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bairro do comércio

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direito a cidade

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A região do Comércio, onde se situa a Ocupação Luísa Mahin, tem sua história associada aos processos de fundação do Brasil pela metrópole portuguesa ainda no século XVI, alojando comerciantes e trabalhadores vinculados à atividade portuária. As reformas infraestruturais nesse espaço – que integra o Centro Antigo da cidade –, estiveram relacionadas à posição de Salvador como principal entreposto comercial do Atlântico- -Sul no período colonial, dentro da lógica portuária, com intensa circulação de mercadorias e concentração de atividades financeiras.

“É impossível entender a cidade de Salvador dos séculos XVII e XVIII a partir de uma análise meramente local. Na verdade, a capital da Colônia participava de uma engrenagem com diversos elementos externos (regionais e mundiais) que lhe davam uma posição estratégica no aporte e circulação de mercadorias extremamente valorizadas naquele momento histórico” (ANDRADE, 2009, p.43 e 44).

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Essa configuração permaneceu praticamente intacta até meados do século XVIII, quando a capital da colônia foi transferida para o Rio de Janeiro, e as exportações de açúcar e fumo foram sobrepostas pela descoberta do ouro e do diamante em Minas Gerais. Somou-se a isso, a chegada da corte portuguesa na colônia e a independência do Brasil, ambos na primeira metade do século XIX. Esses eventos contribuíram para intensificar a decadência econômica de Salvador, refletindo também nas configurações social e urbana da cidade. A perda de importância de Salvador, em termos políticos e econômicos, foi substanciada pelas influencias internacionais sobre o Brasil, com a introdução do processo de industrialização e o fim do tráfico negreiro. Este fator, aliado ao fim da escravidão no final do século XIX, colaborou para o crescimento da população urbana – associada ao êxodo rural – e para a mudanças nos investimentos públicos. “O papel do Estado, porém, se ampliou consideravelmente na modernização da cidade do Salvador, principalmente através de investimentos em infraestrutura” (ANDRADE, 2009, p.66). Dentre os investimentos dos poderes públicos na cidade, nota-se o privilegio da questão da mobilidade urbana, além de contribuições para os setores bancário, imobiliário e comercial.

Imagem 1: Esta fotografia, datada de 1912, registra o resultado da urbanização da Praça Marechal Deodoro, antiga Cais do Ouro, na primeira década do século XX, relacionada aos investimentos públicos na cidade. Fonte: site do Guia Geográfico da Bahia, disponível em: http://www.salvador-antiga.com/- comercio/cais-ouro/magens/praca-deodoro-hd.jpg.

Os reflexões da mudança na economia baiana – principalmente no que se refere à perda de centralidade da agricultura, em razão do direcionamento de investimentos para a indústria –, também podem ser observados nas dinâmicas demográficas do período. Observa-se, segundo Andrade (2009), a partir de dados censitários, que a população urbana de Salvador aumenta certa de 400% entre o início e o final do século XIX, com destaque para as três últimas décadas 1 . Este crescimento repercutiu-se também no território, com a expansão da cidade, ocupada ao norte pelas classes mais populares, e ao sul pelas camadas mais ricas.

Imagem 2 e 3: À esquerda, o bairro do Bonfim em foto de 1913; à direito, o Corredorr da Vitória no início da década de 20. Esses registros reforçam o entendimento a respeito da disparidade entre as ocupações ao norte - pelos pobres -, e ao sul - pelos ricos - de Salvador, compreendendo também as prioridades atribuídas pelos investimentos públicos nesses espaços. Fonte: ambas as fotografias são do site Guia Geográfico da Bahia, disponíveis nos links: http://www.salvador-antiga.com/bonfim/bairro.htm e http://www.salvador-antiga.com/vitoria/corredor-vitoria.htm, respectivamente.

O modelo de divisão espacial de Salvador no fim do século XIX, reforçava a grande segregação socioespacial, que verificamos da formação da cidade até o contexto contemporâneo. Esses fatores de expansão das elites locais contribuíram para a desvalorização da área central – e seu entorno -, tornando-a empobrecida e abandonada pelos investimentos públicos. Na região do Comércio, no início do século XX, prevalecia atividade econômica homônima, que favoreceu os investimentos na modernização dos espaços, a melhoria nos transportes e a expansão do território – por meio da construção de aterros. Nesse período, e no que o seguiu, é possível citar a influência de reformas urbanas públicas, como os projetos do Urbanismo Demolidor de J. J. Seabra 2 e a abertura do Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador (EPUCS) 3 . A cidade começa a recuperar- -se com esses planos, e também com a criação de políticas nacionais para a habitação e o desenvolvimento regional (ANDRADE, 2009).

Imagem 4: Neste recorte da fotografia da vista de Salvador em 1917, é possível identificar ao fundo, do lado esquerdo, a extensão territorial propiciada pelos aterros realizados na região. Fonte: site do Guia Geográfico da Bahia, disponível em: http://www.cidade-salvador.com/seculo20/portoantigo.htm.

Na segunda metade do século XX, identifica-se já uma nova dinâmica em termos econômicos no estado, com a chegada de atividades industriais da Petrobrás e a criação do Centro Industrial de Aratu (CIA) e do Complexo Petroquímico de Camaçari. Na década de 60, observa-se a descentralização de Salvador, com a criação do Centro Administrativo da Bahia (CAB) e do Shopping Iguatemi, e a transferência da rodoviária para este mesmo entorno. Somam-se a esses, muitos outros processos contemporâneos que também contribuíram paras as dinâmicas urbanas da área do Centro Antigo, destacando-se as lógicas especulativas do planejamento estratégico, exemplificadas por programas como o Monumenta e o Revitalizar 4 .

“Confirma-se assim a posição da metrópole baiana como núcleo urbano dinâmico, porém inserido perifericamente no "jogo" do capitalismo global e possuindo no seu interior diversos problemas associados, a exemplo da questão da habitação, da não disseminação do "direito à cidade", dos transportes, das questões ambientais, dentre outros” (ANDRADE, 2009, p.99).

No que se refere ao bairro do Comércio e sua configuração socioespacial atual, é possível observar a verticalização das construções na faixa do mar, que em grande parte das vezes apresenta imóveis vazios ou parcialmente vazios, decorrentes de uma série de ações e implicações de políticas públicas, já citadas anteriormente, no espaço. Em paralelo, coexistem áreas escondidas na encosta da cidade baixa onde acontecem diferentes lógicas habitacionais, entre elas algumas ocupações organizadas por Movimentos Sociais, assim como a Luisa Mahin. Acrescenta-se que essas moradias, de camadas populacionais com renda média de um salário mínimo, são completamente desassistidas de suporte governamental. Não há, no local, equipamentos públicos como creches, escolas, postos de saúde, bibliotecas e similares, contrapondo-se à asseguração do direito à cidade, como será visto adiante.

NOTAS: 1 Ver, no Capítulo 4 “A decadência econômica da cidade do Salvador”, o item “A dinâmica demográfica frente à estagnação econômica”, páginas 69 e 70 (ANDRADE, 2009). 2 Para entender um pouco mais sobre este projeto, ver página 74 do livro “Geografia de Salvador” (ANDRADE, 2009). 3 Sobre os citados programas de renovação especulativa, ver o artigo “O EPUCS e a cidade do Salvador nos anos 40: urbanismo e interesse público”, em <http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/171/171-615-1-SP.pdf>. 4 A respeito dos programas Monumenta e Revitalizar, consultar <http://portal.iphan.- gov.br/uploads/publicacao/ColReg_Recupe - racaoImoveisPrivadosCentrosHistoricos_m.pdf> e <goo.gl/9nbxUv>, respectivamente.

Referências: ANDRADE, A. B. Geografia de Salvador. EDUFBA: Salvador, 2009. ALMEIDA, M. C. B. E. As vitrines da civilização: a modernização urbana do bairro comercial da cidade da Bahia. 2014. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, 2014. SANTOS, J. C. Entraves do processo de requalificação urbana do bairro do comércio em Salvador. In: URBICENTROS, 3., 2012, Salvador.

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