CIÊNCIA PARA TODOS Julho de 2013. nº. 11, ano 5 (Distribuição gratuita)
nas águas da região hidrográfica amazônica ENTREVISTA
Dionísia Nagahama, pesquisadora do Inpa, fala sobre a produção e aproveitamento de alimentos associado à práticas de atividades físicas para manter uma vida saudável SOCIEDADE
Pesquisa busca entender o comportamento humano na relação com o meio ambiente
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TABAJARA MORENO
HÁ MAIS DE MEIO SÉCULO GERANDO E DISSEMINANDO CONHECIMENTOS E TECNOLOGIAS PARA A REGIÃO AMAZÔNICA
EXPEDIENTE
EDITORIAL “Divulgação científica consiste em familiarizar o público com a ciência e suas implicações, suprindo falhas na formação educacional e ao mesmo tempo atualizando conhecimentos”, a citação foi dita pelo cientista José Reis, um dos pioneiros da divulgação científica e do jornalismo científico no Brasil. A familiarização é importante na interação entre o homem e meio ambiente. Essa interação é estudada no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) que analisa o conhecimento de crianças e jovens ao utilizar e transformar os recursos florestais. Também implica em derrubar mitos, principalmente, nesta região onde a biodiversidade e a dimensão são associadas à riqueza em todos os níveis naturais, a exemplo, os solos amazônicos que se pensava ser os mais férteis ou ainda de desfazer mitos sobre os morcegos e mostrar a importância deles no ecossistema amazônico. Tal comportamento pode explicar como o crescimento econômico e a falta de planejamento de algumas cidades brasileiras afetam os recursos naturais existentes. As transformações naturais possivelmente influenciaram mutações genéticas em espécies, como é o caso da espécie jacarépaguá, citada em reportagem nesta edição. A dimensão e riqueza da região amazônica ainda são pouco conhecidas pela população como os valores nutricionais das frutas, carnes de animais silvestres e peixes da região amazônica, por isso o Inpa desenvolveu uma tabela contendo essas informações que podem contribuir para a prática de hábitos saudáveis. Outro equívoco é implantar políticas públicas e leis levando em consideração um Brasil uniforme, esquecendo que este país possui diversos biomas com características específicas. Tais disparidades estão presentes na resolução que rege os padrões químicos para utilização de recursos naturais, esses padrões não refletem a realidade das águas do Estado do Amazonas. Atualizar conhecimentos aplica em renovar conceitos, teorias, gerar formadores de informação sejam eles cientistas, estudantes, professores enfim, quem faz e repassa os conhecimentos precisa ter como meta a divulgação científica.
Adalberto Luis Val Diretor do Inpa Estevão Monteiro de Paula Diretor Substituto do Inpa Coordenador de Ações Estratégicas – COAE Sérgio Fonseca Guimarães Chefe de Gabinete Beatriz Ronchi Teles Coordenadora de Capacitação – COCP Hilândia Brandão da Cunha Coordenadora de Pesquisas e Acompanhamento das Atividades Finalísticas – CPAF Raimundo Otaíde Ferreira Picanço Filho Coordenador de Administração – COAD Carlos Roberto Bueno Coordenador de Extensão – COEX Daniel Jordano da Silva Miranda Assessor de Comunicação SRTE (518/AM) Josiane Santos Editora- chefe Clarissa Bacellar Eduardo Gomes Fernanda Farias Josiane Santos Raiza Lucena Redação Juan Matheus Eduardo Phillipe Jéssica Vasconcelos Colaboradores Acervo CDAM Daniel Jordano Eduardo Gomes Acervo Pesquisadores Divulgação HDOM Ascom/Inpi Fotografias Josiane Santos Raiza Lucena Revisão Juliana Lima Projeto Gráfico
NOSSA CAPA: Zoom nas águas da Região Hidrográfica Amazônica.
CIÊNCIA PARA TODOS Julho de 2013. nº. 11, ano 5 (Distribuição gratuita)
Rildo Carneiro MTB-004-AM Denys Serrão Diagramação Fernando Neto Juliana Lima Denys Serrão Artes e Ilustrações
nas águas da região hidrográfica amazônica ENTREVISTA
Dionísia Nagahama, pesquisadora do Inpa, fala sobre a produção e aproveitamento de alimentos associado à práticas de atividades físicas para manter uma vida saudável SOCIEDADE
Pesquisa busca entender o comportamento humano na relação com o meio ambiente
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SUMÁRIO artigo
As diversas formas de projeções das questões urbanas
entrevista
7 Na entrevista à Ciência para Todos, a pesquisadora esclarece pontos relacionados à prática de hábitos saudáveis, aproveitamento de alimentos e consequências do consumo constante de comidas industrializadas
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SOCIEDADE
Estudo analisa em crianças e jovens o conhecimento presente na hora de tomar decisões em relação à utilização das áreas florestais nativas
20 Tabela auxilia no conhecimento dos valores nutricionais de frutas, carnes de animais silvestres e peixes da região amazônica
DINÂMICA AMBIENTAL
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Multilinguismo no Alto Rio Negro: uma interação entre língua, cultura e sociedade
Estudo realiza análises químicas das águas da Região Hidrográfica Amazônica
32 Estudo demostrou que mesmo igarapés localizados dentro de reservas ambientais têm sofrido forte influência da expansão urbana
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Pesquisadores explicam os motivos dos solos amazônicos possuírem baixa fertilidade e alegam que por mais raros que sejam, a Amazônia também possui solos de alta fertilidade
tECNOLOGIA & iNOVAÇÃO
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Estudo busca identificar possíveis obstáculos geográficos que ocasionaram mutações genéticas em jacarés e que influenciaram em sua adaptação
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FIQUE CIENTE
BIODIVERSIDADE
Por meio de parcerias com empresas, o Inpa tem levado suas pesquisas para além dos laboratórios para geração de mão-de-obra, renda e melhoria de vida da população local
Fique atualizado sobre algumas novidades da área de C,T&I
SEÇÃO INFANTIL
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Vida de morcego: curiosidades e mitos
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FIQUE CIENTE
Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr)
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio do Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr), pretende integrar informações de diversas fontes nacionais e estrangeiras sobre a biodiversidade e os ecossistemas brasileiros utilizando um sistema online. O objetivo do SiBBr é unificar as informações que estão espalhadas em diferentes instituições e em diferentes formatos, e não substituirão os banco de dados existentes.
1 Compartilhamento da produção científica O Projeto de Lei do Senado (PLS 387/2011) do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) propõe a publicação obrigatória, por meio de depositórios digitais de acesso livre, o inteiro teor das publicações técnico-científica conclusivas, apoiadas com recursos financeiros provenientes do governo federal, estadual ou municipal,desenvolvidos por estudantes aprovados nos cursos de pósgraduação – mestrado, doutorado, pósdoutorado ou similar-, incluindo resultados de pesquisas realizadas por seus professores, pesquisadores e colaboradores. As produções científicas ou artigos protegidos por contratos de direito de propriedade intelectual, que contenham invenções passíveis de patenteamento, deverão ser publicados informações que descrevam a produção técnico-científica até enquanto durar a restrição.
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Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa/MCTI
@Ascom_Inpa
digital.inpa@gmail.com
3 Nader reeleita Helena Bonciani Nader foi reeleita presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para um novo mandato de dois anos (julho de 2013 a julho de 2015). Também aconteceu a votação para os cargos de vice-presidente, secretário geral e os secretários regionais. Os eleitos foram empossados durante a 65ª Reunião Anual da entidade, que foi realizada em Recife (PE), de 21 a 26 de julho.
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ARTIGO
Palimpsesto urbano: prolegômenos a um contexto Reinaldo Corrêa Costa é geógrafo e pesquisador do Inpa. Atua nos temas: meio ambiente e riscos, cadeias produtivas e biodiversidade, políticas públicas, formação econômica-social e geossistemas
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á diversas formas de projeção das questões urbanas e a identificação de seus componentes plasma uma multirrealidade, ou seja, a cidade não é a mesma para as administrações de segurança pública, de educação e de saúde dos moradores em diferentes bairros com suas diferentes classes sociais e de renda. A projeção urbana no cotidiano - história em movimento e espaço em estruturação - pode ser também desde os dados estatísticos até pesquisas qualitativas. O que existe é a reprodução ampliada dos espaços urbanos e suas relações - sociais, econômicas, políticas e culturais polarizadas pela ideologia urbana - não necessariamente cidadã - e pela fragilidade das administrações públicas, principalmente, de segurança. Não se encontram muito espaços públicos de lazer e vivência, tanto que ocorre um crescimento de condomínios fechados e centros de compras tais como os shoppings centers, concomitantemente ao comércio dito de rua e de moradias fora de condomínios fechados, diferenciados “Construir a consciência sobre a cidade real, a dimensão da exclusão e da segregação, a regressão nos investimentos públicos, a discriminatória gestão e regulação do uso do solo, é sem dúvida o primeiro passo para reverter esse quadro e dar visibilidade para a “cidade oculta” que é hoje, na verdade, a cidade da maioria. Os excluídos urbanos deixaram de
geralmente pela capacidade de compra. O crescimento das cidades ocorre não somente pelo fetiche do modo de vida urbano em detrimento do viver no mundo rural, mas por uma ideologia que não mostra a concentração de renda com os latifúndios, e a lógica de que os espaços e seus conteúdos são mercadoria. Vários temas do processo de urbanização que são historicamente constituídos em estrutura, processo, função e forma são identificados, tais como: - Aumento das áreas de risco, que são formadas concomitantemente com a produção do espaço urbano, reflexo da fragilidade da cultura de risco nas administrações públicas, pois mostram as fraquezas na gestão urbana de uso e acesso ao solo, fragilidades dos órgãos governamentais em não administrar seu território e pouca valorização de processos de previsão de impactos, portanto reproduzem os ideários de culpar a natureza com expressões do tipo: desastres naturais; - Degradação de centros históricos e políticas de ser minoria. A exceção virou regra e a regra exceção. Quanto mais a sociedade brasileira demorar para enfrentar a questão urbana, mais o desastre se aprofundará comprometendo não somente os segregados que habitam essas “bombas sócio ecológicas”, formadas por bairros inteiros ilegais, homogeneamente pobres, mas toda a cidade que tem seus
gentrificação (revitalização de centros das cidades) que não atendem aos mais necessitados e que reproduzem a lógica de desigualdades e injustiças espaciais, pois persiste a falta de moradia, o que obriga aos mais necessitados a fazerem a autoconstrução; - Fragilidade no transporte público urbano e favorecimento, via política de impostos, de um automóvel por pessoa, como se vê em vários engarrafamentos na hora do rush em diversas cidades brasileiras, e seus respectivos impactos como emissão de gases e particulados, contribuindo para a formação de domo de poluição no céu das cidades, aumento de doenças respiratórias, maior desgaste de asfalto e custos para prefeituras. A superação de problemas urbanos requer práticas políticas de participação, mas também do ideário de que o interesse privado não pode superar o interesse público; que a natureza é importante, por exemplo, como conforto térmico ou como elemento da beleza cênica da paisagem urbana. mananciais de água, florestas e recursos hídricos comprometidos. Se a elite brasileira não toma as providencias para reverter essa situação de injustiça e desigualdade movida pela solidariedade, deveria fazê-lo por amor a seus filhos e para salvar os seus pescoços”.
Erminia Maricato
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Fotos: Eduardo Gomes
ENTREVISTA
Dionísia Nagahama: Nutricionista e doutora em saúde pública é pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/ MCTI) e professora de pós-graduação da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Coordena no Amazonas o projeto “Estratégia de Educação Alimentar Nutricional para a Promoção de Alimentos Saudáveis”, além de participar de projetos ligados à área de alimentos e nutrição no Inpa.
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Métodos práticos e hábitos alimentares saudáveis para crianças e adultos
Dionísia Nagahama explica as consequências do consumo excessivo de alimentos industrializados e a importância da prática de atividades físicas Por Juan Mattheus
“T
odos sabem o que acontece quando se ingere refrigerante diariamente, mas apenas irão dar a devida importância quando ocorrerem as sequelas da diabetes. Em outras palavras: quando estiverem na iminência de ficarem cegos” É o alerta da nutricionista e pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), Dionísia Nagahama. A pesquisadora falou ainda como frutas regionais podem colaborar para uma alimentação mais saudável. De acordo com Nagahama, batata frita, hambúrgueres, refrigerantes e todos esses tipos de alimentos são preferência de sete a cada dez pessoas na hora de fazer uma refeição. Os junk-foods, ou, as comidas nada saudáveis, são fontes alimentícias repletas de calorias, gorduras saturadas e trans. Esses alimentos ainda são pobres em fibras e nutrientes,
como vitaminas e sais minerais. Dionísia Nagahama alerta que outro agravante na composição desses alimentos, em bases nutricionais é a presença extrema de aromatizantes, conservantes e produtos químicos. Em entrevista a Ciência para Todos, Dionísia esclarece pontos relacionados à produção e aproveitamento de alimentos, em uma época em que temos um maior acesso a todos os tipos de produtos alimentícios. Ciência para Todos: Quais os projetos que você coordena dentro do Inpa? Dionísia Nagahama: Os projetos que participo são todos ligados a área de alimentos e nutrição, um deles é sobre a atividade funcional das fruteiras do Amazonas, cujo subprojeto foi verificar o efeito do camu-camu nos níveis de colesterol e triglicerídeos nos servidores do instituto. Tal projeto ainda está em fase de análise. No
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Vida saudável é ter uma boa alimentação e cuidados físicos, não necessariamente ser esportista, mas é preciso deixar de ser sedentário.
(Dionísia Nagahama)
momento, o estudo que está em vigor é o impacto da estratégia de educação alimentar nutricional para préescolares com ênfase na anemia ferropriva, indo ao encontro a minha área de atuação que é saúde pública e as deficiências nutricionais. É um estudo multicêntrico cujo objetivo é verificar a eficácia da estratégia utilizada na alimentação ou na atitude dos adultos em relação aos hábitos alimentares saudáveis da criança. Está sob a coordenação geral da doutora Derlange Diniz da Universidade Estadual do Ceará (UFC) em conjunto com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), sou a coordenadora da pesquisa em Manaus (AM), cuja população de estudo é crianças em fase pré-escolar de uma Instituição filantrópica matriculadas em tempo integral ou semi-integral. São desenvolvidas estratégias de educação alimentar desde a criança com atividades lúdicas até atividades com os adultos, incluindo os pais, cuidadores da alimentação (merendeiras), os diretores e professores. É um trabalho com todos os atores que estão envolvidos com estas crianças, pois não basta apenas trabalhar na formação dos hábitos alimentares dos pequenos, mas alertar os adultos que eles exercem uma influência decisiva nesta formação. Nossa equipe, conta com a participação de alunos e professores do curso de gastronomia, que trabalham no aspecto da apresentação e do sabor das refeições, dando orientação de como preparar, aproveitar totalmente os alimentos até o processo de conservação, ou seja, aprendem a utilizar sementes em preparações saborosas, nutritivas e econômicas. Nesta estratégia é ensinado às pessoas que manuseiam os alimentos, seja em casa ou na escola, o que pode ser feito para incrementar ou agregar valor nutricional à alimentação oferecida no dia a dia. Ao final, por meio de comparações, verificaremos se as estratégias utilizadas foram eficazes no melhoramento do comportamento alimentar das crianças e de todos os atores envolvidos. CT: Quais os alimentos pesquisados pelo seu grupo e
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DN: Muitos acham que o poder aquisitivo está quais seus valores nutricionais para a população? DN: O grupo de nutrição do Inpa trabalha muito com os diretamente ligado à qualidade da alimentação. frutos regionais, pois temos uma biodiversidade imensa Estudos mostram que não é bem assim, pois em países nessa parte frutífera. Muitos são autóctones, aqueles que desenvolvidos ou mesmo nas populações brasileiras existem na natureza, e como não fazem parte de uma com melhores condições socioeconômicas, verificacadeia produtiva, demoram anos para serem produzidos se uma constante presença de fast-foods, alimentos e não são geralmente comercializados, e quando o industrializados e com alto teor de calorias e sódio e são, os preços são exorbitantes. De qualquer forma, aditivos. A obesidade está eminente nestas sociedades, geralmente, somada às deficiências de outros tentamos resgatar os hábitos nutrientes importantes como vitaminas, saudáveis de consumir minerais e fibras, é o que chamamos frutos que ainda existem de fome oculta, camuflada por uma em outros ecossistemas aparência de normalidade ou da nossa região, como no exageros, então nem sempre Alto Solimões, noroeste ter bom poder aquisitivo do Amazonas, ou da O que de fato é preponderante demonstra ter acesso a uma população ribeirinha, na escolha correta dos alimentos alimentação saudável. É onde encontramos uma é a escolaridade dos pais e as cada vez mais frequente variedade de frutos nativos informações que a população recebe. os pais darem mesada ao em quintais de todo mundo, Se você oferece informação a uma filho, proporcionando-o entretanto, eles não dão família, mesmo que não tenha autonomia de escolha para valor e os frutos acabam condições financeiras boas, é uma comprar na cantina da apodrecendo no pé ou forma de dar uma oportunidade da escola, ao invés de preparar como dizem: fazendo lama. escolha correta. um lanche em casa. É lógico No Laboratório de Alimentos que essa criança vai querer e Nutrição do Inpa, foram (Dionísia Nagahama) comer aquilo que ela gosta e analisados e publicados mais de não o que é saudável. O que de 30 frutos e, aproximadamente, 12 fato é preponderante na escolha espécies de peixes, algumas carnes correta dos alimentos é a escolaridade de caça e hortaliças. Frutos como dos pais e as informações que a população camu-camu, cubiu e açaí foram também recebe. Se você oferece informação a uma verificados o seu potencial como alimento funcional por meio de experimentações com animais família, mesmo que não tenha condições de laboratório e, posteriormente, com seres humanos. financeiras boas, é uma forma de dar Temos um potencial muito grande nesses frutos, tanto uma oportunidade da escolha quanto ao seu valor nutricional e funcional como em correta. A mídia, a escola e valor tecnológico. Alguns já são exportados, como os profissionais de saúde, o açaí e o cupuaçu, há muito interesse na produção e alimentos e nutrição têm exportação do camu-camu, a fruta com maior teor de um peso enorme nesta vitamina C já analisada. A partir do conhecimento do formação e informação. potencial nutricional dos frutos e de outros alimentos O nosso grupo tem encontrados na região poderemos utilizá-los da melhor um intenso trabalho maneira possível na merenda escolar, nas recuperações junto à Secretaria das deficiências ou dos desvios nutricionais, seja para a de Saúde e com a desnutrição ou para a obesidade, como também para a Unicef no repasse prevenção das doenças crônicas não transmissíveis como das informações e a hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares. na formação de Também merecem destaque os frutos que contem alto multipli-cadores, teor de carotenóides - uma pró-vitamina A que quando cujo foco é sobre potencial ingerida se transforma em vitamina A - são os frutos o e de cores bem alaranjados como a pupunha, o tucumã, nutritivo o buriti, o umari, a manga e outros. Sendo assim, t e c n o l ó g i c o frutos temos uma variedade de frutos que podem minimizar dos o problema da hipovitaminose A, uma deficiência e x i s t e n t e s região, nutricional relevante na saúde pública devido a sua na prevalência no nosso país. CT: Quais os meios simples e baratos que as pessoas podem adquirir para obter uma alimentação saudável?
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justamente para resgatar os hábitos alimentares saudáveis de antigamente e incrementar os já existentes. A alimentação bem acessível é aquela que cultivamos em casa, qualquer pessoa pode plantar uma hortaliça numa lata vazia, num pedaço suspenso da parede, se não tiver espaço no chão. Adquirir sempre as frutas, os peixes da época, se possível estocar para a época da entressafra, ou por processo de congelamento ou desidratação. Por que não fazer farinha de pupunha ou de peixe (o conhecido piracuí) quando um cacho da pupunha custa em média R$5? Ou 50 a 100 peixes por R$10? Por que comprar macarrão instantâneo que abastece apenas uma pessoa ao invés do pacote de macarrão bem mais barato e que dá para uma família inteira? Economizar nos supérfluos, o próprio nome já diz: que não são necessários e por isso custam muito caro, como salgadinhos, biscoitos recheados, enlatados, embutidos (salsicha, mortadela, calabresa, etc) e outras guloseimas que, além de não serem nutritivos, podem causar algum malefício à saúde. As oficinas que realizamos mostram o processamento de alguns alimentos regionais, uma alternativa de utilizá-los na época da safra, quando os preços estão mais em conta e armazená-los para utilizações futuras, por exemplo, o cupuaçu, que pode ser congelado e durar por mais tempo, a partir do processo de branqueamento, onde o colocamos em água fervente por dois minutos e logo após em água gelada, inativando as enzimas, preservando, assim, por mais tempo. Ou mesmo transformar em farinha a pupunha, o tucumã, o buriti, o açaí e utilizar na preparação de
macarrão, bolos, produtos de panificação e outras preparações culinárias a partir desses frutos amazônicos ricos em vitamina A, fibras e energia. Também podemos fazer o aproveitamento integral dos alimentos, ou seja, aproveitar as sementes ou as cascas que provavelmente jogaria fora, como as sementes do jerimum, a parte branca do maracujá (albedo) e da melancia, talos do coentro e da couve e cascas de muitos frutos, como a do abacaxi e das frutas cítricas e até mesmo da pupunha. CT: Quais problemas são recorrentes do consumo excessivo de alimentos industrializados? DN: A palavra excesso já denota falta de bom senso. Atualmente é muito frequente o consumo de alimentos industrializados, entretanto, alguns possuem substâncias que ao longo do tempo serão nocivos à saúde. Em excesso, podem causar doenças crônicas não transmissíveis como a hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e obesidade, de alergia, principalmente, quando este tipo de alimento é oferecido ainda no primeiro ano de vida. Antigamente, a saúde pública direcionava, prioritariamente, os programas de nutrição à recuperação da desnutrição. Hoje, há um gasto muito grande para a distribuição gratuita de medicamentos para este grupo. Por serem doenças crônicas, elas receberão estes medicamentos pelo resto da vida, que pode ser 80 anos. Imagina o custo que isto representa? Poderia ser prevenido? Sem dúvida nenhuma, mas é muito difícil conscientizar para algo que não se vislumbra a longo prazo. O ser humano aprende mais com reação após a
No Laboratório de Alimentos e Nutrição do Inpa foram analisados mais de 30 frutos e publicados
ação, ou seja tomou levou. Todos sabem o que acontece quando se ingere refrigerante diariamente, mas apenas irão dar devida importância quando ocorrerem sequelas da diabetes, como problemas renais, circulatórios, visuais em outras palavras: quando estiverem na iminência de ficarem cegos, amputarem uma perna ou de fazerem hemodiálise o resto da vida. Se sabem, por que o fazem? Por isso, a informação é muito importante e os profissionais de saúde, as escolas já começam a orientar sobre a alimentação saudável, na leitura e entendimento das informações contidas nos rótulos dos produtos industrializados. As mães não imaginam que aquela caixinha simpática e bem elaborada de suco de frutas contém altíssimo teor de sódio para uma criança. Cada um destes alimentos contém ou gorduras trans como os biscoitos recheados, ou corantes como muitos refrescos em pó e iogurtes coloridos, ou são calorias vazias como os refrigerantes, que apresentam apenas calorias sem nenhum outro nutriente importante, além do sódio já comentado. Outro aspecto é a presença de sais de nitrito ou nitrato de sódio ou potássio em produtos a base de carne como os embutidos, principalmente, a salsicha e as conservas. Apesar de haver legislação há no mercado produtos clandestinos, com custo menor que os produtos já tradicionalmente conhecidos no mercado. A quantidade superior ao recomendado pode acarretar sérios efeitos prejudiciais à saúde pela possibilidade de manifestações tóxicas agudas ou crônicas, ou até carcinogênicas. Sendo assim, moderação e bom senso são as palavras de ordem. CT: Qual a sua opinião sobre medidas adotadas pelo poder público para incentivar à prática de alimentação saudável como proibição de cantinas nas escolas? DN: Acho uma iniciativa de fundamental importância visto que a obesidade está aumentando cada vez mais, principalmente, em países em desenvolvimento, isto é um paradoxo. A mídia tem muita influência nas escolhas das pessoas e os profissionais de propaganda e marketing estão cada vez melhores em suas ideias para vender o seu produto a qualquer custo, pois a competição é ferrenha. Eles fazem o trabalho deles e nós profissionais da área de educação, da promoção da saúde e da psicologia temos que fazer o nosso. O grande mediador neste caso será o governo que sanciona ou veta a lei. Se perceberem que isto será um passo avante sobre a saúde da população, que diminuirá o gasto dos cofres públicos com medicamentos para doenças crônicas não transmissíveis e que pode acontecer do mesmo modo quando sancionaram a lei da propaganda do fumo e do leite infantil, será realmente uma grande vitória para a população. Os pais sabem o quanto é injusta a competição que existe entre as propagandas dos fast- foods, biscoitinhos e refrigerantes que vêm com apelo colorido, com personagens infantis adoráveis, super-heróis, brinquedinhos ou acessórios agregados. Uma maçã nunca virá com um brinquedinho de brinde, muito menos uma salada de verduras será vista num comercial com aqueles personagens infantis famosos.
Se há recomendações de programas para cada faixa de horário e de mensagens de advertência por que não fazer o mesmo com as propagandas destes produtos poucos nutritivos destinados à população infantil? Advertências como: este alimento possui excesso de sódio, de gorduras ou de calorias, ficando desta maneira à escolha dos pais em comprarem ou não o produto. Entretanto entendese que esta lei precisa ser mais ampla, principalmente, quanto à comercialização em cantinas escolares, pois a proibição de veiculação não é apenas na mídia, mas nos cartazes, nas promoções e nas divulgações em ambientes que o público infantil frequenta. Existe outra lei que já está aprovada, a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL), um instrumento legal para regular a promoção comercial e o uso apropriado dos alimentos que estão à venda como substitutos ou complementos do leite materno, bem como de bicos, chupetas e mamadeiras. Pois estudos comprovam que tais produtos diminuem o tempo de aleitamento materno. Sendo assim, é proibido fazer a exposição ou promoção destes produtos, principalmente, em lugar de destaque. Entretanto, a população ainda não tem conhecimento sobre esta lei e muito menos os comerciantes, desta maneira cabe aos órgãos fiscalizadores fazerem cumprir esta Lei que será uma grande conquista em prol do aleitamento materno. CT: Em sua opinião, o que é vida saudável? DN: Vida saudável é ter uma boa alimentação e cuidados físicos, não necessariamente ser esportista, mas é preciso deixar de ser sedentário. Se me permite expandir mais um pouco é também cuidar da alma, do espírito, pois quando se está bem com a vida e com as pessoas ao seu redor e com a sua rotina, seu corpo irá responder da mesma maneira. A alimentação equilibrada é comer de tudo um pouco, não excluindo os alimentos que gosta, montar um prato colorido, pois quanto mais cores a chance de se ter uma refeição completa em nutrientes é bem maior, principalmente, de vitaminas, minerais e fibras. Se você souber quais são os grupos de alimentos existentes ficará bem mais fácil a escolha correta, pois temos o grupo das carnes que fornecem proteína, magnésio, potássio e ferro; dos leites e derivados fornecendo cálcio; do grupo dos cereais (arroz, trigo, aveia) e tubérculos (batatas, macaxeira, cará, inhame) que fornecem energia; grupo das leguminosas (grão como feijão e soja) com teores de vitaminas do complexo B e ferro; grupo das frutas; grupos das verduras e dos legumes, ambos fornecendo vitaminas e fibras, e por último o grupo dos óleos e doces. Comendo um pouco de cada, mas em menor quantidade este último grupo e sem extrapolar os demais a sua refeição provavelmente estará correta. Entretanto é preciso praticar sempre alguma atividade física em conjunto e frequente. Não adianta ter uma ótima alimentação se a pessoa for sedentária, como também não adianta praticar exercícios exaustivamente para depois compensar nas guloseimas e calorias vazias.
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Fotos: Eduardo Gomes
SOCIEDADE
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Valores nutricionais de alimentos amazônicos estão descritos em Tabela O intuito da elaboração dessa tabela foi dar mais preparo e conhecimento sobre o consumo e dietas regionais de alimentos amazônicos Por Eduardo Phillipe
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dia de feira, e nada melhor do que ir com a sua família e escolher várias frutas amazônicas e aproveitar o fim de semana tomando um suco gelado. Que tal? Mas, já se perguntou quais vitaminas existem em todas essas frutas? O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) desenvolve a Tabela de Composição de Alimentos da Amazônia, que mais tarde fará parte de um projeto maior, a Tabela Taco. A primeira Tabela de Composição de Alimentos da Amazônia foi elaborada pelo pesquisador Jaime Aguiar, do Laboratório de Físico-Química de Alimentos do Inpa. Para compor a tabela foram usadas frutas coletadas em feiras dos municípios amazonense de Borba, Novo Airão, e da capital, Manaus. Os peixes foram adquiridos no Mercado Central de Manaus e
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as amostras de carnes de animais silvestres vieram da cidade de Tefé, também no Amazonas. Alguns profissionais da saúde, como os nutricionistas, usam a tabela para elaborar o cardápio para as crianças em escolas da capital. “Os nutricionistas fazem os seus cardápios usando a tabela de composição na merenda das escolas. Um exemplo é o uso da farinha de tucumã empregada no mingau de banana das crianças”, exemplificou Aguiar. Há casos, também, da tabela ser solicitada por médicos que residem em outros estados e atendem pacientes oriundos do Amazonas. A tabela nesse momento serve para a elaboração da dieta ideal que possa atender aquele indivíduo. “Alguns pacientes que viajam para São Paulo a tratamento e quando questionados sobre a sua região de origem, os
Na composição da tabela foram analisados quase 100 tipos de alimentos no perĂodo de dois anos
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médicos ficam sem saber quais os alimentos que esses pacientes consomem. Então, os médicos solicitam a tabela para conhecer a alimentação dos pacientes e elaboram comparações e adaptações”, explicou. A tabela seria um instrumento de orientação, por exemplo, quando um paciente é impossibilitado de consumir um peixe com alto teor de gordura. Portanto, com o auxílio da mesma, o médico sabe quais os peixes o paciente pode consumir. Foram analisados quase 100 tipos de alimentos, durante um período de dois anos. Antes, a dificuldade para obter as informações sobre a composição dos alimentos amazônicos era extrema e, em alguns casos, eram usadas outras tabelas, como o do Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF) para suprir essa deficiência. Um dos obstáculos na sua formulação foi a procura por materiais para a pesquisa. As carnes de alguns animais silvestres dependiam de autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), nessa classificação destacam-se as carnes de tartaruga, tracajá, cutia e etc, a sazonalidade também era outro empecilho para a coleta dos frutos. As análises foram feitas no peixe inteiro e filé, desprezando as vísceras, espinhas e escamas. Nos frutos houve uma seleção e escolhidos os melhores, sendo retiradas somente as sementes para serem
Pesquisador fazendo a quantificação de alimentos minerais
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analisadas, com exceção da banana-pacovã. Os animais silvestres foram descongelados e usados na temperatura ambiente, e os demais alimentos foram utilizados na forma que são comercializados. O projeto Taco O Inpa será o responsável pela elaboração da Tabela de Composição de Alimentos do Brasil (Taco). A primeira fase foi feita com alimentos do sul do país, e o Instituto foi o escolhido para catalogar os alimentos de toda a região norte, ao todo serão analisados 300 alimentos. O projeto Taco tem como objetivo gerar dados sobre a composição dos principais alimentos consumidos no Brasil e também, na elaboração de novos produtos agrícolas e na rotulagem, auxiliando os consumidores. “Iremos elaborar a matéria prima desses alimentos: frutos, pescados, raízes, tubérculos e etc, tanto em forma in natura ou se houver produtos industrializados, para fazer as análises macros e micro dos nutrientes, de acordo com as sazonalidades”, enfatizou. O Taco é coordenado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) da Universidade Estadual de Campinas (São Paulo), financiado pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome. No Inpa, coordenado pelos pesquisadores Jaime
Aguiar, Kaoru Yuyama e Francisca Souza, foram credenciados para elaborar a ampliação da tabela. “Houve um estudo interlaboratorial para credenciar o Laboratório de Físico - Química de Alimentos do Inpa, para ver se estávamos em condições de desenvolver esse trabalho. Tivemos que fazer análises de alimentos oriundos de São Paulo para poder ganhar o credenciamento e sermos responsáveis das análises”, destaca Aguiar.
As informações da tabela são básicas na educação nutricional e no controle na qualidade dos alimentos. “Por meio dela, autoridades de saúde públicas podem estabelecer metas nutricionais e guias alimentares que levam a uma dieta mais saudável”, finaliza.
Conheça alguns valores nutricionais e curiosidades de algumas frutas da Amazônia detectadas durante a produção da tabela:
Eduardo gomes
Pupunha e Farinha de Pupunha
Açaí
Eduardo gomes
É energético. Fonte de fibras, lipídios e glicídios. O seu suco é conhecido como o “vinho de açaí”, muito difundido entre a população. Pode ser consumido com açúcar e farinha de mandioca ou tapioca, ou ainda, com camarão e peixe salgado.
Dionísia Nagahama
Grande teor de ácidos graxos, ambos auxiliam na elevação do bom colesterol, o HDL. O fruto é rico em vitamina A e a sua farinha é fonte de energia, fibra alimentar e minerais. Consumindo quatro frutos grandes de pupunha por dia é o suficiente para atender as necessidades de um adulto em termos de Vitamina A.
Banana-Pacovã
Pode ser usada mesmo verde, na composição de doces, mingaus ou frita e acompanhada com açúcar e canela. Possui um grande teor de manganês e carboidratos. Fruto rico em potássio auxiliando atletas contra câimbras. Dionísia Nagahama
Camu-camu Pode ser encontrado dentro d’água, mas no Inpa já existem pesquisas para usar o fruto em terra firme. O seu fruto, é considerado mais rico em vitamina C do mundo, pode ser utilizado in natura em sorvetes, sucos e picolés. Previne doenças crônicas, como: obesidade, diabetes, hipertensão, esclerose e até câncer. Além de ajudar no trato intestinal é rico em antioxidantes, que combatem os radicais livres dos quais prejudicam o sistema imunológico, retardando o envelhecimento.
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SOCIEDADE
Fotos: Eduardo Gomes
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Estudo investiga comportamento ecológico de crianças e jovens A pesquisa parte do conflito entre a conservação dos ambientes naturais com seus diferentes ecossistemas e as necessidades sociais apresentadas no processo de produção de uma cidade, por exemplo, residências, escolas, hospitais, comércio, indústria e outros aparatos da vida urbana Por Eduardo Gomes
A
busca de entendimento sobre as diversas interações entre o homem e o meio ambiente existentes na região amazônica pode ser considerada um ato cientificamente recente. Nesses estudos, vários fatores devem ser considerados e que são estudados tanto pelas ciências do ambiente, humanas, sociais e as engenharias. Todos esses enfoques têm o mesmo fim: entender o comportamento humano na relação com o ambiente, seja ele natural ou construído. Ao colocar o comportamento das pessoas como foco principal, a psicologia procura contribuir investigando as bases dessa relação pessoa-ambiente. Dando destaque nesse campo, um dos pontos recorrentes é esclarecer não só como as pessoas pensam e agem com seu entorno, mas também, como elas chegam a pensar e agir da forma que o fazem. Assim, a compreensão de como crianças e jovens desenvolvem suas ideologias do mundo e a realidade do ambiente físico em que vivem, passando a reproduzir, recriar ou modificar os cenários pode nos indicar formas mais precisas de propor processos educativos em direção de um comportamento mais socioambientalmente sustentável. Um estudo coordenado pela pesquisadora Maria Inês Gasparetto Higuchi, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), verifica em crianças e jovens o conhecimento que está presente nas decisões de utilizar e transformar áreas florestais nativas. A pesquisa considera que ao estudar como essas ideias são formadas pelos
mesmos, informa muito sobre o que a sociedade manifesta como mais relevante formato de refletir. Isto ocorre, pois as crianças, adolescentes e jovens estão inseridos em um mundo já estruturado pelos adultos, de certa forma já moldado e historicamente composto. A pesquisadora alerta que “os comportamentos ecológicos salientes na sociedade das últimas décadas mostram tendências que têm levado a uma grave crise ambiental. O uso insustentável dos recursos naturais e emissões de gases poluentes são consequência dessas práticas que geram o fenômeno das mudanças climáticas, uma das mais sérias ameaças à vida planetária. Este fenômeno contemporâneo solicita das ciências sociais e humanas, em particular da psicologia, uma compreensão profunda da formação desse repertório cognitivo, uma vez que se clama pela emergência de um novo comportamento ecológico para não apenas aliviar os efeitos nocivos como também formar nas gerações futuras, modos de pensar e agir que possam reverter tal crise”, explicou. O projeto “Bases cognitivas do comportamento ecológico: um estudo com crianças e jovens sobre o uso e transformação de áreas florestais nativas”, que teve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), se propôs a expandir os estudos sobre aspectos cognitivos referentes ao comportamento ecológico das crianças e jovens. O foco central de análise se deu sobre os critérios e justificativas
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Dividida em nove blocos a maquete permite a troca de paisagens naturais por cenários que oferecem aparatos urbanos como shopping, aeroporto, parques, residências, delegacias, escolas, hospitais e locais de lazer
adotados para utilização e transformação de áreas de floresta a partir dos conflitos de necessidades sociais surgidas em função da vida urbana, por exemplo, aparatos necessários para viver confortavelmente numa cidade. Crianças e jovens Participaram do estudo 278 crianças e jovens, sendo 140 do sexo feminino e 138 masculino, na faixa etária entre 6 e 19 anos. De acordo com Higuchi, “Cada uma destas cidades representa um contexto ambiental com características
Interação - Para entender esse tipo de pensar e as decisões tomadas para agir diante de uma área florestal, o estudo utilizou uma maquete representativa da floresta amazônica, com nove blocos caracterizados por ambientes ecológicos distintos que poderiam ser removíveis por um conjunto de opções compondo 12 blocos representativos de aparatos urbanos (shopping, aeroporto, parques, residências, delegacias, escolas, hospitais, locais de lazer, etc). Ao se deparar com a floresta amazônica representada com suas características peculiares de relevo, biodiversidade e recurso hídricos, o sujeito era convidado a estruturar um lugar para um grupo de pessoas que precisavam viver bem. O conflito cognitivo estava em decidir quais partes da floresta deveriam ser removidas ou mantidas para colocar os aparatos urbanos considerados necessários para abrigar aquelas pessoas e estas terem suas necessidades sociais supridas. Vale ressaltar que além das trocas entre ambiente natural e necessidades sociais urbanas, as crianças e jovens também foram avaliados sobre o local onde essas construções seriam edificadas, partindo da ideia de que cada área ambiental possui um ecossistema diferente e o aparato urbano tendo uma característica técnica específica. “Esse momento é importante para sabermos que tipo de atitudes esse jovem, essa criança vai tomar em relação às mudanças que ela acredita ser necessária”, ressaltou Higuchi.
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divergentes, sendo assumida, juntamente com a idade e o sexo dos participantes, como variáveis a serem consideradas. O fato de incluirmos quatro populações diferenciadas se justifica pelo contexto socioambiental em que os sujeitos estão inseridos e que podem ter alguma influência”. Os resultados apontaram que o conhecimento dos participantes sobre as florestas se dá de forma gradativa e cada vez mais elaborada, de modo a compor cinco níveis de entendimento, do mais simples ao mais complexo, variando significativamente entre os sujeitos em função das idades, níveis de escolaridade e lugar onde moram. O nível de conhecimento sobre a floresta foi mais elaborado entre os adolescentes e jovens da cidade de Ceres (GO) e os menos elaborados entre os da RDS do Uatumã (AM). O estudo verificou ainda que a idade e a escolaridade são fatores importantes para uma compreensão mais completa do ecossistema florestal. O estudo apontou ainda como esse conhecimento embasava as decisões de uso da floresta diante das pressões da vida urbana. Esse fenômeno deu origem ao que os pesquisadores chamaram de Níveis de Sustentabilidade - prontidão de uso equilibrado dos recursos naturais -, formados por dois índices: de conhecimento conservacionista (ICC) e o índice de conhecimento técnico (ICT). O ICC representa o conhecimento sobre o valor ecológico dos elementos presentes numa área florestal, ou seja, relevo, recursos hídricos e biodiversidade. O ICT representa o conhecimento sobre as consequências de modificação ambiental, considerando características do ambiente natural e os aspectos técnicos das edificações construídas. Seria em outras palavras, ter a capacidade
Número de participante por cidade Distrito Federal:
58
Ceres (GO):
30
Manaus (AM):
121
RDS do Uatumã (AM):
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de não só conhecer as propriedades do ambiente natural como seu papel e função no ecossistema, além de ter uma noção sobre os impactos da sua retirada bem como do impacto do aparato introduzido. Esse tipo de pensamento é complexo, mas a intenção dos pesquisadores foi de verificar como esse conhecimento se constrói ao longo dos anos e quais são os aspectos que estão presentes nesse processo e que podem fazer a diferença na aquisição de formas de pensar e agir mais sustentáveis. Segundo Higuchi, nos resultados obtidos, “prevaleceu as necessidades sociais em detrimento da preservação do ambiente natural, confirmando o que é de consenso geral: que se não houver intervenções educativas eficientes e eficazes, as atuais formas de transformação predatória das florestas perpetuarão como mais provável tentativa de dar uma solução às necessidades de expansão criadas pela sociedade”. Algumas análises ainda estão em estudo, mas esse tipo de metodologia que nasceu com o objetivo de uma investigação, pode ser transportado para atividades de educação ambiental que terão potencial estimulador de pensamento e ações proambientais. No processo educativo, as maquetes, que são atrativas e lúdicas,
promovem a cooperação entre os membros do grupo com tarefas semelhantes. O educador estará presente para acompanhar e problematizar as decisões mostrando conflitos que podem surgir durante as decisões e fazer com que todos repensem tais decisões. Dessa forma, a maquete se torna um instrumento mediador tangível para ressignificar o comportamento das pessoas diante de uma realidade complexa que exige equilíbrio coletivo. O projeto foi desenvolvido durante a realização do mestrado das estudantes: Sylvia Souza Forsberg do curso Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Daniele da Costa Cunha Rosa da Universidade de Brasília (UnB), ambas bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), respectivamente. Também colaboraram com o projeto outros pesquisadores: Bruce Forsberg e Niro Higuchi do Inpa; Isolda de Araújo Günther da UnB; Antonio Roazzi da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Maria Alice D’Ávila Becker da Ufam; e Maria Solange Moreira de Farias do Inpa. Além das trocas entre ambientes, as crianças e jovens também foram avaliados sobre o local onde essas construções seriam edificadas
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Ilustração: Fernando Neto
Sociedade
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Multilinguismo no Alto Rio Negro: uma herança que pode acabar A herança linguística dos povos indígenas possui um valor inestimável para a cultura brasileira, entretanto, alguns pesquisadores em linguística apontam uma grande mudança relativa aos novos hábitos de descendentes indígenas, o que leva à reflexão de uma futura perca cultural Por Fernanda Farias
A
modernidade da vida urbana se agrega à tradição da cultura indígena em várias casas da cidade de Manaus no Amazonas. São famílias inteiras que vêm para a capital Amazonense em busca de um futuro mais promissor para seus descendentes. Não seria diferente o pensamento das mulheres do Grupo de Mulheres Indígenas. Deulinda Freitas e Judite Martins são mulheres da etnia Desana, que fazem parte do Grupo de Mulheres Indígenas, e como tantas outras mulheres indígenas, tem em sua história, o desejo de uma vida digna e o medo de que sua cultura se perca no tempo, ou pior, que seja esquecida para sempre. A história se repete entre as etnias do Alto Rio Negro no Amazonas. É normal nas etnias, uma única pessoa falar no mínimo três línguas. As crianças aprendem a falar a língua do pai, a língua da mãe e mais uma por convivência com outras crianças. Segundo a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) Ana Carla Bruno, doutora em linguística e Antropologia, praticamente, todo indivíduo conhece fluentemente, três, quatro, ou mais línguas. “Apenas os Makú e alguns não-indígenas não são multilíngues”, informa. Em sua pesquisa, Bruno discorre sobre a situação de multilinguismo encontrado no noroeste amazônico,
analisando exatamente isso, a interação entre língua, cultura de toda sociedade. Bruno conta que a pesquisadora russa Alexandra Aikenvald, observou que quando os Tarianos se encontravam com os Tukanos, eles não falavam tariano e sim tukano, e ela começou a pensar sobre o assunto “será que está acontecendo com os tarianos, será que estão perdendo a língua?”. Pois dentro do sistema multilíngue existe a ideia que todas as línguas são iguais, eles tentam passar a ideia de que nenhuma língua é mais importante que a outra, mas no fundo, não é isso que ocorre. “O grupo Tukano tem maior número de falantes. É o processo que esta acontecendo no Alto Rio Negro, muitas das etnias quando se encontram falam suas línguas, mas terminam cedendo à língua tukano, por isso Aikenvald atenta para um processo de tukanização”, afirma Bruno. Língua, cultura e sociedade A artesã do Grupo de Mulheres Indígenas, Deulinda Freitas Prado, 62, da etnia Desana, fala o português e tukano que é sua língua materna. “Parece óbvio, mas a língua materna não está necessariamente vinculada à relação estabelecida entre mãe e filho, no caso do Alto Rio Negro a língua materna é a língua dos pais”, explica Bruno.
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Foto: Ana Carla Bruno
Muitos filhos de indígenas apresentam dificuldades em aprender a língua materna e por consequente, perdem o interesse.
A história de dona Deulinda, parece comum aqui na cidade de Manaus, uma jovem que aos 22 anos, saiu da aldeia que morava com seus pais, e veio morar em Manaus para trabalhar com artesanato junto às freiras. “Depois comecei a trabalhar em casa de famílias, como auxiliar do lar, e quando eu tinha 35 anos comecei a trabalhar no movimento indígena em outro lugar fora da cidade”, conta Freitas. Aos 40 anos se casou com um indígena da etnia Tariano, com quem teve um filho, Roberto. Hoje com 20 anos, nascido em Manaus, fala apenas português, e segundo sua mãe, não se interessou em aprender a língua dos pais. “Ele até entende algumas coisas que falamos em tukano, mas falar mesmo ele não fala nada. Eu queria muito que ele aprendesse a falar e escrever em tukano, mas como ele se criou aqui em Manaus e já está adulto, acho que não tem mais jeito”, relata. Muitas vezes quando é perguntada aos filhos de indígenas sobre a cultura dos pais, a resposta quase sempre é a mesma, “não sei” ou então “sei pouco”. Isso acontece porque os pais saem da sua aldeia e começam a viver na cidade, dessa forma os filhos ficam cada vez mais distantes dos seus grupos étnicos. Acontece que, apenas com as idas esporádicas dos filhos à comunidade indígena, eles apresentam muita dificuldade em aprender a língua materna, por isso acabam perdendo
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o interesse em aprender, já que para muitos o uso da língua indígena na cidade não lhe beneficiará em nada. São vários motivos que levam os indígenas a parar de usar a sua própria língua, muitas pelo falta de costume em ouvi-las. “As pessoas deixam de usar sua língua, às vezes, por vergonha, por não escutar muito a língua dos pais dentro de casa. E temos que ver que no mercado linguístico algumas línguas são mais valorizadas que outra, e não podemos esquecer que dentro desse sistema, também tem o espanhol. Por conta da fronteira, muitos indígenas falam espanhol, além do português”, explica Bruno. No cotidiano, explica a pesquisadora, em que os sujeitos sociais buscam cada vez mais se qualificarem para o mercado de trabalho, muitos indígenas pensam dessa forma: “Para que eu vou aprender tantas línguas indígenas, se o mais importante é o português?”. Pois, se eles fizerem o vestibular, não será a língua indígena utilizada, e sim o português. “Apesar da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) motivarem estudantes indígenas no estudo de suas culturas e línguas, as trajetórias dos indivíduos e de suas famílias muitas vezes suscitam exatamente o oposto”, relata a pesquisadora. Uma grande questão observada por pesquisadores que trabalham no Alto Rio Negro é se o sistema multilíngue
está se mantendo com estas condições adversas. “Mesmo na cidade de São Gabriel da Cachoeira, interior do Amazonas, os grupos ainda tentam se casar com alguém que tenha uma língua diferente da sua, não é apenas nas aldeias que o sistemas se mantém, mas percebe-se que o sistema tem se quebrado, enfraquecido com o passar do tempo, e isso é preocupante”, comenta Bruno. A pesquisadora relata que em 2000, começou uma grande discussão que em São Gabriel da Cachoeira (AM) era preciso oficializar algumas das línguas indígenas. Começou um movimento entre indígenas e alguns linguistas, que estudavam essas línguas. “Os indígenas pensavam: porque aqui que têm mais de 20 línguas indígenas e apenas o português é oficial, porque aqui, quando vamos aos hospitais, cartórios e lojas não somos atendidos nas nossas línguas?”. Dessa forma a movimentação entre próprios indígenas, juntamente com alguns estudiosos, foi grande para cooficializar algumas línguas. Daí foi pensado em quais línguas deveriam ser cooficializadas. As discussões levaram que deveriam ser as que tivessem maior número de falantes. Então foi escolhido o “nheengatu”, que é uma língua franca, “tukano”, e “baniwa”, para serem línguas cooficiais naquelas regiões também, conta a antropóloga. “Através de uma discussão na câmara dos vereadores e com a prefeitura, eles conseguiram cooficializar além do português, mais três línguas naquela região”, relata. O problema é que sendo cooficiais, essas línguas deveriam estar presentes nas informações da cidade, assim como está em português. “Deveriam ter placas com informações nas três línguas, e não é o que acontece, não é algo fácil, como é que você traduz o universo jurídico expressões que não existem na língua indígena?”, argumentou a pesquisadora. A grande questão seria, o que o governo pode fazer para que essas línguas e outras tantas línguas de etnias indígenas do Amazonas sejam preservadas? Nesse sistema de resgate da cultura, a própria população pode fazer sua parte e buscar informações sobre sua cultura local, conhecer, saber e apreciar a história dessas etnias, antes que essas línguas indígenas desapareçam, como várias outras já desapareceram.
As pessoas deixam de usar sua língua, às vezes por vergonha, por não escutar muito a língua dos pais dentro de casa. E temos que ver que no mercado linguístico algumas línguas são mais valorizadas que a outra, e não podemos esquecer que dentro desse sistema, também tem o espanhol, por conta da fronteira, muitos indígenas falam espanhol, além do português.
(Ana Carla Bruno)
Fotos: Ana Carla Bruno
Muitos filhos de indígenas estão se distanciando da cultura dos seus pais e consequentemente a língua materna
“O que é língua” - Na definição do dicionário Aurélio língua é “o conjunto das palavras e expressões, faladas ou escrita, por um povo, por uma nação”. É a forma que um indivíduo se comunica com o mundo. Muitos indígenas quando vêm para capital amazonense, se veem obrigados a falar o português, pois aqui é a língua oficial, e acabam não utilizando muito sua própria língua ao se comunicar. Mas até lá no noroeste central da Amazônia, quando duas etnias se encontram, uma língua acaba sobrepondo a outra. Cooficialização - A cooficialização foi regulamentada em novembro de 2006, mas as discussões começaram em meados de 2002.
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Fotos: Sávio Filgueiras
Dinâmica Ambiental
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O futuro é educar
Estudo mostra as mudanças causadas nos igarapés que nascem na Reserva Adolpho Ducke no Amazonas Por Jéssica Vasconcelos
Q
uem já não ouviu histórias sobre os igarapés de Manaus (AM)? Quem viveu a época áurea dos igarapés lembra com saudade dos fins de semana que podiam nadar nas águas limpas que cortavam a capital do Amazonas. Hoje, a realidade é outra, o que se vê são grandes quantidades de lixo nos igarapés, e que no período de chuva amedrontam a população. A expansão urbana de Manaus tem ocorrido a partir da região central metropolitana nas direções norte, leste e oeste da cidade, e é contida apenas por barreiras naturais, no caso, os rios Negro, Amazonas e Tarumã, ou por áreas públicas como a Reserva Florestal Adolpho Ducke. No estudo realizado pelos pesquisadores Sávio José Filgueiras, Sebastião Átila e Ari de Oliveira, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), verificou-se que as águas dos igarapés localizados na Reserva Adolpho Ducke, em Manaus, têm sofrido forte pressão da expansão urbana, uma vez que as águas que entram na Reserva já estão poluídas pela ação do homem. Segundo o pesquisador Sávio Filgueiras, nos estudos realizados nos igarapés da cidade de Manaus, a preocupação maior tem sido detectar contaminações decorrentes das atividades domésticas, uma vez que a falta de estrutura de saneamento faz com que estes ambientes funcionem como receptores dos rejeitos gerados nas residências. Resultados Durante a execução do projeto, foram investigadas variáveis físico-químicas e químicas
dos igarapés, em área de floresta primária de terra firme, próximo à área urbana. Os pesquisadores relataram que foi possível observar diferenças significativas nas médias da concentração de íons de hidrogênio, na condutividade elétrica e na quantidade de material em suspensão, entre os igarapés estudados. “Os resultados mostraram que o igarapé que drena a floresta mantém suas características naturais, por estar protegido das atividades humanas como é o caso do Igarapé da Bolívia, zona norte de Manaus. Nos igarapés, cuja nascente encontra-se dentro da Reserva, os valores médios correspondentes ao pH, condutividade elétrica e material em suspensão apresentam as mesmas características de ambientes similares de florestas de terra firme”, disse. Os igarapés investigados que adentram a Reserva são fortemente influenciados pela urbanização na parte superior de suas bacias. De acordo com os pesquisadores, o que faz com que suas águas cheguem em condições já deterioradas naquele ecossistema. “Por exemplo, o Igarapé da Bolívia, antes de receber o Igarapé do Sabiá, dentro da Reserva, drena uma área integralmente com floresta nativa, portanto, mantém sua água em condições naturais. Entretanto, após recebê-lo, ainda dentro da Reserva, a qualidade de suas águas é alterada, sendo talvez o único igarapé que sai da Reserva com as águas já com pH acima do normal. Embora a sociedade saiba da importância das águas para a vida humana é preciso ainda buscar formas de conscientização que ajudem na preservação dos mananciais. A Reserva Adolpho Ducke tem
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Os igarapés estudados adentram a Reserva Ducke e são influenciados pela urbanização na parte superior de suas bacias como ocorre com o igarapé do Sabiá
grande importância para a sociedade, pois os recursos hídricos dentro da Reserva representam um referencial de qualidade de águas para outros ambientes aquáticos em área de terra firme na Amazônia Central”, acrescenta Sávio Filgueiras. A importância da educação Manaus é quase uma Veneza da Amazônia, cortada por muitos igarapés. Por isso, a população deve cuidar das margens, manter a vegetação e, principalmente, não jogar lixo. No entanto, alguns moradores da cidade tratam os igarapés como uma grande lixeira. Compreender que aplicando uma política que promova a importância da
educação ambiental voltada, principalmente, para a sustentabilidade. Já nas escolas primárias, pode ser uma das saídas para se criar uma nova mentalidade nas futuras gerações. Os igarapés estudados que adentram a Reserva Ducke são fortemente influenciados pela urbanização na parte superior de suas bacias, o que faz com que suas águas adentrem a Reserva em condições já deterioradas. Os pesquisadores acrescentam que apenas no Igarapé do 40, localizado na zona centro-sul de Manaus, tem havido um pouco mais de atenção para as contaminações não oriundas de atividades domésticas, o que se justifica pela presença do distrito industrial na parte superior desta bacia.
Cuidado com o lixo! - Sabia que o óleo das frituras, se despejado na pia, polui os mananciais de água? Evite isso doando o seu óleo para instituições que utilizam como biodiesel e na produção de sabão. • Separe o lixo na sua casa. Parece difícil no começo, mas é daqueles hábitos que uma vez adquiridos, ficam para sempre. Você vai sentir uma dorzinha na consciência sempre que jogar plástico no lixo normal.
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Foto: Acervo CDAM
DINÂMICA AMBIENTAL
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zoom +
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na região hidrográfica amazônica Por Josiane Santos
Os rios da Amazônia apresentam características físicas e químicas heterogêneas, com algumas peculiaridades que dificultam a gestão destes recursos, diante à legislação vigente (resolução Conama 357/2005).
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U
ma das características da região amazônica é possuir grande diversidade de ambientes aquáticos, reunidos na mesma bacia hidrográfica. Esta variedade de ambientes tem a ver também com a imensa dimensão da bacia, que abrange estruturas geológicas diferentes, refletindo em variados tipos de águas. Esta dissimilaridade - diferença entre objetos - não se dá apenas entre as águas internas à bacia, mas suas propriedades físicas e químicas apresentam algumas peculiaridades que as diferenciam de
A Região Hidrográfica Amazônica é constituída pela bacia hidrográfica do rio Amazonas situada no território nacional, pelas bacias hidrográficas dos rios existentes na ilha de Marajó, além das bacias hidrográficas dos rios situados no Estado do Amapá que deságuam no Atlântico Norte.* * Informações da Agência Nacional de Águas (ANA)
outras águas das diversas regiões do país. Isto dificulta, de certa forma, na elaboração de normas que possam ser aplicadas indistintamente a todos os ambientes aquáticos. É o caso da Resolução Nº. 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento. Esta norma poderá até ser aplicada nesta região, mas não deixará de haver dificuldades para conciliar alguns requisitos contidos na mesma com o que revelam nossos ambientes naturais, ainda que, para os propósitos a que se destina, esta norma, privilegie as condições naturais dos ambientes aquáticos. Por conta dessas divergências, uma equipe do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) vem desenvolvendo pesquisas para identificar as características das águas naturais do rio Amazonas e de alguns afluentes, adotando abordagens que visam à gestão destes ambientes, partindo da Resolução Nº. 357/2005, lembrando apenas que a referida resolução menciona em seu artigo 42, o seguinte: “Enquanto não aprovados os respectivos enquadramentos, as águas doces serão consideradas classe 2, as salinas e salobras classe 1, exceto se as condições de qualidade atuais forem melhores, o que determinará a aplicação da classe mais rigorosa correspondente”. A pesquisa elaborada por Maria do Socorro Rocha da Silva e foi objeto da tese de
Localização das coletas plotados no SAISA (Sistema de Análises Integrada de Parâmetros Ambientais para Sistemas Aquáticos (SILVA et al., 2007)
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doutorado, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), observa que embora seja difícil aceitar que não existam ambientes aquáticos nesta região com condições melhores que a classe 2, esta classe foi tomada como referência. O projeto intitulado “Rios da Amazônia – Brasil: propostas de classificação de suas águas respeitando as suas características regionais” foi o marco inicial para a equipe começar a desenvolver essa pesquisa, cuja finalidade é uma contribuição sobre os conhecimentos da realidade das características e qualidade dos corpos de águas da região, identificando os limites naturais de cada variável, que devem ser respeitadas, para os rios da região, quando suas águas forem enquadradas na legislação do Conama Nº 357/2005. O projeto é coordenado pela pesquisadora do Inpa, Hillândia Brandão da Cunha, conta
também com o pesquisadores Sebastião Átila Fonseca Miranda, do Grupo de Pesquisa Clima e Recursos Hídricos da Amazônia do Inpa e da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp); a professora Núbia Abrantes Gomes da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e do Centro de Adaptações da Biota Aquática da Amazô-
O pesquisador Harald Sioli, no início da década de 1950, classificou em três tipos as águas da região: “águas brancas” turvas com pH de 6,2 a 7,2 (ex: Rio Purus, Juruá e Madeira); “águas pretas” - pouco mineralizadas e com pH variando de 3,8 a 5,5 (ex.: o rio Negro); e “águas claras”transparentes e intermediarias (ex: rio Tapajós, Trombetas e Xingu).
Foto: Eduardo Gomes Coletas aguardando para análises laboratoriais
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nia (Adapta/Inpa). No projeto foram gerados novos dados de qualidade de água, mas não se deixou de considerar todo um histórico de pesquisas sobre este tema, que vem ocorrendo há anos nesta região. Só que, como já foi dito, a abordagem aqui visa gestão. As diversidades nas características físicas e química das águas e biodiversidade dos rios da Amazônia contribuíram para diferentes classificações das águas. Segundo a pesquisadora, os rios de água preta vêm de regiões ainda mais planas, exemplo o rio Negro e de uma peneplanície - planície formada pela erosão - muito antigo. As suas águas apresentam pH ácido (entre 4,7 a 5,5), baixa condutividade elétrica (entre 6 e 7 µS/cm), escuras e transparentes e os sedimento são ricos em matéria orgânica. “A resolução Conama Nº. 357/2005, apesar de privilegiar a condição natural de um ambiente aquático, estabelece uma faixa de pH entre 6 e 9 para águas doces,” exemplifica. Para os rios de águas pretas, alguns parâmetros não se adéquam na resolução por serem águas ácidas com pH <6,0. Convém lembrar que esta resolução privilegia, de certa forma, as condições naturais de um ambiente aquático (Art. 38 § 2º), mesmo assim não facilitaria a gestão destes recursos para a região. Os estudos se estenderam ao longo do rio
Coliforme total (amostras de cor verde) presente em ambiente livre. Coliforme fecal (amostras de cor amarela) é de sangue quente tanto dos animais quanto do ser humano
Amazonas e afluentes. Foram coletadas 306 amostras – 49 tributários (afluentes) envolvendo três períodos de cheia (alta), precipitação e estiagem (seca) – em 29 locais. “Existe uma variabilidade principalmente, no oxigênio, com diminuição no período chuvoso porque a carga de sedimentos é mais elevada”, explica a pesquisadora sobre as necessidades de coleta em períodos alternados de chuva e estiagem. As primeiras coletas iniciaram em outubro de 2008 e as análises finalizadas em 2011. Leis vigentes O enquadramento dos corpos d’água representa um papel central no novo contexto de gestão da qualidade da água do país, por se tratar de um instrumento de planejamento que possui interfaces com os demais aspectos da gestão dos recursos hídricos e a gestão ambiental. “Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) 91/2000, dispõe sobre o enquadramento dos corpos de água superficiais e subterrâneos, no artigo 2º, refere-se ao enquadramento como sendo uma meta para controle do nível de qualidade (classes) que correspondem a exigências a serem alcançadas ou mantidas em um corpo de água ao longo do tempo, visando a proteção dos níveis de qualidade dos recursos hídricos, o bem estar humano e o equilíbrio ecológico”, explica Maria do Socorro. “O Conama estabelece que esse enquadramento seja aplicado de acordo com o uso mais necessário da água, agora vamos analisar como utilizamos as águas da região. O rio Amazonas tem mais de 1.100 tributários (afluentes) com suas vocações econômicas, que no geral são o transporte fluvial, pesca e turismo”, ressaltou.
FOTOS: EDUARDO GOMES
Foto: Eduardo Gomes
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Foto: Acervo CDAM
Rio Negro
A pesca tem importância vital para a economia da região, e a produtividade dos rios pode ficar comprometida à medida que se alteram os ambientes de reprodução, refúgio e alimentação dos peixes. O turismo é uma atividade muito promissora na Amazônia, mas também vai depender da manutenção das condições naturais
“
(Maria do Socorro Silva)
”
Foto: Eduardo Gomes
Em rios naturais da Amazônia, os valores de pH encontram-se abaixo de 5,5 (águas ácidas) o oxigênio inferior a 5,0 mg/L, fora dos padrões para classe 2 da Resolução Conama Nº 357/2005. O que fazer?
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das águas. Portanto, é urgente que se elabore um instrumento legal mais adequado à nossa realidade. Maria do Socorro relata que a dificuldade de seguir os passos determinados pelas normas para se chegar a um enquadramento, envolve uma metodologia a seguir por etapas, que envolve constantes discussões entre atores interessados naquele ambiente aquático, até chegarem a um acordo de qual o melhor uso da água. “Normalmente, isto se dá em locais de muita demanda e poucas ofertas de recursos hídricos aí começam os conflitos e os interessados se sentem obrigados (pela própria sobrevivência), a se reunir para que haja acordo e formam-se os comitês para gestão das bacias”, observa. A pesquisadora lembra ainda, que esta realidade não é encontrada na Amazônia, já que além de 74% de disponibilidade hídrica, tem baixíssima densidade demográfica. “A população ainda não está preparada para perceber as ameaças que podem comprometer suas futuras gerações. São raras às vezes em que as comunidades se organizam voluntariamente para se defender
Foto: Acervo CDAM
Coleta de amostra de água para análises físicas, químicas e biológicas no rio Branco, em Boa Vista (RR).
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contra atividades que ameaçam ao seu sustento (a guerra do peixe é a mais famosa). Normalmente a população é induzida a cuidar de sua máquina de produção (a natureza), até perceber que isto lhe traz benefício - exemplo a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Quando surgem os conflitos em uma bacia hidrográfica é um indicativo de que a mesma demanda gestão. Foi assim que surgiu o comitê da Bacia do Tarumã (o primeiro da região Norte), o qual foi criado seguindo mais ou menos os passos necessários exigidos pela legislação atual, pois havia interesse da comunidade. No entanto houve muita ajuda de órgãos do poder público para sua criação, e como também facilitação devido estar dentro do município de Manaus e com boa parte de sua bacia já urbanizada. Visando esclarecer a população dos benefícios que um ambiente não degradado pode proporcionar, existem projetos de sustentabilidade envolvendo as comunidades, desenvolvidos pelas Organizações Não Governamentais (ONGs) e universidades. Este processo de esclarecimento vem se dando já algum tempo, mas é um trabalho de longo prazo
Foto: Acervo CDAM
Rio Uatumã
e talvez seja concretizado nas próximas gerações. Diante deste cenários, os pesquisadores alertam que não se pode aguardar até que se alcance uma condição na qual todos os atores envolvidos com os recursos hídricos possam estar preparados para se manifestar. “É necessário, portanto, uma intervenção do poder público para que seja iniciado um processo visando obter enquadramento, ainda que provisório, de nossas águas, a fim de poder controlar as atividades econômicas existentes ou que venham a se instalar na região”, comentou Maria do Socorro. “Segundo exemplos citados pela pesquisadora, atividades como mineração, extração e refino de hidrocarboneto - têm sido mais vigiadas nos dias atuais, embora tenham causado danos no passado. O enquadramento destas águas facilitaria bem mais a vigilância destas e de outras atividades que venham a se instalar. Por isso, a pesquisadora afirma a urgência de começar a trabalhar para ter o mais breve possível estas águas enquadradas, ainda que implique em adequações ou até mesmo em mudanças das legislações. Os parâmetros de qualidade da água classificamse em: físicos (cor, turbidez, odor, sólidos totais dissolvidos, temperatura e pH), químicos (oxigênio dissolvido, sólidos em suspensão, alumínio, bário, manganês, cálcio, magnésio, sódio, potássio, cloretos, sulfato, silicatos e bicarbonatos) e biológicas (coliformes fecais e totais). Na pesquisa foram analisadas também 54 parâmetros orgânicos descritos na seção que se refere às águas doces.
Laboratórios na floresta Várias expedições foram realizadas para coletar as amostras (quantidade de 1 litro) nos períodos de águas altas (chuvoso) e águas baixas (estiagem) na região amazônica. Em alguns municípios próximos da capital (Manaus) como Manacapuru, Iranduba e Itacoatiara, as coletas foram repetidas. Algumas análises foram realizadas nos locais de coletas, por meio de equipamentos levados nas expedições e outras somente nos laboratórios. Divergências As águas da Amazônia possuem características químicas distintas das águas das outras regiões brasileiras devido à formação geológica dos diferentes tipos de vegetação e ao clima. A pesquisadora relata que os problemas dessas divergências em relação às águas da região é que situações de acompanhamento de perícias por impactos no manancial hídrico ficam difíceis de constatar o dano, por exemplo: um acidente com entrada de substância estranha no igarapé natural, como diagnosticar, se não há uma legislação que ampare? “Na calha principal do rio Amazonas temos naturalmente baixos teores de oxigênio dissolvido (menor 5,0 mg/L), turbidez elevada e alguns metais que se encontram fora dos padrões. Nossas águas têm muito alumínio, bário, manganês. Nesta pesquisa vamos procurar mostrar esses limites nas variáveis que se encontram fora dos padrões”, alerta a pesquisadora. Dentre as dificuldades para determinar uma norma única, mesmo para a região, a pesquisa
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Análises laboratoriais Além das análises feitas em campo, outra parte
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das amostras é encaminhada para o Laboratório de Química Ambiental (LQA/Inpa) e, de acordo com os parâmetros, a serem analisados diferentes filtrações e diferentes volumes de amostras são processadas. Os técnicos diretamente envolvidos no trabalho são vários, dentre estes temos: Luiz Vilmar, Soraya Rondon Pirangy e Ednelson Ferreira Barauna, Antônia Gomes Neto Pinto e Andréia Clara Guadalupe Leiros.
Foto: Eduardo Gomes
detectou que águas dos rios da margem direita do baixo Amazonas (Tapajós e Xingu) são águas bem oxigenadas com valores médios acima de 6,5 mg/L. Enquanto em locais ao longo do rio Amazonas, o oxigênio se mostrou inferior ao limite estabelecido pela Resolução Nº. 357/2005 de 5,0 mg/L. Os resultados das análises mostram na composição das águas que a maioria tem pH menor que 6, elevados índices de turbidez e pode chegar a valores de oxigênio dissolvido (OD) inferiores a 2,0 mg/L. Outro exemplo citado pela pesquisadora é o nível de íon amônio das águas da região amazônica que não ultrapassam 0,8 mg/L, sendo que a referida Resolução Conama 357 os estabelece (na classe 2) que as águas com pH menor que 7,5 valores podem ir até 3,7 mg/L. “Entendemos que esta faixa deva ser reduzida para a nossa região, pois daria espaço para poluir estas águas sem alterar a classe, portanto seria, teoricamente, uma degradação que não infligiria em crime”, destacou a pesquisadora.
Partes das análises foram feitas em campo e as demais no laboratório do Inpa
Alguns equipamentos utilizados nas ánalises
Próximos passos Após a definição de um padrão físico e químico para a região, os pesquisadores pretendem estabelecer uma tabela com as definições de mínimo e máximo para as águas da região com o objetivo de orientar iniciativas de gestão dos recursos hídricos da região, incluindo ressalvas, pois em alguns casos mantém certa coerência.
Microbiologia: Na parte da análise dos coliformes fecais e totais, o laboratório aplica três técnicas para essas análises biológicas: tubos múltiplos, colilert – específico para material com poços artesianos, potabilidade de poços e águas superficiais -, e membrana filtrante – método rápido e preciso para identificação de colônias de bactérias. Essas análises verificam se há presença de coliforme. TOC- VC PH: analisador de carbono e nitrogênio determina a quantidade dos compostos existentes. Fotômetro de chama: serve para mensurar o sódio e potássio. É uma técnica simples e fácil de baixo custo.
Titulometria: Algumas análises são usadas titulometria como a demanda química de oxigênio, necessário para saber se o ambiente está oxidado ou não, saber se tem muita ou pouca matéria orgânica sendo oxidada. Demanda bioquímica vê a dificuldade que tem o ambiente, o número de microorganismo existente no ambiente o autoconsumo por esses microorganismos.
Cromatógrafo de íons: faz análise simultânea de 10 íons (cátions e ânions) de uma só vez, no caso da necessidade do laboratório o equipamento está calibrado para analisar os seguintes cátions: sódio, amônia, potássio, magnésio, cálcio, cloro, cloreto, nitrito, sulfato e fosfato, 100 amostras levam, em média, uma semana para ser analisada neste equipamento. Após a primeira leitura das amostras, o equipamento faz uma releitura e vê se está baseado no padrão. Os resultados são levados para o pesquisador interpretar.
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Foto: Daniel Jordano
DINÂMICA AMBIENTAL
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Solos da Amazônia: o contraste entre a baixa fertilidade e a exuberante vegetação Como um solo tão pouco fértil pode servir de base para uma floresta tão rica? O processo não é tão simples e tem muito a ver com resultados das alterações geológicas há milhões de anos Por Raiza Lucena
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ngana-se quem pensa que a Amazônia possui os solos mais férteis devido a sua densa floresta tropical. A verdade é que os ecossistemas amazônicos possuem em geral, solos com baixa fertilidade, o que fez com que as plantas criassem uma estratégia de conservação de nutrientes para se manterem. Além disso, a decomposição da matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes contribuem em grande parte para a nutrição da vegetação. Ainda assim, não podemos generalizar os solos amazônicos como sendo tão poucos férteis já que também possuímos solos com altos níveis de fertilidade. O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), João Ferraz e o mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências de Florestas Tropicais (PPG-CTF/Inpa) Alex Trindade, explicam o processo de formação, tipos de solos, influência da vegetação e abordam a degradação dos solos amazônicos em busca de uma explicação ao contraste entre floresta e solo. História geológica Para entendermos os tipos de solos existentes em nossa região é importante compreender sua história geológica em relação ao processo de formação. Segundo Ferraz, boa parte dos solos da Amazônia são resultados das alterações de rochas e seus
minerais nas formações geológicas do Período Terciário – compreendido de 65 a 1,8 milhões de anos atrás. Tais alterações fazem parte de um processo contínuo, que ocorre até os dias atuais. Sob condições de altas temperaturas e umidade, os minerais primários das rochas originais foram se transformando e perdendo seus nutrientes, ao longo desse período. Essas constantes alterações, chamadas de intemperismo, resultaram em minerais de argila pobres em nutrientes. Um exemplo seria a argila do tipo caulinita - mineral de cor branca que pode ser encontrado em áreas de solos erodidos, expostos ao longo da BR-174 (entre Manaus e Presidente Figueiredo) no Amazonas. Essas transformações minerais reduziram também a capacidade dos solos em reter os nutrientes para as plantas. As constantes chuvas da região também podem contribuir com o empobrecimento dos solos, já que muitos dos nutrientes que são liberados após a decomposição da serapilheira - camada de restos de plantas e animais sobre a superfície da floresta - e que deveriam ficar retidos nos solos são lixiviados (“lavados”) rapidamente com a água que se infiltra durante as chuvas. “Dessa forma, tais nutrientes ficam indisponíveis para as plantas, pois são transportados para as camadas mais profundas do solo e depois para os cursos d’água”, afirma Ferraz.
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Perfil de um Latossolo, muito argiloso. Floresta de terra firme (Manaus – AM)
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Foto: João aFerraz
Influência do solo na vegetação E ainda assim, como temos florestas tão exuberantes perante solos de tão baixa fertilidade? Essa é uma questão que rodeia a todos que não estão diretamente envolvidos com a história da formação e conservação do solo. A importância da matéria orgânica e a estratégia das árvores para conservar nutrientes e participar de sua reciclagem são fatores que contribuem para a abundância de vegetação na região. O estudante de mestrado, Alex Trindade, explica o que seria a matéria orgânica do solo (MOS): “É um conjunto de compostos resultantes da decomposição de tecidos animais e vegetais depositados na superfície do solo e que, ao serem incorporados no solo, formam um gradiente decrescente de fertilidade com o aumento da profundidade”. A MOS aumenta a capacidade do solo em reter nutrientes, conhecida como Capacidade de Troca Catiônica (CTC), evitando que os mesmos sejam transportados para as camadas mais profundas do solo. Adicionalmente, a MOS ainda é capaz de absorver água em até 20 vezes o seu peso, retendo esta por mais tempo no solo e, assim aumentando a probabilidade de absorção pelas árvores. Ainda segundo Trindade, a baixa fertilidade natural dos solos amazônicos é superada pela eficiência das plantas em capturar e conservar os nutrientes em seus diferentes componentes (troncos, galhos, folhas, frutos e sementes). “O sistema radicular bem desenvolvido das árvores ajuda a explorar um grande volume de solo em busca de água e nutrientes, o que é potencializado
Fo to: João Ferraz
Influência da topografia na distribuição dos tipos de solos Nas áreas sujeitas às inundações periódicas, as pequenas variações na topografia do terreno afetam diretamente o período de alagamento e as propriedades dos solos de várzea e igapó. Contudo, são nas áreas não-inundadas, chamadas de terra firme, que se notam as maiores mudanças na topografia e na distribuição das classes de solos. Estas mudanças estão associadas, principalmente, às diferenças na elevação do terreno. Nos locais de topografia mais alta, são encontrados solos profundos e com altos teores de argila como os latossolos e argissolos. Nas encostas ou vertentes (transição entre áreas altas e baixas), pode-se notar uma redução gradual nos teores de argila - consequente aumento dos teores de areia e do solo, conforme diminui a elevação do terreno (podendo ser observado, por exemplo, na classe dos espodossolos). Nas áreas mais baixas e próximas aos igarapés, predominam solos com elevados teores de areia, como classe dos neossolos (areia quartzosas).
Perfil de um Argissolo encontrado nas áreas de topografia mais baixa de uma floresta de terra firme Itacoatiara – AM
Foto: João Ferraz
por associações com fungos micorrízicos. Assim, formar grandes fendas nos solos conhecidas como depois de absorver e distribuir os nutrientes, a voçorocas. “Sob condições naturais, foram necessários árvore utiliza estratégias de conservação destes, do qual parte dos nutrientes contidos em galhos centenas ou até milhares de anos para se formar e folhas próximos a morte são transportados para uma camada de solo superficial fértil, com poucos tecidos mais novos e são reutilizados”, explica o centímetros de espessura. O que em algumas horas mestrando. Ou seja, o sucesso do estabelecimento pode ser totalmente destruída por meio da ação da das árvores está em sua capacidade de capturar e erosão”, explica Ferraz. Na área urbana de Manaus, podem ser evitar ao máximo a perda de nutrientes. Vale ressaltar que na região amazônica, de um encontradas grandes voçorocas, com mais de dez modo geral, a maior parte dos nutrientes que está metros de profundidade. Todo esse solo, incluindo disponível para as plantas se encontra armazenada sua camada mais fértil, que foi retirado pela nelas mesmas – e não nos solos. “Dessa forma, ação das chuvas é transportado para o leito dos o fornecimento de nutrientes para as plantas igarapés, fazendo com que se tornem mais rasos (o chamado assoreamento dos rios) depende de mecanismos e com isso, transbordem mais eficientes de ciclagem, que facilmente, aumentando captam rapidamente aqueles assim a frequência e nutrientes liberados pela a intensidade das decomposição dos restos das alagações na cidade. plantas mortas sobre o solo Quando a degradação do solo atinge das florestas”, explana Ferraz. “Quando a um estágio muito avançado, a Então, quando se retira degradação do solo regeneração natural destas áreas se a cobertura florestal, a atinge um estágio torna, praticamente, impossível. maior parte dos nutrientes é muito avançado, perdida. Por isso, as medidas a regeneração para promover atividades natural destas áreas (Alex Trindade) agrícolas ou florestais nessas se torna, praticamente, áreas têm que levar em conta que impossível. Nesta os mecanismos originais de reciclagem situação, a restauração do dos nutrientes não funcionam mais e solo nestes locais depende de os solos sem a cobertura vegetal possuem uma ações humanas associadas às práticas capacidade muito baixa para fornecer os nutrientes de engenharia e ao uso de máquinas pesadas”, necessários ao crescimento das plantas. explica Trindade. Os reflorestamentos em áreas degradadas Degradação e recuperação fazem parte das medidas que contribuem para a Muito se fala em desmatamentos das florestas restauração da cobertura arbórea. Entretanto, as e em suas consequências, que prejudicam em técnicas de restauração de áreas degradadas são, em grande escala vegetação e animais. Entretanto, os geral, caras e demoradas. Assim, os pesquisadores desmatamentos são uma das principais causas da concluem que apesar da restauração do solo ser destruição da camada fértil dos solos. possível na maioria dos casos, o que depende Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia das técnicas e investimentos aplicados, deve-se, e Estatística (IBGE) de 2012 mostraram que uma sempre, evitar a degradação deste, mantendo-se área de 754.840 km² da Amazônia foi desmatada, uma cobertura vegetal como proteção dos solos. correspondendo a aproximadamente 19% da área florestada original. Grande parte destas áreas Voçoroca na área urbana de Manaus, causada pela foi destinada a atividades agropecuárias, que de retirada da cobertura vegetal e erosão pela água acordo com Trindade, tornam-se inviáveis após da chuva. O solo que retirado foi transportado poucos ciclos de uso, levando a procura de novas para o igarapé localizado alguns metros adiante áreas para serem desmatadas. “Em geral, isto é causado pela falta de práticas de conservação do solo, principalmente, as referentes à manutenção da matéria orgânica do solo e fertilidade”, afirma o mestrando. Em locais onde o solo fica exposto, a ação das chuvas causa um transporte das camadas superficiais do solo para regiões mais baixas do terreno, o que é chamado de erosão. O transporte de solo pode continuar até que toda sua camada fértil seja perdida e sua estrutura se torne instável a ponto de
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Tipos de solos
Apesar de a maioria dos solos amazônicos ser de baixa fertilidade, casos raros de solos férteis também podem ser encontrados. Confira os solos mais comuns da Amazônia nos dois casos.
Terra Preta de Índio
Foto: João Ferraz
Este é um tipo especial de “solo”, pois se trata de uma camada orgânica superficial que pode ocorrer em diferentes tipos de solo, como um Latossolo, ou Argissolo, etc. O alto teor de matéria orgânica e nutrientes (especialmente o fósforo) são provenientes da decomposição de material animal e vegetal, além de cinzas. Acredita-se que os resíduos orgânicos foram formados por populações indígenas pré-colombianas. Estima-se que esses solos ocupem cerca de 1% da área da Bacia Amazônica, porém com o aumento das pesquisas tal porcentagem deverá aumentar.
Latossolos
Ocupam 31,6% da área amazônica total. São solos do período Terciário formados por minerais em avançado processo de intemperismo, resultando em um solo fisicamente bem estruturado, mas com baixa fertilidade e elevada acidez. São encontrados em áreas de terra firme, com topografia mais elevada e não sujeitas à inundação. Apesar de apresentarem baixa aptidão agrícola, foram muito utilizados, a partir de 1970, para a formação de grandes pastagens. A partir do segundo ano a produtividade das pastagens decaia e os solos degradavam. Atualmente um dos maiores desafios da região é transformar tais áreas degradadas – ou abandonadas – em áreas produtivas.
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Foto: JoãoFerraz
Esta classe ocupa 28,9% do território da Amazônia e também é composta por minerais bem intemperizados, porém apresenta acúmulo de argilas de baixa reatividade nas camadas subsuperficiais do solo, além de baixa fertilidade e elevada acidez.
Foto: João Ferraz
Argissolos
Solos de várzea
Solos de igapó
Estes tipos de solos compreendem uma ampla gama de classes de solos. São formados pela deposição de sedimentos transportados pelas águas (solos aluviais), conhecidos por sua fertilidade mais alta e utilizados para o cultivo de espécies agronômicas por comunidades ribeirinhas. Os solos de várzea são mais jovens, de origem no Holoceno, ou seja, formados a partir dos últimos dez mil anos, com sedimentos minerais montmorilonita e ilita. A fertilidade destes solos está intimamente relacionada à dinâmica de inundação e seca dos rios de águas barrentas, sendo que essas águas trazem consigo grandes quantidades de partículas minerais ricas em nutrientes. Com a cheia, estas partículas são depositadas no fundo das áreas alagadas, “adubando” os solos das várzeas. No período seco, a água retorna ao leito do rio, expondo os solos da várzea, o que permite o cultivo agrícola até que uma nova cheia ocorra.
São áreas inundadas pelos rios de água preta, como o rio Negro. Os solos são formados tanto de sedimentos do Terciário (solos cauliníticos) como solos de origem no Pleistoceno (cauliníticos-ilíticos. Os níveis de nutrientes minerais desses solos são nitidamente menores que os dos solos de várzea, consequentemente, a capacidade de suporte para a agricultura nas áreas de igapó é menor que nas áreas de várzea. Contrariamente ao que se pensa, nem sempre as inundações sazonais representam um aporte de nutrientes para os solos das áreas alagadas. Pesquisas do Inpa mostraram que em algumas áreas os solos apresentaram uma menor fertilidade, após as inundações por rios de águas claras ou águas pretas, pobres em sedimentos e nutrientes.
Nitossolos
Conhecidos como “terras roxas estruturadas” são solos que ocupam menos de 0,1% da Amazônia, ocorrendo em áreas ao longo da Rodovia Transamazônica, nos estados de Roraima, Rondônia e Pará. Tais solos possuem grande aptidão agrícola por serem férteis e bem drenados
Fotos: JoãoFerraz
Transição: Perfis de solos mostrando a transição de um solo original (Latossolo)...
… até a formação de um solo com Terra Preta.
… para um estágio intermediário (Terra Mulata)... Voçoroca na área urbana de Manaus, causada por erosão pela água da chuva após a retirada da vegetação.
Perfil de solo na parte inferior de uma encosta, mostrando o processo de podzolização e a formação de um Espodossolo. Vegetação local: Campinarana (BR-174; Manaus-AM)
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Ilustração: Denys Serrão
TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
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Parcerias entre instituições de pesquisas e o setor privado para viabilizar a ciência O Inpa busca firmar parcerias para levar os resultados das pesquisas obtidos nos laboratórios ao mercado com o objetivo de fazer com que a ciência gere emprego e renda na região Por Josiane Santos
“E
u programei minha vida para ser pesquisador”, foi essa ideia que estava nos planos de Adriano José Nogueira Lima, doutor em Ciências Florestais Tropicais por meio do programa de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/ MCTI). Adriano Nogueira relata que desde a graduação em engenharia florestal direcionou a sua vida profissional buscando estágio e programas de iniciação científica em sua área de formação. “Depois do doutorado, veio à necessidade de trabalhar e ter uma colocação no mercado de trabalho. Adquiri uma grande experiência dentro do Laboratório de Manejo Florestal (LMF) do Inpa em termos de conhecimento de metodologia e tecnologia de inventário florestal, dinâmica florestal e alometria para biomassa”, destaca Nogueira. A necessidade de trabalhar aliada a carência do mercado, observado durante o período em que tentou fixar no mercado de trabalho, fez com que Adriano Nogueira juntamente com outros três sócios - Francisco Gasparetto Higuchi, Inezita G. Higuchi Bonadiman e Mateus Bonadiman – criassem uma empresa que atendesse a essas necessidades do mercado com diferencial: a formação acadêmica e o conhecimento adquirido dentro do Inpa. Em 2009, eles criam a empresa HDOM Engenharia e Projetos Ambientais, e está entre as nove empresas incubadas no Inpa.
“Começamos aplicando todo o conhecimento acumulado no Inpa por meio de projetos de inventários florestais, levantamento socioambiental e carbono Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Ambiental (REDD+). Inicialmente, buscamos levar ao mercado toda esta experiência e excelência técnica que o Inpa nos proporcionou”, ressalta Nogueira. A coordenadora de Extensão Tecnológica e Inovação (CETI) do Inpa, Rosangela Bentes, explica que a função da incubadora de empresas é comparada a função da incubadora infantil no sentido de apoiar e dar sustento até que a empresa consiga se fortalecer no mercado. “As empresas que nos procuraram para ter o apoio são grandes empresas em potencial para ter acesso à tecnologia do Inpa e para desenvolver pesquisa em conjunto. Há várias formas de interação temos que olhar com foco estratégico e ver as possibilidades que essa interação permite”, explica. Mateus Bonadiman destaca como fundamental o papel do Inpa na criação e amadurecimento da empresa, principalmente, por meio das experiências que seus sócios adquiriram durantes trabalhos desenvolvidos pelos Laboratórios de Manejo Florestal (LMF) e de Psicologia e Educação Ambiental (Lapsea) do Inpa. A experiência adquirida juntamente com o nome da empresa aliado ao Inpa trouxe importantes clientes entre eles: Empresa Brasileira de Pesquisa
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Divulgação/HDOM
Agropecuária (Embrapa), governo do Acre e a Agência de Cooperação Internacional Japonesa (JICA). “Amadurecemos a ideia de que poderíamos aplicar todo esse conhecimento de pesquisa e desenvolvimento no mercado privado – principalmente, no novo mercado de carbono florestal, modalidade Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Ambiental (REDD+), que estava nascendo na época -. Assim, após abrir a empresa, nos tornamos parceiros destes laboratórios em projetos que fomentaram o desenvolvimento de nossos serviços e produtos e que hoje são reconhecidos como de alta qualidade por inúmeras instituições aqui no Brasil e também no exterior”, destaca Bonadiman. “Essa fórmula, parceria entre instituto de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e empresas, já é bem conhecida nos países desenvolvidos, mas no Brasil, ainda precisa ser fomentada por meio de instrumentos que, de fato, deem condições para mestres e doutores atuarem no mercado privado”, avaliou Bonadiman. O tempo de fato é relativo, como comprovou Albert Einstein, e o tempo da pesquisa e das necessidades do
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Mateus Bonadiman é um dos sócios de uma das empresas incubadas no Inpa. Na sua opinião, parcerias entre centros de pesquisas e empresas é fundamental para que a estratégia do Brasil de galgar posições como potência econômica mundial
mercado mais ainda. O mercado é exigente quanto a cumprimento de prazos. Bonadiman relata que é um desafio cumprir prazos mediante questões tão complexas, principalmente, na região amazônica onde a logística é complicada. O problema de tempo aliado às dificuldades de obter matéria-prima são dificuldades enfrentadas pelo empresário Márcio José Navegantes Barbosa, que trabalha a tecnologia farinha de pupunha, desenvolvida pela pesquisadora do Inpa, Jerusa Andrade. “Há uma grande procura do produto, principalmente, por empresários de outros países. O grande problema é que não existe produção no Amazonas que possa atender a demanda”, relata. Márcio tem buscado parceria com outros estados para obter a matéria-prima suficiente para atender a produção. Incentivos e investimentos Outros mecanismos importantes nessa interação entre o Instituto e as empresas destacada por Rosangela Bentes são: a divulgação das pesquisas
Foto: Eduardo Gomes
Uma das tecnologias do Inpa transferidas para empresas emperra no mercado por conta de matéria-prima insuficiente para atender a produção
para a mídia e a realização de eventos sobre inovação e empreendedorismo; e ter clareza do modelo de negócio estabelecido pela instituição para estabelecer a interação. Na avaliação da coordenadora, os eventos organizados sobre o assunto têm despertado o grande interesse do público externo – microempresários - e principalmente, estudantes de pós-graduação do Instituto, dessa forma possibilita a geração das start-up - empresas jovens e inovadoras de qualquer seguimento de atividade, que desenvolve um modelo de negócio rentável -, spin-off - empresa que nasce de outra organização/empresa, e seus criadores continuam na direção e na administração, portanto um controle gerencial - e spin-out - uma empresa que surge de uma outra organização/empresa, mas seus criadores não são majoritários e não exercem controle gerencial. A transferência de tecnologia para a indústria pode ser feita após o depósito de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), permitindo
o licenciamento e exploração do pedido de patente. Atualmente, quatro pesquisas desenvolvidas no Inpa foram transferidas para empresas: farinha de pupunha integral; o purificador de água; processo de obtenção de Zerumbona isolada dos óleos essenciais das raízes de zingiber l. Smith; e a composição farmacêutica compreendendo extrato de zingiber zerumbet. Em média, as pesquisa que resultam em produto, após transferida a tecnologia para a empresa, a mesma tem de 2 a 4 anos para o produto chegar ao consumidor. O interesse por uma das tecnologias desenvolvidas pelo Inpa surgiu mediante a facilidade de logística e manutenção, a tecnologia ‘água box’, por esses motivos o empresário amazonense, Roberto Lavor procurou o Instituto para a assinar a transferência. A empresa já trabalhava com uma tecnologia européia similar, implantada em algumas áreas indígenas do estado. Após o conhecimento desta tecnologia desenvolvida no Inpa, surgiu interesse por conta de todo o processo de desenvolvimento ser no Amazonas. “Achamos mais adequado e apropriado para a região pela portabilidade e, também, pelo fato do pesquisador (inventor) estar aqui (na região) e isso facilita muito o processo de otimização do produto e do equipamento como todo”, afirma Lavor. Na avaliação do diretor de patentes do Inpi, Júlio César Moreira, ainda há uma cultura em alguns pesquisadores de priorizar a publicação de artigos e não a proteção da sua pesquisa, sendo um dos motivos que faz com que o Brasil apresente baixos índices de registros de patentes. “Ainda precisa crescer a consciência na sociedade de que a patente é um importante diferencial competitivo no mercado, que te protege da cópia. Se você tem uma boa ideia, pode
As empresas que nos procuram para ter acesso são grandes empresas em potencial para ter a tecnologia do Inpa e para desenvolver pesquisas em conjunto. Há várias formas de interação, temos que olhar com foco estratégico e ver as possibilidades que essa interação permite.
(Rosangela Bentes)
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Eduardo Gomes
Foto: Eduardo Gomes
descrevê-la e executá-la para resolver um problema técnico, vale pedir a patente”, destaca Moreira. No intuito de mudar essa cultura, o Inpi tem promovido algumas ações direcionadas aos inventores, por meio de eventos com o objetivo de capacitar e esclarecer dúvidas pertinentes ao assunto, além da aproximação com as universidades por meio dos Núcleos de Inovação Tecnológica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “O Inpi vem fazendo diversos cursos, presenciais e à distância, para capacitar os pesquisadores brasileiros em temas relacionados às patentes e à propriedade intelectual em geral. Sempre dizemos que a patente não inviabiliza a publicação de um artigo, mas deve-se pedir a patente antes”, explica. O Inpi planeja que até em 2015 reduzir o prazo total para ceder a carta patente para quatro anos por isso estão investindo em pessoal e informatização. “Estamos investindo na informatização - o ‘e-Patentes’ é um sistema que permite o depósito de patente via Internet - na revisão de procedimentos internos e na contratação de pessoal. Pretendemos que, até 2015, o número de examinadores passe dos atuais 250 para cerca de 700”, expõe Moreira. “Se o pesquisador nos procurar antes de iniciar o projeto, a análise de patenteabilidade, permitirá e o
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Doutor em Ciências de Florestas Tropicais, Adriano Nogueira aliou o conhecimento adquirido dentro do Inpa com a carência do mercado para abrir uma empresa com o intuito de aproveitar esse mercado
ajudará a conhecer o que existe e a tendência que o que se pretende pesquisa, dessa forma possibilitará traçar caminhos estratégicos e potencializar a pesquisa sabendo que ela vai atender aos critérios de patenteabilidade e delinear os caminhos que pode seguir. Porque se ele está fazendo uma pesquisa que possivelmente está muito bem estudada, e que está nas bases de patente podemos mostrar para o pesquisador (inventor) o que tem de informação tecnológica e ele pode aprimorar o projeto. Esse rastreamento é mundial, nós conseguimos visualizar o que existe e compara o que ele está propondo e na análise de patentabilidade ainda faz as recomendações e conclusões”, avalia Bentes. Retorno Toda tecnologia transferida para empresas, as partes envolvidas - pesquisador, instituição e laboratório ou coordenação – recebem retorno financeiro os chamados royalties como estabelece a Lei de Inovação Federal, e de acordo com a negociação feita anteriormente a transferência. “A instituição costuma dizer que recebe duas vezes: o laboratório onde a pesquisa foi desenvolvida, o recurso será revestido para mais pesquisas; e a coordenação de inovação para subsidiar a sustentabilidade financeira, frente ao volume de ações que realiza”, explica Bentes.
Passo-a-passo Ainda precisa crescer a consciência na sociedade de que a patente é um importante diferencial competitivo no mercado, que te pretege da cópia. Se você tem uma boa ideia, pode descrevê-la e executá-la para resolver um problema técnico, vale pedir a patente.
De acordo com Rosangela Bentes, o caminho ideal para se percorrer para a proteção do conhecimento, desde a definição do projeto de pesquisa até o depósito da patente seria estar em constante diálogo entre o Núcleo de inovação, no caso a CETI, tem esse papel de estabelecer e promover a dinâmica de interação no ambiente interno e externo do Inpa, pois isso facilitaria delinear o projeto, bem como agilizar o processo de patente e transferência de tecnologia.
Divulgaçã/Inpi
(Júlio Moreira)
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Reunião Técnica: esclarecer possíveis dúvidas entre as partes envolvidas.
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Busca de anterioridade: levantamento e rastreamento nas bases de dados de patentes nacionais e internacionais com o objetivo de legitimar que a pesquisa é de fato inédita. Isso se faz necessário porque o pedido de patente deve atender três critérios básicos - novidade, atividade inventiva e produção industrial em larga escala – para realizar o depósito, caso o resultado do levantamento e da análise seja positivo prossegue os encaminhamentos.
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Redação da Patente: deve constar no relatório descritivo, tudo que foi descrito no relatório de invenção é utilizado nessa etapa, inclusive os conteúdos encontrados na busca de anterioridade que comprovam que tal pesquisa é realmente nova, além disso, deve constar ainda as reivindicações, Resumo e Desenho (se for o caso).
5 6 Na opinião do diretor de Patentes do Inpi, Júlio César Moreira, ainda precisar desenvolver no Brasil a consciência de que patente é um diferencial no mercado
Relatório de invenção: com perguntas-chaves a ser preenchido para o pesquisador (inventor). Descreve minuciosamente todo o projeto assinado por ele e pelo coordenador da área em que está inserido dentro da Instituição.
Patente depositada: reunião de todos os comentados anteriores para dar entrada no Inpi. Número de depósito Oficial: atualmente esse é gerado automaticamente, no momento do depósito da patente. A nova numeração do pedido de patente atende aos padrões internacionais. À frente do número de depósito recebe a sigla “BR” para identificação do país de origem. Após todo esse processo, a CETI acompanha e monitora todo o processo no Inpi atendendo às exigências e outras solicitações necessárias.
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Foto: Zilca Campos
BIODIVERSIDADE
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Obstáculos geográficos e mutações genéticas: uma questão de sobrevivência Pesquisa estudou os jacarés (Paleosuchus palpebrosus) buscando identificar possíveis obstáculos geográficos e eventos históricos que influenciaram suas adaptações e ocasionaram diferenças genéticas Por CLARISSA BACELLAR
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m algum momento já ouvimos a seguinte frase: “Não é o mais forte da espécie que sobrevive, nem o mais inteligente; mas sim, o que melhor se adapta às mudanças”. Associada ao naturalista inglês Charles Darwin, responsável, juntamente com Alfred Wallace, pela publicação da Teoria da Evolução das Espécies (1858), esta frase representa de forma figurativa uma realidade que acontece durante a evolução de tudo que habita o planeta Terra. O trabalho intitulado “Filogeografia e genética de populações de jacaré-paguá (Paleosuchus palpebrosus) ao longo do rio Madeira e bacia do rio Paraguai (Pantanal)”, desenvolvido no mestrado de Genética Conservação e Biologia Evolutiva (GCBEv) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), Fábio de Lima Muniz, buscou identificar possíveis obstáculos geográficos que ocasionaram mutações genéticas em jacarés durante alguns milhares de anos e que influenciam em sua adaptação, evolução e sobrevivência. Biogeografia e fluxo gênico A pesquisa, cuja orientação foi realizada por Izeni Pires Farias da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e coorientada por Zilca Campos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária no Pantanal
(Embrapa Pantanal), estudou os Paleosuchus palpebrosus, conhecidos como jacaré-paguá, encontrados em quase todas as bacias hidrográficas, incluindo bacia do rio Paraguai e bacia amazônica. O estudo abordou as barreiras históricas biogeográficas, como, por exemplo, cachoeiras e serras, que podem isolar populações de jacarés. “Quando eu falo em biogeografia me refiro aos eventos históricos que causaram o isolamento dessas populações. Isso ajuda a compreender como se deu a evolução da espécie e de que forma os eventos geológicos ou hidrológicos contribuíram para essa evolução”, explica. O processo de estudo envolveu: isolamento de DNA, quantificação, alinhamento e sequenciamento. Muniz informa que depois de realizado o alinhamento de todas as sequências, foi feita uma análise estatística em computador para calcular o tempo em que as populações se separaram. “Dá para calcular quanto tempo eles divergiram devido ao acúmulo dessas mutações”, afirma. Em cada localidade foram coletados de sete a 10 indivíduos e então sequenciado um trecho do DNA que é muito usado e que permite comparar com os resultados de outras espécies para ver se nessas localidades distantes havia diferença, como mutações. “O que a gente faz, basicamente, é sequenciar um
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trecho do DNA, um gene de interesse. Esse gene tem uma taxa de mutação, ou seja sofre mutação de tempos em tempos, que nos mostra mais ou menos um histórico evolutivo das populações estudadas”, expõe. Sobre o fluxo gênico, esclarece Muniz: “Quando indivíduos de determinada região conseguem migrar e acasalar com indivíduos de outra região ocorre o que chamamos de fluxo gênico, que é uma “troca” de genes. Grupos que tem fluxo gênico não acumulam muitas diferenças genéticas ao longo das gerações no tempo evolutivo. Mas quando não há fluxo gênico, quando estão isolados, eles começam a evoluir independentemente, quer dizer, vemos que existem mutações em determinada localidade que não existe em outra e vice-versa”. Primeiras análises O objetivo geral do estudo foi determinar padrões de distribuição da variabilidade genética em P. palpebrosus utilizando sequências do gene mitocondrial - um gene localizado no material genético (DNA) da mitocôndria muito utilizado em estudos de genética de populações como marcador molecular. Basicamente, esse gene foi sequenciado para avaliar a história evolutiva da espécie estudada -, além de testar possíveis barreiras ao fluxo gênico dos animais. “Nós utilizamos sequências do gene mitocondrial Citocromo b para determinar, pela primeira vez, o padrão de distribuição da variabilidade genética da espécie e avaliar barreiras físicas ou históricas ao fluxo gênico entre suas populações, bem como investigar eventos demográficos históricos”, explica. De acordo com Muniz, além do sequenciamento do Citocromo b de 172 indivíduos coletados em localidades ao longo dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé, em várias localidades do Pantanal e em uma no rio Solimões, Manacapuru (AM), foram investigados eventos históricos que contribuíram para formar a distribuição atual da diversidade genética dentro e entre as bacias do rio Madeira e do rio Paraguai (Pantanal). “Utilizamos diferentes tipos de inferências Bayesianas para investigar o número de populações reais, o tempo de divergência entre as populações, taxas de fluxo gênico e mudanças históricas no tamanho efetivo de cada uma das populações”, esclarece Muniz. Paleosuchus palpebrosus A espécie conhecida como jacaré-paguá ou jacaré-
Distribuição de Paleosuchus palpebrosus. Fonte: Magnusson e Campos (2010a)
pedra, Paleosuchus palpebrosus, é um crocodiliano da subfamília Caimaninae que se distribui amplamente na região Neotropical. Possui comportamento relacionado à terra firme e, na Amazônia, concentrase preferencialmente em rios de cabeceira, tributários (afluentes) e em florestas alagáveis. Segundo Muniz, a espécie também pode ser encontrada em poças artificiais, mas geralmente está associada à água corrente, fria e limpa. O projeto foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as coletas foram feitas graças a uma parceria entre Inpa, Ufam e Embrapa-Pantanal. “Jacarés foram coletadas ao longo do Rio Madeira, em sete locais; na divisa entre Brasil e Bolívia, em quatro locais; e na região do Pantanal (MT) onde foram feitas
Inferência Bayesiana é um tipo de dedução estatística que descreve as incertezas sobre quantidades invisíveis de forma probabilística, modificadas periodicamente após observações de novos dados ou resultados. A operação que calibra a medida das incertezas é conhecida como operação bayesiana, ou seja, a probabilidade de uma hipótese dada à observação de uma evidência e a probabilidade da evidência dada pela hipótese, criada pelo matemático inglês Thomas Bayes.
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Distribuição influencia a evolução A equipe que realizou o estudo calculou, também, os índices de diversidade genética da espécie. “Paleosuchus palpebrosus é composto por populações fortemente estruturadas geneticamente como resultado da baixa ou inexistente taxa de fluxo gênico entre elas”, afirma. “Nossa caracterização prévia fornece o padrão de fragmentação genética atual, importante para que futuros estudos possam avaliar com mais exatidão os impactos antrópicos gerados sobre essa espécie, como é o caso das hidrelétricas”, diz. Serras, como a do Pacaás Novos e dos Parecis, isolam as bacias do Madeira/Bolívia e Bolívia/Pantanal, respectivamente, e atuam como barreira que isola os grupos de bacias diferentes. “A barreira entre Madeira/Bolívia é mais permeável, ou seja, que não impede totalmente a migração de indivíduos, impedindo que ele troque material Unidades Evolutivas genético com um indivíduo de outra Significantes bacia hidrográfica”, afirma. E As populações desses completa: “P. palpebrosus jacarés do Lago Cururu, também pode dispersar entre Madeira/Bolívia e corpos d’água utilizando Pantanal podem ser a via terrestre. Essa é a consideradas Unidades As hidrelétricas mudam a dinâmica forma mais provável de os Evolutivas Significantes do rio, transformando água corrente indivíduos de microbacias (ESUs – sigla em inglês) em um grande lago. Sabe-se que a diferentes trocarem fluxo e devem ser tratadas espécie em questão está de um modo gênico sem dispersar pela como populações geral, associada à água corrente, fria calha do rio principal, c o m p l e t a m e n t e e limpa e a mudança do rio pode como ocorre nos rios no independentes. Essas ESUs entorno do Pantanal”. podem ser traduzidas significar uma perda de habitat, como grupos que evoluem Essas populações prejudicando-a. independentemente. c o m p l e t a - m e n t e Muniz explica que a Serra isoladas evoluem dos Parecis é a provável independentemente e, (Fábio Muniz) barreira que divide dois ressalta Muniz, podem vir grupos de jacaré-paguá (Bolívia a se tornar espécies novas se e Pantanal) e que as cachoeiras do continuarem isoladas por tempo rio Madeira são barreiras que apenas suficiente. “Cada grupo é bem definido, limitam o fluxo gênico, ou seja, uma barreira com características genéticas próprias, parcial também para essa espécie de jacaré. Além mas são diferentes de outros grupos. Não há fluxo disso: “a população de jacaré-paguá do lago Cururu, gênico, o que quer dizer que os grupos começaram Manacapuru, está isolada do Madeira e restrita à a evoluir independentemente. Se isso continuar em região de paleovárzea (área de floresta alagada alguns milhões de anos podem vir a ser espécies conformada por canais antigos de várzea) do rio diferentes, por terem que se adaptar ao ambientes Solimões”. diferentes separados por barreiras que impedem O complexo de serras dos Parecis divide as bacias que se comuniquem entre si”, comenta. do rio Amazonas e Paraguai e representa a barreira Muniz esclarece: “As unidades evolutivas sugeridas que isolou as populações do Pantanal e da Bolívia. por nós não foram delimitadas, mas foram definidas A população do Madeira, segundo o estudo, sofreu com base em semelhanças e diferenças entre os expansão populacional, provavelmente após a grupos, ou seja, o grupo analisado não é definitivo última era glacial, e a diversidade genética em P. e nem equivalente a toda a expansão populacional palpebrosus foi alta e comparável com de outras da dos indivíduos”. subfamília. coletas em sete localidades”, informa. “Passávamos de 15 a 20 dias em campo, pois precisávamos coletar os indivíduos em noite escura (lua nova), por ser mais viável, uma vez que eles nos veem menos e ficam menos ariscos, ainda mais essa espécie que tem comportamento críptico, difícil de perceber. Essa característica fez dessa espécie pouco estudada e conhecida. O jacaré-paguá não é um animal muito grande, o maior indivíduo tem 2,10m, se comparado ao jacaré-açu que chega até 5 metros”, diz. Muniz explica ainda que as cachoeiras do Alto rio Madeira são uma barreira para algumas espécies de peixes, botos e quelônios e por isso foi testada também para o jacaré-paguá. Mas já existem estudos que demonstram que essa região representa uma zona de transição para o jacaré-tinga, ou seja, uma barreira parcial para essas espécies.
Antrópico corresponde à consequência resultante basicamente da ação do homem.
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Conservação De acordo com o estudo, que teve início em 2010 e terminou em agosto de 2012, por conta do comportamento críptico, do tamanho pequeno e pele ossificada, a espécie é de baixo valor econômico e existe uma escassez de informações sobre a espécie o que dificulta ações para sua conservação. Na região do Pantanal e no alto rio Madeira estão sendo construídas pequenas e grandes hidrelétricas, justamente na área de vida dessa espécie. “As hidrelétricas mudam a dinâmica do rio, transformando água corrente em um grande lago. Sabe-se que a espécie em questão está, de um modo geral, associada à água corrente, fria e limpa e a mudança do rio pode significar uma perda de hábitat, prejudicando-a”, informa Muniz. Devido à atual distribuição, a conservação da espécie torna-se difícil, ainda mais com o alcance das ações humanas, como alerta: “Por exemplo, vamos supor que houvesse um problema em uma área e eu tivesse que colocá-los em outro lugar. Eu não poderia pegar os indivíduos do rio Madeira e levá-los para o pantanal, pois eles fazem parte de uma unidade evolutiva completamente diferente e isso poderia causar um desequilíbrio na população do Pantanal”. Portanto, uma consequência natural é a conservação. “O nosso foco maior é entender a biogeografia, ou seja, como foi a evolução desses animais com o tempo. Mas isso é importante para a conservação também, porque conhecendo a biogeografia da espécie e quais a barreiras
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ela enfrenta, contribui indiretamente para a conservação dessa espécie”, conclui. As informações coletadas e apresentadas na pesquisa, que contou com o apoio financeiro do CNPq e apoio logístico da Embrapa Pantanal, Inpa e Ufam, foram depositadas à Coleção de Tecidos de Genética Animal (CTGA) do Laboratório de Evolução e Genética Animal (LEGAL) da Ufam.
Bacia do Alto Paraguai. A região clara do mapa representa a planície alagada, e a escura, o planalto no entorno do Pantanal. Fonte: Mourão et al. (2005) modificado de Souza (1998)
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Uma viagem pelo mu
Por Eduardo Gomes
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lá amiguinho, você também já chegou a pensar que todo morcego é vampiro? Aí é só ver um daqueles filmes de terror e você logo começa a achar que o vampiro é de verdade? A maioria das pessoas que eu conheço sente um pouco de medo do escuro. Agora imagina o medo que essas pessoas sentem ao se depararem com bichos que voam no escuro. O problema da maioria dessas ficções é que sempre aparece um mocinho que mata o morcego. Para que ninguém mais se engane e queira maltratar eu e meus amiguinhos, com a ajuda de Paulo Brobowiec vamos esclarecer algumas dúvidas e curiosidades sobre os morcegos. Mergulhe nessas páginas e conheça um pouco mais sobre o universo em que vivemos, nossos hábitos alimentares, reprodução e até mesmo como nos localizarmos. Para começar, vale lembrar que nós morcegos
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somos os únicos mamíferos capazes de voar, devido à transformação de nossos braços e dedos em asas. Pertencemos à ordem Chiroptera, cuja tradução significa “mão transformada em asa”. A ordem Chiroptera contém aproximadamente 1.200 espécies e representa cerca de um quarto de toda a fauna de mamíferos do mundo. Para que você entenda melhor, nós estamos divididos em duas subordens: Megachiroptera e Microchiroptera, 18 famílias e 168 gêneros. A subordem Megachiroptera
undo dos morcegos contém apenas a família Pteropodidae, onde se encontram os morcegos de maior porte, conhecidos popularmente como raposas voadoras, que podem alcançar até 1,70 m de envergadura e dois quilogramas de peso. Eles se alimentam de partes florais e de frutos, e dependem de seus grandes olhos para os vôos crepusculares e noturnos. Já a subordem Microchiroptera é de ampla distribuição geográfica e inclui 17 famílias, sendo que três destas são cosmopolitas, ou seja, elas possuem representantes em diversas partes do mundo. Você sabia que aproximadamente 170 espécies de morcegos ocorrem no território brasileiro? Os Microquirópteros são geralmente morcegos de pequeno porte, podendo variar de alguns poucos gramas de peso 9 g até 150 a 200 gramas, e de 10 a 80 cm de envergadura. Seus vôos são ao final da tarde e/ou noturnos e dependem de um sistema de orientação noturna muito mais eficiente do que a visão dos Megaquirópteros. Ecolocalização De modo geral, saímos de nossos abrigos ao entardecer ou no início da noite. Apesar de voarmos no escuro, nossos olhos são funcionais, ou seja, algumas espécies localizam seus alimentos com a ajuda da visão, além do olfato. Assim como os golfinhos e as baleias, os microquirópteros se comunicam orientados por meio de sons de alta-frequência, um sistema conhecido como “ecolocalização”, popularmente chamado de “sonar dos morcegos” ou localização pelos ecos. Uma curiosidade sobre nós é que emitimos ultrasons, que ao encontrarem um obstáculo, retomam em forma de ecos captados por nossos ouvidos muito sensíveis, nos proporcionando uma orientação bastante eficiente. Algumas espécies de morcegos possuem a capacidade de detectar obstáculos da espessura de um fio de cabelo. Com esse mecanismo, conquistamos a habilidade de voar em lugares completamente escuros,
desviando de obstáculos e também conseguindo caçar insetos durante o voo. Reprodução Você já imaginou como são gerados os bebês morcegos? Como todo mamífero, os filhotes dos morcegos são gerados dentro do útero de suas mães. Proporcionalmente ao seu tamanho, os morcegos são os mamíferos que se reproduzem de modo mais lento. Nossas mamães apresentam uma gestação de dois a sete meses, dependendo da espécie, e na maioria dos casos geram um filhote por gestação. Apenas um pequeno grupo de morcegos insetívoros do gênero Lasiurus pode gerar de dois a três filhotes por gestação. Os morcegos insetívoros têm um período de gestação de dois a três meses, enquanto que os fitófagos, em torno de três a cinco meses. O mais longo período de gestação pertence aos morcegos hematófagos, com pelo menos duas das três espécies tendo gestação de sete meses. O parto ocorre no abrigo, tanto no período diurno como no noturno, e os filhotes nascem sem pêlos em algumas espécies, ou já com uma pelagem delicada em outras. Logo após nascermos, algumas mães como a minha, costumam carregar seus filhotes em voos de atividades noturnas, mas à medida que crescemos e aumentamos de peso, torna-se inviável o transporte porque ficamos muito pesados. Carregando os filhotes, as mamães perdem parte de sua mobilidade e agilidade para as caçadas noturnas. Por esse motivo, somos deixados nos abrigos diurnos ou transportados até um abrigo noturno mais próximo da área de caça de nossas mães. Nos primeiros meses, somos alimentados com leite materno, e gradativamente começamos a comer o mesmo alimento dos adultos. O leite branco é produzido por um par de mamas situado nas regiões axilares e peitorais. Mamas peitorais são uma característica que somente o homem, macacos, sirênios, elefantes e morcegos possuem (nos outros grupos as mamas são
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abdominais, como os bovinos e equinos). Geralmente, as mães ensinam aos seus filhotes o que comer, como conseguir e onde encontrar o alimento. Ao contrário dos roedores, que possuem uma vida curta, os morcegos têm uma expectativa de vida alta. Algumas espécies de insetívoros podem chegar a 30 anos; os morcegos hematófagos podem chegar a quase 20 anos na natureza. Hábitos Alimentares Todos pensam que nós morcegos nos alimentamos apenas de sangue, na verdade a história não é bem essa. Entre os mamíferos, nos morcegos representamos o grupo mais versátil na exploração de alimentos, pois podemos explorar uma grande variedade como frutos, néctar, pólen, partes florais, folhas, insetos (mariposas, lagartas, besouros, pernilongos e percevejos), outros artrópodos (como escorpiões), pequenos peixes, anfíbios (rãs e pererecas), lagartos, pássaros, pequenos mamíferos (roedores e morcegos) e sangue. Algumas espécies têm um regime alimentar bastante restrito (consomem somente frutos), mas uma boa parte das espécies pode incluir em sua dieta vários tipos de alimentos. Das 1.200 espécies de morcegos do mundo, somente três se alimentam de sangue. Isso significa que a maioria leva a fama de mau quando na verdade são os responsáveis pela dispersão das sementes e polinização das flores. Uma curiosidade é que os morcegos insetívoros ocorrem em quase todo o mundo e compreendem a maior parte das espécies (cerca de 70%) desses mamíferos voadores. Na natureza, apresentam uma função ecológica importante, uma vez que auxiliam no controle de populações de diversos tipos de insetos como besouros, mariposas, percevejos e pernilongos, sendo vários deles pragas para as plantações humanas. Abrigo Os abrigos diurnos representam os locais onde nós repousamos durante o dia. Por passarmos metade do tempo diário nesses locais, os abrigos devem oferecer condições físicas que permitam nossa sobrevivência. Estabilidade da temperatura ambiente, umidade relativa do ar e luminosidade são fatores que influenciam na Classificação Científica Reino: Animalia Filo: Chordata Classe: Mammalia Ordem: Chiroptera Família: Phyllostomidae Gênero: Desmodus Espécie: Desmodus rotundus Nome: Binominal morcego vampiro comum
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escolha d o abrigo ideal. Os abrigos d e v e m o f e r e c e r c o n d i ç õ e s que permitam o acasalamento, o parto e a criação de filhotes, além das interações sociais e a digestão do alimento consumido durante a noite. É muito importante que estes lugares ofereçam proteção contra chuvas, vento, insolação e contra possíveis predadores. De modo geral, podemos classificar os abrigos de internos (cavernas, fendas de rocha, ocos de árvore, edificações) e externos (folhagem, superfície de tronco das árvores). Os morcegos podem usar de abrigos também durante o período noturno, que são denominados de abrigos noturnos, ou abrigos temporários, para repousar ou para comer um inseto ou fruto. Amiguinho, nosso encontro se encerra por aqui. Agora você já sabe que morcegos não são vampiros e que não são todos os morcegos que se alimentam de sangue, portanto, não precisa ter medo. Espero que você tenha gostado de conhecer um pouco mais sobre minha vida e de meus familiares. Não deixe de acompanhar as próximas edições de “Ciências para todos” e entender mais sobre outros animais.
Paulo Bobrowiec: pesquisador colaborador do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica (INCTCenbam) todos ligados ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
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