Matéria Riachuelo

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Meio Ambiente

os caminhos do Riachuelo Quem observa um dos principais rios argentinos, o Riachuelo, do ponto turístico da Vuelta de Rocha, tem a impressão que suas águas são límpidas e tranquilas. Mas só parece... Algumas medidas para tentar diminuir a sujeira do rio mais poluído da Argentina já estão sendo tomadas TEXTO Deborah Rezaghi DIAGRAMAÇãO Rafaela Malvezi

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Meio Ambiente deborah rezaghi

O Rio Matanza-Riachuelo é um curso d’água que marca o limite sul da capital argentina, e depois, com o nome de Matanza, atravessa 14 munícipios da Província de Buenos Aires. A bacia tem 64 km de extensão, e inclui 232 riachos.

U

m dos cartões postais de Buenos Aires, Argentina, e parada obrigatória de turistas que vem conhecer a cidade é o Caminito, no bairro da Boca. O local fica a apenas 15 minutos do centro, e tem grande valor histórico. Mas bem no começo do Caminito, é possível observar a Vuelta de Rocha, ponto histórico do bairro, onde começou a cidade de Buenos Aires. É neste local que o rio Riachuelo faz uma curva antes de desembocar em forma de estuário no Rio da Prata. As aparências enganam...

Há muita sujeira embaixo do rio. É o que garante Alfredo Alberti, presidente da Associação de Moradores de La Boca: “Praticamente todos os dias é feita uma limpeza para retirar o grosso da sujeira flutuante. No 4 - JORNALISMO SEM FRONTEIRAS

entanto, há muito lixo por baixo”. Ele diz que como se trata de um ponto turístico, nesse local há o cuidado de se tentar passar uma imagem de rio limpo, pois as fotos que rodaram o mundo mostrando toda a sujeira do Riachuelo causaram um impacto negativo. Mesmo assim, se um turista passar por ali com mais calma e observar o rio por alguns instantes, conseguirá notar alguns sacos de lixo e outras garrafas pets que teimam em ficar boiando à vista dos transeuntes e esquecem de se esconder abaixo das águas turvas... Obviamente, a sujeira vista no Riachuelo é diferente da que fica à vista dos paulistanos que observam do Rio Tietê, onde a quantidade de sujeira que boia é maior que a do Rio Argentino. Mas os rios de Buenos Aires e São Paulo tem muito mais coisas em comum do que se pode imaginar...

Situação atual

Um dos problemas que cerca a bacia do Riachuelo é a sua grande dimensão, o que faz com que seja difícil que políticas públicas eficientes sejam aplicadas. “É um curso d’água que está em uma zona muito ampla, que atravessa 64 km. Há poluições diferentes em cada região”, explica Dolores María Duverges, diretora da área de política ambiental da Fundação Ambiente e Recursos Naturais (FARN) da Argentina. Os 64 km de distância equivale ao trajeto da capital para a cidade de Itatiba, no interior paulista. O grande problema na elaboração das soluções para o Riachuelo está no fato de haver três jurisdições envolvidas: o governo federal, o governo da Província de Buenos Aires e o da capital Argentina. No Brasil, o caso do Tietê é parecido, e sua extensão também se torna um

problema. O rio possui 1.010 quilômetros de extensão, corta o estado de São Paulo de leste a oeste, estando presente, principalmente, na paisagem urbana da capital. O rio deságua no lago da barragem Jupiá, no rio Paraná, na região dos municípios de Itapura, estado de São Paulo; e Três Lagoas, estado de Mato Grosso do Sul. Todos os dias misturam-se ao rio 800 toneladas de esgoto doméstico, 300 toneladas de esgotos de origem industrial e mais 3 toneladas de material inorgânico. Quase a metade do líquido que corre nesse leito é sujeira pura. prós e contras Andrés Nápoles, diretor executivo da FARN (Fundação Ambiente e Recursos Naturais) da Argentina, afirma que se pode considerar que houve avanços nos últimos tempos na questão da poluição do Riachuelo. Como exemplo, ele cita o fato de hoje se saber que há em toda a bacia Matanza-Riachuelo 12 mil in-

O Plano Objetivo: melhorar a qualidade de água da Bacia em 15 ou 20 anos Custo total: US$ 1,484 bilhões Financiamento: Us$ 644 milhões desembolsados pelo governo argentino Empréstimo: US$ 844 milhões do Banco Mundial (devolução em 30 anos)

ilustraçãO E INFOGRáfico: rafaela malvezi

2200 km 5 milhões 2

de superfície

de habitantes

55% 45% 35% não possui rede de esgoto

da população está abaixo da linha da pobreza

não tem água potável

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Meio Ambiente deborah rezaghi

De longe o rio parece limpo, mas ao observá-lo mais de perto é possível ver alguns resquícios de sujeira

“Os políticos dizem que vão defender a saúde das pessoas, mas continuam a defender os interesses das indústrias” - Alfredo Alberti, da associação de moradores de La Boca 6 - JORNALISMO SEM FRONTEIRAS

dústrias, algo que antes não se tinha ideia. Mas para ele, ainda há questões mais profundas que precisam ser abordadas. “O tema não abarca somente a questão da água, mas também de todas as pessoas que necessitam de ajuda social. Assim, é preciso integrar o ambiental com o social para resolver os problemas” explica. “As pessoas fazem um poço, e tiram água de lá, que parece que está limpa. Mas na verdade está contaminada. Assim, elas se contaminam pelo que respiram e bebem”, explica Alberti, da Associação de Moradores de La Boca. Ele ainda completa: “Não se encontra população mais velha nessa região. Além do que, o Estado é muito ausente.” Depois que foi implementado um sistema de fiscalização das indústrias, começou a haver certo controle da contaminação que elas despejavam no rio. “As

empresas continuam contaminando, mesmo com a fiscalização da ACUMAR”, aponta Alfredo Alberti. “Os valores que são deixados para que as empresas possam jogar resíduos são muito permissivos, pois o Riachuelo tem pouca profundidade – e nele não há peixes e não há vida.” Por ser um rio de planície, as águas do Riachuelo não podem receber o mesmo volume de fluidos tóxicos que um rio com maior volume da água. E o ideal seria que se chegasse a “zero lançamento” de toxinas. No meio de tantos números que apontam um caminho ruim que está seguindo o curso do Riachuelo, algumas notícias boas podem ser encontradas no meio das águas turvas. Uma delas é que o “camino de sirga” - que estabelece que devem ser liberadas e limpas as margens do rio em até 35 metros de distância em cada lado - deu resultado. Antes a área era ocupada por indústrias, casas precárias e barracas de feira. Hoje, a situação é

Algumas ações estão sendo realizadas para melhorar a situação de toda a bacia. A FARN (Fundação Ambiente e Recursos Naturais), por exemplo, coordena um projeto com a União Europeia chamado Monitoramento Social da Bacia Matanza-Riachuelo. “Queremos promover a participação social na preservação do rio. Assim, a idéia é que os

vizinhos nos alertem o que está acontecendo e nos enviem a situação e nos dizem o que está passando” diz Dolores. A partir das informações obtidas, as autoridades públicas são avisadas da situação. “É um controle eficiente, pois estimula a cidadania.” O Plano Integral de Saneamento Ambiental, da ACUMAR, tem objetivos a curto, médio e longo prazo, e aborda os mais variados problemas existentes na Bacia. Alguns projetos já estão sendo executados, como o da limpeza das margens, que conta com mais de duas mil co-

1992

2002

diferente e as margens estão efetivamente sem sujeira – plantouse árvores e foram erradicados 30 lixões. E agora, o que fazer?

Mais de cem chefes de Estado se reunem no RJ buscando meios de conciliar o desenvolvimento

socioeconômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra. Assim começa a preocupação com a poluição do Riachuelo

1994

Nova Constituição Argentina establece, pela primeira vez na história, Leis Ambientais

Guerra das Papeleras: Argentina entra com uma ação contra o Uruguai no Tribunal Internacional de Haia para barrar a construção de duas fábricas às margens do rio Uruguai, na fronteira dos dois países

2004

Moradores afetados pela contaminação do rio entram com processo e ordenam que o Estado apresente um plano de recuperação do rio Riachuelo

operativas, ligadas ao Ministério do Desenvolvimento Social da Argentina, e que visa o reflorestamento das áreas devastadas. Outro projeto visa a recuperação das águas do rio, eliminando a sujeira como as embarcações afundadas, artefatos navais e outro objetos, que quando retirados da água são doados a hospitais de fundações que se utilizam do dinheiro da venda da sucata para melhorar suas instalações. As ações que são feitas não visam apenas melhorar a qualidade da água, mas também a qualidade de vida das pessoas. Por isso está 2006

Nasce a Autoridade da Bacia Matanza-Riachuelo (ACUMAR, na sigla em espanhol), que é integrada por representantes das diferentes jurisdições envolvidas, pela Defensoria do Povo e por organizações nãogovernamentais.

2008

Decisão histórica: o Supremo Tribunal de Justiça ordenou ao Estado e às empresas o saneamento definitivo da bacia

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divulgação

divulgação/printerslounge.com

Meio Ambiente da coleta e tratamento de esgoto, reduzindo a mancha de poluição numa extensão de 160 quilômetros. Os moradores da Região Metropolitana, porém, ainda não conseguem visualizar avanços na despoluição do rio sua cor continua negra, a água não se movimenta e o cheiro ainda incomoda. Segundo a Sabesp, a melhora na qualidade da água ficará perceptível até 2015. Em janeiro de 2013, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) havia liberado empréstimo para a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) para a terceira etapa de investimentos do Programa de Despoluição do Rio Tietê As pessoas e o rio

Guerra das Papeleiras: Nesse conflito, ocorrido em 2006, a Argentina entrou com uma ação contra o Uruguai no Tribunal Internacional de Haia contra a construção de duas fábricas de celulose às margens do rio Uruguai, na fronteira dos dois países. Em 1975 foi assinado entre os dois vizinhos o Estatuto do rio Uruguai, que diz que se um dos países vai realizar obras às margens do rio, o outro deve ser notificado e tem o direito de se opor se sentir que a obra pode afetar seus interesses. Para os argentinos, o acordo havia sido violado. As principais preocupações argentinas eram em relação à ameaça ao meio ambiente que as fábricas representariam. Em julho de 2010, a presidente Cristina Kirchner e o uruguaio José Mujica assinaram um acordo que inclui a criação de um comitê científico encarregado de controlar a qualidade das águas do Rio Uruguai. O comitê, integrado por dois cientistas argentinos e dois uruguaios, irá monitorar o rio e todos os estabelecimentos industriais, agrícolas e centros urbanos. Na foto acima, a empresa UPM às margens do rio em território uruguaio. 8 - JORNALISMO SEM FRONTEIRAS

sendo desenvolvido um plano de urbanização de vilas, que constrói casas e realoca as famílias que vivem em regiões de alto risco sanitário e sem condições básicas de sobrevivência. E por aqui, o tem sido feito para limpar o Tietê? Com 1,2 milhão de adesões a um abaixo-assinado - a maior mobilização por uma causa ambiental na América Latina até hoje -, a campanha de despoluição do Rio Tietê liderada pela então Rádio Nova Eldorado AM sensibilizou o governo estadual a dar início ao projeto de limpar o curso d’água, no ano de 1992. De lá para cá várias ações surtiram efeito, como o aumento

“Hoje nenhum portenho tem um rio que pode desfrutar”, desabafa o presidente da Associação de Moradores de La Boca Todos estão contaminados. Os números alarmantes das pessoas que vivem em torno da Bacia já são suficientes para mostrar como se dá a relação entre pessoas e o rio. Mas e aquelas que não vivem necessariamente às suas margens, mas que convivem constantemente com ele à sua vista? É o caso dos moradores do bairro da Boca. Qual será a relação deles com o rio? Há preocupação ambiental? Alberti, com um semblante preocupado, conta que a Zona Sul, onde o bairro está localizado, é uma das zonas mais pobres da cidade. E que a maior preocupação dos moradores da região é cuidar do próprio trabalho para ter como sobreviver, e com isso não sobra muito tempo para pensar no Riachuelo. “Os adultos estão trabalhando e preocupados

ACUMAR: Autoridade da Bacia Matanza-Riachuelo, responsável por coordenar e implementar um programa de saneamento que visa melhorar a qualidade de vida dos habitantes da bacia, recompor o ambiente na bacia em todos os seus componentes (água, ar e solo), e prevenir danos futuros.

em colocar comida na mesa. Assim, ocupar-se de meio ambiente é um luxo”. Para tentar mudar a relação com rio desde criança, na escola as crianças têm aula de educação ambiental. No local onde fica a Associação de Moradores pode-se observar alguns desenhos feitos pelas crianças de como será o rio que elas querem. Além disso, muitos estão desacreditados na política e nos políticos, pois já foram feitas inúmeras promessas para limpar

o Riachuelo e nenhuma delas foi colocada em prática. “Alguns me dizem: me preocupo que iluminem minha rua, nem mesmo isso os políticos fazem... e você quer que limpem o Riachuelo?” comenta Alberti. Ele afirma que muito pouco ainda foi feito pelo rio, apesar de já se ver alguns avanços. Apesar de tudo, ele segue sendo uma pessoa otimista. “Eu não vou poder ver o Riachuelo limpo. Mas espero que você possa”, brinca. JORNALISMO SEM FRONTEIRAS - 9


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