Ciência para todos - Nº. 05

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INPA Revista de divulgação científica do

Ciência para todos

Agosto de 2010 · nº 05, ano 2 (Distribuição Gratuita) ISSN 19847653

Mudanças climáticas e malária: o que muda na Amazônia

Inpa faz 56 anos gerando conhecimento na Amazônia

Estudo realiza levantamento sobre áreas de risco em Manaus

Conheça um pouco mais sobre as Ariranhas



EDITORIAL

Inpa 56 anos: dos laboratórios à população

O

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) comemora mais um ano de existência, cumprindo seu papel social de contribuir para transformar o conhecimento científico, como ponte para um mundo melhor. Realiza um trabalho diário e muitas vezes silencioso nas bancadas de seus laboratórios, porém não silenciado. Toda e qualquer pesquisa tem seus resultados apresentados à sociedade, gerando novos recursos e oportunidades. São pesquisas nas mais diferentes áreas da ciência e tecnologia para gerar novos produtos e processos. Uma constante busca por inovação. Um trabalho não somente focado na fauna e flora, mas também na população amazônida, através de suas crenças, costumes e tradições, como o trabalho de documentação das línguas e culturas de uma região que guarda imensa diversidade. Acreditar no que faz e fazer com seriedade garante ao Instituto reconhecimento nacional e internacional, como pôde mostrar na 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Natal (RN) ou como pudemos ver através da premiação de seus alunos de pós-graduação e pesquisadores, a exemplo de Niro Higuchi, premiado com o Fundação Bunge, um dos maiores prêmios do Brasil na área de Ciência e Tecnologia.

to, mas mostra que estamos no caminho certo, um caminho cheio de desafios a enfrentar. Estamos num terreno fértil por onde passam as águas do Projeto Igarapés, que visa o estudo de nossas águas e meios para preservar este bem maior da humanidade. Pelos recursos que são reutilizados e transformados, como o Biodiesel. Pelo estudo de insetos como o mosquito transmissor da Malária, cujos resultados já podem ser vistos nas comunidades ribeirinhas. Pelo mapeamento das áreas de risco da cidade de Manaus para evitar que às pessoas de baixa renda, só reste a alternativa de fixar suas moradias nestas áreas. Além de contribuir para o crescimento sustentável do Brasil, o Inpa ainda é uma das maiores opções de lazer à população e turistas. Temos o Bosque da Ciência, um local onde ciência, lazer e cultura são usados para levar o conhecimento à comunidade. A ciência é para todos, e levar o conhecimento até você é o nosso trabalho. Conheça também nesta edição um pouco mais sobre a Ariranha, um simpático mamífero aquático que também vive nos rios da Amazônia. Esta é a primeira reportagem de uma série produzida por Ciência para Todos, que vai mostrar de maneira simples a importância de se proteger os animais com o grande objetivo de conscientizar as pessoas, principalmente as crianças, colaborando assim para um futuro de conservação e equilíbrio ecológico na região com a maior biodiversidade do planeta. Boa leitura!

Obter reconhecimento não significa estar pron-

EXPEDIENTE Adalberto Luis Val Diretor do Inpa Wanderli Pedro Tadei Vice-diretor do Inpa Sérgio Fonseca Guimarães Chefe de Gabinete Estevão Monteiro de Paula Coordenador de Ações Estratégicas - COAE Beatriz Ronchi Teles Coordenadora de Capacitação - COCP Lúcia Yuyama Coordenadora de Pesquisas e Projetos - COPE Carlos Roberto Bueno Coordenador de Extensão - COXT

Tatiana Lima Chefe da Divisão de Comunicação Social e Jornalista responsável MTB (4214/MG) Redação Daniel Jordano Eduardo Gomes Josiane Santos Clarissa Bacellar Wallace Abreu Fotografias Anselmo D’Affonseca Eduardo Gomes Tabajara Moreno Revisão Deise Mesquita

Colaboradores Tabajara Moreno Eliena Monteiro Projeto Gráfico Leila Ronize Rildo Carneiro Editoração Eletrônica Rildo Fernandes Carneiro Artes e Ilustrações: Daniel Santi e Flávio Ribeiro Nossa Capa: Mudanças climaticas e malária: O que Muda na Amazônia

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Mudanças climáticas interferem nos casos de malária

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Sumário

Inpa 56 anos gerando conhecimento na Amazônia

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52 zxczxcz

Ciência para todos revela o universo das ariranhas


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Inpa insere a Amazônia nos debates da SBPC

Inovação cientifica garante desenvolvimento

Pesquisa gera energia através de combustível verde

Estudos avaliam as condições dos igarapés de Manaus

Inpa apresenta pesquisa sobre áreas de risco em Manaus

Pesquisadora realiza trabalho sobre a lingua indígena

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Ciência como desenvolvimento sus N o fim do mês de julho, ocorreu em Natal (RN) a 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que teve como o foco as pesquisas sobre o mar e como elas são estratégicas para o país. Apesar do tema central da reunião deste ano ter sido mar, a região Amazônica foi destaque nos debates, que incluíram os fatores que envolvem as mudanças climáticas e a adaptação dos seres vivos a essas mudanças.

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daniel jordano

Entrevista

Entre os debates estavam os rumos da política em Ciência, Tecnologia e Inovação para os próximos anos e a intenção da comunidade científica em tornar os resultados das discussões em políticas de estados e não de governos. Os três candidatados que lideram as últimas pesquisas de intenção de voto à Presidência da República foram convidados a participar. Ciência para Todos ouviu, em Natal, o presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, que destacou o papel da ciência para o desenvolvimento sustentável. Ele afirmou ainda que o Brasil precisa dar um passo seguinte

no quesito educação com qualidade e destacou o papel da Amazônia e a sua conservação para as pesquisas.

Raupp é matemático, possui doutorado pela University of Chicago. Além de presidente da SBPC, é diretor geral do Parque Tecnológico de São José dos Campos, foi diretor geral do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC/MCT). Na pesquisa, Raupp trabalha em Análise Numérica.


o política de stentável para o país Ciência para todos: Falou-se muito nesta reunião da SBPC sobre a educação. Como ela pode ajudar no desenvolvimento da ciência? Marco Antonio Raupp: A educação é um elemento de cidadania. Um país, para ser moderno, precisa consolidar a educação com qualidade para que o desenvolvimento gerado por ele atinja a todos. Nós demos um passo importante no Brasil em relação à questão da educação quando colocamos as crianças na escola, agora precisamos dar o passo seguinte: quem entra na escola tem que sair dela qualificado. A educação é um pressuposto para o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia, para a modernização da sociedade e para que todos venham ser incluídos nos benefícios desse desen- A educação volvimento.

disso.

CT: O senhor falou de Amazônia e nessa reunião falou-se muito sobre a região e a Amazônia azul [mar]. Qual é o papel da Amazônia para as pesquisas e qual o balanço final dessa reunião da SBPC? Raupp: A Amazônia tem água, lá existe o “rio mar” e o esforço é que a gente consiga contemplar esses biomas que contém recursos naturais importantes para o futuro do país; é um verdadeiro patrimônio da nação. Por ser patrimônio, não podemos destruílo, e ao usar os recursos temos que fazêlo com toda a segurança, evitando assim acidentes ecológicos irreversíveis. Temos que ter um grande controle da situação, e fazer o manejo desses recursos e a ciêné um cia é fundamental; por isso, pressuposto para pedimos aos governos para o desenvolvimento que aumentassem os investimentos em C&T na Amazônia da Ciência e Tece tivemos resultado. Agora nologia, para a estamos pedindo um aumento dos investimos para pesmodernização da quisas sobre o mar e já tisociedade e para vemos resultado. O ministro Sérgio Rezende [da Ciência e que todos venham Tecnologia] esteve aqui e já ser incluídos nos anunciou R$ 800 milhões em editais. benefícios desse

CT: A ciência hoje é cada vez mais política de estado? Raupp: Sem dúvida nenhuma, essa é a posição que defendemos e foi a principal proposta na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que ocorreu em Brasília no mês de maio, a qual nós participamos e aderimos. O Ministro Nelson Jobim [da de- desenvolvimento CT: A próxima reunião fesa] esteve aqui e fez uma da SBPC ocorre em Goiânia exposição sobre a estratégia (GO). Qual é a expectatinacional de defesa e todo o lado indusva? trial que é necessário para embasar essas Raupp: Ali temos biomas muito importaniniciativas, a inovação tecnológica. São tes; o Cerrado, onde o manejo é bem mais empresas de base tecnológica, que serão antigo que da Amazônia e lá a atuação da criadas a partir das demandas geradas Embrapa e de uma rede de universidades pelas forças armadas. Além disso, ciênassociadas é um grande exemplo de como cia também está ligada às questões esa Ciência pode contribuir para a utilização tratégicas, como as pesquisas sobre o de um bioma. Essa rede colocou a agropemar e a Amazônia; então C&T está na cuária brasileira em um lugar de destaque ordem do dia e é transversal a todas no mundo. Outro bioma no centro oeste é o as atividades. O nosso trabalho na Pantanal, onde defendo mais ciência para SBPC é desenvolver atividades para essa região, ou seja, é a caravana da ciênmostrar à sociedade a importância cia percorrendo o Brasil.

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Reunião Anual

Aproximação e divulgação da > Por Daniel Jordano, Josiane Santos e Eduardo Gomes

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ebates e palestras sobre o crescimento da ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento do país; apresentação e exposição de pesquisas fizeram parte do cenário da 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal. Durante o evento, o público teve a oportunidade de participar de palestras, oficinas, exposições, debates, minicursos ministrados entre os dias 25 e 31 de julho. Neste ano, o tema foi o mar, sua biodiversidade, complexidade e desafios para os próximos anos.

SBPC

O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) apresentou na Reunião Anual da SBPC as pesquisas na área de Produtos Florestais, como aproveitamento de galhos e troncos da pupunheira na confecção de móveis, lançamento de livros, degustação de alimentos feitos de espécies da região, pequenos objetos de madeira, tijolo vegetal, sistema de desinfecção de água, produtos feitos com o couro do peixe, pequena amostra da diversidade de insetos, frutos e madeiras da região Amazônica.

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Aproximação da ciência e sociedade A SBPC é uma reunião destinada ao público em geral; por isso, o evento levou atividades voltadas ao público infantil, estudantes, pesquisadores e cientistas. Para quem queria conhecer as instituições de pesquisas, novas tecnologias e os produtos por elas desenvolvidos era só visitar a ExpoT&C. O Inpa levou iguarias Amazônicas que eram oferecidas aos visitantes. Esses produtos são desenvolvidos pela Coordenação de Pesquisas em Tecnologia do Alimento (CPTA) do Instituto e fazem parte de um processo de pesquisa onde a matéria-prima é estudada em diferentes fases, como a captura, no caso dos peixes, e a coleta, no caso de frutos, levando em consideração que a etapa final deve ser a elaboração de produtos. O stand ofereceu também ao público licor de frutos Amazônicos como o Camu-Camu, muito conhecido na região Amazônica por ser rico em vitaminas. Outro trabalho que despertou a curiosidade dos visitantes no stand do Inpa foi a pesquisa que purifica água. Um cilindro contendo água e uma forte

luz ultravioleta (UVB) chamou a atenção de quem passava pelo local, além, é claro, da frase que acompanha o produto: “Água Solar: Nós lavamos água”. Trata-se de um sistema solar capaz de tornar potável e livre de germes as águas sujas de rios e lagos. O sistema foi testado na comunidade Morada Nova, localizada no município de Itamarati, distan-


da SBPC:

Eduardo gomes

ciência para a sociedade

Adalberto Val, apresenta resultados das pesquisas à Sérgio Rezende

te 1500 quilômetros de Manaus. A inovação pode ser considerada como um método contra bactérias e outros microorganismos perigosos, que em alguns casos podem produzir efeitos negativos não somente para o ser humano, mas também ao meio ambiente. A pesquisa se dedicou a estudar um método que há milhões de anos tem sido demonstrado pela própria

natureza, ou seja, a desinfecção por meio de radiação ultravioleta tipo C. Para a estudante de engenharia ambiental, Izabeli Camurça, do Ceará, apresentar a biodiversidade da Amazônia é importante para que todo o país possa conhecer os produtos e processos das pesquisas desenvolvidas na região norte, levando em consideração o desenvolvimento sustentável.

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Reaproveitamento de madeira Eduardo gomes

Uma cadeira produzida com galhos de árvores da Amazônia, ou seja, com o reaproveitamento de resíduos naturais – sobras em áreas florestais da região norte do país – também foi exposta no stand do Inpa na ExpoT&C, e atraiu vários olhares do visitantes da SBPC. O objeto, assim como outros artigos de decoração produzidos com sobras de madeira, faz parte de estudos e projetos desenvolvidos pela Coordenação de Pesquisas em Produtos Florestais (CPPF) do Inpa. O objetivo é dar um destino adequado a estes materiais, criando uma alternativa de sustentabilidade para a região. Editora Inpa, apresentou livros sobre a Amazônia na SBPC

Ainda no setor madeireiro, o Inpa apresentou no evento uma pequena amostra de sua coleção de madeiras (xiloteca), que visa identificar, catalogar, registrar, conservar e divulgar, com dados científicos e tecnológicos, as madeiras da Amazônia, utilizando como suporte estudos botânicos e florestais. De acordo com o pesquisador Jorge Freitas, da CPPF, a exposição possibilitou mostrar a biodiversidade de madeiras da Amazônia, além de enfatizar os projetos desenvolvidos pela Instituição para que a população de outros estados possa conhecê-los. “É uma oportunidade de chamar atenção para os projetos desenvolvidos no Inpa, como o reaproveitamento de resíduos na utilização na marchetaria, luteria, artesanato, aglomerados de produtos florestais, enfatizando sempre a sustentabilidade e a diminuição de impactos ambientais”, afirmou Freitas.

Livros: inclusão social

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Uma das formas de socialização do conhecimento são os livros, principalmente para a área de ciência e tecnologia, que necessita de divulgação das pesquisas que direta ou indiretamente influenciam na sociedade. De acordo com o diretor do Inpa, Adalberto Val, a informação científica e tecnológica precisa ser socializada e muito efetiva, para gerar processos de inclusão social e geração de renda. “Colocar na forma de livros as informações que são produzidas nos laboratórios é uma tarefa bastante importante e difícil. No entanto, nós temos tido sucesso nesse processo. É muito importante que se faça isso porque a ciência precisa ser levada para a sociedade em larga escala, para que a gente possa gerar o processo de inclusão social e geração de renda”, enfatizou Val. Seis livros publicados pela editora do Inpa foram lançados na SBPC, algumas dessas obras escritas por pesquisadores do Inpa. Entre eles estão os pesquisadores Jorge Daniel Indrusiak Fim, Sérgio Fonseca Guimarães, José Albertino Rafael, Peter Weigel, João Batista Moreira Gomes, Sidney Alberto do Nascimento Ferreira, Newton Paulo de Souza Falcão, Carlos Alberto Cid Ferreira, além do presidente da

Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera (FDB), instituto parceiro do Inpa para desenvolvimento de projetos. O livro “Manual de criação de matrinxã (Brycon Amazonicus) em canais de igarapés” apresenta informações básicas para implementação de sistemas de criação de peixes em canais de igarapés, principalmente para atividade de subsistência de famílias que moram em comunidades rurais da Amazônia; A obra “A Fauna de Artrópodes da Reserva Florestal Ducke: Estado atual do conhecimento taxonômico e biológico” é uma reunião de trabalhos de cientistas brasileiros e estrangeiros sobre a fauna de artrópodes da Reserva Adolpho Ducke, localizada na zona norte de Manaus. O livro “Educação para que ambiente: desafios teóricos para educação ambiental na Amazônia” alerta sobre o risco da homogeneização conceitual para a biodiversidade e a sociodiversidade da região e apresenta discussões sobre o papel da ciência em todo esse processo. A obra “Nove espécies frutíferas da Várzea e Igapó para aqüicultura, manejo da pesca e recuperação das áreas ciliares” é resultado de uma pesquisa iniciada em 1997 que descobriu nove espécies arbóreas das áreas de várzea e igapó. O plantio dessas espécies pode ser utilizado na aquicultura (criação de animais na água), na recuperação da vegetação ciliar e na agricultura familiar. A obra “A propósito de ciência e pesquisa” reúne as opiniões do autor sobre a atividade científica no Brasil. O livro “Amazônia esse mundo à parte” é a reunião de artigos que abordam aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais da Região Amazônica. Ao todo, a editora do Inpa vendeu 145 obras durante o evento.


eduardo gomes

Membros da comunidade científica brasileira e gestores públicos debateram sobre volume de investimentos em C&T

Investimento na área de ciência e tecnologia Durante a abertura do evento, foi assinado o documento que autoriza o lançamento dos editais para a criação de novos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), instrumento que contempla as pesquisas com investimentos. O valor total dos recursos chega a R$ 865 milhões de reais e devem ser investidos nas ciências do mar e subvenção econômica para que as empresas também invistam no desenvolvimento tecnológico. O documento foi assinado pelo Ministro da Ciência e Tecnologia (MCT), Sérgio Rezende, pelo Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Carlos Aragão e pelo diretor da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Fernando Ribeiro. O ministro Sérgio Rezende destacou a importância dos investimentos e ressaltou o papel da ciência para o desenvolvimento do país. “Pela primeira vez temos um plano de ação em ciência e tecnologia. O Brasil vive um novo momento, dispomos de recurso cinco vezes maior do que o orçamento de 2002. A ciência e a tecnologia estão ocupando gradualmente o processo produtivo das empresas brasileiras”, avaliou Rezende. A Amazônia foi o parâmetro para os debates inicias sobre a importância das pesquisas no Brasil. O diretor do Inpa, que também é vicepresidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) na região Norte, Adalberto Val, afirmou

que o desenvolvimento da ciência serve para gerar renda e inclusão social. “Nada mais justo que ter contemplado nessa reunião uma discussão sobre o desenvolvimento da ciência no ambiente marinho, mas essa comparação com a Amazônia é extremamente importante, pois os desafios são grandes. A ciência tem que ajudar na inclusão social e geração de renda. Precisamos dar o passo seguinte, e é esse passo que estamos buscando nesse momento”. No evento, os dirigentes dos INCTs se reuniram para discutir os financiamentos das pesquisas e os desafios para ciência nos próximos anos. Outro ponto destacado durante a reunião foi a socialização dos resultados das pesquisas feitas nos laboratórios. “A sociedade brasileira só vai apoiar as iniciativas em ciência e tecnologia quando receber essas informações. Não é sempre que a ciência vai gerar um produto novo, mas sempre ela vai gerar uma informação nova”, ressaltou Val. O Ministro da Educação, Fernando Haddad, fez um breve balanço sobre a qualidade da educação no país e destacou o desenvolvimento tecnológico através dos programas de Iniciação científica e pós-graduação. “O Brasil está em 13ª lugar no ranking de produção científica. A sociedade tem que continuar com esse vigor, não vamos cometer no século XXI os erros que cometemos no século XX’’, afirmou Haddad.

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Trabalhos de iniciação científica Alguns alunos de Iniciação Científica do Inpa que participam do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Programa de Apoio à Iniciação Científica (Paic) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), apresentaram seus trabalhos na Seção de Posteres na SBPC. A pesquisa desenvolvida pela aluna do Pabic, Kethelin Batista Miranda Galeno, reaproveita a amêndoa do tucumã para produção de biodisel. “O nosso projeto se diferencia de outros trabalhos na área, visto que nossa preocupação é geração de energia elétrica em comunidades isoladas no interior do Amazonas”, explica. eduardo gomes As amêndoas foram coletadas nas feiras de Manaus e seu óleo foi extraído com alto índice de rendimento, 60% maior que os demais óleos. O projeto está em fase de testes em algumas comunidades isoladas do estado do Amazonas, onde substituem o diesel pelo óleo de amêndoas de tucumã nos geradores de energia elétrica. O orientador e o coorientador do projeto são os pesquisadores Sérgio Nunomura e Roberto Figliuolo, respectivamente. O aluno de Iniciação Científica Michel Jader de Oliveira Miranda apresentou uma pesquisa que avalia a qualidade da água dos poços artesianos do município de Novo Airão, distante 200 quilômetros de Manaus.

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A pesquisa, intitulada “Hidroquímica das águas subterrâneas da cidade de Novo Airão AM-Brasil”, durou dois anos e analisou amostras das águas de 12 poços artesianos do município no período da cheia e da vazante do Rio Negro. O orientador do projeto é o pesquisador da Coordenação de Pesquisas em Clima e Recursos Hídricos (CPCR), Márcio Luiz da Silva. As amostras foram analisadas na CPCR observando-se as funções químicas: nível de acidez da água (Ph), quantidade alérgica e bacteriológica. A pesquisa constatou que 70% da água dos poços está apta para o consumo e 30% apresenta um nível de Ph (variável entre 4,7 a 7,04) acima da média, sendo imprópria para o consumo. A média para região é 3,1 a 5,3.

Oliveira explica que a possível razão para o alto Ph pode ser consequência da ação do homem ou fatores externos. “O Ph alto pode ser referente à ação do homem, ao mau funcionamento do poço (infiltração) ou pela própria formação que ele se encontra”, explica Oliveira. Outra pesquisa apresentada na SBPC foi a do aluno Kauê Feitosa de Sousa, da Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical (CPST). A pesquisa buscou determinar a temperatura adequada para germinação da castanha-daamazônia (Bertholletia excelsa), para fornecer subsídio na elaboração da Regras para Análise de Sementes (Rais) com a espécie castanha. A orientadora da pesquisa é Isolde Ferraz, da CPST. Alunos de PIBIC, apresentaram o resultado de suas pesquisas em Natal (RN)

A Análise de Sementes é um conjunto de normas publicadas pelo Ministério da Agricultura para realização das análises de um lote de sementes em laboratórios. As regras variam de acordo com a espécie estudada. Segundo Souza, no Brasil, as Rais existentes são em maioria para espécies agronômicas. A última Rais de espécies florestais amazônicas foi publicada no ano passado. Ainda de acordo com Sousa, a pesquisa visa economia de tempo e dinheiro no processo de germinação da castanha. “A temperatura é importante determinar, para que o processo de análise da semente em laboratório seja mais rápido, porque na temperatura ótima a semente demonstra potencial de germinação em menor tempo, reduzindo o tempo de análise do técnico em laboratório”, concluiu Souza.


Antonio Raupp na abertura da SBPC, falando sobre os investimentos na área de C&T

Conversa com presidenciáveis A SBPC promoveu o “Encontro com os candidatos à Presidência da República” com maior número de intenção de votos. Os presidenciáveis apresentaram os seus planos de governo para a área de ciência, tecnologia e inovação. As candidatas Dilma Rousseff e Marina Silva compareceram ao encontro. Dilma destacou alguns pontos importantes para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação, entre eles o reconhecimento do papel que tem a pesquisa básica para gerar inovação tecnológica; objetivos prioritários na pesquisa; transformação dos centros de pesquisas em centros de excelência e difusão do conhecimento lá produzido; transferência de tecnologia entre as empresas estrangeiras, instituições de pesquisa e federais. Já a candidata Marina Silva propôs ampliação da base de conhecimento e reforço nas universidades e dos centros de excelência do Brasil. Ela ressaltou ainda a importância que o país precisa dar às áreas de ciência e tecnologia para formar jovens cientistas e doutores. Na oportunidade, uma comissão formada pela SBPC e a ABC entregou uma carta às candidatas, na qual são propostas políticas de investimento para formação, ampliação e consolidação de mão de obra na área de ciência e tecnologia. A carta propõe ainda a valorização e a qualificação dos professores de educação básica,

eduardo gomes

de modo que se tenha como consequência a educação ao alcance de todos; a participação do país na expansão quantitativa e qualitativa destacados como fatores fundamentais para os domínios das questões que envolvem mudanças climáticas, energias renováveis, satélites, biotecnologias, nanociências, redução da pobreza, entre outras; conservação e uso dos biomas brasileiros de forma sustentável, principalmente o mar e a Amazônia, como forma de o país alcançar um “novo modelo de geração de riquezas e desenvolvimento sustentável”; intensificação tecnológica nas empresas e interação com instituições de ensino e pesquisa, a fim de gerar novos produtos, processos e empresas. O diretor do Inpa, Adalberto Val, presidiu a comissão formada por membros da SBPC e da ABC. Val afirmou que a carta é apenas uma diretriz para o desenvolvimento do país. “A carta possui quatro eixos principais e nós vamos agora detalhar esses eixos para poder contribuir para o estabelecimento de política de educação, ciência, tecnologia e inovação no Brasil”, explica Val. Segundo a organização do evento, a SBPC recebeu um público aproximado de 15 mil pessoas por dia. A programação sênior recebeu mais de 11 mil inscrições de pessoas de todo o país, mais de 5 mil trabalhos científicos foram expostos. A SBPC Jovem, destinada a estudantes de ensino básico, educadores e visitantes, reuniu mais de 10 mil pessoas durante a semana. A ExpoT&C atingiu um público diário de 6 mil pessoas.

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Inpa comple

Eduardo gomes

promovendo o con

Inpa 56 anos

> Por Wallace Abreu

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ntre indicações e prêmios, pesquisas e novas descobertas, reconhecimento nacional e internacional, o trabalho continua no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT). Fechando mais um ano de trabalho, o Instituto cumpre o seu papel de realizar estudos científicos do meio físico e das condições de vida da Região Amazônica, para promover o bem-estar humano e o desenvolvimento socioeconômico. De acordo com o diretor do Inpa, Adalberto Luis Val, uma estrutura administrativa que permita uma atuação de forma mais efetiva do que foi feito nestes últimos quatro anos está sendo montada. “O Instituto estudou, neste último ano, uma reforma administrativa a partir dos

focos institucionais. Pretendemos trabalhar isso logo no começo deste novo ciclo. Temos hoje uma posição de destaque no cenário nacional e internacional. O Inpa está entre as maiores instituições de pesquisa do mundo, em todas as áreas do conhecimento. Temos um potencial grande e precisamos agora transformar isso em inclusão social e geração de renda. Precisamos trabalhar fortemente na socialização da informação”, avaliou. O Coordenador de Extensão do Inpa, Carlos Bueno, destacou o desenvolvimento sustentável e o papel das pesquisas nesse processo na Amazônia. Ele afirmou que o Instituto tem papel fundamental neste processo, e apontou os principais desafios para os próximos anos. “Existem gargalos, como a formação de mãode-obra, mas isso não se resolve da noite para o dia, mas estamos avançando. O Inpa está em


eta 56 anos

nhecimento

Solenidade contou com a presença de cientistas e membros do poder público

14º no ranking das instituições brasileiras que fazem ciência e tecnologia. Na Amazônia, não se faz política pública sem saber o que o Inpa tem a dizer”, afirmou.

a mais um ano de existência do Instituto. Os servidores do Inpa que morreram neste último ano foram homenageados com um minuto de silêncio.

Para o vice-diretor do Instituto, Wanderli Pedro Tadei, 2009 pode ser considerado um ano de modernização e consolidação de projetos na história do Inpa. “Nossa base junto ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e todos os outros apoiadores é continuar essa implementação de pesquisas, é ampliar nosso quadro de pessoal. Para a demanda da região, ainda temos um número muito pequeno de pesquisadores, porém o Inpa também está trabalhando nesta formação, para dar continuidade ao trabalho com o mesmo nível que vem realizando”, ressaltou Tadei.

As atividades prosseguiram com o hasteamento da bandeira nacional, feito pela funcionária do Inpa, Ires Paula de Andrade Miranda, da Coordenação de Pesquisas em Botânica (CPBO), e contaram com a presença da Banda do Comando Militar da Amazônia (CMA).

Celebração

O Inpa realizou um evento em comemoração

A programação teve continuidade com a homenagem feita ao pesquisador Niro Higuchi, da Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical (CPST), pelo Prêmio Fundação Bunge 2010 na área “Ciências Florestais”, um dos mais importantes na área científica. O pesquisador do Inpa deverá recebê-lo em outubro deste ano.

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Para receber a homenagem, esteve presente o seu filho, Francisco Gasparetto Higuchi, engenheiro florestal e pesquisador voluntário do Laboratório de Pesquisas em Manejo Florestal do CPST. “Meu pai está participando de uma banca em São Paulo e infelizmente não pôde comparecer, mas toda a nossa família está muito orgulhosa com o prêmio. É muito legal saber que o trabalho do meu pai está sendo reconhecido, e melhor ainda, o reconhecimento veio em vida”, ressalta Gasparetto. Após a homenagem, um culto ecumênico foi realizado na Ilha da Tanimbuca, no Bosque da Ciência, e contou com a participação do Pastor Jonathas Carolino, do Dr. Antônio dos Santos da Casa da Fraternidade Chico Xavier e do padre Charles Cunha da Silva. No evento, estiveram presentes autoridades e membros da comunidade científica do Amazonas. O diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), Odenildo Sena, presente à solenidade, destacou que o Inpa já faz parte do patrimônio nacional e tem sua importância reconhecida internacionalmente. “Nesses últimos quatro anos, o Inpa deu saltos importantíssimos em pesquisas científicas. Atualmente, o Instituto é um dos maiores em captação de recursos do Estado do Amazonas”, disse Sena.

Publicações

Os livros da Editora Inpa, lançados na SBPC em Natal (RN), foram apresentados ao público presente. Entre as publicações estão o Manual de Criação de Matrinxã (Brycon amazonicus) em canais de Igarapés; A Fauna de Artrópodes da Reserva Florestal Ducke: Estado atual do conhecimento taxonômico e Biológico; Educação para que Ambiente: Desafios teóricos para educação ambiental na Amazônia; Nove espécies frutíferas da Várzea e Igapó para aquicultura, manejo da pesca e recuperação das áreas ciliares; Amazônia esse mundo à parte; e A Propósito de ciência e pesquisa. As comemorações se encerraram com homenagens aos servidores mais antigos do Inpa. Entre eles, Manoel Francisco Jesus de Souza da CPST. “É uma honra ter o trabalho reconhecido e poder representar todos os servidores que lutam juntos para fazer do Inpa esta instituição respeitada”, relatou Souza. O Inpa fecha mais um capítulo da sua história, já tendo em mente as páginas em branco a serem escritas, e os autores somos nós: pesquisadores, servidores, funcionários, bolsistas, estagiários, parceiros, imprensa e apoiadores, que todos os dias fazemos da história do Inpa, a nossa história.

flávio ribeiro

Também estiveram presentes José Seráfico, presidente da Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera (FDB), além de servidores, funcionários e parceiros do Instituto. “O Inpa está numa fase extremamente propícia, porque consegue marcar sua posição, além de mostrar a que veio, 56 anos após sua criação. É obvio que há todo um caminho que

foi percorrido anteriormente e esse caminho conduziu o Instituto ao patamar em que se encontra hoje, certamente uma instituição que já deu muita contribuição para o desvendamento da realidade amazônica e que ainda tem muito mais a dar”, comentou Seráfico.

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Na ocasião servidores do Instituto receberam homenagens


Relembrando um pouco a história do Instituto, segue retrospectiva das notícias sobre o Inpa que foram destaque neste último ano. Agosto/ 2009

Inpa recebe, por mês, pelo menos dois animais feridos; Inpa fecha 2009 com nove patentes depositadas.

Setembro/ 2009

Inpa detém descoberta da planta com maiores folhas do mundo.

Inpa apresenta resultado de pesquisa em congresso na África; Inpa abre 126 vagas em oito editais de Pós-Graduação. Inpa participa de documentário de TV pública da Holanda; Livro editado pelo Inpa entre vencedores do Prêmio Jabuti; Pesquisador do Inpa recebe prêmio internacional na próxima semana; Obras do Inpa expostas pela primeira vez na Bienal do Livro.

Fevereiro/ 2010

Março/ 2010

Inpa recebe filhote de peixe-boi capturado em Coari; Inpa investe em pesquisa com esgoto ecológico.

Abril/ 2010

Outubro/ 2009

Inpa abre inscrições para programa de iniciação científica; Inpa inaugura laboratórios de biodiversidade e genética.

Novembro/ 2009

Inpa inaugura memorial e lança selos postais; Ampa lança projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia; Pesquisa deve auxiliar na medição de CO2.

Inpa é referência para documentário alemão sobre a Amazônia; Inpa participa da Cúpula Amazônica de Governos Locais. Centésima edição do Circuito da Ciência atrai 350 estudantes; Projeto de iniciação científica do Inpa é premiado em SP; Pesquisador do Inpa ganha prêmio nacional de farmacologia; Atores globais ‘apadrinham’ árvore de mais de 600 anos do Inpa.

Dezembro/ 2009

Inpa inaugura novos espaços destinados à pesquisa científica; ‘Pequeno Guia’ do Inpa selecionado para visitar os EUA.

Janeiro/ 2010

Inpa arrecada 12 toneladas de alimentos para o Haiti;

Maio/ 2010

Junho/ 2010

Adalberto Val é reconduzido ao cargo de diretor do Inpa; No Inpa, casca do maracujá vira biscoito; Cerca de duas mil pessoas visitam o Bosque da Ciência.

Julho/ 2010

Inpa debate sobre Amazônia na 62ª reunião da SBPC.

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Inovação científica

Inovação

para o desenvolvimento do país

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> Por Wallace Abreu

D

e invenções como a lâmpada, a imprensa, o telefone e o telégrafo; passando pelos úteis aparelhos auditivos e a reciclagem de lixo; chegando às inovações “malucas” ou no mínimo curiosas, como guarda-chuva para sapato, bandeja para não perder os brincos, molde para passar batom e um garfo com relógio; esses são apenas alguns exemplos das várias engenhocas que são criadas diariamente, seja por pesquisadores em laboratórios ou por curiosos nas cozinhas e garagens de muitas casas mundo afora. Há até quem já tenha pensado em inventar a água em pó ou o sorvete quente para menino gripado. Brincadeiras à parte, uma coisa é certa: todas essas invenções são criadas na tentativa de melhorar a vida humana. Segundo a Lei de Inovação nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, inovação significa introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços. Inovação pode implicar em desenvolvimento humano e melhoria da qualidade de vida. Do latim Innovatio, se refere a uma nova idéia, método ou objeto criado, seja de forma inédita ou baseado em outro produto pré-existente. O termo Inovação também é conhecido popularmente como “invenção” ou “descoberta”, embora haja uma grande diferença entre os termos.

ENQUETE

Ciência Popular

O que mais falta ser inventado? eduardo gomes

Impossível? O teletransporte. Pode parecer loucura, mas com isso você economizaria tempo, quebraria barreiras geográficas e várias outras melhorias que esse processo poderia trazer. Temos que pensar na facilidade. Muitas coisas poderiam ser resolvidas, principalmente os problemas de trânsito Quelner Martel, 34, artesão.

Ao pé da letra Inovação – Ato ou efeito de inovar. Novidade. Renovação. Invenção – Coisa nova criada ou concebida no campo da ciência, da tecnologia ou das artes. Descobrimento. Descoberta – Aquilo que se descobriu ou se encontrou por acaso ou mediante busca, pesquisa, observação, dedução ou invenção.

Uma inovação, normalmente é uma solução técnica para um problema, cujo resultado ainda não esteja disponível para o conhecimento público. Há pelo menos quatro tipos de inovação: de produto, de processo, organizacional e de marketing, sendo os dois primeiros de maior destaque no âmbito da ciência e tecnologia, pois estão relacionados às invenções

Bombom dia. Eu inventaria uma bala que, ao ser consumida, tirasse a preguiça. Seria algo composto por uma substância ligada ao prazer. Acho que hoje é difícil inventar algo 100% novo. Funcionaria como uma fonte de estímulo. 17 19 Viviane Silva, 31, advogada


eduardo gomes

Humanidade! Se eu pudesse, inventaria algo que possibilitasse aos cegos voltar a enxergar. Eu acho realmente uma coisa muito triste. Inventaria um tipo de equipamento ou aparelho que fosse implantado na pessoa com essa deficiência. Gerson Souza, 20, universitário.

eduardo gomes

O exterminador. Pensando na melhoria da vida humana, eu inventaria algo para acabar com o álcool e as drogas. Acho que este é o grande mal do século, que vem destruindo e desestabilizando muitas famílias. Maricélia Magalhães, 52, auxiliar de dentista.

Inovação Tecnológica Segundo o pesquisador Estevão Monteiro de Paula, da Coordenação de Ações Estratégicas (COAE) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT), inovação é todo o processo que resulta no desenvolvimento, criação ou melhoramento de um produto novo ou já existente. “Todo tipo de inovação, principalmente a tecnológica, tem em seu contexto a geração de um bem ou serviço que traga grande contribuição para a sociedade.

Toda pesquisa deve resultar em um benefício para a população. Falar de inovação tecnológica é falar de mercado. Uma inovação tecnológica só pode ser considerada se o produto for introduzido no mercado. Nem sempre requer a criação de um novo produto, mas pode ser o melhoramento de um produto que já existe, através de processos de adaptação tecnológica significativa”, ressalta Monteiro. É fácil distinguir “Inovação Tecnológica” dos outros tipos de inovação. Além da novidade, outro ponto importante neste processo é o ganho financeiro. Como está diretamente ligada ao mercado, qualquer tipo de inovação deve trazer ganhos para a empresa, como aumento de vendas, rentabilidade, redução de custos, diversificação de mercado e mais competitividade. “Inovação tecnológica é um processo conjunto. O cientista ou pesquisador não realiza sozinho uma inovação tecnológica e sim a empresa que adquire esta informação, seja patenteada ou não; acontece quando uma empresa compra essa idéia e comercializa este novo ou melhorado produto ou serviço”, conclui Monteiro. Estevão Monteiro de Paula, coordenador de ações estratégicas do Inpa

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Sustentabilidade ambiental Algumas inovações estão diretamente ligadas ao contexto sustentabilidade, através da busca de novas idéias, com o objetivo de promover a exploração de áreas ou recursos naturais, de forma a prejudicar o menos possível o equilíbrio entre o meio ambiente e as comunidades humanas.

amazônicos em bens industrializados. Não é só colocar a essência num vidrinho e exportar. Deve-se pensar em como usar estes materiais para novos produtos”, conclui Vianez.

Hoje em dia, produtos industrializados que possuem em sua composição elementos amazônicos apresentam alto valor de venda no mercado. De acordo com o pesquisador Basílio Vianez, da Coordenação de Pesquisa em Produtos Florestais (CPPF) do Inpa, a floresta proporciona grande riqueza de matéria-prima, o que possibilita desenvolvimento de novos produtos. “O campo é fértil, se você pensar que nós temos aqui na floresta várias matérias-primas que podem ser processadas e transformadas em novos produtos industrializados”, comenta Vianez. A Floresta Amazônica é um campo de grande diversidade de matéria-prima para a produção de novos produtos. “Temos os ingredientes para novos produtos, que devem ser pensados com a finalidade de melhorar ou facilitar a vida das pessoas. São produtos de higiene, limpeza, fitoterápicos e alimentícios”, ressalta Vianez. Vivemos um momento onde a indústria local agrega pouquíssimo valor à matéria-prima regional, onde muitos produtos amazônicos ainda estão sendo exportados in natura. “A idéia não é essa, a idéia é transformar bens

Como exemplo, temos a amêndoa do tucumã, utilizada para a produção de Biodiesel

O que é patente? Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente. Durante o prazo de vigência da patente, o titular tem o direito de excluir terceiros, sem sua prévia autorização, de atos relativos à matéria protegida, tais como fabricação, comercialização, importação, uso, venda etc. Fonte: Inpi O Inpa, hoje, é detentor de vários depósitos de patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) entre os setores alimentício, cosmético e farmacológico, como sabonetes líquidos, produtos para higiene bucal, produção de móveis, bebidas fermentadas, sopa

desidratada de piranha, granola de pupunha e outros. Várias pesquisas, que muito em breve poderão ser vistas como produtos nas prateleiras. De acordo com Vianez, patente é um tema que vem gerando muita polêmica. “Há dois lados nessa discussão. O primeiro é o investimento do governo em ciência e tecnologia. Se o governo investiu no processo de elaboração do melhoramento ou criação de um novo produto, ele pretende ter um retorno para que possa continuar investindo em mais processos de pesquisa. Por outro lado, alguns acham que patente é o mesmo que ‘isso é meu e ninguém pode fazer sem a minha permissão’, o que pode ser uma visão equivocada, pois vai contra os princípios da pesquisa científica que deve resultar em produtos acessíveis à sociedade. Deveria ser direito de todos o conhecimento e o acesso aos resultados destas pesquisas”, ressalta Vianez.

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Inovação de processo A inovação de processo pode viabilizar a fabricação e a distribuição de produtos novos, a redução de custos de produção, a logística e a melhoria na qualidade de produtos já existentes. Trata-se da introdução de um novo método de produção ou de distribuição, ou significativas melhorias. Hoje, um dos frutos amazônicos mais consumidos no mercado regional é o tucumã. A prática extrativista deste fruto vem apresentando, a cada dia que passa, maiores proporções. Preocupada com essa prática, a engenheira agrônoma Elizabeth Rodrigues Rebouças, aluna do Programa de Pós Graduação em Agricultura no Trópico úmido (PPG-ATU) do Inpa, sob orientação do pesquisador Sidney Alberto do Nascimento Ferreira, da Coordenação de Ciências A g r ô n o m a s (CPCA), resolveu estudar o tucumã e formas que pudessem ajudar na conservação das sementes e na redução do seu tempo de germinação. Quem vê um caroço forte como o do tucumã, não imagina a fragilidade que a reprodução da planta adquire quando as sementes são deixadas sob as condições ambientais normais. Mas o estudo desenvolvido por Rebouças conseguiu resultados positivos em relação à conservação das sementes.

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No estudo, a engenheira agrônoma melhorou a conservação das sementes, associando uma pequena redução no seu grau de umidade com a embalagem em recipiente semipermeável. “Apesar da importância econômica do tucumã, há poucas informações agronômicas sobre seu cultivo, destacando os poucos conhecimentos existentes sobre a conservação da semente, a

germinação e a produção de mudas”, comenta Rebouças. Conforme o seu orientador, o trabalho verificou a tolerância das sementes ao dessecamento e analisou o período em que suportam ficar armazenadas antes do plantio. “Uma parte do estudo visou classificar as sementes quanto à tolerância ao dessecamento. Boa parte das sementes de espécies da região, por se localizarem em uma área tropical úmida, são sensíveis à desidratação, ao contrário de outras sementes, como a soja, o feijão e o milho, que quanto mais desidratadas e associadas a baixas temperaturas, mais se prolonga a vida dessas sementes”, ressalta Ferreira. Já o processo natural de germinação da semente do tucumã, sob condições naturais, leva de um a três anos para ser concluído, mas os estudos realizados resultaram num processo final de quatro meses, em média. O Inpa desenvolve há pelo menos oito anos pesquisas com o fruto, envolvendo aspectos nutricionais, como a sua utilização na gastronomia regional (sorvetes, sanduíches), além de aspectos agrônomos e o uso da amêndoa para a produção de biodiesel. O tucumã é um “cansado velho de guerra” em nossas mesas e, apesar da pesquisa não resultar em um novo produto, resultou no melhoramento do processo de algo já existente, portanto uma inovação de processo. É manazinha, pode ficar tranquila que seu x-caboquinho não corre o risco de entrar em “extinção”.

Evite o Plagiation

“A matéria-prima em si é da floresta, mas o que é patenteado é o uso destas matériasprimas e sua aplicação no mercado industrial”, comenta Vianez.


O que não é patenteável? Toda invenção contrária à moral, bons costumes, segurança, ordem e saúde pública, matérias relativas à transformação do núcleo atômico e o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos. Planos comerciais, planos de assistência

médica, de seguros, esquemas de descontos em lojas, e também os métodos de ensino, plantas de arquitetura, obras de arte, músicas, livros e filmes, assim como apresentação de informações, tais como cartazes ou etiquetas com o retrato do dono.

Cultura de Inovação “Essa cultura custa um pouco a ser entendida. Hoje em dia, os pesquisadores já têm a consciência de que toda pesquisa deve ter seu resultado divulgado. A informação não deve ser guardada para si. Deve ser repassada à sociedade através de informações ou da geração de produtos e serviços, produzindo benefícios para a sociedade”, comenta Vianez. Com a criação da Lei de Inovação, um grande passo foi dado. Esta lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do país.

De acordo com a Lei de Inovação, serão priorizadas neste processo regiões menos desenvolvidas no país, inclusive a Amazônia, através de ações que visem dotar a pesquisa e o sistema produtivo regional de maiores recursos humanos e capacitação tecnológica. Inclui, também, atender programas e projetos de estímulo à inovação na indústria de defesa nacional e que ampliem a exploração e o desenvolvimento da Zona Econômica Exclusiva, e dar tratamento preferencial na aquisição de bens e serviços pelo poder público àquelas empresas que invistam em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia no país. eduardo gomes

“A inovação não traz só a geração de produtos e serviços, mas também a geração de emprego e renda. Com a criação da lei em 2004, esse cenário vem se modificando gradativamente e o Brasil passa a ter realmente uma cultura de inovação, de competitividade tecnológica. Há 25 anos, quando o Governo Federal resolveu criar o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), era um sinal de que o governo estava dando incentivo, um maior destaque a este setor no país”, conclui Vianez. Segundo Monteiro, a cultura de inovação é um processo que está sendo construído paulatinamente no Brasil. “Nos grandes países que já possuem uma cultura inovadora, este processo vem se desenvolvendo desde os níveis mais primários da educação, seja através de competições escolares, desafios, feiras científicas, até a simulação de pequenas empresas dentro das escolas”.

O Inpa contribui para o fortalecimento da cultura de inovação também através de seus projetos, como o Circuito da Ciência

Estímulo ao Inventor Independente Ao inventor independente que comprove depósito de pedido de patente é facultado solicitar a adoção de sua criação por uma Instituição Científica e Tecnológica (ICT) – órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades

de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico – que decidirá livremente quanto a conveniência e oportunidade da solicitação, visando a elaboração de projeto voltado a sua avaliação para futuro desenvolvimento, utilização e industrialização pelo setor produtivo.

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eduardo gomes

Desenvolvimento sustentável 24

Energia a partir de

> Por Tabajara Moreno

P

roduzir biodiesel a partir do manejo sustentável de espécies oleaginosas, nativas da floresta Amazônica, pode ser uma alternativa à geração de energia elétrica nas comunidades do interior do Amazonas. Isoladas entre si e distantes de Manaus, o principal centro urbano do Estado, essas localidades, entrecortadas por rios e matas, permanecem desligadas do resto do Brasil, sem acesso a eletricidade e meios de comunicação. De acordo com informações do programa Luz Para Todos, do Governo Federal, pelo menos 32 mil domicílios de localidades do interior do Amazonas ainda não possuem energia elétrica regularmente. Desde 2008, o governo investiu cerca de R$ 400 milhões, mas não conseguiu atender a demanda energética de todos os municípios. O déficit elétrico foi uma das motivações para que o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) dessem início, em 2006, às pesquisas so-

bre a utilização do biodiesel como fonte de geração de energia elétrica nas comunidades do interior do Amazonas. “Em algumas comunidades dispersas do interior, é mais fácil produzir energia no local que levar por meio de cabos. Mas ter uma fonte de energia elétrica capaz de abastecer por 24 horas uma comunidade não é tão fácil quanto parece”, conta Sérgio Nunomura, doutor em química orgânica e um dos pesquisadores do Inpa que liderou os estudos sobre a temática. O grupo de pesquisa sobre biodiesel também foi encabeçado pelo farmacêutico Roberto Figliuolo, pesquisador do Inpa, e pelo doutor em planejamento de sistemas energéticos José de Castro, professor da Ufam. Os estudos avaliaram a extração de óleos vegetais da biodiversidade amazônica, identificando dez espécies de plantas oleaginosas da região que podem ser exploradas para a produção de biodiesel. O grupo de pesquisa tem recebido apoio financeiro do


combustĂ­vel verde

Filtro prensa e unidade de tratamento, equipamento usado na produção do biodisel

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). Recentemente, aprovou um projeto no edital de Biocombustíveis da Fapeam/CNPq. Entre as espécies estudadas estão algumas já bastante conhecidas pela população amazônica, como o tucumã, a andiroba, e outras, menos populares, como babaçu, ucuúba, murumuru e uricuri. Algumas das plantas estudadas têm suas amêndoas ou caroços explorados comercialmente por empresas das indústrias alimentícia, cosmética e farmacêutica. Com a pesquisa, constatou-se o potencial de utilização dessas espécies para gerar biodiesel, o que criou uma nova possibilidade de exploração econômica para as comunidades, pois além de colherem os frutos para produção de óleos vegetais para comercializá-los junto às empresas, também é possível fazê-lo para o biodiesel. Desenvolvida inicialmente com verba do Ministério de Minas e Energia (MME), a pesquisa resultou na implantação de uma usina de extração e processamento de óleo vegetal na comunidade do Roque, localizada no município de Carauari, interior do Amazonas. Através do projeto, uma cooperativa formada por moradores vendia óleos vegetais para a indústria de cosméticos, gerando renda. Com parte dos recursos, segundo Nunomura, a cooperativa adquiriu um gerador de energia, montou a rede elétrica nas residências e comprou freezers para melhorar a qualidade de vida da comunidade com a atividade pesqueira e a armazenagem de produtos alimentícios, além de possibilitar o acesso à informação. 26

A extração do óleo das plantas, nesse caso, só ocorreu nos locais de plantio nativo espalhados pela floresta, e o trabalho de coleta foi resultado da organização dos moradores em cooperativas.

Com o manejo florestal sustentável das espécies oleaginosas da região amazônica, os pesquisadores acreditam ser possível auxiliar na resolução do problema de abastecimento de energia, dando alternativa econômica para as pequenas comunidades e, ainda por cima, evitando a pressão pelo desmatamento. O grande problema do biodiesel no Amazonas é o seu custo de produção, estimado em R$ 4 por litro. “O biodiesel tem futuro, não tem presente no Amazonas. Nossas oleaginosas nunca foram cultivadas racionalmente e precisamos ter áreas destinadas para isso. Só vamos ter biodiesel a um custo baixo quando isso ocorrer”, opina José de Castro. A baixa produção regional aliada à carência de equipamentos para processar as oleaginosas e à falta de produção local de álcool são questões apontadas como outras responsáveis pelo encarecimento do produto na região. Outra dificuldade para a expansão do biodiesel é o preço elevado dos equipamentos que processam o óleo. O valor é mais caro porque as máquinas são produzidas em pequena escala pelas indústrias. As despesas com o óleo também comprometem o melhor desempenho do segmento no Amazonas. Dos gastos com a produção, 60% se destinam somente à produção do óleo. “Por isso, um dos focos do trabalho é encontrar plantas nativas que não teUricuri nham valor de mercado e nem preço estimado. Isso barateia os custos e torna o combustível economicamente mais viável”, explica Nunomura. Em todo o Brasil, os óleos gerados a partir da soja e do dendê respondem por 90% do mercado de produção do combustível derivado de fontes renováveis. As oleaginosas amazônicas estudadas no trabalho


de pesquisa têm características comuns: geram óleos saturados de cadeia curta, chamados láuricos. Para ser efetivo na produção de biodiesel, o óleo extraído das plantas precisa conter baixo teor de acidez, uma vez que o alto teor impede a aplicação da catálise básica homogênea, processo economicamente mais viável, onde ocorre a reação do óleo com o álcool, para gerar biodiesel nos dias de hoje.

Uma microusina, orçada em R$ 200 mil, produz cerca de 300 litros de biodiesel por dia. Essa quantidade de biodiesel é capaz de gerar, por 24 horas, energia elétrica capaz de alimentar uma comunidade de 300 famílias.

“O processo mais barato e rápido emprega catalisadores básicos homogêneos que não podem ser usados com óleos de acidez elevada, porque ocorre outra reação que não dá biodiesel, mas gera sabão”, explica Nunomura.

A captação da energia solar para geração de eletricidade pode ser feita através de um painel de captura solar, um controlador de carga, bateria e um inversor, o que resulta em um custo médio de R$ 50 mil. Segundo Nunomura, o processo é barato, comparando-se aos gastos médios para se produzir eletricidade com biodiesel, mas a potência da energia solar é bem inferior.

O biodiesel pode ser produzido a partir de óleos extraídos de diferentes plantas e processado junto com álcool. Essas duas matérias-primas são postas em usinas, onde o material vegetal é prensado, filtrado e, posteriormente, colocado em um reator.

“A quantidade de energia com as placas solares não é capaz nem de ligar um freezer. Com o biodiesel, é possível gerar energia elétrica suficiente para desenvolver outras atividades econômicas e é uma energia limpa como a solar”, afirma. fotos: Acervo Lapaam

Usina de extração e processamento de óleo vegetal em Carauari (AM), e o reator utilizado para produção de biodisel

Biodiesel nos carros Outro uso do biodiesel é como combustível automotivo. José de Castro estima que a adição de apenas 2% de biodiesel, feito com plantas oleaginosas do Amazonas, no combustível comercializado nas bombas de gasolina em Manaus, poderia gerar 20 mil empregos no interior, somente com a extração das espécies da floresta.

vas, o que pode ser inviabilizado em virtude da pequena oferta de biodiesel no mercado.

O sistema produtivo para o abastecimento é baseado no manejo florestal sustentável, e a coleta ocorreria nos locais onde as espécies oleaginosas são encontradas naturalmente.

Para atender completamente à demanda por combustível para mover os veículos em Manaus, seja utilizando as espécies oleaginosas amazônicas ou as plantas usadas no resto do Brasil, seria necessário investir no cultivo agrícola das espécies e no fomento à produção do óleo. Os pesquisadores alertam que a medida deve ser bem avaliada para que não incentive um desflorestamento desordenado da região.

No Amazonas, o combustível vendido nas bombas em Manaus possui 5% de biodiesel e 95% de diesel. O projeto da capital amazonense para subsediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 prevê a utilização do combustível verde nas linhas de ônibus exclusi-

O cultivo agrícola de espécies oleaginosas poderia ser também uma forma de baratear o preço do biodiesel no Amazonas. “Nossas oleaginosas nunca foram cultivadas racionalmente e precisamos ter áreas destinadas para isso”, argumenta Castro.

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Efeitos das muda

aumentam casos de m

> Por Daniel Jordano

Q

Saúde

Com o intuito de colaborar com ações de combate à doença, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) já desenvolve várias pesquisas em parceria com os órgãos de controle, como a Fundação Vigilância em Saúde (FVS/AM), que analisam desde a dinâmica de transmissão da doença (que mostra características próprias em cada localidade), até a genética do mosquito, em que são focados os mecanismos de resistência aos inseticidas usados nas campanhas de controle.

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Além disso, o genoma do mosquito também é estudado onde são descritas características genéticas que podem ser utilizadas para reduzir o contato homem e mosquito. Nestes estudos, por exemplo, são analisadas as antenas dos mosquitos fêmeas, com objetivo de encontrar genes que estão relacionados com a capacidade do mosquito localizar o homem. Todas estas atividades estão sendo desenvolvidas por meio do projeto Rede Malária.

rede acervo

Segundo cientistas, só o mosquito fêmea é responsável pela transmissão da doença, pois o metabolismo do inseto precisa de sangue para desenvolver os ovos que vão originar novos mosquitos, e é aí que ocorre a contaminação das pessoas. Há ainda outras espécies de Anopheles que se alimentam de sangue predominantemente em animais silvestres. Como o mosquito mostra preferência em picar seres humanos (e se este estiver contaminado), o homem torna-se um mero hospedeiro do protozoário presente nas glândulas salivares do mosquito fêmea.

malária

uem o olha assim, tão pequeno e aparentemente frágil, até pensa que pode ser inofensivo. De fato, o mosquito que transmite a malária ao homem (Anopheles darlingi) é inofensivo até picar alguém infectado.

O objetivo da Rede Malária é avaliar de que forma o mosquito afeta a população e de que maneira os estudos científicos podem ser aplicados para evitar o contato homem e mosquito. Além disso, os pesquisadores buscam formar recursos humanos qualificados na Amazônia para combater a doença.


anças climáticas

malária na Amazônia O mosquito da malária se desenvolve em águas limpas e, no caso da Amazônia, estas águas correspondem às águas pretas, como as do rio Negro, dos lagos de Coari e de Tefé, entre outros. É nestas águas pretas que os anofelinos se reproduzem quando o nível dos rios e lagos sobe. Devido ao ciclo hidrológico na região, que é a cheia e a vazante dos rios, o aumento do número de mosquitos, inclusive o da malária, se dá de maneira gradativa, começando em novembro e atingindo o seu pico em junho/julho do ano seguinte. Esse aumento segue um ritmo natural, bem conhecido de quem mora na Amazônia. Mas a preocupação dos pesquisadores se dá em um fenômeno que vem atingindo várias regiões do planeta: as mudanças climáticas. De acordo com o pesquisador do Inpa e responsável pela Rede Malária, Wanderli Pedro Tadei, os efeitos das mudanças climáticas na Amazônia estão alterando o ritmo das chuvas, o que interfere neste ciclo. “Nós tivemos grandes secas e cheias ao longo da história na Amazônia, isso é natural. Porém, as alterações ambientais que estão ocorrendo devido ao uso da terra e quantidade de carbono lançada na atmosfera já estão causando mudanças; além disso, quando falamos de Amazônia, temos que lembrar dos efeitos El Nino e La Nina, que alteram a temperatura no oceano pacífico e mudam o ritmo das chuvas aqui na Amazônia. Isso causa alterações no ciclo hidrológico e nós passamos a ter mais secas na Amazônia e chuvas na região do pacífico”, disse. Tadei explica ainda que a mudança no ciclo da cheia e vazante dos rios interfere diretamente na quantidade de mosquitos, dentre eles o da malária.

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A cidade de Coari, localizada a 363 quilômetros de Manaus, viveu em 2007 e 2009 (este último, o ano da cheia histórica que atingiu o Amazonas) uma verdadeira crise, que envolveu uma explosão no número de mosquitos de várias espécies. Segundo o pesquisador do Inpa, em 2009, por exemplo, a proporção era de 10 mil mosquitos para cada habitante, se este ficasse exposto aos insetos durante aproximadamente uma hora. Tadei fala dos motivos dessa superpopulação de mosquitos em Coari nesses anos. “Dez anos depois da constatação das mudanças de 1997, houve outra grande mudança no ciclo hidrológico e o exemplo vem de Coari. Em janeiro de 2007, o nível do rio já estava elevado na área do município, onde os valores normais eram obtidos somente em maio, e por isso, os criadores de mosquito se formaram antes. Para completar, nesse período não choveu por quase 30 dias, mesmo com o nível alto do rio. Além disso, o rio teve um repiquete, que é a estabilização do nível da água. O efeito do sol na água do lago de Coari formou uma grande quantidade de algas na água, elemento fundamental para a reprodução dos mosquitos. Isso se deu também em outras comunidades, mas em escala menor”, explicou. Apesar da constatação de que as mudanças climáticas colaboram para o aumento dos casos de malária na Amazônia, Tadei afirmou que os trabalhos desenvolvidos pela Rede Malária vão atuar para manter e diminuir o número de casos na região. “Como hoje nós dominamos a tecnologia e fazemos as intervenções de imediato, não vamos deixar o índice de malária subir. O efeito climático produz, o mosquito se produz, vai

Dossiê do mosquito...

Caso Coari

Nome científico: Anopheles darlingi. Alvo: O homem. Características: Os machos e fêmeas vivem na floresta e se alimentam do néctar de flores e frutos silvestres. As fêmeas, porém, além desta alimentação, necessitam também de sangue, o qual é rico em proteínas e constitui a base para o desenvolvimento dos ovos. Ovos: Cada fêmea deste pequeno inseto pode colocar, em média, 120 ovos em um determinado ambiente. gerar casos de malária, mas vamos reduzir. Os estudos do Inpa e as atividades em parceria com a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) já demonstraram que o manejo ambiental e ações de controle do mosquito são importantes para reduzir os casos de malária”, enfatizou.

Tecnologia e pesquisa O trabalho da Rede Malária do Inpa envolve várias áreas do conhecimento, ou seja, da coleta e identificação de mosquitos da malária até análises moleculares com tecnologia de ponta. O trabalho começa quando uma equipe de pesquisadores, técnicos e alunos de Pós-Graduação (Mestrado ou Doutorado) vai a campo para coletar esses anofelinos.

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A partir daí, são identificados por espécie e mantidos no Laboratório de Vetores da Malária e Dengue, da Coordenação de Pesquisas em Ciências da Saúde (CPCS) do Inpa. Várias pesquisas são feitas com o material genético de espécies de Anopheles, das quais três serão destacadas aqui. A primeira linha de pesquisa analisa a resistência de Anopheles darlingi, vetor da malária, ao inseticida conhecido como Deltame-

trina, usado por órgãos de vigilância sanitária para o combate desse e de outros mosquitos. Há, em mosquitos da malária, um gene responsivo ao inseticida, ou seja, de defesa do inseto. Segundo a pesquisadora do Inpa que também atua na Rede Malária, Míriam Rafael, o método foi aplicado de forma inédita em uma dissertação de Mellina Naice, do Programa de Pós-Graduação em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva/Inpa. O estudo mostrou que a resistência do mosquito é menor na primeira hora da aplicação da Deltametrina, mas que, nesse mesmo intervalo de tempo, o gene responsivo a esse inseticida teve maior expressão. Depois de oito horas, a eficiência do inseticida teve taxa de mortalidade maior do mosquito.


eduardo gomes

Processo utilizado para a extração de DNA do mosquito da malária

Foi a primeira vez que a pesquisa foi readicam que esses mosquitos estão sofrendo lizada com sucesso no Anopheles darlingi, pressão de seleção, devido aos efeitos dos principal vetor da malária na América do inseticidas residuais presentes nas paredes Sul, especialmente na Amazônia. O segundo dos domicílios. Dessa forma, para explorar e foco das pesquisas sobre malária na CPCS é se adaptar nesse ambiente alterado, os mosa análise da genética de quitos necessitam de certa populações do Anopheles plasticidade genética para darlingi, que tem como obter êxito, a qual é confeobjetivo utilizar marcarida por uma alta variabilidores moleculares (DNA dade genética”, destacou. e enzimas) para estimar Estudar os mecanismos de a variabilidade genética resistência de mosquitos Outros marcadores moe fluxo gênico das populeculares (DNA microsatéa inseticidas sintéticos é lações desse mosquito. lites e DNA mitocondrial) importante para entender estão sendo usados e, nesO objetivo é identificar as a evolução dessa resistênte caso, as pesquisas são divergências e semelhanfeitas em equipamentos de ças genéticas existentes cia em nível bioquímico e última geração. O Laboraentre essas populações, e minimizar o impacto do tório Temático de Biologia os principais mecanismos (LTBM) conta uso de inseticidas sintéticos Molecular evolutivos que atuam no com o sequenciador autoprocesso de adaptação ao no controle da malária e o mático de DNA, onde é feimeio ambiente. Segundo a acúmulo de seus resíduos ta a leitura das sequências pesquisadora do Inpa, Jogênicas e, a partir daí, os selita Santos, que também químicos no meio ambiente cientistas obtêm diversas faz parte da Rede-Malária, informações, que constium dos estudos nessa área tuem a base para estudos mostrou diferenças geaplicados às ações de comnéticas em amostras dos bate ao mosquito da malária. mosquitos coletadas em Manaus e Coari. Um terceiro ponto da pesquisa se dá quanSegundo a pesquisa, há em Coari maior vado o Anopheles ainda é larva. Os estudos riabilidade genética. A pesquisadora explirealizados pela equipe da pesquisadora do ca os resultados obtidos. “Estes dados inInpa, Iléia Brandão Rodrigues, têm o obje-

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tivo de evitar que as larvas se tornem mosquitos através do controle biológico. Neste processo são usados fungos, bactérias e extratos de plantas da Amazônia para fazer o controle do vetor, evitando assim o uso de inseticidas que poluem o meio ambiente. “Nós trabalhamos para diminuir a densidade do vetor da malária no ambiente, com o controle biológico buscando alternativas para não poluir as águas”, enfatizou. Além disso, os pesquisadores do Inpa desenvolvem vários estudos para aumentar a eficácia do inseticida que combate o Anopheles. A técnica consiste em impreg-

nar esse inseticida nas paredes das casas de madeira, comuns no interior do Amazonas, utilizando a nanotecnologia, que é a base para uma nova forma de aplicação. Outra técnica, que também usa a nanotecnologia, libera pequenas frações de um repelente (obtido de produtos naturais da Amazônia, como a Andiroba) na forma que os especialistas chamam de nano-estruturada. A substância é posicionada de forma estratégica na residência e é liberada de forma gradativa e contínua durante um determinado período de tempo, suficiente para afastar o mosquito da malária, reduzindo assim o contato homem e vetor.

Equipamento usado para identificar se há na amostra DNA do mosquito

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Conscientização A Rede Malária conta com colaboradores nos estados brasileiros de Roraima, Amazonas, Pará, São Paulo, Maranhão, Tocantins e também nos Estados Unidos. Vários cientistas produzem nas bancadas dos laboratórios pesquisas que beneficiam as populações, principalmente nas áreas isoladas da região Amazônica. Mas além dos pesquisadores, um grupo de técnicos que atua na Rede Malária também tem papel importante neste longo processo. Os técnicos, que realizam as coletas e a primeira identificação dos mosquitos, exercem um papel ainda mais importante: eles são multiplicadores do conhecimento gerado nos laboratórios, pois são eles que mantêm contato mais próximo com as comunidades. Acilino de Souza, que trabalha há 31 anos na área de coleta e identificação, relata que, além do trabalho científico, há outro de conscientização das pessoas: “Nos lugares onde vamos, nós ensinamos como a doença pode ser evitada”. Esse procedimento de instruir a população é feito por toda a equipe técnica que atua no projeto. Os resultados das pesquisas feitas pela Rede Malária já são usados em ações pelo poder público para o controle da malária. O avanço do conhecimento científico sobre o assunto representa mais que ciência, significa saúde para a população. tabajara moreno

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Fotos: projeto igarapés

Terra dos barés e dos

Igarapés > Por Eduardo Gomes

Educação ambiental

O

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bos apertados, que recebem dejetos dos esgotos espalhados pela cidade.

tempo de preservação das nascentes límpidas em que as águas do Amazonas foram Na intenção de entender, estudar e produzir incontos de fadas realformações que possam ajudar mente passou, deixando a no processo de diminuição do imagem de um forte e inaimpacto ambiental nas áreas ceitável impacto ambiental Amazonas moreno, de igarapés na região Amazôresultante da degradação, ou tuas águas sagradas nica, é que o pesquisador da seja, interferência como alte- são lindas estradas Coordenação de Pesquisas em rações da cobertura vegetal Biologia Aquática (CPBA) do sobre o ambiente e a fauna são contos de fadas Instituto Nacional de Pesquide igarapés na Amazônia. A ó meu doce rio sas da Amazônia (Inpa/MCT), música Amazonas Moreno reJansen Zuanon, desenvolve, A canoa que passa trata, com riqueza em detadesde 2001, o Projeto Igaralhes, tudo o que um dia já vi- O vôo da garça pés, estudando os efeitos da veu a biodiversidade dos rios as gaivotas cantando fragmentação florestal e de e igarapés da região norte do alterações da cobertura vegeem ti vão deixando país. tal sobre o ambiente e a fauna de igarapés na Amazônia. o gosto de amar. Águas cristalinas, peixes, garças, ou seja, a diversidade Trecho da música Amazonas Desde o início, o alvo foi da fauna e flora nas proximi- Moreno, do grupo Raízes Caborealizar estudos que permidades dos numerosos igara- clas. tissem integrar informações pés que atravessam a cidade sobre os ambientes onde se de Manaus, no Amazonas, situam os igarapés, as caracsão aspectos de imagens que terísticas do meio aquático e já não podem ser mais visualizadas. Os igarapés, sua fauna associada: peixes, invertebrados aquáde onde se podia tirar até mesmo a alimentação, ticos, anfíbios, libélulas e aranhas. O projeto tem transformaram-se em córregos que correm por tugerado informações importantes sobre a história


Igarap茅 de Petr贸polis na zona Centro Sul de Manaus

35 foto: tabajara moreno


natural e a ecologia de igarapés, tanto em ambientes preservados, como em locais já alterados por ações humanas. As informações produzidas pelo projeto, além da importância científica, geram bases para programas de educação ambiental, subsídios para políticas de fiscalização, conservação ambiental e monitoramento de impactos na Amazônia. Afinal, a degradação ambiental de igarapés pode comprometer a comunidade de organismos aquáticos que ali vivem, ocasionando até mesmo a extinção de espécies ainda desconhecidas pela Ciência, o que reforça a necessidade e a urgência desses estudos. A região Amazônica possui a maior bacia de drenagem do mundo, com cerca de 700 mil quilômetros quadrados. Ela é formada por uma diversidade de ambientes aquáticos, não somente de grandes rios e lagos, mas também inúmeros riachos, que constituem uma das redes hídricas mais densas do mundo. Esses igarapés, em sua maioria, apresentam águas bastante ácidas devido à presença de ácidos húmicos e fúlvicos, e são pobres em nutrientes. Porém, mantêm uma fauna rica e diversa, que é amparada energeticamente, principalmente pela contribuição de material orgânico (folhas, galhos, flores, frutos) originários da floresta que margeia os igarapés. Esta dependência gera uma associa-

ção entre as características da floresta que cerca o igarapé, a riqueza de espécies e a forma como esses organismos se relacionam entre si e com o meio ambiente. A relação de dependência estabelecida entre os igarapés e a floresta faz com que alterações no ambiente terrestre afetem direta e indiretamente o sistema aquático, tanto em sua estrutura (habitats), como em suas funções ecológicas. Assim, alterações ambientais como as produzidas pelo desmatamento e poluição podem condenar os pequenos igarapés ao desaparecimento, especialmente em ambientes urbanos. Isso resulta em perda de biodiversidade e alteração de serviços ambientais importantes, como o balanço hídrico e a regulação do microclima local. Zuanon explica que o projeto surgiu da constatação de que os igarapés eram pouco conhecidos em relação à sua fauna e sua dinâmica ecológica, apesar de serem os ambientes aquáticos mais próximos das pessoas que vivem na Amazônia. Além disso, o ritmo alarmante de degradação desses ambientes aquáticos, especialmente em ambientes urbanos, torna urgente que se conheça a biodiversidade contida nesses ecossistemas. “O projeto surgiu da constatação de que se conhece razoavelmente bem os grandes rios da região amazônica. Conhece-se mais ou menos sobre tabajara moreno

Realidade comum nos igarapés de Manaus, o lixo doméstico compõem o cenário de degradação ambiental das águas que cortam a cidade.

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as espécies de peixes de grande porte, que são usadas na alimentação humana, no comércio, porém, se sabe muito pouco sobre os igarapés que cortam as florestas, que cortam a cidade de Manaus, e menos ainda sobre os peixes e outros organismos que habitam esses igarapés”, explicou. O pesquisador enfatiza que os igarapés são os ambientes aquáticos que primeiramente sofrem os efeitos nocivos das perturbações ambientais geradas por diversos tipos de interferência humana. “Esses pequenos igarapés são os primeiros ambientes aquáticos que são perturbados quando se faz qualquer tipo de intervenção humana em um terreno, seja cortando a floresta para criar um pasto, para agricultura ou abrindo um terreno para a construção de um novo loteamento urbano. Normalmente, o que se faz é retirar toda a floresta, e isso expõe o igarapé a uma série de perturbações”, ressalta. O foco principal do projeto é colaborar para o aumento do conhecimento ecológico sobre os sistemas de igarapés da região, avaliando a ocorrência e distribuição das espécies de organismos aquáticos, sua história natural e os aspectos que influenciam a estrutura das comunidades biológicas. Para realizar isso, os participantes do projeto estudam igarapés que se encontram em ambientes de florestas primárias (não alteradas), em áreas de mata secundárias (capoeiras) e em fragmentos florestais de diversos tamanhos, incluindo áreas rurais e urbanas. Para que se possam obter informações ecológicas comparáveis entre diversos locais, a padronização dos métodos de coleta de dados recolhidos nos igarapés torna-se imprescindível. Por isso, desde o início do projeto, a prioridade foi a criação e a adequação de diferentes procedimentos de coleta, considerando os organismos estudados, as particularidades da região amazônica e a eficiência dos mesmos.

“Em igarapés onde a cobertura florestal foi retirada ou muito modificada, há maior entrada de luz solar, a água fica mais quente e os sedimentos (lama) resultantes da movimentação da terra no entorno são arrastados para dentro do igarapé. Com isso, começa a se acumular lama no fundo do igarapé, fazendo com que o mesmo fique mais raso; bancos de folhas submersas e galhos vão

Fotos: projeto igarapés

O processo para coletar amostras de diferentes igarapés pode variar de acordo com a situação em que o ambiente se encontra, ou seja, o grau de fragmentação florestal, o tipo de perturbação ambiental predominante e as características ecológicas que se deseja avaliar. Zuanon explica quais são as modificações ocorrentes nestes cenários e também as consequências resultantes deste processo.

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sendo soterrados, e isso tem efeitos negativos diretos sobre a fauna. Via de regra, o número de espécies de peixes e de insetos aquáticos diminui drasticamente nessas condições, e a maior parte da diversidade de espécies é simplesmente perdida nesses locais”, explica. O pesquisador complementa, ressaltando que é preciso conseguir conservar a qualidade da água nestes cenários. “Se conseguirmos manter a qualidade da água, mesmo com algum grau de perturbação feita à floresta, talvez se consiga conservar uma quantidade boa de espécies e o igarapé funcionando normalmente. Porém, quando existe uma fonte de poluição na água, o impacto tornase muito sério e a perda de biodiversidade local é enorme”.

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nizada, utilizando redes de cerco, puçás e peneiras. Os exemplares coletados são sacrificados com uma dose letal de anestésico e preservados em formalina. Após a triagem e a identificação dos peixes, os exemplares são acondicionados em frascos adequados e depositados na Coleção de Peixes do Inpa. Segundo Zuanon, os peixes encontrados em igarapés poluídos invadem esses ambientes, vindos de outros rios, e conseguem suportar o nível de poluição. “Os poucos peixes que existem são de outros ambientes (por exemplo, da várzea) ou originários de outras regiões (e introduzidos por pessoas que soltam exemplares de peixes exóticos nos igarapés). Temos estudado essas várias possibilidades, desde igarapés em ambientes naturais, completamente preservados, até em áreas urbanas onde a perturbação foi completa e normalmente a perda é total”, enfatizou.

Durante o processo de coleta de dados ecológicos sobre os igarapés, diversas informações são obtidas. O posicionamento de cada Já na coleta de insetos, o igarapé é determinado em material entomológico é serelação ao sistema hidrográparado em campo e fixado em fico ao qual pertence, assim Sempre digo que Manaus álcool etílico a 80%. Em labocomo sua relação com iga- podia ser como Veneza, ratório, as amostras coletadas rapés de outras drenagens. passam por um longo e trabaEm cada igarapé selecionado onde a água está incorpo- lhoso processo de triagem e para o estudo são realizadas rada à paisagem e é um identificação até o menor nímedidas de características dos principais atrativos, vel taxonômico possível, para ambientais, como abertura que a partir dos resultados média do dossel (a copa da mas infelizmente parece encontrados, possa ser analifloresta que sombreia o ca- que preferimos simplessada a diversidade de insetos nal dos igarapés), largura do mente canalizar e aterrar encontrados no igarapé. canal, profundidade da água, velocidade da correnteza, nossos igarapés, lembrou As relações entre a fauna vazão, tipos de substratos, Zuanon. aquática e o ambiente são temperatura da água, oxigêestudadas em cada igarapé, nio dissolvido, condutividade incluindo características do elétrica, pH, partículas em ambiente aquático e do amsuspensão e concentração de biente de entorno. Estes estuácidos húmicos. dos em escala local são complementados por uma análise em escala regional, Efeito urbano inicialmente concentrada na região da Amazônia De acordo com Zuanon, atualmente em Manaus Central, onde as amostragens têm sido efetuadas é possível encontrar dois diferentes tipos de siem igarapés e riachos de diferentes sistemas hituações dos igarapés presentes nos fragmentos drográficos, entre eles os dos rios Cuieiras, Preto florestais da cidade: uma que pode resultar na da Eva, Urubu, Uatumã e igarapés Tarumã e Puraconservação de fauna aquática, e outra que pode quequara. levar ao desaparecimento total da mesma. “Aqueles fragmentos de floresta onde ainda se tem Em uma escala mais ampla, os estudos estão uma mata saudável e a nascente do igarapé está sendo conduzidos nas principais drenagens da bapreservada, ainda conseguem manter uma fauna cia amazônica. Neste caso, o objetivo é analisar aquática razoavelmente íntegra, em boas condias relações entre as características ambientais e ções; porém, quando o igarapé sai do fragmento a fauna dos igarapés, assim como também suas florestal e passa a correr pela área urbanizada, ele características geomorfológicas, paisagísticas e recebe esgotos, muitos poluentes, o que resulta históricas, além da conectividade entre essas bano desaparecimento da fauna aquática originalcias de drenagem. mente presente ou na sua substituição por espécies tolerantes à poluição”, relatou. O pesquisador explicou que no perímetro urbano Os peixes são coletados de forma ativa, padrode Manaus a situação de poluição dos igarapés


é bastante elevada, porém em algumas reservas ainda é possível encontrar igarapés em boas condições. “Temos uma situação bastante contraditório; por exemplo, dentro da reserva Adolpho Ducke, possuímos mais de 40 igarapés de bom porte que estão bem preservados, com pouquíssimo impacto humano, porque a floresta no entorno é

muito boa. Agora, dentro da área urbana da cidade de Manaus a situação é crítica, a maior parte dos igarapés já estão completamente poluídos, sem a maior parte da vegetação marginal original, recebendo esgoto e poluentes de vários tipos, e onde o mau cheiro é muito forte. São esgotos a céu aberto!”, afirmou.

Prevenir é melhor que remediar! Mesmo sendo a água uma das maiores riquezas da região amazônica, diversos riachos e igarapés da cidade de Manaus encontramse completamente poluídos. Falta de conscientização, respeito, ou preocupação com as gerações futuras? Quais ações poderiam ser realizadas para reverter este quadro? “Os igarapés passaram de cenários que poderiam acrescentar beleza, qualidade de vida e melhorar a temperatura da cidade, para um estado em que passam a ser vetores de doenças, de problemas para a saúde, origem de inundações e incômodo à população, ou seja, é uma situação crítica. Manaus podia ter os igarapés como um atrativo para a cidade. Eu sempre digo que Manaus podia ser como Veneza, onde a água está incorporada à paisagem e é um dos principais atrativos, mas infelizmente parece que preferimos simplesmente canalizar e aterrar nossos igarapés”, lembrou Zuanon. É válido lembrar que o projeto atua em convênio com programas de pós-graduação, gerando estudos que vão dar origem a mestrados, doutorados, e preparando mão de obra qualificada para trabalhar na região. Assim, pessoas capacitadas para estudar e propor medidas de preservação dos igara-

pés são formadas, e podem atuar em escolas, faculdades e órgãos públicos ligados ao meio ambiente, gerando benefícios diretos para a sociedade manauara e amazônida. Segundo Zuanon, existem algumas maneiras de reverter pelo menos parte dos impactos ambientais gerados nos igarapés, porém elas dependem de tempo e de dinheiro. Logo, o pesquisador recomenda medidas preventivas que podem diminuir o impacto ambiental, e explica também os procedimentos necessários para recuperar ambientes com igarapés degradados. “Parar de poluir é o primeiro passo. O segundo seria a recuperação ambiental, ou seja, vamos ter que remediar esse problema. Isso envolve tratamento de água, replantio de árvores na floresta marginal e, muitas vezes, até a reintrodução de espécies nativas de peixes de um ambiente próximo, onde haja uma fauna parecida. Tudo isso é muito mais trabalhoso e custa muito mais caro, e é por isso que insistimos tanto nas atividades de prevenção, de conscientização ambiental, para evitar que a degradação se instale. Afinal de contas, depois do igarapé ter sido poluído, sempre é muito mais difícil e demora muito mais para corrigir os problemas”, explanou.

Fique ligado! Decomposição de materiais jogados em igarapés Materiais Papel Pano Filtro de cigarro Chiclete Madeira pintada Nylon Plástico Metal Borracha Vidro

Tempo De 3 a 6 meses De 6 meses a 1 ano 5 anos 5 anos 13 anos Mais de 30 anos Mais de 100 anos Mais de 100 anos Tempo indeterminado 1 milhão de anos

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Mapa da mina de

risco > Por Josiane Santos

A

impacto AMBIENTAL

cidade de Manaus passou por várias transformações. Viveu dias de glória correlatos ao processo econômico, político e social da borracha, tornando-se, na época (fim do século XIX e começo do século XX), uma das capitais mais ricas do país. Manaus recebeu influência na cultura, política e no desenvolvimento estrutural e arquitetônico de brasileiros de outras regiões e de estrangeiros que vieram para a capital, como portugueses, franceses e espanhóis.

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Este ano, Manaus completa 341 anos, mas ainda tem muitos desafios para vencer, a fim de proporcionar o desenvolvimento (social e econômico) aos moradores, como por exemplo, o direito à moradia com infraestrutura. Com uma população de mais 1,7 milhões de pessoas, a falta de planejamento urbano obrigou muitos mo-


o

Divulgação/Implurb/PMM

radores a se instalarem em locais que não apresentam infraestrutura adequada. Não houve atenção do poder público acompanhando o crescimento da cidade, isto é, não houve pla- nejamento urbano adequado, resultando em moradias às margens alagáveis de vários igarapés que cortam a cidade e em encostas sujeitas à erosão.

Amazonas Ribeiro (Fisiologia da Paisagem das Áreas de Risco), Lila Sigrid Souza de Macena (Paisagem, Dinâmica Urbana e Risco) e Diego Lopes Morais (Deslizamento e Dinâmica Espacial do Risco Reincidente em Manaus) – coordenado pelo pesquisador Reinaldo Corrêa Isso fica evidente em diversos lugares dos Costa, do Laboratório de Estudos Sociais (LAES), debairros, comunidades, conjuntos e senvolve um trabalho pioneiro que condomínios que caracterizam as paimapeou as áreas de risco da cidasagens da cidade. de de Manaus. O primeiro resultaTrabalho inédido foi o Relatório Preliminar, que Problemas como alagamentos, to em Manaus, a identificou os bairros e zonas da enchentes e deslizamentos são fre- pesquisa do Inpa cidade que apresentam os maiores quentes nos Estados brasileiros. Mais mapeou as áreas problemas. recentemente, a imprensa brasileira relatou as tragédias acontecidas em de risco da cidade. As zonas Norte e Leste da capital Alagoas, Pernambuco, Rio de Janeiro O objetivo final da do Amazonas foram as que regise Santa Catarina. São problemas que traram os maiores índices de alaafetam principalmente as pessoas de pesquisa, prevista gamentos e deslizamentos. Segunbaixa renda, mas também, com im- para 2011, é criar do o relatório, bairros como Terra pactos diferenciados, pessoas de dife- elementos para Nova, Novo Israel, Cidade Nova, rentes classes sociais. Jorge Teixeira e São José Operário políticas públicas detém os maiores registros desses No Instituto Nacional de Pesquisas de planejamento eventos na cidade. Ainda de acorda Amazônia (Inpa/MCT), um grupo do com o relatório, os bairros que urbano, mapas de de pesquisadores – Denise Rodrigues apresentaram os maiores registros Cruz (Expansão Urbana e Áreas de zoneamento e grau são oriundos de ocupações, que Alagação em Manaus), Karla Regina de risco para condepois de um tempo foram efeMendes Cassiano (Análise Geográfica tivadas como bairros pelo poder de Áreas de Risco em Bacias Hidrográ- tribuir com a Defepúblico, mas sem a infraestrutura ficas Urbanizadas), Alberto Augusto sa Civil urbana adequada.

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Área de Risco: conceito De acordo com o Plano Nacional da Defesa Civil (PNDC) do Ministério da Integração Nacional, o risco se caracteriza por uma “relação existente entre a probabilidade de que uma ameaça de evento adverso ou acidentes determinados se concretize, com o grau de vulnerabilidade do sistema receptor a seus efeitos.” “O risco mexe com o cotidiano (história em movimento) da cidade, com o poder público, a economia, a vida das pessoas, em todos os sentidos. Afeta a circulação, mesmo em outras classes sociais que não moram em área de risco, mas recebem o impacto, porque é na dinâmica da cidade que o risco acontece, o risco se espacializa concomitantemente à formação urbana, faz parte do metabolismo urbano”, alerta Costa. O processo de identificação, classificação e análise das áreas de risco envolve duas abordagens teórico-metodológicas importantes: formação econômica e social e os geossistemas. A formação econômica e social consiste em estudos que envolvem a economia, a sociedade e as políticas públicas; os geossistemas são os estudos da natureza e de todos os processos que a envolvem, como clima, relevo e bacia hidrográfica. Ambas as abordagens com o uso de várias unidades espaciais de análise.

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principalmente a autoconstrução. Aí que ocorre, evidentemente, o problema do risco, que muitas vezes é provocado pela falta de planejamento e fiscalização”, explica Costa.

Resultados

O tempo do trabalho de elaboração dos mapas de alagamentos e deslizamentos ocorridos na cidade foi, aproximadamente, de um ano. Segundo dados da Secretaria Municipal de Defesa Civil (Semdec), 70% dos eventos de risco registrados na cidade estão relacionados a enchentes e alagamentos, e 30% a deslizamentos. O relatório foi desenvolvido com base nos registros de deslizamentos e alagamentos ocorridos na cidade entre 2005 a 2008, feitos pela Semdec e pelo Corpo de Bombeiros.

É uma pesquisa de utilidade pública. O resultado tem aplicabilidade prática que beneficia a sociedade, não depende de virar uma mercadoria ou não, não depende de público alvo, pode ter aplicabilidade e servir de subsídio para futuras políticas públicas de ordenamento do território com cidadania. Avalia Costa

A Semdec informou, por meio da sua base de dados, mês, dia, endereço, tipo de ocorrência e quantidade de ocorrências de cada evento registrado na cidade, resultando em 34 mapas (16 de deslizamentos e 16 de alagações). De 2005 a 2008 foram registradas 3.192 alagações e 1.576 deslizamentos pela Semdec.

Em Manaus, os tipos de riscos predominantes são os alagamentos e os deslizamentos. Isso porque grande parte dos terrenos é cortada por igarapés de diferentes tamanhos e por encostas de diferentes ângulos e formas, que atuam na espacialização e distribuição dos riscos.

Na elaboração do Relatório Preliminar, Costa destaca o difícil trabalho desenvolvido por sua equipe, como ele mesmo denominou “um trabalho de paciência chinesa”, por conta da dificuldade de localização de alguns logradouros, por existirem várias ruas com o mesmo nome em diferentes bairros, além do trabalho de campo que também tem suas dificuldades, como alguns setores dominados por gangues, o que impossibilita o estudo.

“A base do entendimento da área de risco é que são lugares sem infraestrutura, onde residem pessoas que precisam de obras públicas de boa qualidade para garantir saúde e segurança. Temos que fazer a seguinte conjugação: valor do solo urbano e relevo. Onde tiver o maior valor do solo urbano (real ou projetado) e um relevo que receba pouca modificação é onde as classes privilegiadas constroem suas casas e, o oposto disso, é o menor valor do solo urbano, onde as pessoas com o menor poder aquisitivo moram e constroem suas casas de diferentes maneiras,

Os bairros foram agrupados em duas partes, denominadas arcos: o arco norte/leste e o arco centro-oeste/sul. O arco norte/leste é composto, quase sempre, de bairros recém criados e/ou originados por ocupação de áreas públicas. Fazem parte do arco norte/leste Cidade Nova, Terra Nova, Novo Israel, Santa Etelvina, Monte das Oliveiras, Colônia Santo Antônio, Jorge Teixeira, São José Operário, Tancredo Neves, Zumbi dos Palmares e Armando Mendes. Os bairros do arco centro-oeste/sul apresentam os menores índices de ocorrências: Redenção, Bairro da Paz, Alvo-


rada, Dom Pedro, Lírio do Vale, Nova Esperances de alagamentos registrados foram de 518 e ça, Santo Agostinho, Compensa, Vila da Prata, de deslizamentos 220. São Jorge, Santo Antônio, Glória, São Raimundo, Presidente Vargas, Centro, Praça 14 de Janeiro, Ao observarmos esses quatro anos de trabalho Cachoeirinha, Educandos, que resultaram no Relatório Raiz, Colônia Oliveira MachaPreliminar, é possível verido, Morro da Liberdade, São ficar que as zonas Norte e Lázaro, Betânia, Crespo, São Leste apresentam os maiores Francisco, Petrópolis e Mauade alagamentos e Aquilo que nos é estranho números zinho. deslizamentos, concentrados, principalmente, nos conseguimos ver nitidaEm 2005, os registros de mente, mas aquilo que bairros Cidade Nova, Cidade alagamento e deslizamende Deus, Grande Vitória, Coto foram, respectivamente, nos é cotidiano, como os lônia Terra Nova e Jorge Tei748 e 441. Nesse período, os problemas da cidade, a xeira. Do mesmo modo, esbairros mais afetados foram ses problemas se repetem em Cidade Nova e Jorge Teixei- gente acaba banalizando, um mesmo logradouro, como e aí a gente só consegue é caso da Rua 26, localizada ra. no bairro Alfredo Nascimenobservar quando tem No ano de 2006, os registo, com oito ocorrências no tros de deslizamentos caíram tragédia ou nos afeta ano de 2007; e das cinco quase pela metade do núme- observa Costa. ocorrências no ano de 2005, ro registrado no ano anteregistradas nas ruas Xingu, rior, 276 no total. O mesmo na Cidade Nova, e Londres, aconteceu com os alagamenno São José. tos, que tiveram uma redução para 482 registros. Problemas como alagamentos e deslizamentos O ano 2007 foi atípico; por esse motivo, housão comuns em qualquer cidade do Brasil, conve grande número de registros de alagamentos forme destaca Costa. Esses problemas acabam e deslizamentos. Foram registrados 1.444 alagafazendo parte do cotidiano da sociedade e, com mentos e 639 deslizamentos. Em 2008, os índiisso, se tornam banalizados pelo poder público.

Teoria e prática O primeiro relatório foi desenvolvido baseado nos dados da Semdec e do Corpo de Bombeiros. Agora o grupo de trabalho está percorrendo bairro a bairro, com o objetivo de conhecer os problemas e, com base na análise dessas informações, irá elaborar um zoneamento com graus de risco para fins de políticas públicas. Segundo Costa, antes de os alunos irem para o trabalho de campo, precisam conhecer a bibliografia básica dos processos de

formação do solo, do clima e da economicidade das classes sociais. “É preciso conhecer a formação urbana, como as classes sociais se territorializam, como se constitui o valor do solo urbano, usando diversas fontes, como a tabela do IPTU, assim como cruzar informações da natureza (geomorfologia, clima e bacias hidrográficas). Nos estudos de risco não se pode culpar nem a natureza e muito menos as pessoas pobres”, explica.

Políticas públicas: legislação A Lei 10.257 da Constituição Federal dispõe, nos artigos 182 e 183, as diretrizes para aplicação da política urbana. Os artigos determinam, para cidades com mais de vinte mil habitantes, a criação do Plano Diretor Urbano e Ambiental (PDUA), que serve como instrumento para direcionar o planejamento e a política de desenvolvimento do município. De acordo com o Manual de Desastres elaborado pela Secretária Nacional de Defesa Civil (SNDC), o PDUA deve incorporar os conceitos de sustentabilidade e zonea-

mento do espaço geográfico, do qual dependem a urbanização e o uso racional do solo urbano e rural, através do mapeamento de riscos de desastres. Conforme Costa, “há uma cultura construtivista, oriunda da especulação imobiliária, que ao fazer construções, públicas ou privadas, impermeabiliza grandes áreas para pátios, estacionamentos, calçadas, praças entre outros, que contribuem para sobrecarregar os sistemas de drenagem naturais (rios e igarapés) e construídos (bueiros e galerias).”

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Os problemas de alagações e deslizamento ocasionam transtornos para economia, turismo, saúde, enfim, para a população em geral. Manaus, como uma das cidades mais importantes da região norte, uma das cidades-sede da Copa de 2014, precisa planejar e executar políticas de saneamento e infraestrutura. “Para uma cidade que será sede da Copa, ela tem que estar com esse problema de circulação de água (fluvial, pluvial e servida) resolvido, porque chuvas em locais sem infraestrutura geram

problemas, o poder público irá passar constrangimentos e ter manifestações em pleno período de realização da Copa”, alertou Costa. O relatório sugeriu, além da criação de políticas habitacionais, a execução de políticas de conscientização e preservação das margens dos rios e igarapés, a estruturação da rede de esgoto da cidade e a melhoria da coleta de lixo e de outros equipamentos urbanos. A previsão de término da pesquisa é dezembro de 2011.

Classificação dos graus Grau de Probabilidade

Descrição

R1 – Baixo ou sem risco

Os condicionantes são de baixa ou nenhuma potencialidade de escorregamentos ou solapamentos. Não apresentam sinal de instabilidade em encostas e de margens de drenagens. No período de estação chuvosa, não se espera a ocorrência de eventos destrutivos, mantidas as condições existentes.

R2 – Médio

Observa-se a presença de alguns sinais de instabilidade (estágio inicial) em encostas e margens de drenagens. No período de chuvas intensas e prolongadas, a possibilidade de ocorrências de eventos destrutivos (alagações e deslizamentos) é reduzida.

R3 – Alto

R4 – Muito Alto

O nível de intervenção é de alta potencialidade. É visível no local a instabilidade, em pleno desenvolvimento. A ocorrência de deslizamentos e alagações é perfeitamente possível durante as chuvas intensas e prolongadas.

fotos: acervo laes

O grau mais crítico. Nesse caso, a instabilidade está em estágio avançado e de desenvolvimento.

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Tabela padrão de classificação dos graus de risco do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)


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AMAZONAS: um laboratório linguístico Foto: acervo npchs

Comunidades indígenas da Amazônia estudadas pela pesquisa do Inpa

cultura indígena

> Por Eliena Monteiro

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C

afé acompanhado de pão recheado com txipari e ãkauari é uma delícia que os amazonenses apreciam e recomendam. Você deve estar se perguntando que palavras são essas e o que elas estão denominando. São palavras da língua Apurinã, que nós chamamos, respectivamente, de banana e tucumã, que com junto com o pão formam o “X caboquinho”. Mas txipari, ãkauari e outras palavras estão desaparecendo do cotidiano dos povos indígenas do Amazonas. Quem afirma isso é a pesquisadora Ana Carla dos Santos Bruno, do Núcleo de Pesquisas de Ciências Humanas e Sociais (NPCHS) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT). Ela possui graduação em História, mestrado em Linguística e doutorado em Antropologia, e desde 2006 estuda as línguas indígenas do Estado. Com o título “Documentação das Histórias, Lín-

guas e Culturas Indígenas do Estado do Amazonas”, o estudo faz parte de um Projeto de Pesquisa Interno (PPI) do Inpa, cujo principal objetivo é entender a relação entre línguas e práticas sociais. Em conjunto com as etnias, a Linguista está pesquisando as estruturas das línguas dos grupos indígenas da região. Parte do conhecimento que Ana Bruno tem sobre os indígenas foi adquirido antes mesmo da graduação, quando conviveu três anos com uma comunidade Waimiri Atroari.

Língua, dialeto e sotaque

Antes de mergulhar no conhecimento das diversidades que formam o índio do Amazonas, entenda o que é língua e também a diferença entre língua, dialeto e sotaque. Pois bem, tudo é uma questão de inteligibilidade. Atente para a explicação: a diferença entre língua e dialeto depende do entendimento, ou seja, se for possível compreender o que o outro está falando, dizemos que é a mesma língua. Quando não há entendimento, são línguas diferentes. Por exemplo, Espanhol e


Português; Português e Italiano. O dialeto é a mesma língua com algumas variações. Por exemplo, o Português falado em Portugal e o Português falado no Brasil são diferentes. Já o sotaque possui diferenças na pronúncia. Por exemplo, o sotaque pernambucano e o sotaque carioca. Classificar o Português de Portugal e o do Bra-

sil como Língua ou dialeto é uma questão que divide opiniões entre os pesquisadores. Há um grupo de estudiosos da Linguística do Português que consideram o Português de Portugal e o Português do Brasil como dialetos de uma mesma língua. E outro grupo de estudiosos (como por exemplo, Mary Kato e Eduardo Raposo) que os consideram como duas línguas distintas.

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Foto : acervo npchs

O ensino da língua indígena na própria comunidade

O projeto

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A documentação realizada pela doutora Bruanos. Um microfone e notebooks são instalano associa o estudo da língua com a educação dos nas aldeias para documentar as gravações. escolar das etnias. Geralmente, os próprios grupos procuram a linguista para trabalhar a reviA doutora Bruno fala uma palavra em português talização das suas Línguas e culturas. Tanto os e pede aos indígenas que repitam duas vezes na indígenas das aldeias quanto os língua deles; em seguida, ela grada cidade, junto com suas assova tudo em CD e deixa o material ciações, buscam documentar em para o grupo. Em parceria com áudio e vídeo suas cerimônias, Os grupos decidialguns professores das etnias Parituais e atividades, como tam- ram fazer o livro rintintin e Tenharim, a pesquisabém apoio em projetos educa- porque os jovens dora montou um livreto sobre a cionais diferenciados na cidade, “arte plumária Waimiri Atroari”. orientação e auxílio na elabora- não se interessam ção de projetos para sustentabi- mais pela arte O trabalho, resultado de ofilidade econômica desses povos. cinas e da convivência com os plumária e a legis- grupos, é ilustrado por desenhos A pesquisadora está montando lação, hoje, proíbe feitos pelos indígenas e por foléxicos especializados (grupo de a comercialização tos feitas pela equipe do projeto. palavras) com nomes de plantas, O livro explica o passo a passo animais e partes do corpo huma- de artefatos com da confecção de cocares, brincos no. Em cada etnia que encontra, penas de animais e braceletes a partir de penas ela aplica um questionário que de aves da floresta amazônica. possui mais de 300 palavras. Todo trabalho é realizado com os membros das Um mito explicando a importância dos pássaaldeias que escolhem os professores (formados ros para esses povos também faz parte do livro. pelos projetos de educação do Estado) para Para os indígenas, foram os pássaros que ensinaajudar na elaboração dos materiais didáticos. ram aos Kagwahíva a plantar e a dar nomes aos Dependendo do grupo, são escolhidas três objetos. Os grupos decidiram fazer o livro porou quatro pessoas na faixa etária de 30 a 50 que os jovens não se interessam mais pela arte


plumária e a legislação, hoje, proíbe a comercialização de artefatos com penas de animais. Eles usam esse material nas cerimônias e, antes da implementação da legislação, também confeccionavam os artefatos para venda como forma de subsistência econômica. Para Ana Bruno, as leis devem levar em consideração algumas especificidades dessas populações. “Quando há uma preocupação muito grande com a biodiversidade, a sociodiversidade pode ser prejudicada.

Não estou dizendo que a biodiversidade não é importante, mas é preciso levar em consideração o contexto social, cultural e histórico de um grupo. Os Tenharim não matam os pássaros. Você vê algumas araras depenadas dentro da aldeia que eles criam”, explica a pesquisadora. O livro está pronto e aguarda a avaliação da editora do Inpa para ser publicado. Em 2005, 2007 e 2010 a linguista ajudou a organizar encontros com estudiosos de todo o mundo, para discutirem a estrutura e o uso das línguas indígenas amazônicas.

Fenômenos de uma realidade multilíngue Não há dados oficiais que comprovem quantas são as línguas faladas no Amazonas, o Censo conta o número de indivíduos e não o número de falantes. Dados da antiga Fundação dos Povos Indígenas – FEPI (hoje Secretaria de Estado para os povos indígenas - SEIND) apontam que existem 66 etnias indígenas na região, das quais mais de 50 falam a língua. Porém, a maioria dessas línguas possui menos de mil falantes. Além disso, as línguas não estão sendo transmitidas para as novas gerações. De acordo com a Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas (Unesco), idiomas falados por menos de mil pessoas correm o risco de desaparecerem. Os Tikuna são a única etnia indígena que possui acima de 30 mil falantes na Região Amazônica. Essa seria, portanto, a única língua sem perigo de extinção. Objeto A pesquisaToto heno komo dora Ana Bruno gente morta coletivo explica que o estudo dessas “A onça comeu línguas contribui para o conhecimento de como as etnias classificam e categorizam o mundo. A partir do estudo, é possível também reformular as teorias linguísticas. “É tanta diversidade, que podem ser encontrados fenômenos que não existem em nenhuma outra língua do mundo”, ressalta. Ela dá o exemplo da língua Hixikaryana, falada em Nhamundá, município situado a 325 quilômetros de Manaus. Na década de 80, um linguista norte-americano chamado Desmond Derbyshire detectou que os Hixkaryana tinham, como ordem básica das suas sentenças, a ordem objeto-verbo-sujeito (OVS). De acordo com os estudos linguísticos, seria impossível encontrar esse fenômeno como ordem básica de uma língua, mas uma língua amazônica mostrou o contrário. Na língua portuguesa, a

construção das sentenças, por exemplo, segue a ordem sujeito-verbo-objeto (SVO). Então, a sentença ‘A onça comeu as pessoas’, traduzida para a língua Hixkaryana, ficaria assim: A variedade de gêneros de fala é outro elemento encontrado nas línguas indígenas locais. Em muitas aldeias, a fala cerimonial é diferente da fala do dia a dia. Em outras, existe diferença até mesmo entre a fala masculina e a fala feminina. Segundo as tradições desses grupos, as pessoas devem se casar com alguém que fale uma língua diferente da sua. Os estudiosos chamam esse fenômeno de exogamia linguística. Assim, o filho de um casal dessas etnias aprende a língua do pai e a língua da mãe e, dependendo do caso, aprende também as línguas dos avós e a língua portuguesa ou espaVerbo Sujeito nhola. Nessa mesma região, yonoye kamara o município de comeu onça São Gabriel da Cachoeira (situas pessoas” ado a 858 km de Manaus) cooficializou as línguas indígenas Nheengatú (língua geral), Baniwa e Tukano. Cerca de 77% da população dessa cidade é formada por índios. Com a cooficialização, os cidadãos do município passam a ter o direito de serem atendidos em uma dessas línguas. É claro que no cotidiano a realidade é outra, mas a atitude de São Gabriel da Cachoeira é o começo de um processo que pode culminar na valorização cada vez maior das línguas indígenas. “Reconhecer oficialmente uma língua implica, sobretudo, no reconhecimento do Estado de sua existência. Além disso, garantir o uso destas línguas num espaço urbano de forma institucionalizada pode constituir uma política linguística decisiva para os indígenas na cidade ou nos seus territórios que estão interessados em manter suas línguas”, enfatiza Ana Bruno.

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Desafios linguísticos Os indígenas possuem uma tradição ágrafa, ou questões de política interna entre os grupos. seja, o conhecimento não é registrado por meio Como foi explicado no início da reportagem, da escrita. Assim, os conhecimentos são passados existem diferenças entre língua e dialeto. de forma oral e isso significa que não existem livros, revistas ou qualquer outra literatura nesses Mas alguns grupos que possuem a mesma línidiomas. Ana Bruno diz que essa gua e apenas dialetos diferentes, concorrência desigual com outras A realidade multibrigam entre si para fazer prevalínguas majoritárias (como Porlecer o seu modo de falar. “Não tuguês, Espanhol, Inglês) contri- língue é outra mabasta só entender as questões bui para a extinção das línguas ravilha encontrada formais da linguística, tem que indígenas. “É normal que o grupo ter um conhecimento antropoqueira mudar, a gente não pode entre as populações lógico, político e vivência com o ver a cultura como algo estático, indígenas do nogrupo”, afirma Ana Bruno. a cultura é dinâmica. As línguas roeste amazônico Falantes Passivos mudam, é um processo natural, Com a constituição de 1988, elas vão adquirindo novas pala- (região do Alto Rio a legislação garantiu algumas vras, formando outras palavras. O Negro). O multilinmelhorias na educação escolar problema é quando o grupo entra guísmo acontece indígena. A partir daí, as etnias em contato com a sociedade não indígena e começa a priorizar a porque as 23 etnias encontraram a oportunidade de revitalizar e lutar pela valorizalíngua portuguesa, como é o caso dessa região falam ção das suas línguas. Mas os sédo Brasil”, destaca. uma variedade de culos de preconceito deixaram problemas de uma geração para Representar graficamente os idiomas. outra. sons das letras de maneira adequada é um desafio para quem Em alguns grupos, os velhinhos são os úniestuda as línguas da região e alguns sons não cos que ainda dominam a língua da aldeia, os têm símbolos para representá-los em português. adultos sabem falar a língua e o português, mas É necessário ter um conhecimento amplo de linpreferem se comunicar com seus filhos em porguística, porém o desafio maior é contornar as fotos: acervo NPCHS

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O trabalho consiste em manter a lingua indígena na comunidade


tuguês. A geração desses filhos, por sua vez, outros estados ou de outros países. Atualmente, responde também em português. Ana Bruno o Amazonas conta com apenas quatro linguistas chama essas crianças e jovens de falantes pasprofissionais vinculados a instituições de Ensino sivos. “Eles entendem, mas eles respondem em e Pesquisa: o linguista Frantomé Pachêco é vinportuguês. Consequentemenculado à Universidade Federal te a próxima geração não vai do Amazonas (Ufam), o casal aprender a falar a língua indíWalteir e Silvana Martins está gena”, explica. Além disso, os na Universidade Estadual do pais vêem no conhecimento A meu ver, claro, pode até Amazonas (UEA) e a doutora e domínio do português uma Ana Carla Bruno, vinculada ao possibilidade de ascensão so- ser surrealista ou ilusão, o Inpa. cial e cultural. ideal é formar os próprios O Amazonas só possui LinFormação de indígenas indígenas para serem os guística a partir do mestrado linguistas das suas próprias e geralmente as pessoas faé solução Além das diversidades apre- línguas, idealiza. zem mestrado ou doutorado sentadas até aqui, o Amazonas em Linguística. Neste caso, a conta ainda com a presença formação de um profissional de muitos grupos indígenas leva, em média, oito anos. O morando em Manaus. Um vertrabalho de revitalização das dadeiro laboratório para os estudos linguístico. línguas requer tempo, principalmente se o pesApesar disso, o Estado enfrenta a escassez de mão quisador tiver a idéia de montar materiais edude obra formada na região. A maioria dos pescativos. Por esse motivo, Ana Carla Bruno aposta quisadores que estudam as línguas daqui vem de na formação da população local:.

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a r i r a a m u e d o i r Diá Olá! Sou a Dra. Pteronura Brasil-

Bosque da Ciência

iensis, mas todos me conhecem como Ariranha.

> Por Clarissa Bacellar

N

ós, as ariranhas, somos sociais, alegres e brincalhonas, mas já fomos caçadas até quase desaparecemos. Hoje, as pessoas estão aprendendo a importância de preservar o ambiente e, é claro, os animais. Estou aqui justamente para isso: ensinar a vocês um pouco mais sobre mim! Quer dizer... Sobre as ariranhas!

especial

Quem somos nós?

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Além de “ariranha”, também somos conhecidas como onça d’água, lobo de rio, lontra gigante, entre outros nomes. É, somos o maior membro em comprimento dentre os representantes de nossa família: a Mustelidae. Pesamos entre 26 e 30 quilos e nosso comprimento total máximo é de 1 metro e 80 centímetros. Nossa ‘impressão digital’ é a mancha pardoamarelada na região da garganta e do pescoço. No entanto, alguns de nós não temos essa mancha, ou apresentamos uma mancha muito pequena, reduzida, apenas na região abaixo do queixo. Temos os dedos das patas ligados por uma membrana que se estende às cinco unhas, nossas


ilustração: daniel santi

anha

com as patas, para mostrar que estamos patrulhando nossa área. Na natureza, a literatura fala que as ariranhas vivem cerca de 10 anos. Em cativeiro, bem mais, porque todo animal de cativeiro é cuidado por seus tratadores, reduzindo assim nosso esforço e competição. Ou seja, em cativeiro não precisamos pescar, disputar território e isso facilita nossa sobrevivência. Por sermos animais topo de cadeia, somos bons indicadores de ambientes não degradados, pois nossas exigências ecológicas não nos permitem viver em ambientes destruídos. Devo confessar que somos consumidoras oportunistas, pois procuramos nos alimentar com animais mais debilitados, mas é assim que limpamos o ambiente.

orelhas são pequenas e arredondadas e nosso focinho é coberto de pêlos. Cavamos tocas nos barrancos de rios e igarapés, onde descansamos à noite e cuidamos dos filhotinhos. Por falar nos filhotes, aqui, na Amazônia, normalmente eles nascem no segundo semestre do ano (de julho a dezembro), quando o nível das águas está descendo. Nascem de dois a cinco filhotes e o nosso período de gestação é de cerca de 70 dias. Quando eles nascem são cuidados por toda a família: o casal e os irmãos mais velhos, filhotes de anos anteriores. Somos extremamente territoriais e brigamos pelo que é nosso. Marcamos o território através da urina e das fezes, que são bem espalhadas

Classificação científica Reino: Filo: Classe: Ordem: Família: Subfamília: Género: Espécie:

Animalia Chordata Mammalia Carnivora Mustelidae Lutrinae PteronuraGray, 1837 P. brasiliensis

Nome binomial Pteronura brasiliensis (Zimmermann, 1780)

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Ameaçado

Nossa espécie está classificada como ameaçada de extinção. Ela está listada no Apêndice I da CITES (SCHOUTEN, 1992) e continua classificada como ameaçada de extinção atualmente, assim como pela IUCN (2010). Estamos ameaçadas de extinção porque o bicho homem nos caçava. Tudo por causa da nossa pele, que dizem ser valiosa como o couro de jacaré! Existe, ainda hoje, o comércio de filhotes (Suriname, Peru), que são capturados e tratados como mascotes. No Brasil esta prática é proibida, principalmente se estiverem ameaçados, porém há a interferência do ser humano. Os ribeirinhos dizem que nós atrapalhamos a pesca. Por isso, algumas pessoas acabam nos maltratando e até chegam a nos matar. O bicho homem, agora, procura estudar nosso comportamento para saber por que somos importantes para o equilíbrio ambiental e, para isso, nos monitoram em nossos habitats através da radiotelemetria.

Radiotelemetria, o que é isso?

É uma técnica utilizada para monitorar animais em seu ambiente natural, sem muita interferência por parte do pesquisador, através de um radiotransmissor. Também serve para monitorar animais difíceis de serem visualizados na natureza ou que realizam grandes deslocamentos. Nosso pescoço é esguio e o colar, onde fica preso o rádio (como é feito com as onças, por exemplo, para monitorá-las), pode cair. Além disso, somos animais sociais, praticamos o “grooming”: ficamos mordiscando um ao outro, como os cães, ou os macacos, catando uns aos outros, sabem? Então, colocar-nos o colar não funcionaria. Logo, a cirurgia é a realmente a melhor opção para os pesquisadores que estudam nosso comportamento.

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Por exemplo, com as ariranhas do Araguaia (Mato Grosso), foi realizada a captura de um animal (Oi, Robinho!) para implante do radiotransmissor, inserido na cavidade abdominal (peritônio), por meio de uma cirurgia. Após a recuperação to-

tal do animal, ele foi reintroduzido ao ambiente natural, nas proximidades de onde foi capturado e, a partir daí sim, se inicia o monitoramento via telemetria.

Chip ou rádio?

Não é um chip. É um rádio! Um radiotransmissor na verdade, que emite ondas de rádio VHF e pesa cerca de 40 gramas. Em geral, não oferece riscos a nossa saúde. Para não confundir muito, tentam explicar o que é um radiotransmissor, mas acabam usando o termo chip mesmo, para facilitar o entendimento.

Existência

Existíamos desde o norte até o centro-sul do continente sul-americano. Nós tínhamos família até na Argentina! No sul do Brasil também tínhamos populações de ariranhas, mas hoje não temos mais. Onde ainda temos populações significativas é na Amazônia e no Pantanal, e também no corredor central (seria o ambiente do cerrado, na transição entre o Pantanal e a Amazônia), conhecido como Corredor Araguaia.

Curiosidades

Nós roncamos. Na verdade não é bem um ronco. É que produzimos sons enquanto dormimos, uma espécie de ronronar. Emitimos, pelo menos, nove tipos diferentes de sons durante o dia e, para quem nunca nos ouviu, é igual a quem nunca ouviu os sons dos guaribas: assusta! Aproximamo-nos de embarcações, chamando atenção dos observadores, porque somos muito curiosas! Se vocês quiserem aprender mais sobre nós é só procurar a Associação Amigos do Peixe-boi – Ampa e o Laboratório de Mamíferos Aquáticos – LMA do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa/MCT. Lá eles podem dar mais informações sobre nós e outros animais amigos nossos. Nos vemos por lá!

Até a próxima! d´affonseca anselmo




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