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uem e s u is creve so? Q

por Julia Custódio e Matheus Nistal

Um livro está prestes a virar best-seller, mas na capa não há o nome de quem o escreveu, e sim o de outra pessoa, a quem a história pertence. Isso não é um caso para as Cortes, um contrato de confidencialidade foi assinado e o escritor aceita porque a especialidade de um fantasma é a invisibilidade. No entanto, trabalhar nas sombras pode mexer com o ego.

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Saber ouvir, investigar e escrever. Essas são as habilidades principais dos escritores fantasmas, aqueles que estão por trás da escrita de muitos livros que você nem desconfia. Até mesmo Clarice Lispector já foi ghost. Não existem dados sobre o mercado no Brasil, segundo a União Brasileira de Escritores (UBE), por causa do sigilo requerido na profissão. E os fantasmas são irredutíveis: são meses ou anos de trabalho que não podem ser mencionados em portfólio.

Alguns clientes ficam desconfiados na hora de contratar alguém que não pode provar que já fez algum trabalho do tipo. Por isso, a quarta habilidade principal de les é a modéstia — ou guardar o ego para si — mesmo quando bate orgulho de um trabalho e dá vontade de dizer “Fui eu que escrevi!”.

A rotina é pesada, já que é necessá rio produzir vários livros simultaneamente para ter um fluxo financeiro estável. É tudo ao mesmo tempo: pesquisa para um projeto; entrevista personagens para uma segunda obra; negocia uma terceira proposta; e, de fato, escreve uma quarta publicação.

Será que dá tempo de sentir frustração por não ter o nome vinculado a todo esse esforço? Andrew Crofts, celebrado fantasma, tem uma resposta interessante: “Quem se importaria que eu escrevi algo famoso?”. Ele argumenta que é difícil imaginar muitos autores — fantasmas ou não — sendo parados na rua para dar um autógrafo, da mesma forma que a equipe por trás de livros autorais não é reconhecida.

A falta de crédito não precisa ser um problema. Claudia Lemes até se sentiu aliviada ao sair do ambiente de escritores autorais — que considera ter muitos egos inflados, publicidades e divulgações em redes sociais — para fazer o trabalho longe dos holofotes. Ela conta que às vezes os clientes oferecem colocar seu nome na capa, mas a escritora nega: “Prefiro ser invisível”. E é por causa da invisibilidade que as histórias dos clientes — principalmente as de não-ficção — ganham forma e são eternizadas, essas que não seriam escritas por falta de tempo, habilidade ou insegurança. Os fantasmas, além de tudo, devem saber dar um passo para trás e deixar que as memórias e o conhecimento dos clientes possam se destacar, em um processo inverso ao das obras autorais.

COLABORADORES: André Roca, ghostwriter; Cinthia Valle, ghostwriter; Jociandre Barbosa, presidente da UNISV; Ricardo Ramos, presidente da UBE.

ARTE: Lívia Magalhães claro! invisível

por João Pedro Barreto e Laura Guedes

“Eu sou uma pessoa que não existe”. Este é o relato de uma cidadã que passou sua vida inteira invisível para o Estado. Invisível pois não possuía registro civil — certidão de nascimento ou qualquer outro documento de identificação, como RG, CNH ou Carteira de Trabalho. Esta problemática, que afeta 2,7 milhões de brasileiros, segundo o Censo de 2022 do IBGE, priva os indivíduos de direitos básicos.

A frase acima é de Maria dos Santos*, uma senhora que viveu indocumentada desde que nasceu, até receber um diagnóstico de câncer e ser impedida de realizar um tratamento pela falta de registro. Diante da urgência, conseguiu emitir seus documentos e passou a ajudar outras pessoas na mesma situação. Após falecer em decorrência da doença, foi enterrada em uma cova com seu nome, como desejava. É o que conta a jornalista Fernanda da Escóssia em seu livro “Invisíveis: uma etnografia sobre brasileiros sem documento”.

Quem vive como Maria — sem documentos — não tem acesso a uma série de direitos básicos, como educação, vacinação, voto, sistema de benefícios sociais e aposentadoria. Além disso, não pode ter emprego formal, viajar ou possuir qualquer bem ou conta de banco em seu nome.

Os impactos deste vácuo não se fazem presentes só durante a vida, mas também na morte: quando este cidadão morre, é enterrado sem nome.

Enquanto existem pessoas que nunca foram identificadas, outras já tiveram registros algum dia, mas os perderam por circunstâncias da vida. Igor, em situação de rua, conta que precisou “deixar os documentos para trás” quando saiu de sua cidade natal, em Minas Gerais, e se mudou para São Paulo, após ser expulso por sua família. Dependente químico, ele se viu fora da casa e cidade que morava e sem a identidade que um dia teve. Igor emitiu todos os seus documentos novamente por meio do projeto “Registre-se!”. A ação, promovida pela Corregedoria Nacional de Justiça no início de maio, tinha a missão de levar cidadania a pessoas em vulnerabilidade. Um dos locais que recebeu a iniciativa foi o Chá do Padre, na Sé, em São Paulo. Daliléia Lobo, coordenadora do núcleo de assistência social, revela que a expectativa era de receber 50 pessoas diariamente, mas logo no segundo dia foram mais de 200.

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