carbono e água, visando única e exclusivamente o manejo sustentável da floresta amazônica. “Na verdade, ninguém maneja a floresta (amazônica). Ao contrário, estão cortando o máximo possível de árvores porque o manejo florestal não é uma prática atrativa para a economia formal, uma vez que não dá lucro imediato”, alerta o pesquisador. Segundo Fearnside, o Instituto Nacional de Serviços Ambientais buscará atuar justamente na contramão do sistema econômico vigente de forma a comprovar que o manejo florestal é o caminho mais adequado. “É preciso reverter esses valores e adotar o manejo florestal como uma nova página da economia regional pela única e simples razão de que, caso contrário, a floresta vai acabar sumindo”, critica. O coordenador do Semvab diz que, desde 1997, vários estudos foram publicados sobre o assunto em diferentes áreas e que, com o advento do instituto, será possível reunir o conhecimento acumulado, o que permitirá vislumbrar novos resultados. Vinculado ao Instituto Nacional de Serviços Ambientais da Amazônia, estão grupos de pesquisa regionais, nacionais e de países como Peru, Bolívia e Inglaterra. Philip Fearnside diz que, no momento, estão em busca de recursos complementares que possam permitir, principalmente, a contratação de pessoal capacitado para atuar nas diferentes frentes de pesquisa e mostra-se bastante otimista quanto aos rumos do projeto. Investigar o processo de adaptação de animais e vegetais da biodiversidade aquática amazônica aos diferentes ambientes naturais, assim como, àqueles ambientes que sofrem a ação humana a partir do seqüenciamento genômico é a finalidade do Adapta (Centro e Estudo de Adaptações da Biota Aquática da Amazônia). O projeto contará com três diferentes linhas de pesquisa: Interações organismo-am-


biente; Biomarcadores e Programas aplicados. Para alcançar o objetivo proposto, os cientistas envolvidos no projeto realizarão coletas de material em diferentes lugares, desde igarapés, rios, matas de igapó até zonas de exploração mineral e igarapés (córregos) contaminados por esgoto a fim de investigar a estratégia de sobrevivência da flora e fauna amazônicas. Conforme o coordenador do Centro, Adalberto Luis Val, a adaptação a esses diferentes ambientes depende da expressão de ativação de algumas informações que tem na genética desses animais e vegetais, o que faz com que eles produzam substâncias capazes de torná-los imunes a certas condições. “Pretendemos identificar o que esses animais e vegetais estão expressando em comum, fazer uma seleção das informações

dos hormônios e posteriormente, uma análise por bioinformática, a fim de verificar se os genes ativados desses seres vivos são capazes de fabricar produtos que possam ser usados em benefício dos seres humanos, principalmente, no que se refere ao desenvolvimento de medicamentos”, afirma o coordenador. A expectativa é que ao longo do período de vigência do projeto sejam identificados ao menos dez produtos - como enzimas, hormônios e antibióticos- e ao menos, cinco deles sejam patenteados. “A intenção é gerar patentes e licenciar esses produtos para que empresas e cidadãos interessados possam utilizá-los e com isso, venham a gerar emprego/renda e inclusão social na região”, completa o pesquisador. anselmo d´affonseca

O Adapta, por exemplo, irá investigar o processo de adaptação de animais e vegetais da biodiversidade aquática amazônica aos diferentes ambientes naturais

Marco institucional A aprovação pelo CNPq dos quatro projetos é um marco importante na história do Inpa e vem corroborar a vanguarda do Instituto no que se refere ao fazer ciência na Amazônia. “Foi extremamente importante aprovar esses projetos não somente para o Inpa, mas também para a Amazônia e para o próprio País. Pela primeira vez, conseguimos organizar de forma consistente redes de pesquisa sobre quatro assuntos extremamente relevantes para a região”, destaca o diretor do Inpa, Adalberto Luis Val. “Nós estamos extremamente orgulhosos por termos aprovado esses projetos, inclusive, porque não há no país outra instituição que possua, proporcionalmente, o mesmo número de pesquisadores que o Inpa e que tenha aprovado projetos com um volume de recursos tão grande”, complementa. O mesmo pensamento é compartilhado pelo

coordenador de Ações Estratégicas do Inpa, Estevão Monteiro de Paula. Para ele, a aprovação das propostas é uma demonstração do alto nível de qualidade das atividades de pesquisa desenvolvidas pela instituição no que tange às questões amazônidas. Além disso, conforme ele, é importante destacar o componente de integração com as demais instituições, o que deve gerar transferência de conhecimentos. Contudo, o comprometimento com a formação de recursos humanos e a troca de tecnologia são apontados pelo diretor como o grande legado dos projetos. “Sem contar, na própria responsabilidade do instituto devido ao fato de que os recursos são públicos e que, por isso, é preciso dar respostas que venham contribuir decisivamente para a melhoria da qualidade de vida da população e do meio ambiente”, finaliza o diretor.

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Ecologicamente correto 34

Chapa e Tijolo vegetais são desenvolvidos para uso na construção civil


rosilene corrêa

Chapa de folhas e tijolos vejetais são obtidos na trituração de matérias-primas naturais

> Por Rosilene Corrêa

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necessidade de preservação das florestas e o uso correto dos recursos por ela oferecidos estão sempre no centro das discussões quando o assunto é a Amazônia. No estado do Amazonas, a exploração dos recursos florestais oferece uma gama de produtos que vão além dos cosméticos e dos medicamentos. Agora, a novidade fica por conta

de uma “chapa” de folhas e tijolos vegetais, obtidos a partir do processo de trituração de matérias-primas naturais, oriundas do ouriço da casca da castanha do Brasil, dos caroços do coco e do tucumã – uma palmeira da região. Os dois foram desenvolvidos por pesquisadores do Laboratório de Engenharia da Madeira do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Coordenação de Pesquisas em Pro-

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rosilene corrêa

Os tijolos possuem um sistema de montagem bem simples, permitindo montar uma casa com cinco mil tijolos em oito minutos

dutos Florestais (CPPF). Um dos inventores dos produtos é o pesquisador Jadir de Souza Rocha. Segundo ele, os produtos podem ser utilizados na construção civil, em diferentes aplicações. A chapa, em substituição à madeira, na confecção de forros, divisórias, móveis e artefatos, enquanto o tijolo vegetal, em substituição ao tijolo convencional de argila, nas construções de casas e prédios de até quatro andares. “O tijolo pode ser utilizado em qualquer tipo de obra ou construções de até quatro andares e, para a nossa região, por ser um material que é naturalmente um isolante térmico, ele proporciona um ambiente agradável para as construções feitas em lugares de alta temperatura, como é aqui na Amazônia”, afirmou. Rocha destacou também que para o processo de produção não há necessidade de queima de lenha e nem derrubada de árvores.

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“O tijolo é produzido com tecnologia limpa, a matéria-prima é natural, são aproveitadas as sobras florestais que não têm serventia depois do consumo dos frutos. Além disso, na produção não é utilizada lenha, como na produção dos tijolos de argila convencionais. Com

isso, preservamos mais a floresta e não geramos gases para o efeito estufa”, acrescentou. Outra vantagem salientada por Rocha é a rapidez no processo de montagem dos tijolos vegetais, que não precisam de cimento. Segundo ele, é possível construir uma casa popular de cerca de 40 metros quadrados, por exemplo, com aproximadamente 5 mil tijolos. “Os tijolos possuem um sistema de montagem bem simples, o de encaixe, por isso é possível montar uma casa popular com cinco mil tijolos em apenas oito horas. É necessário apenas que os pilares e as vigas estejam levantados, só faltando elevar as paredes e divisórias.” A produção da chapa vegetal também não é diferente, afirma o pesquisador. Ele conta que já havia pensado em fabricar a chapa, mas queria que a tecnologia não fosse aproveitada somente por indústrias de grande porte e com capacidade de investimentos em larga escala. “Busquei encontrar alternativas que contemplassem também as micros e pequenas empresas”, explica Rocha. Foi por isso que Jadir Rocha fez experiências e encontrou uma excelente resina. Além de proporcionar o aumento da vida útil das cha-


pas, o produto possibilitou a “cura” do material num período curto de tempo. O material foi preparado sem o uso de prensas de sistema a quente, o que barateia os custos de produção. “A resina foi encontrada e o processo de transformar as folhas em chapas foi iniciado”.

catalisador e pressão. “Este processo de “cura” da chapa é relativamente lento e a produção se dá em pequena escala”. No segundo, dispensa o uso de resina de laminação e catalisador, passando-se a usar resinas sintéticas, fibra de vidro e ação conjunta de temperatura e pressão.

Rocha explica que no processo de confecção da chapa podem ser aproveitadas folhas de espécies arbóreas, de frutíferas, de palmeiras, de ervas daninhas e plantas ornamentais. “Primeiramente as folhas passam pela operação de trituração para obtenção de pequenas partículas, podendo ser secas ao ar livre ou em estufas. Posteriormente, é feita a formação de um colchão de partículas com aglutinação de resina sintética e fibra de vidro”.

A prensagem do tijolo é feita em alta temperatura. “Os componentes vegetais são triturados e aglutinados com resinas fenólicas, obtidas pela reação de condensação e polimerização entre um fenol e um aldeído (compostos químicos orgânicos), para em seguida passar por um processo de prensagem em alta temperatura”.

Opções de prensagem O processo de confecção da chapa vegetal oferece duas opções de prensagem, a frio e a seco. No primeiro caso, não necessita de prensa com sistema a quente, sendo utilizadas resina de laminação, fibra de vidro, com adição de

O projeto de desenvolvimento do tijolo ficou com a segunda colocação na categoria “Econômica – Tecnológica” do prêmio Professor Samuel Benchimol 2008, concedido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior a iniciativas que visam ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Participaram dos trabalhos as pesquisadoras Cynthia Pontes, Tereza Bessa e Vânia Lima, do Laboratório de Engenharia da Madeira do Inpa.

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rosilene

corrê

Rocha garante que as matériasprimas usadas na confecção são de alta durabilidade

Qualidade e versatilidade

Os resultados dos testes em laboratório feitos com o tijolo vegetal foram bastante satisfatórios. “As matérias-primas utilizadas na sua confecção são de alta durabilidade, conferindo resistência mecânica semelhante à dos tijolos convencionais”, finaliza.

rosilene corrêa

A qualidade da chapa depende dos tipos de folhas utilizadas para a produção. Rocha cita como exemplos, as folhas das palmeiras que são muito resistentes ao rasgo na direção transversal às fibras. “Nas outras espécies podem ser encontradas folhas bem espessas e de superfícies super lisas, cujas características são indicadoras de grande resistência ao rasgo, folhas sem tais características, não são recomendadas”.

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ARQUIVO CENTENÁRIO

Jochen Schöngart confirma que anéis das árvores possibilitam reconstruir um longo período histórico de variações hidrológicas na região amazônica

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Árvores da Amazônia apontam condições

Climáticas


mário bentes

> Por Mário Bentes

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Um homem de idade avançada para os padrões atuais está concentrado no que parece ser uma grande obra de engenharia, embora esse termo nem existisse ainda. Já são meses de dedicação a um único projeto – uma espécie de arca, de grandes proporções – o que fez com que o velho deixasse de lado sua própria aparência; sua barba e cabelos estão longos e desgrenhados e suas mãos estão sempre sujas de pó de madeira. Em alguns momentos, seus dedos sangram pela grande quantidade de “farpas” que lhe ferem a cada instante. Os que habitam aquele vilarejo passam pelo velho e não entendem o que ele faz. A família dele o ajuda. Alguns zombam e riem; acham que o velho Noé e sua família estão loucos. Por várias vezes perguntam, inconformados, o porquê de tamanho trabalho.

Noé – nono descendente de Adão, segundo o Antigo Testamento – explica: “Deus me avisou do grande dilúvio; as águas de sua ira cobrirão toda a Terra por quarenta dias e quarenta noites”. E todos riam. Segundo o livro de Gênesis, o anunciado dilúvio que cobriria toda a superfície do planeta aconteceu de fato, e Noé e sua família – assim como uma grande quantidade de espécies animais, agrupada aos pares – foram salvos da fúria das águas. Mas a questão é: se Deus não tivesse dado o alerta concreto sobre as precipitações das chuvas, Noé teria construído a arca e se mantido a salvo da enchente? Provavelmente não. As outras pessoas, segundo os mesmos relatos, não tiveram a mesma sorte.

De olho no (mau) tempo Conhecida pelo público em geral como uma das mário bentes

Dendrocronologia permite saber em quais anos a região da árvore passou por períodos de cheia ou de seca

Árvores centenárias da região Amazônica indicam se a seca devastadora de 2005 e a cheia histórica prevista para este ano são conseqüências diretas do aquecimento global

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regiões mais úmidas do planeta, a região Amazônica pode até não ser o cenário de uma enchente épica e de proporções semelhantes como a descrita no primeiro dos cinco livros do Pentateuco, mas, segundo especialistas, as mudanças climáticas atuais podem ser as responsáveis pela “grande cheia” que se aproxima na região e que já está causando enormes prejuízos para comunidades ribeirinhas no interior do Amazonas. Informes oficiais apontam que pelo menos 184 mil pessoas vem enfrentando problemas em suas plantações de subsistência. Municípios como Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Tonantins e Tabatinga – na região do Solimões – são apenas algumas das cidades prejudicadas pelas chuvas, que ficaram acima da média para o período, segundo o Serviço Geológico do Brasil (CPRM). A previsão da Defesa Civil do Estado é que 40 dos 62 municípios do Amazonas sejam atingidos, sendo que 19 já tiveram decretada situação de emergência. Para a capital, as notícias também não são animadoras. O primeiro balanço do ano do Programa de Alerta de Cheias de Manaus, do CPRM, divulgado no último dia 31 de março, revelou que a enchente que se aproxima e que terá o seu auge em junho deve ser apenas um centímetro menor que a grande inundação de 1953, quando a cota do Rio Negro alcançou nada menos que 29,69 metros. Naquela ocasião, boa parte do centro de Manaus ficou tomada de água. A previsão – que calcula os eventos hidrometereológicos para a região com precisão de 70%, de acordo com estudos elaborados conjuntamente pelo CPRM e pelo Serviço de Proteção da Amazônia (Sipam) – é que a média de cheia para esse ano fique entre 29,33 e 30,03 metros, com margem de erro de 35 centímetros para mais ou para menos, o que pode marcar a cheia de 2009 como a segunda maior dos últimos 100 anos, segundo informou o superintendente regional do CPRM, Marco Antônio Oliveira, durante a divulgação do alerta.

A “culpa” das mudanças climáticas

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Apesar da grande repercussão mundial – provocada em parte por conta de sensacionalismo da imprensa – e aparente consenso da comunidade científica no que diz respeito à “culpabilidade” das mudanças climáticas como causadoras de eventos como as grandes cheias e secas severas na Amazônia, muitos cientistas permanecem na desconfiança. É certo que os desmatamentos, principalmente em regiões tropicais, e a queima de combustíveis fósseis – que liberam gás carbônico e outros gases de “efeito estufa” na atmosfera – estão entre os principais fatores para as mudanças globais de temperatura que vem sendo registradas nos últimos anos. Entretanto, o que parece ser uma verdade inquestionável para muitos, ainda é dúvida para

alguns cientistas: grandes cheias como a prevista para este ano no Estado do Amazonas e secas devastadoras como a de 2005 são fenômenos causados exclusivamente pelo aquecimento global ou são partes de um calendário histórico de eventos naturais que se repete ao longo dos anos? Grupos ativistas e Organizações Não-governamentais (ONGs) de meio ambiente acreditam que o homem é o único culpado de tudo, mas os cientistas preferem cautela para evitar “manchetes”. Para tentar esclarecer dúvidas como esta, o Instituto Max Planck – que atua no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) por meio de parceria de pesquisas científicas firmada em julho de 1969 entre Brasil e Alemanha – tem estudado alternativas para compreender os fenômenos e definir se os eventos de cheia e vazante tão significativos e de grandes conseqüências para as populações que habitam essas regiões são ou não resultado direto e exclusivo das mudanças climáticas.

Da água para a terra O pesquisador alemão Jochen Schöngart afirma que as mudanças climáticas globais são uma realidade, mas faz questão de ressaltar, no entanto, que ainda existe muita confusão com relação ao assunto. Um dos primeiros pontos que o pesquisador esclarece é com relação à temperatura. Segundo ele, ao contrário de que muitos acreditam, as mudanças climáticas na região Amazônica acontecem em maior parte pela variação de temperatura da superfície dos oceanos (Temperaturas das Águas Superficiais dos Mares – TSM) que pela variação atmosférica. “As mudanças de temperatura que realmente podem influenciar nos regimes hidrológicos (chuva e seca) da Amazônia não são as da atmosfera, as do ar, mas sim as das águas superficiais dos oceanos, o que modifica as circulações atmosféricas e resulta em situações com mais chuva ou menos chuva. Há ainda regiões que não sofrem alterações”, explica Schöngart. Portanto, o calor infernal que você sente na sua cidade não pode ser considerado necessariamente resultado do aquecimento global. Quanto a isso, o cientista afirma que se trata apenas da “sensação térmica” causado pela alta temperatura do ar e elevada umidade (no caso de Manaus). Já as variações de temperatura dos oceanos – principalmente no Pacífico Tropical e Atlântico Tropical Norte – têm mais impacto na região podendo causar secas severas e grandes cheias. Como exemplos, Schöngart cita um casal velho conhecido da ciência climática: El Niño e La Niña. Enquanto o primeiro é responsável pelo aquecimento do Pacífico Tropical, o segundo faz


exatamente o contrário. Esse processo de aquecimento e resfriamento dos oceanos tem como resultado uma modificação brusca no equilíbrio das correntes marítimas, dos padrões de vento e das circulações atmosféricas, o que interfere decisivamente no clima e no regime de chu-

vas de muitas áreas do planeta, principalmente nos trópicos. Esta delicada relação climática entre diferentes e distantes regiões do globo é chamada, segundo ele, de “teleconexões”. A região amazônica, em razão de suas enormes

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extensões territoriais, sofre impactos simultâneos de variações das duas regiões oceânicas – Pacífico Tropical e Atlântico Tropical Norte – o que resulta em “anomalias” em pontos diferentes de suas terras. Schöngart explica: “O ciclo hidrológico de afluentes do Amazonas resulta das variações sazonais de chuvas nas suas enormes cabeceiras. O regime pluviométrico integra anomalias de TSMs de ambas as regiões oceanográficas através das circulações atmosféricas”, explica. O pesquisador diz ainda que a influência das mudanças das temperaturas oceânicas pode ser diferente, de acordo com as características naturais de cada sub-bacia da região amazônica em que esses impactos acontecem. “O impacto de TSMs de ambas as regiões oceanográficas, na relação com o regime hidrológico de um afluente, depende da sua localização geográfica”, diz, dando como exemplos os casos dos rios Madeira e Purus, afluentes dos rios Amazonas e Solimões, respectivamente.

Para responder a estas questões, cientistas do Max Planck do Inpa estão recorrendo à sabedoria das árvores centenárias da região amazônica. Liderados pelo cientista Jochen Schöngart, a equipe está realizando intensa pesquisa no interior dos troncos de espécies de árvores de até 500 anos de idade, como a arapari (Macrolobium acaciifolium, Fabaceae) e a assacu (Hura creptans). O objetivo é catalogar, por meio das características e variações internas dos “anéis anuais da madeira” o comportamento da árvore ao longo do tempo e, saber, com isso, a que condições climáticas essas espécie foram submetidas. Com a metodologia, conhecida como Dendrocronologia, é possível saber com certo grau de precisão, além da própria idade da espécie, em quais anos a região da árvore usada no experimento passou por períodos de cheia ou de mário bentes seca. Segundo Schöngart, isso se torna possível por meio da análise dos anéis que se formam no interior do tronco de cada espécie. Os anéis são como círculos concêntricos (com centro do raio em comum), mas desenhados de modo irregular e de acordo as adaptações morfológicas, anatômicas e fisiológicas das espécies.

“Enquanto o regime hidrológico do Rio Madeira tem associações mais fortes com TSMs do Atlântico Norte Tropical, o do Rio Purus tem fortes sinais do fenômeno El Niño”. Ques“Os anéis são camadas tionado sobre as influênde crescimento do tronco cias específicas para Mae as distâncias entre eles naus, onde as previsões revelam o que aconteceu das autoridades apontam em um ano específico da que até junho deve aconvida da árvore. Se a distecer uma inundação já tância entre um anel e classificada como a se- Cientistas recorrem à sabedoria de árvores centenárias para outro for curta, significa gunda maior dos últimos estudar a emissão de gases que causam o efeito estufa que naquele ano a árvo100 anos, o pesquisador re não teve muito tempo diz que as duas regiões para crescer por causa oceânicas exercem influência no regime hidrológico de uma grande cheia”, explica. A afirmação de da cidade. “As duas regiões oceanográficas influenSchöngart é fruto de uma constatação científica ciam o regime hidrológico. O período de enchente conhecida, já que, quando estão debaixo d’água, e cheia são mais controlados pela El Niño-Southern as árvores vivem num ambiente anaeróbico (com Oscillation (ENSO), enquanto a vazante e seca, dupouco oxigênio). Situação inversa acontece nos rante o segundo semestre do ano, são dominados por períodos não inundados, quando as espécies recesinais de TSMs do Atlântico Norte Tropical”, afirma. bem mais luz e se desenvolvem com mais vigor.

Memória de árvore

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Mas afinal de contas, quem é o grande responsável pela “grande cheia” que se aproxima da cidade e que, se confirmada, pode inundar boa parte de sua área urbana? E a severa seca de 2005, que isolou comunidades inteiras e causou grandes prejuízos para os ribeirinhos? O homem, que segue aquecendo o planeta com a emissão de gases causadores do “efeito estufa”, ou a própria natureza?

Arquivo centenário A relevância da técnica usada no estudo do Instituto Max Planck, de acordo com o cientista alemão, está na possibilidade de reconstruir um longo período histórico de variações hidrológicas na região amazônica (processo chamado de Dendroclimatologia) e assim identificar um padrão do comportamento do clima. “Mesmo que em Manaus existam dados de flutuações de níveis d’água de


mais de 100 anos, esta série temporal não é suficiente para detectar tendências como, por exemplo, aumento de secas severas ou grandes cheias”, diz o cientista.

tes registrados mais recentemente com o intuito de saber se de fato as mudanças climáticas estão atuando em eventos climáticos de grande impacto. “A reconstrução do regime hidrológico permite uma avaliação mais acurada se secas severas como a de 2005 ou grandes cheias ainda se explicam através das variações naturais do regime hidrológico ou já são resultados de mudanças climáticas globais causadas pelo ser humano”, adianta. Outro ponto importante, adianta o cientista, é que o modelo resultante desse processo comparativo pode ser capaz de prever, com pelo menos dois ou quatro meses de antecedência, a ocorrências de grandes cheias ou de secas como a de 2005. “O acompanhamento desses eventos vem sendo feito há quatro anos e utiliza como base os dados oceanográficos do Pacífico, as temperaturas superficiais da água do mar ou o Índice da Oscilação Sul (SOI), o qual é inserido em um modelo de regressão múltipla”, diz.

Acompanhamento de informações Jochen Schöngar conta que uma célula piloto de acompanhamento dos níveis dos rios na Amazônia Ocidental está sendo montada na Rede de Meteorologia e Hidrologia do Amazonas (REMETHI), do Centro de Estudos Superiores do Trópico Úmido (CESTU) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Segundo ele, a técnica de previsão base-

ado em TSMs do Pacífico Tropical e Atlântico Norte Tropical pode vir a ser usada pela entidade com o objetivo de investigar outros pontos na Bacia Amazônica. “Os passos no trabalho com a UEA vão no sentido de estender as pesquisas para prever cheias e secas também em outras sub-bacias na Amazônia, como nos rios Madeira e Negro. O objetivo maior da pesquisa é divulgar as informações para o Governo do Estado, Organizações Não Governamentais (ONGs), institutos de pesquisa e entidades da sociedade civil que possam usar as informações para a tomada de decisões”, finaliza o pesquisador, enquanto, do lado de fora de sua sala, no Inpa, inicia uma forte chuva.

acervo instituto max planck

Ele explica ainda que com a recomposição de informações históricas dos fenômenos como cheias e secas, pode-se traçar um perfil comparativo com fenômenos semelhan-

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anselmo d’affonseca

ADAPTAÇÃO 44

O Elemento

> Por Mário Bentes

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eixes como o tamoatá ou tamboatá (Hoplosternum littorale), espécie típica do Norte do Brasil, têm a capacidade de resistir simultaneamente a rios poluídos por coliformes fecais e a baixíssimos níveis de oxigênio e presença elevada de fungos, gás metano e até ácido sulfídrico.

X

Ele não é o único. Outras espécies do meio ambiente aquático, como peixes, invertebrados, mamíferos e microorganismos, são capazes de lidar com ambientes diferentes e hostis, sejam eles naturais ou modificados pelo homem. Mas como essa resistência “natural” se dá? Qual o “elemento X” que propicia esse mecanismo


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da evolução

O projeto vai detectar o que as diferentes espécies têm em comum em nível genético

biológico de defesa e de adaptação ao ambiente modificado? E mais importante: Esse mesmo elemento pode ser usado em benefício do homem?

O mapa da mina Segundo o biólogo Adalberto Luis Val, pesquisador-chefe do recém aprovado Centro de

Estudos da Adaptação da Biota Aquática da Amazônia (ADAPTA), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a resposta para tudo isso pode estar no DNA dessas espécies. “Todos os indivíduos têm um vasto conjunto de informações genéticas em seu DNA, mas não são todas as informações genéticas

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contidas no DNA que se expressam de forma evidente ao longo de suas vidas”, afirma.

O projeto

Com recursos na ordem de R$ 9 milhões, obtidos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Amazonas (Fapeam), com a participação de mais de 100 doutores da comunidade científica nacional e internacional, e com a recomendação de avaliadores do exterior, o ADAPTA vai peraquáticas mitir que os cientistas possam região amazôniiniciar uma longa busca por informações no DNA de espécies são capazes de aquáticas da região amazônica.

Dessa forma, ao contrário das informações responsáveis pelos traços quantitativos dos indivíduos (cor dos olhos, pele e tipo de cabelo, no caso do homem), esse segundo grupo ainda não identificado de informações pode ser aquele usado apenas “em casos Espécies de emergências ambientais”. “A produção de características, novas ou não, nos indivíduos é resultado das expressões do genoma em dado momento de suas vidas”, explica Val, referindo-se ao fato de que a resistência de alguns exemplares do meio ambiente aquático a condições extremas do ambiente pode estar justamente associada a uma manifestação ainda oculta do DNA.

da ca fazer mutações em seus próprios códigos genéticos para se adaptarem às mudanças de ambiente

Essa “manifestação”, segundo ele, pode acontecer com a produção de uma proteína, uma enzima, um muco ou qualquer outra nova substância resultante de uma reação química no organismo dessas espécies. E foi com o objetivo de identificar o ponto de partida dessas “alterações” – e suas possíveis potencialidades – que surgiu o projeto ADAPTA.

De acordo com Val, que também ocupa o cargo de diretor geral do Inpa, a pesquisa tem duração de cinco anos e vai atuar em três frentes. A primeira delas consiste na identificação de todas as diferentes espécies capazes de enfrentar uma mesma situação adversa e, em seguida, detectar o que essas diferentes espécies têm em comum em nível genético. “Na represa da hidrelétrica de Balbina, por exemplo, existe uma infinidade de espécies de peixes, plantas e microorganismos capazes de resistir à presença do metano (gás altamente inflamável) e do ácido sulfídrico (composto corrosivo, venenoso e de odor desagradável) na água, anselmo d´affonseca

46 A pesquisa vai identificar todas as diferentes espécies capazes de enfrentar situação adversa e detectar o que essas têm em comum


anselmo d´affonseca

tabajara moreno

Segundo Adalberto Val (detalhe), o ADAPTA vai permitir que os cientistas possam iniciar uma longa busca por informações no DNA de espécies aquáticas da região amazônica

assim como o baixo nível de oxigênio”, informa. Outros exemplos dados pelo cientista são as áreas de mineração, que contam com a presença de metais pesados, como mercúrio (usado na purificação do ouro), de exploração de petróleo, e o entorno das cidades, que também impõe sérias dificuldades de sobrevivência à fauna aquática em virtude da ausência, em muitos casos, de tratamento adequado de esgoto. Da mesma forma, a pesquisa vai mapear os locais tidos como “hostis” à sobrevivência aquática e identificar as espécies capazes de resistir a todas elas ao mesmo tempo.

Cerco ao problema Como segunda frente de atuação, o ADAPTA também vai levar em consideração as dificuldades impostas naturalmente aos indivíduos. Como exemplo, o biólogo cita o caso do jaraqui (Semaprochilodus taeniurus e S. insignis), outro peixe comum da região, que costuma transitar periodicamente nas águas dos rios Solimões e Negro. “O Solimões tem pH próximo à neutralidade, alta quantidade de material orgânico em suspensão e boas quantidades de sais, enquanto o Negro tem pH ácido e baixas quantidades de sais, a ponto de sua composição ser similar a da água destilada (água “pura”)”, explica o cientista.

Microcosmos A terceira e última frente de atuação são os “ambientes experimentais” (criados em laboratório), ou, como prefere dizer Val, os chamados “microcosmos”. “Nós vamos submeter diferentes espécies a determinadas condições de ambiente e analisar sua constituição genética. Após um ano, vamos alterar essas condições, principalmente a temperatura e os níveis de CO2, e avaliar quais espécies resistirão”, explica. Para ele, esse cenário poderá detectar precisamente as informações do DNA que se manifestaram e quais as novas substâncias produzidas para que as espécies pudessem ser capazes de se adaptar e, consequentemente, sobreviver à nova situação.

Banco de dados genético Todas as informações coletadas serão registradas em um banco de dados, que será dividido segundo o nível de refinamento das informações. A primeira parte vai guardar os dados referentes às adaptações biológicas e às interações dos organismos com seus ambientes, assim como as etapas de sequenciamento dos genes. “O primeiro banco de dados vai me dizer quem são os organismos comuns que conseguiram sobreviver ao microcosmos (aumento de temperatura e CO2) e os que conseguem sobreviver simulta-

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neamente às áreas de mineração, poluição urbana e usinas hidrelétricas”, detalha Val.

Mário bentes

“Nessa etapa, o banco vai nos dizer quais as funções de uma enzima, de uma proteína ou de qualquer outra substância. Isso vai otimizar a pesquisa, já que não necessitaremos pesquisar sobre o que já foi pesquisado”, esclarece.

Já a segunda parte do banco vai guardar os resultados do trabalho de cruzamento entre os dados armazenados no primeiro As espécies do meio ambiente aquático são capazes de lidar com banco e os dados ambientes diferentes e hostis, sejam eles naturais ou modificados existentes na literatura universal A etapa fisobre sequenciamento genético de espécies e as nal do projeto é a chamada “linha de proatribuições catalogadas de cada trecho do DNA. dução”, onde as novas substâncias detectadas serão trabalhadas em laboratório de Bioinformática modo a serem produzidas em larga escala. O cruzamento de informações será realizado com o uso de um laboratório de bioinformática que deve ser instalado no Inpa já para este projeto. Ele vai usar informações de sequenciamento genético obtidas com uma inovação na região Norte do país: o sistema Solid, que segundo Val, é capaz de mapear e sequenciar uma cadeia de DNA dez vezes mais rápido que os sistemas atuais existentes no Inpa. A última parte do banco, também capitaneada pelo laboratório de bioinformática, será responsável pelo armazenamento de informações sobre as funcionalidades de cada novo gene mapeado que se manifestou de acordo com as mudanças de ambiente.

Fique por dentro do Adapta Bioinformática – o sistema Solid

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Com capacidade de processamento simultâneo de informações em aproximadamente 10 Terabytes (10,2 mil Gigabytes), o sistema Solid será um dos grandes aliados do projeto Adapta. Com o supercomputador, o Inpa vai poder analisar com rapidez e segurança um grande volume de informações referentes ao cruzamento dos três bancos de dados do laboratório de Bioinformática. Segundo Adalberto Luis Val, o sistema Solid pode efetuar o sequenciamento do Genoma humano dez vezes em apenas uma única semana.

Fé na possibilidade do progresso O ADAPTA, um dos quatro projetos do Inpa aprovados pelo Governo Federal, tem duração inicial prevista em cinco anos, mas seus resultados serão avaliados após três anos. Caso o MCT veja relevância nos resultados, o projeto prossegue por mais dois anos. Com o projeto, Val espera que o Inpa descubra novos produtos úteis ao homem, como medicamentos. Sobre a possibilidade de êxito, o pesquisador sorri e cita o trecho de um dos muitos livros da biblioteca de sua sala no Inpa: “Pesquisa é uma expressão de fé na possibilidade do progresso”.

Capacitação de pessoal Outro ponto previsto no Adapta, além das inovações científicas a que se propõe, é a capacitação de pessoal para atuar em outras frentes e outros projetos do Inpa ou de instituições privadas. Segundo Val, estão previstas a formação de pelo menos 200 novos especialistas.

Socialização das informações De forma complementar, o projeto prevê ainda o envolvimento de outras áreas de atuação, como os profissionais de imprensa. Segundo o diretor do Inpa, a participação de jornalistas será fundamental para o que ele chama de “socialização” de conhecimentos.



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Do laboratório para a > Por Tabajara Moreno

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O interesse pelo Chat tem crescido a cada edição. É o que afirma a gerente de conteúdo do Portal Amazônia, Gláucia Chair. “Sempre recebemos muitos e-mails de internautas interessados em saber qual será o assunto abordado no próximo bate-papo. Além disso, eles também enviam temas que gostariam de conhecer mais”, conta Chair.

O bate-papo permite uma proximidade maior entre os pesquisadores do Instituto e a comunidade. Através Já participaram do Chat os pesquisadores Iêda Amadesse diálogo virtual tem sido possíral, da Coordenação de Pesquisas em vel apresentar, de maneira simples, Botânica (CPBO); Pierre Alexandre os resultados das pesquisas desendos Santos, da Coordenação de PesToda semana volvidas nos laboratórios do Inpa. quisas em Produtos Naturais (CPPN); pesquisas Helyde Albuquerque Marinho, CoorA primeira edição do Chat acontedenação de Pesquisas em Ciências desenvolvidas no ceu em março deste ano. Ao todo, da Saúde (CPCS); Hillândia Brandão Inpa são tema de dez pesquisadores do Inpa já apreda Cunha e e Sérgio Bringel, da CoChat na internet sentaram seus estudos e respondeordenação de Pesquisas em Clima e ram às Recursos Hídricos (CPCRH); Ires Miindagaranda, do Laboratório de Estudos e ções dos internautas. Palmeiras (LABPALM); Hiroshi Noda, da Coordenação Para a pesquisadora do de Pesquisas em Ciências Agronômicas (CPCA); Jochen Laboratório de CeluSchongart, que atua no Inpa através da parceria com o lose e Papel/carvão Instituto Max Planck, além do Vegetal, Marcela veterinário do Laboratório de Amazonas, o Chat Mamíferos Aquáticos (LMA), assume uma função Anselmo D´Affonseca. muito importante, Marcela Amazonas acredita pois à medida que a participação no Chat que o contato permite ao pesquisador se permite uma inteirar da realidade das aproximação pessoas, despertando sua de públicos, de sensibilidade para outros campos de estudo diferentes idatabajara moreno

divulgando a ciência

conhecimento científico é parte do cotidiano e desperta fascínio nas pessoas. Mas sua linguagem repleta de termos técnicos associada a uma visão, ainda predominante, de que a ciência é algo restrito a laboratórios de pesquisa acaba estabelecendo uma barreira invisível entre esse conhecimento e a sociedade. É com a proposta de romper esse paradigma que pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa ) tem conversado, sempre às quartas-feiras, às 14hs, com internautas no Chat do site Portal Amazônia (www.portalamazonia.com).

des, com a pesquisa, novas pessoas são atraídas para o campo da ciência. “Essa interação com internautas de diversas idades é extremamente importante. É uma via de mão dupla. O pesquisador se inteira mais da realidade das pessoas, despertando assim sua sensibilidade para outros campos de estudo, e crianças, jovens e adultos são atraídos para a atuação científica”, expõe.




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