Ciência para todos - Nº. 03

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INPA Revista de divulgação científica do

Ciência para todos

nº 03, ano 1 (distribuição gratuita) ISSN 19847653

Mudanças climáticas os dois lados da questão

Peixe agrega valor em alimentos e vestuário

Hortaliças: alimentação saudável a baixo custo

Construção da BR-319 e o impacto ambiental


The Evolution of Biological Organization as a Function of Information

Ilse Walker Editora INPA, 2004 Assunto: Theoretical biology-Evolution-Biological Organization ISBN: 85-211-0021-3 Formato: 21x14 • Páginas: 380 • Peso: 0,415

A Floresta Amazônica nas Mudanças Globais Philip M. Fearnside Editora INPA, 2003 Assunto: Floresta Amazônica – ecossistema ISBN: 85-211-0019-1 Formato: 16x23 • Páginas: 134 • Peso: 0,265

Guia de Identificação de Palmeiras de um Fragmento Florestal Urbano Ires Paula de Andrade Miranda, Afonso Rabelo Editora INPA/ EDUA, 2005 Assunto: Guia de palmeiras no perímetro urbano de Manaus ISBN: 85-7401-156-8 Formato: 14x16 • Páginas: 228

Biotupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Socio Cultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central Organizadores: Edinaldo Nelson, Fábio Aprile, Veridiana Scudeller e Sergio Melo Editora INPA, 2005 Assunto: Águas pretas, biodiversidade Amazônica, recursos naturais ISBN: 85-7401-156-8 Formato: 20,5x22,5 • Páginas: 246

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EDITORIAL

Pesquisas em prol do homem amazônico

G

arantir que a sociedade tenha melhor qualidade de vida é uma permanente busca nos resultados dos estudos realizados pelos cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Você, nesta terceira edição da revista Ciência para todos, passa a ter conhecimento de uma pequena mostra do que é feito nos laboratórios da Instituição.

alguns dos animais mais estranhos da Amazônia. São espécimes catalogadas pelo Inpa, encontradas em diferentes partes da região e que podem ser vistas, pelo menos boa parte, na Coleção de Invertebrados da Coordenação de Pesquisas em Entomologia, onde são mantidos, com fins de pesquisa, cerca de cinco milhões de exemplares de insetos de dez mil espécies diferentes.

Exemplos disso são os projetos voltados para ampliar a quantidade de alimentos que vão à mesa dos ribeirinhos. Há o estudo com hortaliças não-convencionais, cultivadas sem agrotóxicos e que cabem no orçamento dos amazônidas. Você sabia que existe um projeto de criação de peixes em cativeiro que apresenta uma tecnologia de subsistência de cunho social? E que está sendo implantado em comunidades ribeirinhas e indígenas da região Norte? Pois é, o projeto consiste na escolha de uma pequena seção de canal de um igarapé que serve como viveiro para peixes que podem chegar a atingir 1 kg, em um período de 12 meses.

Um alerta para a preservação da região vem por meio de um estudo que avaliou os impactos ao meio ambiente na área de influência direta da rodovia BR-319. A pesquisa revela que, devido à migração de pessoas e a intensificação de atividades econômicas como a exploração madeireira e agropecuária, áreas de cinco municípios do sul de Roraima, e também a capital do Estado, Boa Vista, devem sofrer um crescimento no índice de desmatamento em função da reconstrução da estrada.

Falando em pescado, o Inpa vem fazendo pesquisas para aproveitar esse alimento da forma mais variada possível. Nesse caso, o peixe toma a forma de hambúrguer, sopa, quibe, linguiça e até picles. Além disso, ao ser curtido o couro do peixe pode ser utilizado para produzir roupas, sapatos, chapeus, bolsas e outros acessórios. A prestação de serviços encontra espaço também no Laboratório de Tuberculose e Hanseníase da Instituição, que funciona como parceiro da rede de saúde estadual e municipal. No laboratório são realizadas análises de casos de tuberculose de difícil diagnosticação. Essa edição traz ainda uma fotoreportagem sobre

Por outro lado, estudos sobre mudanças climáticas globais estão contribuindo para que as pessoas repensem seu modo de vida e a maneira como está se dando o desenvolvimento da humanidade, levando à conclusão de que o modelo de desenvolvimento econômico e social adotado não é bom para o planeta. Estudos para melhorar a qualidade dos produtos utilizados na alimentação dos ribeirinhos, projetos que atuam no beneficiamento do pescado, seja na industrialização de novos produtos alimentícios ou na curtição de couro, realização de análise de casos de tuberculose, principalmente em crianças, alerta para medidas que venham agredir ao meio ambiente. Todas essas contribuições confirmam o importante papel do Inpa no desenvolvimento da região e na valorização do homem amazônico.

EXPEDIENTE Adalberto Luis Val Diretor do INPA Wanderli Pedro Tadei Vice-diretor do INPA Sérgio Fonseca Guimarães Chefe de Gabinete Estevão Monteiro de Paula Coordenador de Ações Estratégicas - COAE Beatriz Ronchi Teles Coordenadora de Capacitação - COCP Lúcia Yuyama Coordenadora de Pesquisas e Projetos - COPE Carlos Roberto Bueno Coordenador de Extensão COXT

Tatiana Lima Coordenação de Comunicação Social

Projeto Gráfico Leila Ronize Rildo Carneiro

Leila Ronize (MTB 179/AM) Jornalista Responsável

Diagramação Rildo Carneiro (DRT-004/AM)

Redação Ana Célia Ossame Annyelle Bezerra Daniel Jordano Eduardo Gomes Leila Ronize Mário Bentes Tabajara Moreno Tharcila Martins

Publicidade Márcio Alexandre Leandro Mery

Fotografias Anselmo D’Affonseca Alberto César Araújo Eduardo Gomes Mário Bentes Tabajara Moreno

Fotos da capa: Anselmo D’Affonseca e Tabajara Moreno

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Meio ambiente em alerta O termo mudanças climáticas globais ganhou destaque no início de 2007, quando saiu o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. Ele contribui para repensarmos nosso modo de vida, a maneira como está se dando o desenvolvimento da humanidade. Segundo o pesquisador Antonio Ocimar Manzi, isso nos faz concluir que o modelo de desenvolvimento econômico e social que adotamos não é sustentável para o planeta. Temos que mudar a maneira com que tratamos o meio ambiente, inclusive para sobrevivência de muitas espécies. O lado positivo desse cenário é o fato desses estudos gerarem pressões sociais pela conservação da biodiversidade da Amazônia e provocarem uma nova atitude governamental e empresarial sobre a nossa região.

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Peixe nosso de todo dia

Sumário

O pescado que vai à mesa dos ribeirinhos foi objeto de estudo dos pesquisadores do Inpa que vislumbraram a possibilidade de transformar os peixes dos rios amazônicos em produtos industrializados. A iniciativa fez parte do projeto “Alternativas de utilização de pescado na Amazônia” cuja ideia genuína era dar finalidade comercial a peixes regionais de baixo valor financeiro.

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10 Hortaliças do bem Há mais de três décadas, o Inpa desenvolve estudos com hortaliças não-convencionais. As hortaliças são consumidas em comunidades indígenas e, além de serem mais nutritivas, possuem propriedades medicinais. O consumo desse produto ultrapassa oito milhões de toneladas anuais no Brasil, exige mão-de-obra especializada, o que encarece o produto.


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Programa de Criação Intensiva de Matrinxã em Igarapés garante alimento e renda para ribeirinhos e indígenas do Amazonas

Laboratório de Tuberculose e Hanseníase do Inpa trabalha como parceiro da rede de saúde estadual e municipal

Lei regulamenta ética no uso de animais para experimentação em laboratório

Coleção de Invertebrados da Coordenação de Pesquisas em Entomologia mantém cinco milhões de exemplares de insetos

Inpa contabiliza 40 pedidos de patentes em andamento junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) 5


Amazônia ainda grande floresta P tabajara moreno

O

imenso desejo de conhecer as florestas tropicais trouxe essa suíça a desbravar a Floresta Amazônica. Hoje, 33 anos após ter escolhido viajar pelo mundo e estudar a evolução das espécies em seu habitat, a pesquisadora Ilse Walker resolveu se aposentar da “vida aventureira”, fincar raiz no Amazonas e se dedicar a colocar no papel o resultado de seus estudos. Mas, continuar na ativa é uma realidade para essa pesquisadora, tanto que ela aproveita para mandar seu recado, nessa entrevista exclusiva, concedida à repórter Leila Ronize, em sua sala, rodeada por livros e papeis, que guardam resultados inéditos de anos de pesquisa.

Ecologia

Raio X

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A pesquisadora Ilse Walker possui graduação em Zoologia, pela Universitat Zurich (1953), mestrado em Genética Drosophila, pela Universitat Zurich (1955) e doutorado em Genética (Drosophila), pela Universitat Zurich (1959). Atualmente é Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem experiência na área de Ecologia , com ênfase em Ecologia Aquática. É autora do livro “The evolution of biological organization as a function of information”, editado pelo Inpa. A obra

discute o papel da informação nos estudos da evolução da espécie e destaca a importância da cooperação nesse processo, embora também reconheça o papel da competição, como propunha a síntese neodarwinista. Surge dessa maneira, na Amazônia, um avanço no debate sobre a teoria da evolução onde a simples competição (usada como exemplo pelos neoliberais que defendem o ajuste da sociedade apenas pelo mercado) não justifica mais a fantástica complexidade do mundo vivo.


a é a única

Protegida Revista do Inpa: São mais de 30 anos de serviços prestados ao Inpa. A senhora poderia nos elencar quais foram em sua opinião seus trabalhos mais importantes nesse período? Ilse Walker: Tem o livro, que resume todo o trabalho teórico, fruto de minhas pesquisas. Sempre publiquei trabalhos teóricos ao lado do trabalho do campo da ecologia, como é o caso do estudo sobre Tarumã-Mirim. Concentrei minha pesquisa na teoria da evolução, ou seja, descobrir como funciona a mecânica da evolução. Quis saber como funcionava. Seleção é básica para tudo, sempre tem que ter. [O livro foi publicado no final de 2005, no Inpa]. Revista do Inpa: Desde a publicação do seu livro houve mudanças nos resultados de seus estudos? Ilse Walker: A ciência não é tão rápida, você precisa em geral de uma geração, até que alguma coisa tenha raiz. Estava incluindo, além de Charles Darwin, o Lamarck e outros pesquisadores [todos trabalham a teoria da Evolução]. Hoje em dia temos um dogma darwinista. Só existe Darwin. Entender e ampliar as teorias, principalmente a mecânica de como funciona é muito importante. A evolução é uma mecânica extremamente sofisticada. Foi isso que eu quis investigar. Revista do Inpa: A Amazônia sempre é vista com fascínio por aquelas pessoas que ouvem falar de suas riquezas. A senhora conheceu de perto essa biodiversidade. Na sua opinião, quais foram as suas maiores descobertas na Amazônia? Ilse Walker: Eu estive quatro anos na África, lá fiz biologia marítima, trabalhando com microorganismos marítimos que criei no laboratório. Já estava acostumada à floresta tropical, mas, mesmo assim, quando cheguei aqui, foi uma fascinação, uma maravilha trabalhar com faunas e igarapés. A Amazônia é a única

grande floresta que ainda existe, por isso é a única que aparentemente é suficientemente protegida. Tudo era praticamente floresta alta antes que o ser humano descobrisse o fogo e queimasse as florestas para criar gado. Revista do Inpa: O que fazer para garantir que a beleza e o fascínio continuem? Ilse Walker: O povo tem participação importante nesse futuro. Há duas saídas: ou você precisa de uma ditadura com um serviço militar muito severo para proteger a floresta ou você vive em uma democracia e consegue convencer a população. Essa segunda é a opção. Deveríamos gritar para o povo no centro de Manaus, nas cidades, nos meios de comunicação. Você sabe por que não chove mais? Por que desmatamos tudo. Onde tem asfalto e cimento não se formam nuvens, que só estão em cima de florestas e vegetações. Revista do Inpa: A senhora falou que as pessoas precisam gritar para tentar parar algumas ações que estão agredindo ao meio ambiente. Como mostrar para elas que a situação é preocupante? Ilse Walker: Toda a cidade está crescendo. A floresta está emitindo água o dia inteiro, é só perceber as nuvens se formando em cima da floresta. A metade do peso de uma árvore é água. Então, a floresta está estocando milhões de litros de água. É só parar e observar na Ponta Negra para verificarmos que as primeiras nuvens sempre se formam em cima da mata, mas sobre a cidade não tem essas nuvens. Revista do Inpa: Então cada um tem que fazer sua parte: o povo precisa gritar, os meios de comunicação denunciar, o governo executar. E qual o papel do pesquisador? Ilse Walker: O pesquisador faz pesquisa, por isso é preciso ter uma interação forte entre os representantes do povo e os

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pesquisadores. Jornalistas e políticos deveriam ouvir os pesquisadores que têm as informações e ajudariam com seus estudos. O problema é que o pesquisador usa uma linguagem que o povo não consegue ler, afinal ciência é trabalhar com física, matemática, anatomia, fisiologia. Cabe aos políticos procurar informação mais clara sobre como proteger a floresta e aos meios de comunicação traduzir esse conhecimento à população.

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um dia é definido pela rotação da terra ao redor do seu eixo. Sete dias é sete vezes a terra fazendo essa rotação. O criacionista acredita que todo mundo foi feito em seis dias. O dia do Deus pode ser alguns milhões de anos. Se você é religiosa um dia pode ser milhões de anos, um dia de quem busca uma informação racional tem relação com a rotação da terra.

Revista do Inpa: Muitas pessoas reconhecem a riqueza da Amazônia, mas critiRevista do Inpa: Há falta de valoricam a “intocabilidade” da floresta. Como zação do pesquisador e quais as difiexplorar a Amazônia sem depredá-la? culdades para desenvolver a pesquisa? Ilse Walker: Acho a ideia errada. Nossa esIlse Walker: Não há falta de valorização gepécie já registra mais de um milhão de anos. ral da pesquisa, mas o mundo é complexo, o E sempre estava dominando os ecossistemas. ser humano é complexo. Uma sociedade hoje Agora, realmente há queimadas de grandes em dia, com toda essa tecnologia torna a siflorestas no mundo inteiro. A Amazônia ainda tuação ainda mais complexa. Por exemplo, o é a última que não foi queimada, por conta computador que vi é tão grande como um préde esforços de preservação, caso contrário sedio e agora é do tamanho de um chip ou um ria a metade. Além disso há um esforço munpen drive. Hoje em dia toda dial, a globalização trouxe a bíblia pode ser colocada em um avanço e o que acontece um chip e tudo aconteceu em em qualquer lugar, todos saVocê sabe por que uma geração. Até os pesquibem. Mas, se você tira o ser sadores especializados acahumano não é mais normal. não chove mais? bam não tendo como seguir O ser humano caça cutias e Por que desmataisso. Até por que a pesquisa se não caça, vai ter cutias mos tudo. Onde é desenvolvia no campo, onde demais e isso vai mexer no se gasta mais tempo. Além equilíbrio, e as plantas serão tem asfalto e disso, hoje ninguém tem uma destruídas. Outro exemplo: cimento não se visão geral de tudo, pois isso o papagaio vive 50 anos ou significa não saber nada somais até, ele é territorial, forma nuvens, que bre os detalhes. A vida é lisó pode botar o ovo se tem só estão em cima mitada, a movimentação e território. Se você não mata de florestas e o cérebro são limitados, por nenhum papagaio, ele vive isso há uma necessidade de 60 anos e aí não haverá tervegetações se especializar em um asritório para todos. Isso não sunto. Você precisa estudar é natural. Você tem que proa matéria em sua profunteger as espécies ameaçadas, didade e não um pouquinho ali ou aqui. as plantas, os animais. Mas não retirar o ser humano como aconteceu com o caboclo, Revista do Inpa: Quais as conseque de um dia para outro não teve mais renquências mais diretas de não ter da. O ser humano faz parte do ecossistema. acesso às explicações científicas? Ilse Walker: Quando as pessoas não têm Revista do Inpa: A senhora tem uma hisdomínio sobre todas informações, voltam-se tória incrível de coragem e ousadia. Saiu contra elas. É o que acontece com os fanáticos da Suíça em busca de aventura. Viajou por da religião. Cada vez mais religiões e teorias muitos lugares. Veio parar na Amazônia, por tentam buscar uma resposta mais fácil. Viajei onde se apaixonou e resolveu abraçar a pesna Etiópia, no Egito, no Iraque e, como muquisa para o resto da sua vida, contribuinlher, sozinha, podia andar em qualquer lugar, do para o desenvolvimento da região. Quais não lembro de mulher com burca. Hoje tudo seus planos “aventureiros” para o futuro? mudou. Nos Estados Unidos há os evangélicos Ilse Walker: Gosto muito de viajar de vez contra a evolução, que não aceitam falar em em quando, gosto de saber como funciona a moléculas, manejar moléculas. Quando não se natureza. Mas não tenho mais planos aventutem respostas racionais se buscam respostas reiros, quero escrever o que está na gaveta, o em outros lugares ou se criam respostas mísresultado de pesquisas que já existem e devem ticas. Você sabe o que é um dia? Ora é a roser publicadas. Posso dizer que talvez venha a tação da terra em seu eixo. Tem um sistema fazer uma nova edição do livro, mas na minha matemático para fazer esses cálculos. Então, idade a gente pensa em ficar mais tranquila.


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Incrementando o

cardápio regional Fotos: tabajara moreno

Paraíso do Pescado

O beneficiamento do pescado desenvolvido nos laboratórios do Inpa, agrega um valor muito grande ao alimento

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> Por Tabajara Moreno

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rito, cozido, assado e até mesmo cru. O peixe é um alimento que atende a muitos paladares. Em todo o Brasil, a média de consumo por pessoa é de 20g ao dia, enquanto na região amazônica é de 369g. O hábito e as receitas com o pescado ocupam lugar de destaque à mesa. Quem nunca ouviu falar das caldeiradas de tucunaré e tambaqui? Do matrinxã assado na brasa e comido com farinha do uarini? Ou do pacu frito? As receitas são diversas e bem sucedidas e foi, justamente, esse saboroso sucesso que instigou cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) a estudar novas maneiras de consumir o peixe.

Já não bastasse ter o pescado servido à moda tradicional, os pesquisadores Edson Lessi, Nilson Carvalho, Paulo Falcão e Rogério de Jesus, da Coordenação de Pesquisas em Tecnologia de Alimento (CPTA) do Inpa, vislumbraram a possibilidade de transformar os peixes dos rios amazônicos em produtos industrializados. A iniciativa fez parte do projeto “Alternativas de utilização de pescado na Amazônia” cuja ideia genuína era dar finalidade comercial a peixes regionais de baixo valor financeiro. A desvalorização desses peixes se deve a presença excessiva de espinhas. Na lista, inclui-se espécies como o aracu. “Tratamos o peixe de baixo valor comercial no laboratório e estudamos a melhor maneira de transformá-lo em um produto que tenha mercado


de consumo. Com isso, o peixe que é pouco consumido pela população, ou desperdiçado na época de abundância, pode ser convertido em um produto industrial valorizado financeiramente”, conta Carvalho. Mas além das espécies de baixo valor comercial, o estudo também desenvolveu produtos a partir de peixes de grande aceitação popular, como o tambaqui. “Nesse caso, o produto deve ser feito com animais criados em cativeiro”, explica Carvalho. Desde 1987, quando o projeto começou, até hoje já foram elaborados mais de 12 produtos com potencial de industrialização, derivados do músculo separado mecanicamente, o filé do peixe. Entre os quitutes elaborados com o pescado amazônico estão o picadinho, o fishburguer, o palito, a linguiça, o surubim defumado, o pirarucu defumado a frio, a sopa desidratada de piranha, o macarrão de farinha de peixe e os derivados congelados: quibe, picles, bife e “nugguetes” empanados. “Todos esses produtos industrializados são feitos depois que a espinha é separada do peixe. Esse traba-

lho de beneficiamento do pescado, que desenvolvemos nos laboratórios do Inpa, agrega um valor muito grande ao alimento. O quilo do pirarucu, por exemplo, que é comercializado por cerca de R$ 17 a R$ 20, in natura após o beneficiamento defumado, pode passar a ser comercializado por até R$ 40”, diz Carvalho. Os processos de industrialização do peixe seguem modelos consagrados pela indústria alimentícia mundial, mas o projeto de pesquisa realizado pelo CPTA inovou ao inserir na receita industrial o cardume amazônico bem avaliado pelo gosto popular. Além disso, o alimento convertido em produto de consumo tem aceitação para um mercado diferenciado. “O peixe é um alimento cuja comercialização é bastante delicada. Ele estraga com relativa facilidade. Dependendo das condições de captura, manuseio e armazenamento, o pescado pode deteriorar mais rapidamente diminuindo a vida útil para o seu consumo. Quando ele sofre o processo de industrialização e é congelado ganha uma durabilidade bem maior”, ressalta o pesquisador.

Jorge Rebello, que trabalha com curtimento de pele há mais de 62 anos.

Os rios da Amazônia possuem cerca de cinco mil espécies de peixes. Apenas dez delas concentram 90% do consumo na região Norte. Para ampliar esse mercado, um projeto de pesquisa do Inpa criou produtos industrializados feitos com peixes amazônicos

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Estudo aponta restrição no consumo do peixe Dados oriundos de estudos produzidos Inpa, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) demonstram que, apesar de o rio Amazonas possuir cerca de três mil diferentes tipos de peixes, o consumo deles como alimento na região norte, é restrito a apenas 36 espécies. As dez espécies de peixe mais importantes: jaraqui, tambaqui, curimatã, pacu, matrinxã, piramutaba, aracu, sardinha, tucunaré e mapará, respondem a 90% da produção que chega a mesa dos amazônidas. Conforme dados do IBAMA, cerca de 210 mil pescadores profissionais trabalham com a atividade

pesqueira na Amazônia. Os números também indicam que 10% da população ribeirinha usa a pesca de subsistência para obter sua alimentação diária, o que corresponde, aproximadamente, a um milhão de pessoas trabalhando, direta ou indiretamente, no setor. Do total de 51.000 toneladas produzidas anualmente na região, quase 70% tem como destino Manaus, sendo que o consumo do alimento na cidade oscila entre 100g e 200g por pessoa diariamente. Número alto, mas ainda assim, inferior ao registrado em algumas comunidades ribeirinhas do interior do Amazonas, onde o peixe tem importância superior, atingindo a marca de consumo de 300g por pessoa ao dia.

Linha de produção Picadinho de peixe: As espinhas do peixe são separadas mecanicamente por uma máquina industrial, o filé é moído e embalado em porções de 1kg, e depois congelado. Fishburguer: Feito com carne de peixe triturada e condimentos selecionados em quantidades predeterminadas, o fishburguer é semelhante ao hambúrguer de carne. Palito de Peixe: O filé do peixe é triturado e temperado. Depois de moldados os palitos são apresentados em pequenas tiras de 2 x 10 centímetros, empanados em clara de ovos e farinha de pão torrado, sendo em seguida congelado. Quibe de Peixe: Elaborado a partir da carne de pescado triturada, adicionada de condimentos apropriados, o quibe de peixe é semelhante ao tradicional quibe de carne. Bife de Peixe: O Bife é feito a partir da carne triturada, condimentada, moldada e congelada. Assim como os demais produtos, pode ser consumido juntamente com arroz, feijão e salada. “Nugguetes” Empanados: Carne triturada de peixe e alguns condimentos. Moldado na forma de pequenos quadrados de 7 x 5 centímetros, os empanados sofrem uma pré-fritura por cerca de 30 segundos e depois são congelados. Sopa desidratada de piranha: A sopa é um alimento em pó instantâneo preparado a partir de carne de piranha. A sopa instantânea é elaborada com ingredientes desidratados da região amazônica, sem conservantes e sem glúten. Pirarucu defumado a frio: Produto feito a partir do filé de pirarucu proveniente dos planos de manejo comunitários da Amazônia. O processo é realizado em forno de defumação dotado com controle de temperatura e velocidade da fumaça. Surubim defumado: Filé de surubim sem pele, salmourado, drenado e defumado a frio durante três horas em defumador industrial com temperatura controlada de 42 oC. Linguiça: Feito a partir de peixes cuja característica proteica consegue a formação de gel “kamaboko”, assemelhando-se aos produtos japoneses como “kani-kama”. Pode ser servido como petisco e em saladas.

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Picles: Peixes como sardinha, jaraqui, curimatã, branquinha, aracu dentre outros, são submetidos ao processo de conservação sob o efeito da combinação sal e ácido acético contido no vinagre. Ele é embalado dentro de recipientes adequados de vidro e adicionado de uma salmoura quente feita com vinagre comum de cozinha, água e sal.


Na moda com Couro de Peixe

Carvalho lembra que graças ao estudo do Inpa o peixe que é pouco consumido pela população, pode ser convertido em um produto industrial valorizado financeiramente

O couro do peixe também pode ser utilizado para produzir roupas, sapatos, chapeus e outros acessórios

Destaque da gastronomia na região Norte do Brasil, o peixe também pode brilhar em outras modalidades. Ao ser curtido, o couro do peixe pode ser utilizado para produzir roupas, sapatos, chapeus e outros acessórios. As primeiras amostras disso integraram o projeto “Utilização de pele de peixe de água doce para curtimento”, desenvolvido há 15 anos na CPTA do Inpa. Quem teme usar algum objeto ou acessório que remeta ao pitiú do peixe, pode se tranquilizar. No decorrer do processo de curtimento, o cheiro característico do pescado vai se diluindo até desaparecer. Dependendo da espécie, o curtimento do couro pode demorar um período de quatro a quarenta dias para ser finalizado. Nos processos padrões, a pele é submetida a 14 etapas de curtimento, mas algumas experimentações feitas no Inpa já conseguiram reduzir essas etapas em sete. “A redução foi alcançada apenas com a eliminação de alguns tipos de reagentes de produtos químicos e acrescentando outros. Com a pirarara conseguimos reduzir o curtimento em apenas quatro etapas”, relata o técnico Jorge Rebello, que trabalha com curtimento de pele há mais de 62 anos. O curtimento de couro de peixe no Inpa começou com o propósito de dar utilidade a uma matéria prima a qual é despejada em toneladas nos rios e lixões das cidades da região amazônica. Em Manaus, onde o projeto começou, a atividade pesqueira é responsável pelo despejo de cerca de 500 kg por dia de pele de peixe no rio. Além de prejudicial ao meio ambiente, o despejo ignora o potencial econômico de geração de emprego e renda a partir da exploração comercial do couro de peixe. Contudo, isso está prestes a mudar com a implantação, em Manaus, de um Centro Tecnológico Piloto em Curtimento de Couros. O projeto foi aprovado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) em outubro de 2007 e deve entrar em funcionamento em julho de 2010. O trabalho de implantação do centro será coordenado pelo pesquisador da CPTA do Inpa, Nilson Carvalho, e será feito em parceria com a Secretaria de Estado de Produção Rural do Amazonas (Sepror/AM) e empresários do setor pesqueiro do Amazonas.

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Hortaliças alternativas 14

Potencial nutricional e medicinal ao alcance das > Por annyelle Bezerra e Eduardo Gomes

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o cenário atual, onde a luta “contra a balança” se contrasta com a corrida pela erradicação da desnutrição, surge na Amazônia uma possibilidade de alimentação saudável e a baixo custo. Hortaliças cultivadas sem agrotóxicos e que cabem no orçamento dos amazônidas. Pode parecer comercial de supermercado, mas não é. Trata-se das hortaliças alternativas, ou não-convencionais, como são mais conhecidas, detentoras de elevado valor nutricional, baixo custo de produção e muito adaptáveis ao clima amazônico. Há mais de três décadas o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), desenvolve estudos com hortaliças não-convencionais. Riqueza nutricio-

nal e propriedades medicinais são algumas das vantagens apresentadas pelas hortaliças alternativas, pouco conhecidas pela população urbana da região Amazônica. Essas hortaliças costumam ser mais consumidas em comunidades indígenas e pela população ribeirinha. Apesar da acessibilidade financeira e capacidade de adaptação, as hortaliças não-convencionais - algumas provenientes de outros países - são cultivadas apenas para fins de subsistência, prevalecendo, em larga escala, a produção das hortaliças tradicionais. Segundo dados coletados em 2000, pela Food and Agriculture Organization (FAO) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o cultivo de hortaliças convencionais no Brasil ultrapassa oito mi-


Acervo laboratório de genética e melhoramento de hortaliças

mãos

Riqueza nutricional e propriedades medicinais são algumas das vantagens apresentadas pelas hortaliças alternativas, pouco conhecidas pela população urbana da região Amazônica

lhões de toneladas anuais. Estão entre as mais cultivadas o tomate, a batata, a cenoura, a cebola, a melancia, a batata-doce, o inhame, o melão e o alho.

adubo químico e agrotóxico para combater as várias doenças e pragas que atacam essas hortaliças, elevando, assim o custo de produção”, esclarece Noda.

O pesquisador do Inpa, Hiroshi Noda, explica que as hortaliças não-convencionais são todas aquelas que apresentam valor nutritivo significativo, boa adaptação ao local de cultivo e distribuição restrita.

Exemplo disso, segundo Noda, são o tomate, a batata, a alface e a cebola, que apresentam inúmeras dificuldades de adaptação às condições da região Amazônica. “O tomate, domesticado no México e espalhado pelo mundo todo, exige que haja um processo de melhoramento”.

Segundo ele, o cultivo das hortaliças convencionais - mais conhecidas e consumidas pela população a nível nacional - exigem mão-de-obra especializada, o que acaba encarecendo o produto. “Muitas vezes, as convencionais são cultivadas em um ambiente artificial onde é necessário utilizar muito

O mesmo ocorre com a batata, domesticada no Peru, e a cebola. “No caso da alface, que em Manaus é produzida em ambiente protegido – mais especificamente em estufas plásticas - , e na maioria das vezes é plantada na água, sem contato com o solo, há uma redução da produção e da qualidade do produto”, explica o pesquisador.

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Eduardo gomes

Hiroshi Noda explica que as hortaliças não-convencionais são todas aquelas que apresentam valor nutritivo significativo, boa adaptação ao local de cultivo e distribuição restrita

Eduardo gomes

Para Carlos Bueno, o convênio é uma forma de conciliar o conhecimento desenvolvido pelos pesquisadores a partir de estudos realizados no próprio município

Possível aliado no combate ao colesterol Uma das hortaliças introduzidas na região Amazônica e que ganhou força no cultivo, por parte das populações tradicionais foi o cubiu (Solanum sessiliflorum). Conhecida popularmente por uma vasta diversidade de nomes como topiro, cocona, tomate de índio, orinoço-apple, maná, cubiu-maná, a hortaliça é um arbusto nativo da Amazônia ocidental que foi domesticado por indígenas pré-colombianos. Pertencendo a mesma família do tomate e do pimentão, o cubiu pode chegar a medir até dois metros de altura. Os frutos são ricos em ferro, vitaminas (principalmente do complexo B5) e pectina ( substância que dá o ponto de geléia). São utilizados como alimento, consumidos ao natural ou processados, não só na forma de geleias, doces, sucos, mas também como medicamento, já que o cubiu pode reduzir os níveis de diabetes, ácido úrico e alguns problemas relacionados ao mau funcionamento dos rins e fígado. 16

Vale ressaltar que esta planta possui boa produtividade e que pode ser cultivada até mesmo no quintal de casa. É isso mesmo, a facilidade de cultivar

o cubiu está à disposição de todos, porém, hoje esse hábito de consumir alimentações alternativas, é conservado apenas pelas populações ribeirinhas e por parte da população urbana que conhece e entende a variedade de riquezas nutricionais que podem ser encontradas nesse tipo de alimentação. Para produção das mudas, as sementes devem ser plantadas em copos ou sacos de plástico, bandejas de isopor ou canteiros comuns, porém para plantio comercial, o espaçamento entre as plantas pode ser entre 1,0 x 1,0 até 1,5 x 1,5 metros conforme a variedade utilizada. Cada planta pode produzir em média mais de oito quilogramas de frutos em seis meses de produção, já que a planta responde muito bem a adubação orgânica e nutrientes. Você pode até não conhecer estas hortaliças, mas elas encontram-se hoje disponíveis nas feiras mais populares de nossa cidade, como no caso da feira do Coroado, zona Leste de Manaus, que tem como diferencial a oferta de produtos alternativos trazidos do interior do Estado.


Cubiu no combate a desnutrição Objetivando explorar a potencialidade do cubiu como possível fonte de suplementação alimentar da população amazônida, o Inpa vem desenvolvendo estudos com o fruto. Segundo a responsável pela Coordenação de Pesquisas (COPE) do Inpa, Lucia Yuyama, a desnutrição gerada em torno das populações ribeirinhas se dá pela falta de consumo de energia. “Não adianta os ribeirinhos consumirem apenas a farinha e o peixe, pois embora o peixe seja de boa qualidade, com fonte de proteínas altamente biodisponíveis, fonte de minerais e vitaminas, há a necessidade do consumo de energias para atender as necessidades nutricionais, para que haja o aproveitamento pleno das proteínas de alto valor biológico”, ressalta a pesquisadora. Um dos destaques do estudo realizado no Inpa com o cubiu é a “farinha de cubiu” que, segundo Yuyama, tem o objetivo de responder a questionamentos sobre a possibilidade de possuir uma ação hipocolesterolêmica, ou seja, ajuda a reduzir o colesterol. Mas por que utilizar a farinha como base para introdução desse produto na mesa das famílias amazônidas? A pesquisadora explica que o hábito alimentar influencia e pode ser a melhor maneira de agregar os valores nutricionais do cubiu na refeição familiar. “O hábito alimentar da população do Ama-

zonas é consumir farinha de mandioca, então por que não agregar valor a essa farinha de mandioca utilizando uma mistura, a base de farinhas de cubiu, pupunha, tucumã, ou buriti e agregar valor as preparações. Além disso, essa é uma forma de resgatarmos uma cultura, uma vez que o cubiu era muito utilizado pelas populações tradicionais”, enfatiza Yuyama. Desta forma, segundo a pesquisadora, a expectativa é que o uso da farinha de cubiu contribua para a redução dos índices de colesterol na população e que seja um benéfico como fonte de fibra alimentar e principalmente na saúde. Lucia Yuyama

O cubiu pode reduzir os níveis de diabetes, ácido úrico e alguns problemas relacionados ao mau funcionamento dos rins e fígado

Hortaliças não-convencionais adaptadas à região A hortaliça conhecida como Feijão-de-Asa (Psophcarpus tetragonolobus), por ter as folhas semelhantes a asas, é uma das espécies trazidas para a Amazônia que apresenta alto índice de adaptação e aceitabilidade de consumo. A hortaliça de origem africana conta com um elevado índice de aproveitamento, podendo ser consumida da vagem até a raiz. A vagem, ainda verde, é a parte mais consumida pela população amazônica. Previamente cozida, ela é muito utilizada no preparo de saladas, cremes, entre outros pratos. Na Nova Guiné, a população costuma consumir as sementes secas da hortaliça (como se fosse soja), além das folhas e flores. A raiz tuberosa, muito semelhante a batatas, é muito consumida em caldeiradas, por ser importante fonte de proteínas. Outra hortaliça proveniente da África muito bem adaptada à região amazônica é o Espinafre (Spinacia oleracea L.). O fruto é rico em proteínas e sais minerais, suas folhas representam ingrediente bastante apreciado em saladas, refogados, cozidos e suflês.

Parcerias

Em fevereiro deste ano, o Inpa fechou convênio com a Prefeitura Municipal de Parintins com o objetivo de aliar ciência e desenvolvimento. Entre os projetos desenvolvidos pelo Instituto e implantados no município está o de utilização de hortaliças alternativas. De acordo com o pesquisador do Inpa, Carlos Bueno, o convênio é uma forma de conciliar o conhecimento desenvolvido pelos pesquisadores a partir de estudos realizados no próprio município que, por uma falta de comunicação entre as partes, acaba não sendo empregado em benefício da população local. “É importante que as prefeituras sejam parceiras desse projeto, porque geralmente o pesquisador vai ao município e tem que alugar carro, ou barco o que acaba dificultando a prestação de contas no final do projeto, devido aos inúmeros custos. E muitas vezes a Prefeitura tem essa estrutura lá. Então a ideia é inserir o governo municipal nas ações que o Inpa tem desenvolvido em vários locais”, explica Bueno.

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Projeto alimenta

ribeirinhos e indígenas Tecnologia de Subsistência

fotos: jorge fim

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A construção do canal e sua manutenção é de baixo custo e um ano de acompanhamento é suficiente para tornar o agricultor independente

> Por Ana Célia Ossame

U

m projeto do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) capaz de abrir um universo para o desenvolvimento da pesquisa na área de criação de peixes, indicado entre os finalistas do concurso da Fundação Banco do Brasil (FBB) de Tecnologia Social, já está mudando, para melhor, a vida de dezenas famílias da zona

rural do Estado. O Programa de Criação Intensiva de Matrinxã em Igarapés (Procima), desenvolvido pelo pesquisador Jorge Fim, 53, especialista em zootecnia, apresenta uma tecnologia de subsistência de cunho social importante já replicada com sucesso em comunidades ribeirinhas e indígenas do Amazonas e de outros Estados da região Norte. “O projeto deu muito certo, tanto que em cinco anos temos mais de 100 canais de cria-


ção no Tarumã-Mirim, localizado no Ramal do Pau Rosa, quilômetr o 21 da BR 174”, revela. A tecnologia criada por Jorge Fim que é desenvolvida desde 2003 vem acontecendo no assentamento de trabalhadores rurais do Igarapé do Tarumã-Mirim, onde ocupa área aproximada de 42 mil hectares e onde vivem atualmente cerca de 1.160 famílias, cada uma ocupando lotes que variam entre 25 e 40 ha de terra.

x 0,70m, ou seja, 84m³, e a vazão de água deverá ser acima de 10 litros/segundo. “Com estas características podem ser criados até 1.250 peixes, que podem atingir 1 O projeto, que prikg de peso (peso de mercado) oriza a criação para em um período de 12 meses”, revela o pesquisador, explisubsistência, concando que essa quantidade siste na escolha de mostrou-se suficiente para alimentar uma família por uma pequena seção todo o ano. Isso, emenda ele, do canal de um torna o projeto uma contribuiigarapé, com cerca ção significativa para a melhoria do padrão de vida famide quatro metros liar na região dada pelo Inpa.

Lá, o projeto acontece sem de largura onde impactos ambientais, pois INOVAÇÃO não provoca desmatamento pode ser feito um Ao lembrar que a criae nem altera a qualidade da viveiro de madeira ção de peixe em canal não água. O melhor de tudo é que ou tela suficiente é uma proposta nova, Jorge os agricultores além de conFim destaca a inovação do sumir o produto, ainda têm para receber até 15 projeto que desenvolve uma sobras para comercializar. peixes por m³ tecnologia própria que torna Ainda que em pequena estodo o ambiente o mais nacala, a tecnologia de subsistural possível, sem alteração tência desenvolvida por ele da qualidade da água, seja na limpidez ou na adquiriu um cunho social importante. O pesquímica, razão pela qual peixes como o maquisador comemora e vê com otimismo trinxã se deram muito bem. Há cuidados a ideia sendo multiplicada para a serem tomados com outras espécies comunidades indígenas de como o tambaqui, que não pode São Gabriel da Cachoeiser colocado muito jovem, dara (a 858 quilômedos os seus hábitos alimentros de Manaus), tares. “Mas a experiência na região do pode ser feita com baAlto Rio Negro. gre e tucunaré”, sugere. O projeto, Para um Estado que prioricomo o Amazonas, za a criação entrecortado por para subigarapés, não exissistência, te melhor alternaticonsiste na va do que criar peixes escolha de em canais, assegura o uma pequena pesquisador, compaseção do carando essa estrutura nal de um igaà da criação em barrarapé, com cerca gens e viveiros. “Pode de quatro metros haver adaptações no de largura onde futuro, para aperfeipode ser feito um çoá-lo, mas hoje esse viveiro de madeira é o melhor sistema”, ou tela suficiente garante ele, intepara receber até 15 peiressado em xes/m³. De acordo com Fim, multias medidas recomendadas atualmente para os viveiros são de Jorge Fim destaca a inovação 30m x 4,0m menezes antonio

do projeto que desenvolve uma tecnologia própria que torna todo o ambiente o mais natural possível, sem alteração da qualidade da água

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plicar a experiência para outras comunidades dado o cunho social do projeto e a demanda por alimentos em muitas comunidades. No Tarumã-Mirim, a experiência envolveu o assentado que participa desde o início, com a construção do criadouro, passando depois pela criação dos peixes. Ao final de um ano recebendo acompanhamento, a pessoa já está preparada para multiplicar. Segundo Jorge, a construção do canal e sua manutenção é de bai-

xo custo e um ano de acompanhamento é suficiente para tornar o agricultor independente. A tecnologia abriu caminhos também para o desenvolvimento da pesquisa. Há três dissertações de mestrado e uma de doutorado com esse tema. “Com o conhecimento acumulado, estamos partindo para outros projetos como o desenvolvimento de uma alimentação alternativa, de fácil acesso para as comunidades no interior”, finaliza. antonio menezes

Nos canais de igarapés de águas claras, é possível até acompanhar mais facilmente o crescimento do peixe para, em caso de necessidade, manejá-lo

SOBRE O PRÊMIO

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Realizado a cada dois anos, o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social tem o objetivo de identificar, certificar, premiar e difundir produtos, técnicas ou metodologias que se enquadrem no conceito de ‘tecnologia social’ - uma proposta inovadora de desenvolvimento, que considera a participação da comunidade no processo. O prêmio é nacional e, em cada evento, seleciona 20 projetos concorrentes.

O conceito de tecnologia social está baseado na multiplicação de soluções sociais em áreas como alimentação, educação, energia, habitação, meio ambiente, recursos hídricos, renda e saúde. As tecnologias podem aliar saber popular, organização social e conhecimento técnico-científico. O importante é que sejam efetivas, reaplicáveis e que propiciem desenvolvimento social em escala.


Expansão já é realidade A eficiência e os resultados do Procima já o levaram a expandir as fronteiras do Amazonas. Técnicos do Estado do Pará, comunidades, programas de televisão de vários Estados, além do Projeto Fronteiras em São Gabriel da Cachoeira, onde a maioria da população é indígena. “Em locais onde as pessoas passam fome por falta de alimentos, esse projeto será de extrema viabilidade social”, afirmou o pesquisador Jorge Fim, indicando a necessidade da implantação de infra-estrutura em comunidades onde não existe luz elétrica, estradas, assim como de suporte financeiro e técnico. Pelos cálculos dele, o agricultor pode buscar financiamento público, pois no período de carência, de cerca de dois anos, vai reaver não só o que gastar na compra dos alevinos e com a manutenção, mas também com o que vender. O melhor é que poderá consumir um alimento rico e tradicional da dieta alimentar da região. Para a comercialização, Jorge destaca o fato de que a carne desse peixe criado num ambiente o mais natural possível será mais saborosa, o que deverá ser notado pelos consumidores.

Nos canais de igarapés de águas claras é possível até acompanhar mais facilmente o crescimento do peixe para, em caso de necessidade, manejá-lo. Uma questão importante é a observação de uma distância mínima entre os canais de criação para evitar a retenção de resíduos. Para tanto, existe até uma Resolução da Conselho Estadual do Meio Ambiente (Ceman) regulamentando a criacão de peixe em igarapés através da Resolução N. 08/08, explica. Na Resolução do Ceman está previsto que a distância entre um e outro seja pelo menos três vezes o tamanho do criatório para facilitar que a água saída do criatório elimine os resíduos. O canal pode ser feito em água de qualquer igarapé, outra felicidade do projeto. Daí ele garantir que essa é uma das melhores alternativas para se desenvolver no interior do Estado e em assentamentos. “Por uma coincidência, nessas áreas existem muitos igarapés e muitas pessoas passando fome”, finaliza ele, empenhado na elaboração de um manual de orientação aos interessados em desenvolver o projeto. antonio menezes

Jorge destaca o fato de que a carne desse peixe criado num ambiente o mais natural possível será mais saborosa

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tabajara moreno

Prestação de serviço 22

O Laboratório de Tuberculose e Hanseníase figura como importante parceiro da rede de saúde estadual e municipal, realizando análise de casos de tuberculose de difícil diagnosticação


parceiro

Um na busca pela saúde > Por Annyelle Bezerra

A

tualmente, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Amazonas, com 67 casos para cada 100 mil habitantes, ocupa o segundo lugar entre os Estados com maior incidência de Tuberculose Pulmonar (TbPul), perdendo apenas para o Estado do Rio de Janeiro, com 73 diagnósticos para cada 100 mil habitantes. Em 1982 a tuberculose era responsável por 85% dos casos no Estado, índice que levou o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) a implantar, naquele ano, o Laboratório de Tuberculose e Hanseníase, sob a tutela da Coordenação de Pesquisa em Ciência da Saúde (CPCS). O laboratório, hoje, figura como importante parceiro da rede de saúde estadual e municipal, realizando análise de casos de tuberculose de difícil diagnosticação. Para a coordenadora da CPCS, pesquisadora Júlia Salem, além da contribuição na análise de diagnósticos de (TbPul), o laboratório que conta com estudantes, voluntários e profissionais, é uma das provas de que o Inpa está sempre de portas abertas para a sociedade civil, e para a comunidade acadêmica, independente das instituições a que pertençam.

do e relata haver grande dificuldade no fechamento do diagnóstico em crianças. “Isso acontece não por falha do sistema, apesar de haverem algumas, mas porque não há um sistema que tenha sensibilidade e especificidade para fechar um diagnóstico”, ressalta. Além disso, segundo o médico, outro ponto que prejudica a diagnosticação da doença em crianças são as peculiaridades que os pacientes infantis apresentam como a dificuldade em expelir o material utilizado na baciloscopia – exame laboratorial que analisa o muco do paciente – em busca do bacilo da tuberculose.

Entre os trabalhos realizados no Inpa, com o objetivo de gerar conhecimentos sobre a tuberculose, está o método de triagem, pioneiro na região, pois trabalha com a tuberculose em crianças, algo até então nunca realizado

“O Inpa reconhece a necessidade de formar profissionais, priorizando sempre o desenvolvimento de estudos que contribuam para a descoberta de novos conhecimentos”, afirma ela. Entre os trabalhos realizados no Inpa, com o objetivo de gerar conhecimentos sobre a tuberculose, destaca-se o método de triagem baseado em um questionário, desenvolvido em 2005, pelo pediatra da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Gastão Dias. O pediatra atua no tratamento de Tuberculose Pulmonar na rede de saúde do Esta-

Em crianças o exame geralmente é feito da secreção retirada do estômago do paciente, mas a positividade que em adultos alcança 90%, no caso das crianças não ultrapassa os 20% de eficácia.

O Ministério da Saúde (MS), segundo Dias, não considera a baciloscopia e, o cultivo – método de estocagem em estufa para verificação do desenvolvimento do bacilo - como fontes confiáveis de diagnóstico em crianças, devido aos altos índices de falha dos métodos. Sendo mais seguros os exames de raios-X, a presença do histórico de não melhora do paciente frente ao tratamento de doença respiratória, a prova tuberculínica (método auxiliar no diagnóstico de tubercule), a questão nutricional do paciente e o sistema de contágio com o doente. O questionário desenvolvido durante o estudo utiliza um método de pontuação que varia de 5 a 30 pontos na escala de gravidade. Entre os critérios abordados no questionário, para identificação de um paciente com suspeita de tuberculose está tosse por períodos prolongados, febre, emagrecimento, utilização de antibiótico para germes comuns, por no mínimo dez dias, sem ocasionar melhora da patologia respiratória

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eduardo gomes

ou febre, sudorese noturna, entre outros. Após o preenchimento do questionário, se constatada uma pontuação igual ou superior a 50%, o paciente é orientado a realizar exames complementares. O médico explica que o objetivo principal do método de triagem, não é modificar o sistema de diagnóstico empregado pelo MS, mas fazer com que os médicos das unidades de saúde cogitem a suspeita de tuberculose. “O que nós percebemos é que às vezes os colegas não pensam no diagnóstico de tuberculose. Então vem aquela criança com a patologia pulmonar, e ele fica tratando como se fosse uma pneumonia, ou uma alergia respiratória, e não pensa no diagnóstico da tuberculose”, afirma. Para a pesquisadora do Inpa, e orientadora do estudo, Júlia Salem, o modelo de triagem é pioneiro na região, pois trabalha com a tuberculose em crianças, algo até então nunca realizado. “Nós nunca havíamos conseguido trabalhar com crianças e o Gastão foi uma pessoa muito séria no trabalho que desenvolveu”, afirmou.

Gastão Dias comenta que quando uma crianças vai ao consultório com a patologia pulmonar, alguns médicos tendem a tratar como se fosse uma pneumonia, ou uma alergia respiratória, não pensando na tuberculose

Segundo o pesquisador do Inpa, e coordenador do estudo, Maurício Ogusku, o método é diferente e pode contribuir para o aumento do número de diagnósticos em crianças com maior rapidez. “O Ministério da Saúde já tem um sistema de diagnóstico por meio de pontuação, mas é um sistema mais complexo, que precisa de alguns exames laboratoriais. O método proposto, por ser um sistema de triagem pontua informações clínicas, epidemiológicas, e vacinais que por si só são capazes de revelar a necessidade de realização de exames complementares, ou não”, ressalta Ogusku.

Onde buscar tratamento Manaus conta com 230 Unidades Básicas de Saúde (UBS), incluindo as casas de saúde da família, todas com sistema de tratamento da tuberculose já implantado. A Policlínica Cardoso Fontes (antigo Dispensário), localizada na Rua Lobo D’almada, nº 222, Centro de Manaus, é um centro de referência em pneumologia sanitária no Amazonas, sendo seu carro-chefe de atuação, o tratamento, e o diagnóstico da tuberculose. A Unidade atende casos provenientes dos 62 municípios do Estado. 24

De acordo com a diretora da policlínica, Irineide Assumpção, os casos com complexidade de diagnóstico são a prioridade da Unidade. “Os casos suspeitos que a rede não consegue diagnosticar, então

são encaminhados para nós”, explica Assumpção. Outra prioridade do centro é receber todos os casos da rede estadual e municipal que se enquadram nos casos de falência de tratamento, retorno após abandono e, reincidência da doença. Os pacientes são encaminhados à policlínica, segundo Assumpção, para que sejam feitos os exames de cultura, baciloscopia concentrada e, radiografia computadorizada. Nestes casos, o tratamento é realizado na policlínica onde o paciente recebe todo o acompanhamento necessário. Os demais casos de tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva são diagnosticados na policlínica e depois encaminhados a rede básica de saúde. “Isso acontece porque o programa de tuberculose está descentralizado para os 62 municípios, uma vez que, todos têm o


programa de tuberculose implantado“, esclarece. A diretora ressalta, porém, que grande parte dos pacientes abandona o tratamento antes do período estimado de cura, que é de seis meses, o que ocasiona a recaída da doença. Estima-se que o Cardoso Fontes, receba em

média cem pessoas diariamente em busca do diagnóstico de tuberculose, contabilizando um fluxo de mais de duas mil pessoas por mês nas dependências da Unidade. “É claro que dessas cem pessoas que passam por aqui todos os dias, nem todas estão doentes, mas eles vêm porque tem algum sintoma respiratório”, frisa a diretora. tabajara moreno

O Ministério da Saúde considera como fontes confiáveis de diagnóstico os exames de raios-X e a presença do histórico de não melhora do paciente frente ao tratamento de doença respiratória.

Resgate de informação Estima-se que os primeiros casos de Tuberculose Pulmonar (TB) no estado do Amazonas - ou “peste branca” como era designada no passado - datem de 1800, período referente ao Ciclo da Borracha, quando uma grande quantidade de pessoas, provenientes de diferentes regiões adentraram o estado em busca de emprego e, melhores condições de vida. Segundo dados da dissertação de mestra-

do da acadêmica da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luciana Botinelly, baseados nas obras de Djalma da Cunha Batista, médico tisiologista, e autor da maioria dos registros técnicos e científicos referentes à TB no Amazonas, os primeiros índices oficiais de morte por tuberculose são de 1900, período em que Manaus registrou um aumento absoluto do número de mortes decorrentes da doença, chegando a 44, em 1900 e, a 121 em 1905.

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Lei regulamenta ética no uso de animais para

experimentação

fotos: eduardo gomes

Experimentação

O biotério do Inpa existe há 15 anos e possui seis salas, distribuídas entre salas de criação, lavatório e salas de experimentação

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> Por Eduardo Gomes

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lguma vez você já parou para pensar e se questionou se é contra ou a favor ao uso de animais em experimentos científicos? Ou até mesmo como são feitos os diagnósticos para algumas doenças? E de que forma eles são testados? Não é de hoje que este assunto gera polêmica e levanta sérios questionamentos em torno da sociedade. A importância dos experimentos científicos no mundo contemporâneo resulta do fato de que, a princípio, todos os seres humanos estão envolvidos nos seus efeitos. Diante disso podemse citar diversos processos como a fecundação, transferência de embriões, fármacos obtidos através das biotecnologias, combates a grandes endemias e até mesmo o tratamento de doen-

ças como o câncer e a Aids, que dependem de estudos para que possam ser diagnosticados. Todas essas atividades envolvem o uso detécnicas de biologia molecular, que utilizammedicamentos ou células vivas de animais. Talvez você não saiba, mas existe uma lei queregulamenta a ética no uso de cobaias, ouseja, estabelece condições para que animaispossam ou não serem usados em experimentos, e define de que forma isso pode ser feito. A lei Arouca, nº 11.794, entrou em vigor em outubro de 2008, revogando a lei de vivissecção (operação feita em animais vivos para estudo de fenômenos fisiológicos) de 1979, tomando novos critérios e principalmente avaliando os cuidados necessários para o uso das espécies em experimento científico, de acordo com suas necessidades.


Dentro dos critérios citados na legislação, fica claro que a utilização de animais em atividades de pesquisas educacionais fica restrita a estabelecimentos de ensino superior, e de educação profissional técnica de nível médio, na área biomédica. Mas como avaliar dentro desses estabelecimentos de ensino, o que de fato pode ser considerado como atividade de pesquisa científica?

Já em vigor, a lei nº 11.794/08 de outubro de 2008, estabeleceu que podem ser consideradas como atividades de pesquisa científica todas aquelas relacionadas com a ciência básica, aplicada, desenvolvimento tecnológico, produção e controle de qualidade de drogas, medicamentos. Além disso, a lei explica que práticas zootécnicas relacionadas a agropecuária não são consideradas como atividades de pesquisa. Nova regulamentação explica que experimentos que, por acaso, possam ocasionar dor devem ser desenvolvidos sob sedação, ou anestesia adequada

De acordo com a lei Arouca, as práticas de ensino devem ser fotografadas, filmadas ou gravadas,permitindo reprodução para ilustrar futuras práticas, evitando a repetição.

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Conselho de Experimentação Outro grande destaque das novas providências dadas pela lei Arouca, foi a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA). Agora você deve estar se perguntando, para que serve o CONCEA? De que forma ele pode contribuir para que a utilização das cobaias possa ser feita de maneira correta? Cabe ao CONCEA credenciar as instituições para criação ou utilização de animais em ensino e pesquisas científicas, além de submeter os estudos ao Ministério de Estado da Ciência e Tecnologia (MCT) para aprovação. Com isso a regulamentação evidencia que o uso de animais em experimentos não é feito de qualquer maneira e que antes, durante e após o experimento, existe uma grande preocupação com o estado do animal.

tivas relacionadas ao tema. Entre elas, pode-se citar a proibição da reutilização do mesmo animal depois de alcançado o objetivo principal do projeto de pesquisa. Mas você deve estar curioso para descobrir qual a penalidade para quem não cumprir com os deveres incluídos na legislação e supervisionado pelo CONCEA, não é?

Para que as instituições possam fazer seu credenciamento é necessário também que cada uma delas crie uma comissão, intitulada Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUAs). As comissões devem ser integradas por médicos veterinários e biólogos, docentes e pesquisadores na área específica da pesquisa e um representante de alguma das sociedades protetoras de animais, legalmente estabelecidas no país. Um dos deveres que devem ser cumpridos por estas comissões é informar ao CONCEA e às autoridades sanitárias, a ocorrência de quaisquer acidentes com animais nas instituições credenciadas, fornecendo informações que permitam ações saneadoras. Sabe-se que a grande preocupação das pessoas que são contra o uso de animais nesses experimentos está relacionada diretamente as condições de vida do animal, visto que dessa forma possam ser evitadas dores e angústias sofridas pelas cobaias. Segundo o médico veterinário do Inpa, Anselmo D’Affonseca, a criação das comissões significa analisar todos os projetos de pesquisa, visando manter os princípios éticos que norteiam a lei Arouca. “Grosso modo, significa evitar procedimentos que resultem em sofrimento desnecessário e injustificado aos animais de experimentação”, explicou. A lei Arouca explica que experimentos que por acaso possam ocasionar dor, devem ser desenvolvidos sob sedação ou anestesia adequada. Sempre que possível as práticas de ensino devem ser fotografadas, filmadas ou gravadas, permitindo reprodução para ilustrar futuras práticas, evitando a repetição desnecessária de procedimentos com animais. 28

Em julho deste ano, criou-se o decreto Nº 6.899 para regulamentar a lei, tendo como uma de suas atribuições estabelecer as infrações administra-

Em caso de transgressões ao regulamento, as instituições estão sujeitas a advertências, multas que vão de R$ 5 à R$ 20 mil, interdição temporária, suspensão de financiamentos de créditos de fomento científico e até mesmo interdição definitiva. Para entender melhor quais os procedimentos tomados em pesquisas e como são cuidados os animais , é preciso conhecer o lugar onde são criados e experimentados, ou seja, o biotério.


O que é um biotério? Biotérios são instalações capazes de produzir e manter espécies de animais destinados a servir como reagentes biológicos em diversos tipos de ensaios controlados para atender as necessidades dos programas de pesquisas, ensino, produção e controle de qualidade nas áreas biomédicas, ciências humanas e tecnológicas de acordo com a finalidade da instituição.

Processos como fecundação, transferência de embriões, fármacos obtidos através das biotecnologias, envolvem o uso de técnicas de biologia molecular, que utilizam medicamentos ou células vivas de animais

necessitam de experimentos com animais. “Os trabalhos mais realizados são nas áreas de nutrição, medicina e biologia”, disse. Ela destacou que o numero de animais utilizados em estudos, depende sempre da necessidade solicitada pelos pesquisadores responsáveis pelo estudo. A zootecnista explicou alguns cuidados tidos com os animais no biotério do Inpa. “Diariamente é feita a alimentação e troca de água, duas vezes na semana é feita a troca de serragem (cama), além de um dispositivo que controla a luz, apagando e acendendo-a na hora certa, pois isso influencia no comportamento do animal”, ressaltou. No dia-a-dia de um biotério, todas as atividades exigem uma programação para que nada possa interferir no resultado da pesquisa. Os animais são cruzados , e logo após é feito a “sexagem”, ou seja, separação entre machos e fêmeas, o desmame e feito somente após 21 dias de nascidos. O Inpa criou uma comissão no dia 13 de novembro de 2008, com a prioridade de elaborar o regimento que pudesse direcionar as ações de seu comitê de ética. O objetivo da comissão, é evitar o abuso ou o excesso no uso de animais para experimentação e principalmente orientar os projetos de pesquisa, no sentido de evitar conflitos com a lei Arouca. Risonilce Fernandes, conta que todos os experimentos feitos com animais, baseiam-se também em critérios pelos quais os animais precisam passar. “O experimento só pode ser feito desde que o animal esteja dentro dos critários necessários como, por exemplo, o peso”, ponderou.

Exemplo de um deles é o biotério do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Existente há 15 anos, ele possui seis salas, distribuídas entre salas de criação, lavatório e salas de experimentação. De acordo com a zootecnista, Risonilce Fernandes, que atua diretamente no biotério do Instituto, existem algumas áreas de pesquisa que realizam mais trabalhos, que

Para Anselmo d’Affonseca, a expectativa é que a relação entre a lei e os experimentos realizados no biotério do Inpa, assim como em todos os outros, aconteça por meio de uma adequação que valorize o princípio ético no uso de animais, já que estes contribuem para o bem estar e saúde humana. “O que se espera é a adequação a referida lei visando os princípios éticos no uso de animais em experimentos, tornando os processos científicos mais humanos e responsáveis no que se refere ao uso consciente dos animais, os quais prestam grande serviço ao bem estar da nossa espécie”, disse o veterinário.

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COLEÇÃO 30

Inseto da espécie Pepsis heros


fotos: MÁRIO BENTES

Monstros S.A.

agora mesmo, bem próximo a um desses titãs.

> Por Mário Bentes

E

m março deste ano, os proprietários de um estabelecimento comercial situado no município de Codajás, distante 297 quilômetros de Manaus (AM), tiveram um grande susto ao se deparar com o que parecia ser um tipo de “barata super-nutrida”, segundo informou a um site de notícias uma das donas da loja onde o bicho foi encontrado. Em Coari, também no Amazonas, um inseto com chifres, do tamanho de uma caneta esferográfica – aproximadamente 15 centímetros – foi encontrado por trabalhadores de uma obra. Caso semelhante aconteceu em Novo Progresso, no Pará, quando um “besouro gigante” foi encontrado dentro de uma residência. A tal barata de “tamanho-família” era, na verdade, um inseto da espécie Callipogon armillatus – um tipo de besouro de grande porte muito comum na Amazônia. Também conhecido como “Serra-pau” ou “Serrador”, este besouro tem hábitos noturnos e geralmente é atraído por focos de luz – como lâmpadas incandescentes. Os outros insetos citados nos casos acima também eram besouros, mas do gênero Megasoma actaeon. Sua característica mais marcante é a presença do grande chifre nos machos, o que levou ao sugestivo apelido de “Besouro de Chifre”.

“Você não me vê. Eu vejo você”

Mas como você, prezado leitor, provavelmente não vai querer esperar pacientemente pela possibilidade de se deparar acidentalmente com um desses seres atrás da porta do banheiro, entre as roupas de cama dentro do guarda-roupa ou subindo lentamente pelas suas pernas logo abaixo do edredom que lhe cobre enquanto você descansa, a reportagem de Ciência para todos resolveu trazê-los até você.

Para isso, visitamos a Coleção de Invertebrados da Coordenação de Pesquisas em Entomologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, onde são mantidos, com fins de pesquisa, cerca de cinco milhões de exemplares de inO Inpa possui cinco setos de dez mil espécies diferentes. Segundo o cientista milhões de insetos Augusto Loureiro Henriques, de dez mil espécies curador-chefe da coleção, são diferentes armaquatro milhões de espécimes armazenados em álcool, zenados em sua 450 mil alfinetados e outros coleção de inverte400 mil dispostos nas chamadas “mantas” – um tipo de brados. São quatro “cama” de papel coberta com milhões armazenauma fina camada de algodão.

dos em álcool, 450 mil alfinetados e outros 400 dispostos nas chamadas “mantas”.

Com exceção da mandíbula forte do Callipogon armillatus, que pode morder quem se arriscar a tocá-lo, todos os insetos descritos acima são inofensivos, alimentando-se basicamente de seiva que escorre dos troncos de árvores. Porém, como foi possível observar, o porte “avantajado” e as aparências esquisitas assustaram as pessoas que os encontraram. Apesar de não serem vistos com muita frequência, salvo quando cometem a gafe de adentrar nas residências sem convite, estes pequenos gigantes são comuns, principalmente em locais próximos a áreas de florestas. Se você, que lê esta edição de Ciência para todos, mora em alguma cidade da região Norte, saiba que você pode estar,

“Todos (os insetos), sem exceção, têm papel fundamental na manutenção do equilíbrio da biodiversidade da região amazônica, seja por participarem na polinização de flores ou por ajudarem os cientistas a compreender os processos de transmissão de algumas doenças típicas da região, como malária, dengue, leishmaniose e mal de chagas”, explica Henriques, falando sobre a importância do acervo para a comunidade científica. Se você quiser conhecê-los de perto e, mais importante, se tiver estômago para isso, vire as páginas a seguir. A partir de agora, você será apresentado a alguns dos mais estranhos, grandes e inacreditavelmente belos seres da fauna da S.A. – Selva Amazônica. Com colaboração de Francisco Felipe Xavier, Augusto Loureiro Henriques e Jacob Leonardo. As fotos a seguir estão em tamanho real.

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Serra-pau ou Serrador1 Nome Científico: Callipogon (Enoplocerus) armillatus (Linneus, 1767). Ocorrência: Toda a região amazônica. Hábitos Alimentares: Seiva de troncos de árvores. Venenoso: Não. Periculosidade: Médio. Possui mandíbulas fortes e pode morder com facilidade. Curiosidades: As larvas deste grande besouro de hábitos noturnos vivem em tronco de árvores mortas. Os adultos são atraídos por focos de luz, principalmente em locais próximo de florestas. A bela coloração deste besouro o torna alvo do tráfico ilegal de insetos da floresta amazônica. É a “barata supernutrida” citada no início da reportagem. Dados do exemplar: Coletado em Presidente Figueiredo, Julho de 2005.

Besouro de Chifre ou Besouro-rinoceronte1 Nome Científico: Dynastes hercules (Linneus, 1758) Ocorrência: Em alguns pontos da região amazônica. Hábitos alimentares: Seiva de troncos de árvores e frutos fermentados. Venenoso: Não Periculosidade: Nenhuma Curiosidades: O hércules é considerando um dos maiores besouros do mundo, sendo superado apenas pelo Tytanus – embora existam relatos de ser até mesmo superior em tamanho. É muito apreciado pelos colecionadores de insetos. Quanto maior e perfeito for o exemplar, mais valioso ele é considerado. Têm hábitos noturnos e suas larvas vivem de três a cinco anos em troncos apodrecidos. Os machos possuem longos chifres. Dados do Exemplar: Coletado em Roraima, em julho de 1991.

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Arlequim da mata, serrador ou besouro da jaqueira Nome Científico: Acrocinus longimanus (Linneus, 1758). Ocorrência: Toda região amazônica. Hábitos alimentares: Seiva de tronco de árvores, madeira. Venenoso: Não Periculosidade: Nenhum Curiosidades: O macho se distingue da

(?) Nome científico: Gauromydas heros (Perty, 1883).

fêmea pelo extraordinário desenvolvimento das pernas anteriores. Além de espécies botânicas nativas, suas larvas atacam a jaqueira. As fêmeas fazem pequenas incisões no tronco e depositam seus ovos. Ao nascerem, as larvas penetram no interior do tronco. Outro fato curioso são que pequenos aracnídeos, conhecidos como “pseudo-escorpiões”, pegam “carona” embaixo das asas deste besouro. Dados do Exemplar: Coletado em Presidente Figueiredo, agosto de 2005.

Mãe do Sol Nome Científico: Euchroma gigantea (Linneus, 1758). Ocorrência: Toda a região amazônica.

Ocorrência: Toda a região amazônica.

Hábitos alimentares: Seiva de tronco de árvores e madeira.

Hábitos alimentares: Há relatos de se alimentarem de néctar das flores.

Venenoso: Não.

Venenoso: Não. Periculosidade: Nenhuma. Curiosidades: Pouco se sabe sobre a vida dessas moscas gigantes. Suas larvas vivem em formigueiros como predadora. Os adultos medem até 90 milímetros e acredita-se que seja a maior entre todas as moscas do mundo. Se parecem com vespas das quais são excelentes imitadoras (mimetismo) – não só na forma e na cor, mas também no comportamento de defesa, produzindo zumbidos ameaçadores e falsos intentos de picar. Dados do exemplar: Coletado em Presidente Figueiredo, em julho de 2005.

Periculosidade: Nenhum. Curiosidades: Este besouro metálico é usado como enfeite pelos índios. É o gigante dos Buprestídeos da América do Sul, pois alguns exemplares atingem 80 milímetros de comprimento. Este coleóptero é comum em áreas recém desmatadas, onde machos e fêmeas dominam as clareiras, daí o nome popular de Mãe do Sol – neste local é onde se acasalam e posteriormente as fêmeas depositam seus ovos nas arvores recém derrubadas. Dados do Exemplar: Coletado em Presidente Figueiredo, em agosto de 2005.

Besouro de Chifre ou Besouro Rinoceronte1 Nome científico: Megasoma mars (Reiche, 1852). Ocorrência: Toda a região amazônica. Hábitos alimentares: Observou-se, em espécies semelhantes, que eles se alimentam de seiva que escorre dos troncos de algumas árvores. Venenoso: Não.

Periculosidade: Nenhum.

Curiosidades: As espécies deste gênero são marcadas pela presença de grandes chifres nos machos. As larvas chegam a viver cinco anos nos troncos de árvores apodrecidas, sendo que quando adulto vive poucas semanas. Seus chifres eram usados como jóias – as pessoas pegavam o chifre e mandavam encastoar em ouro para fazer parte de uma medalha. Também são alvo do comércio ilegal de insetos. Dados do Exemplar: Coletado em Manaus, Julho de 1990.

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Serra-pau ou Serrador1 Nome científico: Macrodontia cervicornis (Linneus, 1758). Ocorrência: Toda a região amazônica. Hábitos alimentares: Segundo pesquisadores, assim como outros insetos, eles se alimentam de seiva do tronco de árvores. Venenoso: Não. Periculosidade: Médio. Suas mandíbulas são desenvolvidas e pode morder. Curiosidades: Começa a vida em forma de larva (Foto superior). Os machos desta espécie de besouro gigante possuem mandíbulas enormes. Este coleóptero noturno é tido como um dos maiores besouros do mundo, chegando alcançar 16 centímetros de comprimento. Passa os dias descansando nos troncos das árvores, sendo camuflado pela coloração. É alvo do comércio ilegal de insetos da Amazônia.

Besourão ou Baratão Nome científico: Titanus giganteus (Linneus,1771) Ocorrência: Toda a região amazônica. Hábitos alimentares: Segundo pesquisadores, alimentam-se de madeira apodrecida Venenoso: Não. Periculosidade: Médio. Tem uma mordida poderosa se manuseado incorretamente.

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Curiosidades: Dentre os besouros, o Titanus é o maior do mundo, chegando a medir 20 centímetros de comprimento. São extremamente raros e suas mandíbulas, segundo especialistas, são poderosas a ponto de quebrar um lápis. Estes insetos se tornaram lendários pois, embora tenham sido descritos e denominados por Linneus em 1771, com base em poucos fragmentos existentes em museus na Europa, foi somente quase um século e meio depois que foram descobertos exemplares vivos ou perfeitos. Até o século XVIII, o melhor espécime conhecido foi encontrado parcialmente digerido no interior do estômago de um peixe, que havia sido capturado na bacia amazônica e levado até a Europa. Assim como outras espécies, este besouro pode atingir grandes preços no comércio ilegal de insetos.

Dados do exemplar: Não disponível.


Aranhaçu, Aranha Macaco ou Caranguejeira Nome Científico: Theraphosa blondi (Letreiller, 1804). Ocorrência: Toda a região amazônica, com exceção das matas inundadas.

Hábitos alimentares: Todo tipo de pequenos animais, de insetos e pequenos vertebrados. Venenoso: Sim. Periculosidade: Baixo a médio. O veneno não é mortífero para o homem, mas seus pelos podem causar irritação na pele e nos olhos. Curiosidades: Essa espécie é a maior aranha do mundo em comprimento de pernas – um exemplar capturado na Venezuela ultrapassou 28 centímetros e está entre as aranhas mais pesadas (as fêmeas são mais volumosas que os machos). Vive nas florestas de terra firme, como na Reserva Florestal Adolpho Ducke, em Manaus. Elas utilizam seus “pelos urticantes” como defesa. Acidentes com caranguejeiras ocorrem por contato entre a pele humana e os pelos quando a mesma é molestada. Os pelos são muito pequenos e leves, capazes de flutuar, e são liberados com um rápido esfregão pelas pernas traseiras sobre o abdômen – ao atingir a pele, pode causar alergias simples ou graves, principalmente se aspirados. A reação à picada pode ser forte ou Dados do Exemfraca, dependendo da plar: Coletada em pessoa. Algumas espécies Manaus, Reserva não estudadas podem Ducke, em dezembro possuir um veneno mais de 1999. potente.

Dados da Coleção de Invertebrados do Inpa Exemplar mais antigo: Um mosquito, coletado em 1929

cárdio-respiratória.

Exemplar considerado mais raro: O besouro da espécie Titanus giganteus – inseto com a maior massa corpórea do planeta, quando alcança os 17 centímetros de comprimento máximo. Chega a custar U$ 5 mil no mercado clandestino.

Cientistas envolvidos na manutenção do acervo: Augusto Loureiro Henriques, Célio Magalhães, José Albertino Rafael, Márcio Oliveira, Catarina Motta, Rosa Sá Hutchings (Inpa); Francisco Felipe Xavier Filho, Alexandre Silva Filho (CPBA/Inpa); Bolsistas: Ana Tourinho (PPBiogerência),Tiago Krolow (PPBio), Érika Portela (PCI), Rafaela Santo (PBIC), Walter Botelho (PPBio),Kelve Sousa (voluntária), Fabrício Baccaro (Pós-Graduação), Jessica Albuquerque (PPBio),Daniele Moraes (PPBio), Beatriz Coelho (Fapeam) e Herbert Guariento (Fapeam).

Exemplar mais perigoso: As aranhas do gênero Phoneutria, que são popularmente conhecidas como aranhasmacacas ou aranhas-armadeiras. Dependendo da sensibilidade de quem for picado, o veneno pode causar parada

1 - Algumas espécies possuem o mesmo nome popular

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Impacto ambiental

Construção da BR 319 po

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> Por Daniel Jordano

G

randes construções na Amazônia devem levar em consideração todas as questões ligadas aos impactos ambientais. O caso da BR-319, que liga Manaus à capital de Rondônia, Porto Velho, não é diferente, uma vez que ela deve cruzar o estado do Amazonas e servir

de porta de entrada do desmatamento para uma das áreas de floresta mais preservadas do País. É por isso que o grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) coordenou um estudo para avaliar os impactos ao meio ambiente na área de influência direta da rodovia. A pesquisa vai ser


em Roraima

Alberto César Araújo/em tempo

ode causar desmatamento

Os governos federal e estadual promoveram a criação de reservas ambientais ao longo da BR 319 para evitar a criação de ramais ao longo da rodovia, o que amplia ainda mais o desmatamento, mas não foram tomadas medidas que impedissem que o entorno das áreas da região metropolitana de Manaus e da região do Sul de Roraima fossem atingidas

apresentada à comunidade científica no 13º Congresso Florestal Mundial que acontece em outubro próximo, em Buenos Aires, Argentina, e foi tema de dissertação de mestrado da pósgraduação em Ciências de Florestas Tropicais.

nômicas como a exploração madeireira e agropecuária, áreas de cinco municípios do sul de Roraima, e também de Boa Vista, devem sofrer um crescimento no índice de desmatamento em função da reconstrução da estrada.

O estudo revela que, devido à migração de pessoas e a intensificação de atividades eco-

Segundo o pesquisador Paulo Eduardo Barni, que realizou o estudo, a rodovia pavimenta-

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no entorno das áreas da região metropolitana de Manaus, em áreas ao longo da BR 174 (que liga Manaus à Boa Vista) e na região do Sul de Roraima. “É preciso fazer um cadastramento das áreas que poderão sofrer desmatamento em função da reconstrução da BR 319”, informou. Ainda de acordo com o estudo, o índice de desmatamento em cinco municípios roraimenses deve crescer entre 20 e 42% até 2030. “O estudo está limitado ao sul de Roraima e avalia o efeito das rodovias federais (BR’s 174 e 210) sendo conectadas ao ‘arco do desmatamento’ através da BR-319. Os municípios são Roraimópolis, Caroebe, Caracaraí, São João da Baliza e São Luiz do Anauá, totalizando uma área de 100 mil quilômetros quadrados, os quais foram modelados em minha dissertação. Se houver um forte fluxo migratório, como é esperado com a reconstrução da BR319, o desmatamento e a emissão de carbono deve subir entre 20 e 42 % acima do cenário de linha de base, ou seja, o cenário sem a reconstrução da rodovia’’, declarou.

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Intitulada “Reconstrução e asfaltamento da rodovia BR 319: Efeito dominó pode elevar as taxas de desmatamento no sul do Estado de Apesar da pesquisa se referir ao sul do Estado vizinho, Roraima”, a pesquisa do Inpa coloca a BR-319 Paulo Barni não descarta a possibilidade do índice de como uma primeira peça de dominó a ser derdesmatamento crescer também em Manaus e em municípios rubada. Apesar da pesquisa se referir ao sul próximos do Estado vizinho, Paulo Barni não descarta a possibilidade do índice de desmatamento da vai ligar o Amazonas às áreas do chamacrescer também em Manaus e em municípios do arco do desmatamento, onde está incluívizinhos. “No caso da BR-319 e o desmatado o estado de Rondônia. “A BR ligará o sul mento resultante, é como se a gente colocasda região Amazônica ao que se peças do dominó em pé e o podemos chamar de centro asfaltamento da BR-319 seria da floresta. A borda sul está a primeira peça a ser derrubaEstudo coordenamais desmatada e totalmente da. Os arredores de Manaus, ocupada pelo agronegócio e com o distrito agropecuário do pelo grupo pastagens e nessas áreas há a da Superintendência da Zona de pesquisas do pressão de pessoas que já não Franca de Manaus (Suframa) Laboratório de possuem terras. Com a rodovia - há anos abandonado - seria pavimentada, o fluxo migratóa segunda peça a cair, PreAgroecologia do rio vem até Manaus seguindo sidente Figueiredo e ItacoaInpa indica que a a BR-319 e vai até o sul de tiara também sentiriam esse Roraima pela BR-174, onde as efeito. A sequência do efeito reconstrução da terras são relativamente mee o espalhamento do desmarodovia pode gerar lhores e mais baratas”, disse. tamento se estenderiam ao aumento no deslongo da BR 174 chegando Os governos federal e estaaté Roraima”, reforça Barni. matamento e nas dual promoveram a criação de emissões de gases reservas ambientais ao longo Fatores como o agronegóde efeito estufa até da BR 319 para evitar o que os cio e a pecuária extensiva no especialistas chamam de espichamado “arco do desmatano sul de Roraima nha de peixe, ou seja, a criação mento” deslocam populações de ramais ao longo da rododos locais onde se instalam, via, o que amplia ainda mais o os fluxos migratórios através desmatamento. Mas segundo Barni, não foram da BR 319 reconstruída, principalmente após tomadas medidas para evitar o desmatamento a provável dispensa de trabalhadores ao final


Fotos: Tabajara moreno

de obras importantes no Estado de Rondônia, como a construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, poderão causar também uma pressão social maior sobre o Amazonas. De acordo com o pesquisador, a rodovia pode servir como via de acesso a movimentos até então inexistentes no Amazonas, como Movimentos de Sem Terras. “Com a chegada do agronegócio no norte do Mato Grosso, sul do Pará e agora em Rondônia, essas atividades requerem muita área de terra e com poucas pessoas trabalhando. Isso elimina postos de trabalho e “expulsa” população. Além da questão de Jirau e Santo Antônio que devem atrair aproximadamente cem mil pessoas para suas obras de construção. Ao fim das obras, parte dessas pessoas, provavelmente, irão engrossar o fluxo migratório para Manaus e Roraima”, disse.

Avaliação da rodovia

Para o coordenador do grupo de Pesquisa em Agroecologia do Inpa, Philip Martin Fearnside, é necessário fazer todas as análises sobre os impactos ambientais antes da realização da obra. “Todos os impactos ambientais devem ser levados em consideração na tomada inicial de decisões para que depois não se tenha que consertar os danos. Você deve avaliar os impactos e ponderar os benefícios para tomar uma decisão racional, o que não aconteceu, pois nem os impactos fora da área do EIA/ RIMA da BR 319 foram avaliados”, afirmou. Fearnside disse ainda que a BR 319, da forma como está, não é viável ambientalmente. “Ela não é viável, gera um impacto ambiental muito grande abrindo ao desmatamento, praticamente, a metade da floresta Amazônica. Até hoje, 80% do desmatamento brasileiro restringiu-se ao arco do desmatamento, em torno das áreas ao leste e ao sul da Amazônia. Manaus vai ser ligada, via BR 319, a esse arco”, declarou. O pesquisador fez ainda uma avaliação econômica da BR 319 e declarou. “Ela também não é viável economicamente para levar os produtos para São Paulo via Rodovia”, acrescentou.

Soluções

Segundo Philip Fearnside, a proposta da pesquisa para evitar o desmatamento no sul de Roraima é a criação de áreas protegidas. ”Também dá para fazer algumas coisas, o estudo mostra que e uma delas é criando reservas para assim diminuir o desmatamento causado pela a abertura da BR’, disse. Já o pesquisador Paulo Barni acredita que além da criação de áreas de proteção, é necessário ainda o emprego de políticas alterna-

Philip Fearnside ressalta ser necessário fazer todas as análises sobre os impactos ambientais antes da realização da obra, para que depois não se tenha que consertar os danos

tivas de desenvolvimento para assim evitar o desmatamento futuro e recuperar as áreas já degradadas. “É preciso fazer a regularização fundiária das terras e aumentar a fiscalização, além de criar linhas de créditos aos agricultores para a implantação de sistemas auto-sustentáveis como os sistemas agro-florestais”, disse.

A rodovia

A BR 319 foi construída na década de 70, assim como outras rodovias, na intenção de integrar a região. Além das obras, o regime militar promoveu a vinda de várias pessoas do sul do país para a região com a promessa de que elas teriam toda assistência técnica para produzir aqui. Após anos de abandono, surge a proposta da recuperação completa da rodovia. Além da questão da integração de fato da Amazônia com o resto do país, a rodovia recuperada representa uma via de escoamento da produção de produtos do Pólo Industrial de Manaus (PIM).

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Mudanças climáticas globais: > Por Tharcila Martins

A

ADAPTAÇÃO

questão do clima no planeta ganhou maior destaque no início de 2007, quando saiu o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. Essas informações alertaram a sociedade para as consequências das alterações climáticas provocadas em função das ações humanas. A partir daí, o assunto tornou-se uma das principais pautas na imprensa e ganhou maior destaque nas agendas governamentais do Brasil e do mundo.

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De acordo com o gerente executivo do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), Antonio Ocimar Manzi, o termo Mudanças Climáticas pode ser atribuído tanto às mudanças do clima que ocorrem naturalmente, quanto às alterações no clima provocadas pelas atividades do homem. Entretanto, esses termos Mudanças Climáticas Globais ou Mudanças Ambientais Globais são aplicados às alterações climáticas provocadas pelas atividades humanas. Segundo Manzi, a origem desses problemas está, principalmente, na mudança da compo-


ciência ou política? sição da atmosfera. “Isso acontece com a utilização de combustíveis fósseis, ou seja, na transferência de carbono, na maioria das vezes, do subsolo, que está na forma de carvão mineral, petróleo e gás natural, que quando são usados para produzir energia liberam gases de efeito estufa na atmosfera, mas também quando uma floresta é cortada ou queimada”, afirma.

fotos: TABAJARA MORENO

De acordo com o pesquisador, os estudos sobre mudanças climáticas da Amazônia no século XXI seguem dois focos. Um deles continua sendo o de entender a variabilidade natural do clima

Estudos sobre mudanças climáticas da Amazônia mostram que essas estão associadas tanto aos impactos climáticos das mudanças de usos da terra na Amazônia, como à influência das mudanças climáticas globais nos ecossistemas amazônicos, assegura o pesquisador

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e seus efeitos nos ecossistemas e na hidrologia. Em geral, a variabilidade do clima amazônico está associada a padrões de variação da temperatura da superfície dos oceanos, como é o caso das alterações do regime de chuvas sobre a Amazônia em decorrência dos fenômenos El Niño e La Niña, mas responde também às grandes erupções vulcânicas e pode ser influenciada pela variabilidade da atividade solar.

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ência na Amazônia. “Nós tivemos, principalmente, no final do século XX, um interesse muito grande em entender qual o efeito dos desmatamentos da Amazônia no clima. Hoje já conhecemos muito sobre isso, principalmente, em função das pesquisas que realizamos aqui na Amazônia, em instituições brasileiras, onde o Inpa sempre teve um papel de liderança”, declara.

Desmatamentos

A substituição da floresta por pastagem pro“A literatura especializada apresenta estudos voca diminuição de 20% a 30 % da evapotranssobre a variabilidade climática da Amazônia piração superficial, com conseqüente aumento da associada às oscilações entre décadas nos patemperatura do ar sobre a pastagem. Em um modelo drões de distribuição de temperatura da superconceitual de áreas desmatadas envoltas por floresfície dos oceanos, especialmente do Pacífico e tas, a diferença de temperatura do ar entre floresta do Atlântico, mas também às oscilações entre e pastagem gera uma circulação atmosférica que anos, como nos eventos El Niño e La Niña do propicia aumento da nebolusidaoceano Pacífico e nos evende e provável aumento de precitos de mudança no gradiente pitação sobre a área desmatada. norte-sul de anomalias de temAfinal, o que são peratura das águas superficiais as famosas mudanEntretanto, para um desmatado oceano Atlântico tropical. mento em grande escala, acima Alguns estudos abordam os ças climáticas? O de 40% a 50% da Amazônia, siefeitos de aerossois lançados que as causa? É mulações com modelos numérina atmosfera em decorrência cos climáticos sugerem que pode de erupções vulcânicas e ousobre isso que o haver uma redução de chuvas na tros efeitos da variabilidade pesquisador do Amazônia como um todo, mas natural da intensidade da raInstituto Nacional principalmente uma redistribuidiação solar”, explica Manzi. ção das chuvas, na qual a região de Pesquisas da leste vai se tornar mais seca e a Quando ocorrem os evenAmazônia (Inpa) e parte oeste um pouco mais úmida. tos El Niño (águas do oceano Pacífico tropical mais quentes gerente executivo Para Manzi, esse assunto do que na média de longo prado Programa de desmatamento total foi imzo), as regiões norte e leste Grande Escala da portante no final do século XX, da Amazônia em geral sofrem quando a taxa anual de descom diminuição de chuvas, e Biosfera-Atmosfera matamento era muito grande e quando ocorrem eventos La na Amazônia não havia perspectiva de reduNiña (águas do oceano Pacífição dessas taxas. Mas, segunco mais frias) as chuvas nes(LBA), Antonio Ocido ele, a situação agora é difesas regiões se intensificam. mar Manzi, explica. rente. Por conta das mudanças Quando o oceano Atlântico climáticas globais e das prestropical sul está mais quente sões sociais pela conservação do que o normal a tendência da biodiversidade da Amazônia se passou a ter é ter aumento de chuvas no norte do nordesuma atitude governamental e, hoje, até emprete brasileiro e numa parte do norte e leste da sarial, com um olhar diferente sobre a Amazônia. Amazônia; quando ele está mais frio, a tendência é de diminuição de chuvas nessas regiões. “As taxas de desmatamento reduziram nos últimos anos e a meta do governo brasileiro é O segundo foco está associado tanto aos de baixar ainda mais nos próximos, mas a preimpactos climáticos das mudanças de usos da ocupação, lógico, continua. Por isso, o cenáterra na Amazônia, como à influência das murio de um desmatamento praticamente total da danças climáticas globais nos ecossistemas Amazônia é pouco provável. Eu acho que está amazônicos, com ênfase para o aumento da cada vez mais distante”, afirma o pesquisador. concentração de gás carbônico da atmosfera (que é o principal alimento das plantas), o Aquecimento global aumento da temperatura do ar e as prováveis O aquecimento global é o que leva às mudanmudanças no regime de chuvas da região. ças climáticas globais. A física do efeito estufa/ aquecimento global começou a ser desvendaO pesquisador do Inpa afirma que existe toda da no século XIX. Segundo Manzi, nessa época, uma série de estudos do clima geral e sua influ-


descobriu-se que existia o efeito estufa na Terra e que os principais gases causadores do efeito estufa são o vapor de água e o gás carbônico. Sem esses gases na atmosfera, a superfície de nosso planeta seria pelo menos 30ºC mais fria.

para os ecossistemas. Qualquer mudança na temperatura ou na distribuição de chuvas tem implicação para a vida, favorecendo algumas espécies em detrimento de outras, podendo ter efeito ecológico muito grande.

O aumento da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera intensifica o efeito estufa natural da Terra e o planeta se aquece. O termo aquecimento global é atribuído exatamente a esse aumento de temperatura provocado pela intensificação do efeito estufa. Os gases que mais contribuem para o aquecimento global são o gás carbônico, o metano e o óxido nitroso.

“O mais importante de tudo é que as mudanças climáticas globais estão contribuindo para repensarmos nosso modo de vida, a maneira como está se dando o desenvolvimento da humanidade. Isso nos faz concluir que o modelo de desenvolvimento econômico e social que adotamos não é sustentável para o planeta. Temos que mudar a maneira com que tratamos o meio ambiente, inclusive para a sobrevivência de muitas espécies”, declara Manzi.

Homem x meio ambiente

Existem mudanças climáticas que são de origens naturais e o clima está mudando o tempo todo. Mas as mudanças climáticas globais, aquelas que acontecem com interferência do homem, se somam às mudanças climáticas naturais. Para Manzi, as mudanças climáticas globais podem levar a grandes consequências

Atualmente, as mudanças climáticas globais deixaram de ser um problema técnico e científico para tornar-se político. Essa situação está levando a uma mudança de atitude e isso levará a uma modificação importante na maneira com que o homem explora os recursos naturais do planeta.

Manzi, no alto da torre de monitoramento do LBA, na Reserva Biológica do Cuieiras: “As taxas de desmatamento reduziram nos últimos anos, por isso o cenário de um desmatamento praticamente total na Amazônia é pouco provável.“

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Além da torre principal de 300 metros, haverá pelo menos outras quatro torres meteorológicas com cerca de 80 metros cada uma, voltadas para a medição de fluxos horizontais de energia e gases


Programa ajuda a entender o funcionamento dos ecossitemas amazônicos Com mais de 10 anos do início dos trabalhos de campo, o Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), que surgiu como um projeto científico de cooperação internacional, é desde 2007 um programa do governo brasileiro, coordenado pelo Inpa. De acordo com Manzi, o programa propõe iniciativas de pesquisas nacionais e internacionais em que se procura entender o funcionamento dos ecossistemas amazônicos e a interação deles com o clima. O LBA tem o objetivo de tentar responder de uma maneira científica qual o papel da Amazônia no sistema climático da Terra. Como a Amazônia funciona? Qual o papel dela no sistema climático da Terra? “A outra questão é entender, realmente, como funcionam os nossos ecossistemas, mas de uma maneira integrada, não só pensando no ponto de vista físico, químico ou biológico isoladamente, mas integrando tudo isso. O LBA busca entender como os ecossistemas, nos ambientes naturais e também nos ambientes já alterados, interagem com o sistema climático”, afirma o pesquisador. Além disso, o programa estuda como as mudanças de uso da terra na Amazônia afetam o clima em si e o próprio funcionamento dos ecossistemas amazônicos. E, ainda, como as mudanças climáticas globais afetarão os ecossistemas amazônicos. Tudo ocorrendo dentro de um quadro cujo objetivo é desenvolver tecnologias para o desenvolvimento sustentável da região. Manzi afirma que o LBA foi planejado como um programa científico de ciência básica, no entanto, incorporou desde o início a preocupação com o desenvolvimento sustentável da região. Daí se tem a importância das atividades do programa para a sociedade. As atividades desenvolvidas têm grande relevância, não só para a Amazônia, como para o mundo.

Monitorando a floresta

Um dos projetos do LBA que vem ganhando destaque na Amazônia e no mundo é o da rede de monitoramento ambiental e de gases de efeito estufa, composta de 12 torres instaladas no meio da floresta e áreas alteradas, com o intuito de monitorar as condições meteorológicas e as trocas gasosas entre a atmosfera e a floresta. As torres erguidas no Amazonas estão localizadas na Reserva Biológica do Cuieiras, do Inpa, em Manaus, no km 14, do ramal ZF2 (denominação dos ramais que se inciam na BR 174 que dá acesso às áreas do Distrito Agropecuário da Superintendência da Zona Franca de Manaus - Suframa), com 57 metros de altura e no km 34, com 53 metros. Uma terceira torre, de 65 metros de altura, foi erguida na floresta do Parque Nacional do Pico da Neblina em São Gabriel da Cachoeira, distante 852 quilometros por via fluvial de

Manaus, há uma torre de 35 metros instalada em uma floresta secundária na Fazenda Esteio, no ramal ZF3. O topo das torres ultrapassam em pelo menos 20 metros a copa das árvores. Nelas estão instalados equipamentos que medem, por exemplo, numa frequência de 10 vezes por segundo a velocidade do vento, a temperatura do ar e as concentrações de gás carbônico, de metano e de vapor de água, que possibilitam calcular os fluxos de energia e massa entre a vegetação e a atmosfera. Elementos meteorológicos convencionais são medidos no topo da torre, perfis de vento, temperatura e umidade do ar e concentração de gás carbônico são medidos ao longo da torre e perfis de temperatura e de conteúdo de água são medidos no solo. Para 2010 estão previstas instalações de torres em Humaitá e Tefé.

Novo sítio experimental

Um novo super sítio experimental equipado com uma torre de monitoramento de mais de 300 metros de altura está previsto para ser implantado em 2010 na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, no município de Presidente Figueiredo, no âmbito da cooperação do Brasil com a Alemanha. Segundo Manzi, essa torre possibilitará fazer medidas de vários constituintes químicos que muitas vezes são produzidos pela vegetação e que reagem rapidamente na atmosfera e também dos complexos mecanismos de transporte de energia e matéria que ocorrem na atmosfera acima da floresta. “Poderemos medir como esses gases e partículas são produzidos e transportados, e como eles reagem na atmosfera. Há um interesse especial no entendimento do ciclo do carbono e do papel dos aerossois biogênicos na formação de chuvas na Amazônia. O grande estoque de carbono armazenado nas árvores e no solo da Amazônia faz dela uma região ainda mais importante no contexto do clima e das mudanças climáticas globais”, afirma o pesquisador. Manzi ainda explica que além da torre principal de 300 metros, haverá pelo menos outras quatro torres meteorológicas com cerca de 80 metros cada uma, voltadas para a medição de fluxos horizontais de energia e gases, medidas essas essenciais para a determinação completa dos balanços de energia e gases da floresta. “Serão monitoradas, no interior e acima da floresta, as condições ambientais e as concentrações de dióxido de carbono, metano e outros gases atmosféricos. Entender o papel da Amazônia no ciclo global do carbono e de outros nutrientes, além da sua evolução ao longo de algumas décadas, é um dos objetivos do projeto”, afirma.

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Inpa garante proteção às descobertas

amazônicas

> Por Annyelle Bezerra

Proteção

O

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sa. “Assim que o pesquisador identifica a necessidade de patente, ele nos procura para que a partir do projeto escrito nós possamos fazer uma análise de viabilidade”, explica a coordenadora.

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) há mais de 50 anos se dedica a estudar sobre a biodiversidade da fauna e flora amazônicas. Diversos produtos O segundo passo é a elaboração de um reao longo dos anos foram elaborados a partir latório e a realização de uma reunião interna de pesquisas desenvolvidas no instituto, como na qual são expostos ao pesquisador os fora Sopa Desidratada de Piranha (Serrasalmus mulários a serem preenchidos com todas as spp.), a Pupurola Granola de informações necessárias para Pupunha (Bactris gasipaes), e a compreensão do produto. a Zerumbona, obtida dos óleos Bentes ressalta que antes Entre os produessenciais das raízes de Zingidesse processo é feita a assinatos patenteados e ber zerumbet (planta herbácea tura, por parte do pesquisador e disponíveis para de fácil cultivo), entre outros. sua equipe, do termo de sigilo, onde as partes se compromenegociação com A Divisão de Propriedade tem a não publicar ou divulgar o setor produtivo Intelectual e Negócios (DPIN) a descoberta. “É preciso haver é a responsável pela proteção uma preocupação com a seguregional, nacional dos produtos gerados a parrança da informação e do proe internacional, tir dos estudos desenvolvidos cesso do produto para que após estão aqueles do no instituto e, atualmente, a solicitação, o pesquisador não contabiliza 40 pedidos de pavenha a perder o direito sobre setor alimentício, tente em andamento junto a sua descoberta”, enfatiza. de cosméticos e de ao Instituto Nacional da Pro Produtos e processos priedade Industrial (INPI). bens e serviços. O Inpa conta com um portAtualmente, fólio, onde estão expostos Segundo a coordenadora do existem 40 solicios mais de 10 produtos e DPIN, Rosangela Bentes, dos processos protegidos. Mas, 40 pedidos de patentes feitações de patentes de acordo com a coordetos, 24 já possuem número em andamento nadora do DPIN, o portde patente em âmbito naciofólio está em fase de renal e internacional permitind formulação para que sejam o com isso que haja negociaintegradas as novas patentes adquiridas. ção com o mercado produtivo. Outras 16 estão com a solicitação em andamento, e das 24, Os produtos patenteados e disponíveis para oito se encaixam no chamado Tratado de Coonegociação com o setor produtivo regional, naperação em Matéria de Patentes (PCT), devendo cional e internacional são direcionados ao setor adentrar o território brasileiro ainda este ano. alimentício, de cosméticos e de bens e serviços.

O processo de patente

A necessidade de patente, segundo Bentes, é percebida geralmente na fase inicial da pesqui-

São sabonetes líquidos e sólidos, cremes antioxidantes e emulsões a base de óle-


os de Pupunha (Bactris gasipaes H.B.K.), e Buriti (Mauritia flexuosa); produtos de uso doméstico para profilaxia bucal e produtos de uso profissional em consultório odontológico; produção de móveis com madeira de Pupunha; paineis de folhas de vegetais para forros, divisórias, móveis e artefatos a base de matérias-primas naturais. A Bebida Fermentada de Pupunha – de autoria dos pesquisadores Nei Junior, Spartaco

tabajara moreno

De acordo com Rosangela Bentes, dos 40 pedidos de patentes feitos, 16 já possuem número de patente, permitindo sua negociação com o mercado produtivo

Filho, Sônia Carvalho, Lílian de Oliveira, Jerusa Andrade e Roberto Maeda - é uma das peculiaridades desenvolvidas no Inpa. A bebida é elaborada através de um processo semelhante ao do vinho e consiste na utilização de açúcares fermentáveis por linhagem de Sccharomyces cerevisae, formando o etanol. Além de grande aceitação do produto, a bebida apresenta como vantagens a praticidade da aplicação da técnica e o aumento da

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demanda do fruto, contribuindo para o crescimento da renda das famílias produtoras. Outro produto também proveniente da pupunha é a Farinha Integral, produto desidratado para consumo direto ou como ingrediente de alimentos, como doces e salgados. O produto, em 2008 foi fonte de estudo, em parceria com o Banco de Leite do Estado do Amazonas (BLH-AM), sendo comprovada sua eficácia no enriquecimento do leite materno, direcionado aos bebês prematuros. A pesquisa, desenvolvida como dissertação de mestrado da então chefe do BLH-AM, Tânia Batista, sob a coordenação da pesquisadora do Inpa, Helyde Albuquerque Marinho, comprovou que pelo alto índice de vitamina A, existente na pupunha, o produto é importante na prevenção de infecções respiratórias, intestinais e gastrointestinais no bebê.

Produtos e processos patenteados no Inpa

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Sabonete Líquido a Base de óleos de Pupunha e Buriti;

Creme Antioxidante a Base de óleos de Pupunha;

Emulsão Evanescente a Base de Óleo de Pupunha e Buriti;

Sabonete Sólido a Base de óleo de Pupunha e Buriti;

Produtos de Uso Doméstico para Profilaxia Bucal;

Produtos de Limpeza Pessoal de Uso Doméstico e Profissional;

Biocida Orgânico como Preservativo da Madeira;

Uso de Derivados Semi-Sintéticos no Tratamento da Malária;

Painéis de Folhas de Vegetais para Forros, Divisórias, Móveis e Artefatos;

Produtos de Uso Profissional em Consultório Odontológico;

Composto Antimicrobiano contra a Murcha Bacteriana;

Bebida Fermentada de Pupunha (Bactris gasipaes);

Método de Diagnóstico de Leishmania guyanensis;

Zerumbona obtida dos óleos essenciais das raízes de Zingiber zerumbet;

Secador Solar para Produtos Madeireiros;

Secador Solar para Produtos Naturais e Madeireiros;

Pupurola – Granola de Pupunha (Bactris gasipaes);

Farinha Integral de Pupunha (Bactris gasipaes);

Sopa Desidratada de Piranha (Serrasalmus spp.);


São sabonetes líquidos e sólidos, cremes antioxidantes e emulsões a base de óleos de Pupunha (Bactris gasipaes H.B.K.) e Buriti (Mauritia flexuosa); produtos de uso doméstico para proflaxia bucal e produtos de uso profissional em consultório odontológico

A importância de patentear um produto Um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em meados de 2003, revelou que o Brasil perde US$ 16 milhões diariamente, em decorrência da biopirataria internacional. Anualmente isso corresponde a mais de US$ 5,7 bilhões que poderiam ser empregados na melhoria da educação e saúde da população brasileira. Um dos produtos brasileiros patenteados por países estrangeiros foi o produto a base de Cupuaçu (Theobroma grandiflorum). A fruta de origem Amazônica é muito consumida na região e uma das principais iguarias servidas aos turistas, seja em forma de sucos, sorvetes, doces, ou geleias. A empresa japonesa Asahi Foods conseguiu patentear o cupulate, chocolate feito a partir do caroço do fruto, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Enquanto isso, a empresa britânica The Body Shop, usurpava o direito de patente sobre o extrato da fruta, muito eficaz na produção de cosméticos.

Inúmeros são os produtos brasileiros patenteados no exterior. Entre eles, o veneno da Jararaca (Bothrops jararaca). Eficiente no controle da hipertensão, o veneno foi patenteado por um laboratório dos Estados Unidos. A Andiroba (Carapa guianensis Aubl), usada na região norte para o tratamento de febres, como cicatrizante e repelente de insetos, foi patenteado pela Rocher Yves Vegetale nos Estados Unidos, Europa e Japão para a produção de cosméticos ou remédios a base do extrato. Além deles, há também o Curare, mistura de ervas que os índios usam na ponta das flechas para imobilizar a presa, patenteado pelos Estados Unidos na década de 40 e aplicado na elaboração de relaxantes musculares e anestésico cirúrgico. A árvore amazônica Pau-Rosa (Aniba roseadora), registrada pela França em 1920 que tem o óleo usado como fixador de perfumes nos Estados Unidos, Bélgica, França, Reino Unido e Alemanha. É a matéria-prima do perfume Chanel nº 5, considerado o perfume mais glamouroso do mundo.

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De olho no

Gavião-real

> Por Daniel Jordano

A

descoberta, na reserva do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em 1997, de um ninho de Gavião-real foi o pontapé inicial para o programa de conservação da ave realizado pelo Instituto. Hoje, o estudo se expandiu e atua nas áreas de Manacapuru (distante 84 quilômetros de Manaus) a Parintins (369 quilômetros da capital), Pará, Rondônia e nas regiões do Pantanal e Mata Atlântica.

O monitoramento via satélite do Gavião-real começou em Parintins e se expandiu para a Bahia. Segundo a coordenadora do programa, Tânia Sanaiotti, o trabalho envolve sensibilização ambiental. “Trabalhamos para manter sítios reprodutivos da espécie, conservá-las em áreas de reserva, até mesmo particulares. Se preservamos esses locais, mantemos algumas populações dessa espécie”, relata Sanaiotti.

Olhos atentos

Atualmente o Gavião-real figura na lista internacional de animais ameaçados de extinção. Considerado a maior ave de rapina das Américas, o gavião pode carregar o equivalente ao seu peso. As fêmeas são maiores e podem medir até 1 metro de cumprimento e 2 metros de envergadura. Conforme estudo feito em uma região de Parintins por Helena Aguiar, pesquisadora do programa, 79% da alimentação da ave é composta por preguiças, seguida por macacos, porco espinho e aves . O Programa de Conservação do Gavião-real é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), Fundação Boticário de Proteção a Natureza, Vale, Estação Veracel e Parque Nacional do Pau Brasil. anselmo d’affonseca

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Para o Gavião-real, assim como para outros animais, o desmatamento é uma ameaça. A ave precisa de grandes áreas para caçar e se reproduzir. Na Mata Atlântica e em regiões degradadas da Amazônia, o resgate e a reabilitação significam sobrevivência. “No Amazonas e no leste do Pará, quando a mata é derrubada, em alguns casos, o ninho é removido e o filhote entregue ao IBAMA. Avaliamos a capacidade da ave para que ela retorne ao seu habitat natural após a reabilitação”, contou a pesquisadora, afirmando que o programa conseguiu devolver a natureza quatro gaviões nos últimos quatro anos. Em 2009, outras áreas de nidificação foram encontradas, o que amplia a atuação do Programa. “Encontramos novos ninhos em diferentes locais. Vamos visitar ninhos no Acre e no Amapá, onde não trabalhávamos”, declarou, informando que os novos ninhos vão favorecer estudos de fluxo gênico da espécie no Brasil.

tabajara moreno

monitoramento

As comunidades têm papel importante para o programa, pois ajudam na localização de ninhos e no resgate de gaviões feridos ou abandonados. “Nossa ideia é lidar com locais de nidificação trabalhando junto a comunidades por meio da sensibilização ambiental, mostando o uso sustentável dos recursos, incluindo mudanças nos hábitos de caça. Além de lidarmos com o monitoramento, ainda há a demanda das entregas voluntárias de animais que perderam seu habitat”, afirmou a pesquisadora.

Para Sanaiotti, as comunidades têm papel importante para o programa, pois ajudam na localização de ninhos e no resgate de gaviões feridos ou abandonados


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