1º Grupo Criminal APELAÇÃO CRIME 1409147-3. ORIGEM: 1ª VARA CRIMINAL DE LONDRINA. APELANTES: VANDA DE SOUZA PEPILIASCO E MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. APELADOS: OS MESMOS. ASS.
ACUSAÇÃO:
FRANCISCO
ROSA
E
OUTRO. RELATOR: DES. MACEDO PACHECO. REVISOR: DES. ANTONIO LOYOLA VIEIRA.
PRONUNCIAMENTO
COLENDA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL:
Trata-se de recurso de apelação interposto por Vanda de Souza Pepiliasco e pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra a prestação da tutela jurisdicional de primeiro grau, consubstanciada na sentença (fls. 3858-3864) que, com base na decisão do Conselho de Sentença (fl. 3857), condenou a ré como incursa no art. 121, caput, do Código Penal, à pena de 08 (oito) anos e 06 (seis) meses de reclusão em regime fechado. Em breve retrospecto vê-se que a apelante foi denunciada (fls. 02-04), pelos seguintes fatos, ipsis litteris virgulisque: No dia 10 de julho de 1993, por volta das 03:30 horas, no interior do edifício “Maison de Savigny”, sito à rua Goiás, nº 1.623, nesta cidade e Comarca, na escadaria do prédio em questão, entre o 11º e o 12º (décimo
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1º Grupo Criminal primeiro e décimo segundo) andar, ambos (andares) a abrigarem o apartamento duplex pertencente à denunciada VANDA DE SOUZA PEPILIASCO, esta, por razões ainda não bem elucidadas, munida de uma faca (v. auto de apreensão de fls. 10), atacou, de inopino, a vítima Cleonice de Fátima Rosa, empregada doméstica da denunciada e respectiva família, que residia no emprego, culminando por desferir-lhe golpes com a faca que ilegalmente portava, atingindoa no pescoço, impossibilitando-a de esboçar qualquer gesto de defesa, produzindo-lhe, em consequência, os ferimentos positivados no laudo pericial de fls. 152/154, que foram a causa eficiente de sua morte, cruelmente ceifando a vida da vítima, mediante esgorjamento. (fl. 02 – destaques no original)
A denúncia foi recebida em 11/02/1994 (fl. 367). Os genitores da vítima (Francisco Rosa e Sebastiana Lucia Passoni Rosa) pleitearam a admissão como Assistentes de Acusação (fls. 393-395), o que foi deferido (fl. 399). Citada (fl. 412), a acusada foi interrogada (fls. 444-447) e apresentou, por Defensores constituídos (fl. 408), “defesa prévia” arrolando testemunhas (fls. 450-473). Durante a instrução foram ouvidas 16 (dezesseis) testemunhas (fls. 519-529v, 728-732v, 777/778, 802/803v, 807-809, 839/840v, 883/883v e 892/892v) e 05 (cinco) informantes (fls. 539-532v, 652/653v, 798-801v, 804-806v, 854/854v). As partes apresentaram suas alegações finais, por memoriais: o Ministério Público (fls. 1178-1184) e os Assistentes de Acusação (fls. 1187-1193) pleitearam a pronúncia da ré nos termos da inicial acusatória; ao passo que não houve manifestação da Defesa (fls. 1290/1291). Vislumbra-se terem sido, em seguida, exaradas 03 (três) decisões de pronúncia que foram sucessivamente anuladas (e desentranhadas dos autos) por Acórdãos proferidos por esse egrégio Tribunal de Justiça e pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento de múltiplos recursos interpostos pela Defesa. 2
1º Grupo Criminal Então, em 31/03/2009 sobreveio a decisão que pronunciou a ré Vanda de Souza Pepiliasco como incursa no art. 121, caput, do Código Penal, a fim de submetê-la a julgamento pelo egrégio Tribunal do Júri (fls. 2328-2369). As partes foram intimadas do decisum (fls. 2372, 2382 e 2384). Os embargos de declaração opostos pela Defesa (fls. 2373/2374) foram acolhidos (fls. 2376-2378). Então, a acusada manifestou o desejo de recorrer, por termo nos autos (fl. 2382). O recurso em sentido estrito foi devidamente processado (razões: fls. 2387-2407; contrarrazões: fls. 2412-2421 e 24252428; manutenção da decisão: fl. 2429) e, após pronunciamento da Procuradoria de Justiça (fls. 2440-2455), restou improvido em Acórdão unânime dessa colenda Câmara Criminal (fls. 2465-2477). Os embargos de declaração opostos pela Defesa (fls. 2481-2486) foram rejeitados (fls. 2489-2496). A Defesa interpôs, então, recurso especial (fl. 2502), que foi processado (razões: fls. 2503-2542; contrarrazões: fls. 25452548 e 2553) e admitido (fls. 2559/2560), mas, após pronunciamento da douta Procuradoria-Geral da República (fls. 2571-2576), restou improvido em Acórdão unânime da colenda Sexta Turma do egrégio Superior Tribunal de Justiça (fls. 2580-2590). Os embargos de declaração opostos pela Defesa (fls. 2596-2600) foram rejeitados (fls. 2603/2604). Na sequência, o recurso extraordinário interposto pela Defesa (fl. 2611), devidamente processado (razões: 2612-2632; contrarrazões: fl. 2647), foi julgado prejudicado (fls. 2649-2652). Por derradeiro, o recurso de agravo (fls. 2656-2669) teve seguimento negado (fls. 2671/2672). Preclusa a mencionada decisão, as partes indicaram as testemunhas a serem ouvidas em Plenário (respectivamente
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1º Grupo Criminal nos dias 16/06, 22/07 e 08/08/2014 – fls. 2681/2682, 2692 e 2700-2707) e restou elaborado Relatório do feito (em 28/01/2015 – fls. 3550-3560). Vislumbra-se, ainda, que a Defesa manejou pedido de desaforamento (fls. 3744-3754), que foi devidamente processado (autuado sob o nº 1369462-1), inclusive com manifestação da Juíza a quo (fls. 3755-3763). Porém, foi submetido a julgamento por essa colenda Câmara Criminal no dia 02/06/2015, posteriormente à sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri, razão pela qual foi julgado prejudicado (fls. 39453948). Então, a ré foi submetida a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Londrina (no dia 12/05/2015 – Ata da sessão de julgamento - fls. 3865-3869), oportunidade em que, após oitiva de 04 (quatro) testemunhas (fls. 3848-3850 e 3853), 02 (dois) informantes (fls. 3851/3852) e realização do interrogatório (fl. 3854), o Conselho de Sentença reconheceu a materialidade e a autoria do crime de “homicídio”, bem assim que a participação da acusada não foi “de menor importância” (fl. 3857). Deste modo, a Juíza de Direito Presidente lavrou sentença (fls. 3858-3864) condenando a ré Vanda de Souza Pepiliasco como incursa no art. 121, caput, do Código Penal, à pena de 08 (oito) anos e 06 (seis) meses de reclusão em regime fechado. As partes foram devidamente intimadas ao término da Sessão de Julgamento e a Defesa tempestivamente interpôs recurso de apelação com fulcro no art. 593, inciso III, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, do Código de Processo Penal (fl. 3898), com posterior manifestação do desejo de apresentação das razões em Segunda Instância (fl. 3913). Os
embargos
de
declaração
opostos
pelo
representante do Ministério Público (fls. 3901-3903) foram acolhidos para o fim de esclarecer o regime inicial de cumprimento da pena (fls. 3905/3906).
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1º Grupo Criminal Na sequência, o Ministério Público interpôs recurso de apelação com esteio no art. 593, inciso III, alínea “c”, do Código de Processo Penal (fl. 3908). Em suas razões (fls. 3914-3936), o douto Promotor de Justiça pleiteia a reforma da dosimetria da pena mediante reforma do patamar de aumento decorrente de cada circunstância judicial valorada negativamente pela Juíza a quo (a “culpabilidade”, “conduta social” e “personalidade da ré”, bem assim as “circunstâncias” e “consequências do crime”), salientado ser reiterado o posicionamento desse egrégio Tribunal de Justiça no sentido de considerar “[...] como razoável, em crime de homicídio simples, que cada circunstância judicial considerada desfavorável enseje o aumento da pena em 1/6 da pena mínima, ou seja, em 1 (um) ano.” (fl. 3923 – grifo no original). Também requer a incidência, na segunda etapa do procedimento trifásico, da agravante genérica prevista no art. 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal, “[...] pois a vítima CLEONICE DE FÁTIMA ROSA era empregada da família da ré VANDA DE SOUZA PEPILIASCO, residindo no emprego, ou seja, coabitando com a acusada.” (fl. 3934 – destaques no original). Os Assistentes de Acusação manifestaram-se (fls. 3939/3940) pelo conhecimento e provimento do recurso interposto. Nas contrarrazões (fls. 3956-3972) a Defesa pleiteou o improvimento do aludido apelo. Por sua vez, a Defesa arrazoou seu recurso em Superior Instância (fls. 3984-4060) arguindo, preliminarmente, a “inexistência de justa causa para a persecução penal” diante da alegada impossibilidade de realização de contraprova ao exame pericial de DNA, porquanto “[...] o fio de cabelo com bulbo, destinado, exatamente para a realização da eventual contra prova, DESAPARECEU dos autos, não permitindo a Vanda defenderse e, assim, comprovar sua inocência.” (fl. 3989).
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1º Grupo Criminal Argumenta, destarte, que: “Se a principal prova produzida pela acusação não pode ser questionada pela defesa, pois inviável tecnicamente a comprovação acerca de sua veracidade, não há como admiti-la – validamente – na ação penal, sob pena de violação da paridade de armas e sua ilicitude e ilegitimidade merecem ser declaradas.” (fl. 3996). Também afirma haver nulidade processual por cerceamento de defesa decorrente da surpresa durante a sessão de julgamento em Plenário. Para tanto, aduz que a Juíza de Direito Presidente, pouco antes do término do interrogatório (que foi conduzido de forma “extremamente parcial” - fl. 4004), indagou à apelante se era verdadeira a informação de que ela havia procurado pessoalmente uma das testemunhas pouco tempo antes da sessão de julgamento, no intuito de fazê-la modificar a versão dos fatos. Após o encerramento do referido ato, a Defesa questionou a Magistrada sobre em qual folha dos autos constaria tal informação, quando então: “Para maior surpresa da defesa a i. magistrada respondeu que havia recebido um telefonema anônimo momentos antes do julgamento!” (fl. 4004). Então, a Defesa formulou pedido de suspensão da sessão de julgamento diante do apontado cerceamento de defesa, mas a Juíza de Direito indeferiu oralmente nos seguintes termos: “[...] de jeito nenhum, tá indeferido [...].” (fl. 4005). Diante de tais circunstâncias, sustenta o seguinte: Além de não justificar (fundamentar), sequer de forma sucinta, os motivos pelos quais a i. magistrada se sentiu no direito de interrogar a apelante, sobre uma ligação anônima, sem avisar que a recebeu ou, pelo menos, sem que existisse registro de tal telefonema nos autos, surpreendendo a defesa e, por óbvio, retirando qualquer credibilidade da apelante, de forma arbitrária a sessão de julgamento prosseguiu normalmente. (fl. 4006 – grifos no original)
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1º Grupo Criminal Requer, portanto, a anulação da sessão de julgamento. Subsidiariamente, pleiteia a reforma da dosimetria da pena, em razão da alegada ausência de fundamentação acerca das circunstâncias judiciais valoradas desfavoravelmente na primeira etapa do procedimento trifásico. Após baixa dos autos, a Representante do Ministério Público apresentou contrarrazões (fls. 4064-4082) pleiteando o conhecimento e improvimento do apelo. Os autos vieram a Procuradoria de Justiça para pronunciamento, ocasião na qual foi apontada a necessidade de conversão em diligência visando a intimação dos Assistentes de Acusação para contraarrazoarem o apelo (fls. 4086-4089), o que restou determinado pelo Senhor Relator, Desembargador MACEDO PACHECO (fl. 4051). Então, os Assistentes de Acusação manifestaramse ratificando integralmente as contrarrazões manejadas pelo Ministério Público (fl. 4058). Na
sequência,
os
autos
foram
novamente
remetidos a esta Procuradoria de Justiça para pronunciamento. É o relatório. Presentes os pressupostos processuais objetivos - cabimento, adequação, tempestividade, regularidade, inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer - e, outrossim, os subjetivos interesse e legitimidade -, ambos os recursos merecem conhecimento. No mérito, as razões recursais manejadas pela Defesa comportam provimento no que se refere à arguição de nulidade durante a sessão de julgamento em plenário, tornando prejudicada a
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1º Grupo Criminal aferição dos demais pedidos e, ainda, a análise do apelo interposto pelo Ministério Público. Consigne-se,
de
início,
que
a
insurgência
defensiva foi realizada em Plenário, logo após a ocorrência da nulidade arguida (conforme se infere do arquivo “7.2.1994.92-5 – VANDA DE SOUZA PEPILIASCO – INTERROGATORIO (PARTE 2)”, gravado na mídia acostada à contracapa do 18º volume dos autos), em observância ao art. 571, inciso VIII1, do Código de Processo Penal, de modo a possibilitar o conhecimento do apelo nesse tocante. Analisando o interrogatório a que a apelante Vanda de Souza Pepiliasco foi submetida perante o Tribunal do Júri (fl. 3854), vislumbra-se que a Juíza de Direito Presidente elaborou reperguntas durante aproximadamente 33 (trinta e três) minutos e 30 (trinta) segundos, período no qual se constatou o seguinte, no que importa mencionarmos: a) A partir de 03 (três) minutos e 52 (cinquenta e dois) segundos: (Juíza: E por que o Seu Francisco, que é o porteiro que teve aqui, ele alega no depoimento dele que seu filho entrou pelo elevador de serviço e a senhora, inclusive, posteriormente foi procurá-lo para que ele mudasse essa parte, falasse que ele havia subido pelo social?) Eu entendo o seguinte, quando você tem certeza de uma atitude, de o teu filho realmente subiu pelo elevador social, e alguém possivelmente, ele não observou com certa coerência esse fato […].
b) A partir de 09 (nove) minutos e 38 (trinta e oito) segundos: (Juíza: Tá, deixa eu só cortar, um minutinho só: no momento em que ela [Luzia] conta pra senhora que ela [Cleonice] cometeu um suicídio, ela também fala que há algumas semanas atrás ela haveria, teria feito um aborto?) Não senhora, isso foi depois (Juíza: Não, a senhora me conta pra mim assim, ó, vou ser bem honesta, eu estudei bem o seu caso, eu sei de cor e salteado) Sim, pode falar (Juíza: A senhora diz assim ó) São vinte e dois anos, com certeza 1
Art. 571. As nulidades deverão ser argüidas: [...] VIII - as do julgamento em plenário, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de ocorrerem.
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1º Grupo Criminal eu já esqueci muita coisa (Juíza: “Que Luzia comentou que Cleonice tinha se matado, tinha feito uma besteira, e também citou que havia feito um aborto”. É o que a senhora falou) Que depoimento é esse? Que número do depoimento é esse? (Juíza: Ah, é o seu depoimento...) Eu tive dezesseis audiências... (Juíza: Duzentos e trinta e... página dois mil trezentos e quarenta e...) De que data é isso? (Juíza: Bom, eu não vou...) Se está escrito aí, está escrito, mas eu acho que são pequenos detalhes (Juíza: Tudo bem, vamos lá. Aí o que a senhora faz?) […]. (grifei).
Ressalta-se, no ponto, que fls. 2340 usque 2349 correspondem à última decisão de pronúncia. c) Aos 11 (onze) minutos e 32 (trinta e dois) segundos, após manifestação não verbal da Magistrada em relação a alegação da acusada, ocorreu o seguinte: Eu retorno para a... [neste momento, a acusada se reclina na cadeira e, olhando para a frente, interrompe a fala por alguns instantes] (Juíza: Abre a cozinha?) Eu estou no meio do meu depoimento e estou sendo interrompida porque tem os detalhes aí. Eu considero isso, então pode me corrigir à vontade porque é possível, e eu tenho esse direito... (Juíza: Tem) Todo mundo pode chegar aqui e esquecer pequenos detalhes (Juíza: Pode) São os detalhes mais importantes e cruciais que importam (Juíza: Tá bom, fala) [...].”.
d) Então, a partir de 27 (vinte e sete) minutos e 15 (quinze) segundos observou-se o que segue: (Juíza: Quando a senhora foi fazer aquele exame no cabelo, no cabelo, que foi achado fios de cabelo da senhora na mão da Luzia, a senhora sabe disso. E na primeira vez que a senhora foi fazer o exame, cortaram o cabelo da senhora?) A primeira vez que fizeram a coleta... (Juíza: Ou a primeira ou a segunda vez) A primeira com certeza absoluta foi na Delegacia, na 10ª Delegacia, no primeiro dia que fui fazer o depoimento lá eles tiraram sim, trouxeram, foi o Escrivão que chegou com envelopes brancos e disse que era pra ser retirados cabelos, porque a menina tinha fios de cabelo; eu então, eles cortaram com a tesoura, né (Juíza: Não, fora os cabelos que foram encontrados na mão dela, foi cortado o cabelo da senhora?) Sim, mas não foi encontrado nenhum tipo de cabelo na mão da vítima, que era meu [faz sinal negativo com a cabeça] (Juíza:
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1º Grupo Criminal Tá bom) Doutora, eu estou aqui para dizer a verdade, estou sob juramento (Juíza: A senhora pode falar o que a senhora quiser, é um direito da senhora) Então, dá licença que eu vou falar; eu fiz a coleta dos fios de cabelo pela primeira vez, eu própria tirei o fio de cabelo com bulbo do meu filho, do meu esposo e meu, dei dentro dos envelopes e entreguei para o escrivão da Delegacia de Polícia no dia 12/07/1993; não tenho nada a esconder, não devo nada, eu tirei os meus próprios fios de cabelo e entreguei para o Escrivão (Juíza: Estranhamente, eu confesso pra senhora que tenho 28, vou fazer 29 anos de Magistratura) Eu estou há 22 anos sendo processada, então eu imagino o tempo que é isso (Juíza: Eu estou com 29 de Magistrada, mas se a senhora não foi a Júri antes, foi de tanto processo, tanto recurso que adentraram, porque só eu já marquei duas vezes o Júri da senhora, tá?) Mas eu entendo que... (Juíza: E de tantas sentenças que foram...) (Defensor: Excelência, pela ordem) (Juíza: Doutor, eu estou fazendo o interrogatório) (Defensor: E eu estou falando “pela ordem”) (Juíza: E eu não interrompi o senhor e não admito que me interrompa!) (Defensor: Então, mas eu pedi a palavra, “pela ordem”, e a senhora negou) (Juíza: Não, eu não vou conceder, porque eu estou fazendo o interrogatório! A senhora não foi julgada antes por causa que houve muitos recursos, além de recursos, muitas sentenças anuladas, que não foram de minha assinatura, tá, foram do doutor João Carlos Machado. Bom, em 28 anos de Magistratura eu nunca vi uma suposta ré, que chegou ao meu conhecimento não, ser atendida na sala de um Desembargador. A senhora cita, aqui, que realmente folheou os autos na sala do Desembargador Andriguetto) Sim, eu sempre fui verdadeira, eu estou sob juramento (Juíza: Por quê?) Estou sob juramento porque (Juíza: Não, eu só quero saber por que a senhora foi atendida lá?) Porque o meu Advogado vai fazer a minha defesa, assim como os outros fizeram; não são os meus fios de cabelo (Juíza: Eu só quero saber como a senhora chegou ao doutor Andriguetto, só isso, eu não quero nem que o seu Advogado, eu só quero saber o seguinte: por que a senhora foi lá, no doutor Andriguetto, Desembargador Andriguetto?) [A acusada olha para seu Defensor por cerca de um segundo] Bom, não quer falar, não é obrigada a responder) Eu sou, simplesmente, eu peço que... (Juíza: Não, a senhora já respondeu que o Advogado vai fazer a defesa da senhora. Eu vou respeitar, eu vou respeitar) Tem que respeitar, pois eu estou dizendo toda a verdade (Juíza: É, eu tô acreditando na senhora). (grifei)
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1º Grupo Criminal
Após os referidos acontecimentos, a Juíza concedeu a palavra ao Promotor de Justiça (que formulou apenas uma repergunta) e à Advogada dos Assistentes de Acusação, a qual realizou reperguntas no período entre 34 (trinta e quatro) minutos e 35 (trinta e cinco) segundos e 44 (quarenta e quatro) minutos e 20 (vinte segundos). Na sequência, aos 44 (quarenta e quatro) minutos e 25 (vinte e cinco) segundos, foram iniciadas as reperguntas pelo Defensor, nos seguintes termos: (Defensor: Dona Vanda, basicamente eu só tenho uma pergunta pra saber, pra ouvir da senhora: a senhora sendo processada há 22 anos, a senhora ficou revoltada com esse processo? Pessoalmente, a senhora conviveu revoltada por 22 anos? Entendeu a minha pergunta?) (Juíza: Se a senhora ficou revoltada durante esses 22 anos em que está sendo processada?) Eu tenho questionado muito sobre isso, e eu acredito no seguinte: que quando acontece uma injustiça, a minha parte, o que eu tinha que fazer como cidadã brasileira era me defender, e procurei os melhores defensores desse caso, tanto é que está aqui; eu sou inocente, a minha família é inocente, e eu vou me defender até o último momento da minha vida; então, eu tenho esse direito como cidadã brasileira, eu tenho esse direito, durante 22 anos toda a minha defesa está dizendo e está conseguindo, não é por acaso, é porque realmente esse processo é conturbado, ele é difícil e vocês observaram todo o depoimento aqui, é um processo muito complicado mesmo.
Em seguida, a Juíza de Direito perguntou aos Jurados se possuíam questionamentos e, ao obter resposta negativa, tornou a conduzir o interrogatório (aos 45 (quarenta e cinco) minutos e 48 (quarenta e oito segundos), ocasião na qual ocorreu o seguinte: (Juíza: Eu gosto de terminar rápido, porque o almoço [inaudível]. Na outra sessão do júri, parece que foi na outra, a senhora mandou alguém ou foi pessoalmente procurar aquele porteiro [inaudível]?) Jamais, eu não (Juíza: Não foi [inaudível] o elevador?) Atualmente? Não foi isso, o que ele fala; eu fui até lá sim, mas eu estava muito, assim, assustada com o depoimento dele, nós conversamos, realmente (Juíza: Agora, recentemente?) Não, não, de forma
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1º Grupo Criminal alguma, nunca mais vi esse homem (Juíza: Não, é porque CHEGOU UMA INFORMAÇÃO PRA NÓS QUE, PELA IRMÃ DELE, que a senhora foi) Não, certeza absoluta, não fui (Juíza: Então tá bom, brigado, pode encerrar). (grifei e destaquei)
Encerrado o referido ato, o Defensor pleiteou (arquivo gravado em áudio, na referida mídia: “7.2.1994.92-5 – VANDA DE SOUZA PEPILIASCO – INTERROGATORIO (PARTE 2)”) que a Magistrada indicasse, nos autos, a folha na qual constaria a “informação” mencionada (acerca da suposta intimidação de testemunha pouco tempo antes da sessão de julgamento) e, ao obter resposta de que se tratava de “ligação anônima” recebida pouco antes do início da sessão se julgamento, protestou contra a conduta da Magistrada e formulou pleito de “suspensão” da sessão de julgamento: (Defensor: A Defesa entende que o interrogatório foi conduzido de forma coercitiva, violando a ampla defesa) (Juíza: Não, não) (Defensor: Eu estou me manifestando, a senhora me deu a palavra, a senhora me deu a palavra. A Defesa está manifestando-se no sentido de que o interrogatório da acusada foi conduzido de forma imparcial, cerceando o direito de defesa, inclusive com expressões e situações de assertivas que, no entender da Defesa, não deveriam ter sido colocadas no interrogatório, que foi conduzido de forma parcial. Segundo: no desfecho do interrogatório, a Juíza interrogante, ao final das perguntas, traz um elemento, citando uma testemunha que teria sido ouvida por telefone, que é desconhecida da Defesa) (Juíza: Sim, doutor, foi um telefonema anônimo) (Defensor: Eu estou me manifestando, eu estou me manifestando! A Juíza traz a notícia, no processo, de que recebe uma ligação anônima e eu não tenho nem o telefone, nem o nome dessa pessoa, e minimamente os senhores Jurados poderiam ser contaminados com algo que não pertence ao processo, porque o processo só poderia ser julgado com o que tem no processo, não com fatos externos. Então, a Defesa está sendo, sim, cerceada, e que fique o meu protesto: eu peço o desaforamento desse Júri, mais uma vez hoje, e peço a suspensão dessa Sessão porque não tem condições de continuar desse jeito) (Juíza: DE JEITO NENHUM, TÁ INDEFERIDO!). (grifei e destaquei)
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1º Grupo Criminal
Também se afigura relevante destacarmos que a Defesa formulou, previamente à sessão de julgamento, pleito de desaforamento (fls. 3744-3754 – autuado sob o nº 1369462-1) no qual sustentou, dentre outros argumentos, que a dúvida sobre a imparcialidade dos Jurados decorria, também, de opinião externada pela Juíza de Direito Presidente em entrevista a meio de comunicação local, na qual teria dito, sobre o feito, que: “Está prestes a prescrever e eu não quero. Se se faz justiça com o pobre, há de se fazer também com o rico.” (fl. 3750). Assim, aduziu que: “[...] até mesmo a sempre comedida juíza titular da 1ª Vara Criminal de Londrina-PR, se rendeu ao clima de comoção e julgamento antecipado contra Vanda, comprometendo a possibilidade de realização de um julgamento isento nos moldes exigidos por uma justiça imparcial como deve ser.” (fl. 3750). Por sua vez, ao manifestar-se nos termos do art. 427, § 3º, do Código de Processo Penal (fls. 3755-3763), a Magistrada a quo confirmou a aludida entrevista a meio de comunicação local, argumentando, contudo, o seguinte: “Referida afirmação em nenhum momento demonstra o comprometimento desta Magistrada, uma vez que ao afirmar que a Justiça deverá ser feita, é no sentido de trazer um desfecho aos autos que tramitam há mais de 20 (vinte) anos, ou seja, a Justiça deverá ser feita, a qual poderá ensejar na absolvição ou condenação.” (fl. 3757). Todavia, por não ter sido suspensa a respectiva sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri, o julgamento do aludido pleito de desaforamento restou prejudicado, conforme apontado em decisão monocrática proferida pelo Senhor Relator Convocado, Juiz Substituto em 2º Grau Naor R. de Macedo Neto, no dia 02/06/2015. Com efeito, denota-se assistir razão à Defesa acerca da arguição de nulidade processual ocorrida em Plenário.
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1º Grupo Criminal Conforme exposto alhures, o interrogatório em Plenário teve diversos momentos conturbados, sobretudo em razão da condução, data venia, realizada pela Juíza de Direito Presidente. Após constranger a ré em alguns momentos ao seguidamente interrompê-la e externar atitudes e comentários indicativos de incredulidade quanto à versão apresentada (além de se remeter a interrogatórios anteriores sem, ao menos, proceder à indicação de sua localização nos autos), de modo a mitigar o direito de autodefesa 2, a partir dos 27 (vinte e sete) minutos e 15 (quinze) segundos de inquirição a Magistrada indagou à ré sobre o motivo dela, conforme “informações” obtidas pela Juíza de Direito, ter se dirigido (em data não precisada) ao Gabinete de um Desembargador desse egrégio Tribunal de Justiça, salientando
sua
perplexidade
com
tal
circunstância,
nunca
antes
vislumbrada em seus quase 30 (trinta) anos de carreira. A Juíza de Direito também deixou claro a todos os presentes (inclusive, portanto, aos Jurados) que a apelante “somente” não havia sido submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri anteriormente “[...] por causa que houve muitos recursos, além de recursos, muitas sentenças anuladas, que não foram de minha assinatura, tá, foram do doutor João Carlos Machado [...].”, salientando que: “[...] só eu já marquei duas vezes o Júri da senhora, tá?”. Então,
diante
de
insurgência
do
Defensor
constituído, a Magistrada deixou de conceder-lhe a palavra e deu sequência à referida linha de argumentação, tornando a realizar a aludida indagação à acusada para, em seguida (sem sequer conferir tempo hábil para resposta, conforme se percebe na gravação do ato processual), dizer-lhe que não precisaria responder.
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“Consubstanciando-se a autodefesa, enquanto direito de audiência, no interrogatório, é evidente a configuração que o próprio interrogatório deve receber, transformando-se de meio de prova (como o considerava o Código de Processo Penal de 1941, antes da Lei 10.792/2003) em meio de defesa: meio de contestação da acusação e instrumento para o acusado expor sua própria versão”. GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 10 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007, p. 93.
1
1º Grupo Criminal Posteriormente
às
reperguntas
das
partes
(Representante do Ministério Público, Advogada dos Assistentes de Acusação e Defensor constituído) e a indagação se os Jurados possuíam questionamentos, a Juíza de Direito Presidente tornou a formular reperguntas,
ocasião
na
qual
indagou
à
apelante
se
ela
havia,
recentemente, procurado uma das testemunhas no intuito de que modificasse sua versão dos fatos, afirmando, após ouvir resposta negativa da acusada, que: “[...] chegou uma informação pra nós que, pela irmã dele, que a senhora foi [...].” (grifei). Na sequência, diante de pleito defensivo de indicação da folha dos autos na qual constaria aquela “informação”, a Juíza afirmou tratar-se de “ligação anônima” recebida pouco antes da sessão de julgamento (muito embora tivesse, momentos antes, dito que o telefonema havia sido realizado pela irmã da testemunha, indicativo, portanto, de que não seria anônimo). Então, houve irresignação defensiva sobre a forma na qual o interrogatório foi conduzido e, principalmente, sobre a utilização de elemento não constante nos autos, com pedidos de “desaforamento” e de “suspensão da sessão”, diante da indevida influência no convencimento dos Jurados. Pois bem. Primeiramente, observa-se que a Juíza de Direito Presidente apresentou aos Jurados, durante o interrogatório, elemento de informação estranho aos autos, ao questionar a ré sobre “denúncia anônima” recebida pouco antes da sessão de julgamento, imputando-lhe a coação a uma das testemunhas. Agiu, destarte, em manifesta desconformidade com o art. 155, caput, do Código de Processo Penal: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos
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1º Grupo Criminal elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” (grifei). A propósito, muito embora os Jurados não tenham o dever de motivar o veredicto, também se afiguram vinculados à prova existente no feito, posto que, caso a decisão não encontre amparo no conjunto
probatório,
o
julgamento
deverá
ser
anulado,
conforme
expressamente dispõe o art. 593, § 3º, da Lei Adjetiva Penal: “Se a apelação se fundar no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.”. Ressalta-se,
no
ponto,
que
ao
receber
o
telefonema dando conta de matéria afeta ao caso concreto, a Juíza a quo deveria ter reduzido a ocorrência a termo e adiado a sessão de julgamento (ex vi lege art. 481, do Código de Processo Penal), determinando a intimação das partes sobre o tema, bem assim, caso julgasse necessário, arrolar a referida pessoa interlocutora como “testemunha do Juízo”, nos moldes do art. 209, do Código de Processo Penal. Aliás, diversamente do sustentado pela Magistrada no transcorrer do “protesto” realizado pela Defesa, sequer se tratava de “telefonema anônimo”, porquanto ela mesma havia afirmado que a interlocutora era irmã da testemunha supostamente coagida pela apelante (e, portanto, de fácil identificação). Tampouco se pode perder de vista que, nos termos do art. 479 do Código de Processo Penal, às partes é vedada a leitura ou menção a documento ou exibição de objeto em Plenário que não tenha sido juntado aos autos com antecedência mínima de três dias úteis (contados a partir da intimação da parte contrária, excluindo a referida data e incluindo o dia do julgamento3, nos termos do art. 798, § 1º do Código de 3
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO DO JÚRI. JUNTADA DE DOCUMENTOS PARA LEITURA REQUERIDA TRÊS DIAS ANTES DA DATA EM QUE A SESSÃO SE REALIZARIA. INDEFERIMENTO. ART. 475 DO CPP. INTELIGÊNCIA. CERCEAMENTO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. NULIDADE ABSOLUTA. PREJUÍZO EVIDENTE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O pedido da defesa para juntada de documentos, cuja leitura pretendia realizar em plenário, não poderia ter sido indeferido, pois foi protocolizado exatos três dias antes da data do julgamento.
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1º Grupo Criminal Processo Penal4), compreendendo-se na referida proibição, dentre outras hipóteses, a leitura de jornais e exibição de gravações, fotografias e laudos (§ 1º do aludido dispositivo legal). Vale dizer, mutatis mutandis: se é vedada até mesmo a exibição de documento público e notório como jornal que verse sobre o fato, caso não esteja acostado aos autos com a referida antecedência mínima, no intuito de não tomar nenhuma das partes de surpresa e preservar, assim, o direito ao contraditório 5 e à plenitude de defesa, não se deve admitir a apresentação, aos Jurados, de “informação” decorrente de telefonema recebido pela Juíza de Direito Presidente pouco antes da sessão de julgamento. Tal circunstância, por si só, seria suficiente para ocasionar a nulidade do feito, diante de impossibilidade de aferição de seu grau de influência no ânimo dos Jurados por ocasião das respostas aos quesitos, salientando-se que, conforme argumentado pela Defesa, é patente a possibilidade de que tenha contribuído, em alguma proporção, para a formação de opinião negativa em desfavor da apelante. Como
se
não
bastasse,
entendemos
ser
imperiosa a anulação do feito também sob outra perspectiva.
Artigo 475 do Código de Processo Penal. Impossibilidade de interpretação extensiva para prejudicar o réu. 2. O prejuízo causado pelo indeferimento ofende o próprio interesse público, pois conduziu à prolação de um veredicto sem que todas as provas existentes fossem submetidas ao conhecimento dos jurados. Garantias do contraditório e da ampla defesa violadas. 3. Tratando-se de nulidade absoluta, não há de se falar em preclusão pelo mero fato de a irregularidade não ter sido argüida logo após o pregão, como determina o art. 571 do Código de Processo Penal. 4. Ordem concedida, para que novo julgamento seja realizado pelo Tribunal Popular, garantida a leitura dos documentos cuja juntada foi indeferida pelo ato impugnado. Impossibilidade de reformatio in pejus”. (STF. HC 92958, Rel.: Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. 01/04/2008, p. DJe-078 DIVULG 30-04-2008 PUBLIC 02-05-2008 EMENT VOL-02317-03 PP-00587). 4 “Prazo de três dias úteis: computa-se o dia do julgamento (art. 798, § 1º, CPP). Assim, se este estiver designado para o dia 20, pode o documento ser apresentado, para ciência, à parte contrária até o dia 17. Logo, não são três dias inteiros (17, 18 e 19, devendo ser apresentado até o dia 16), mas sim a contagem normal de processo penal, partindo-se do dia do julgamento para trás, não se incluindo o primeiro, mas incluindo-se o último” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, ps. 950/951). 5 “A preocupação cardeal do legislador inserida no dispositivo analisado, em toda sua extensão, foi preservar com eficiência o direito ao contraditório, à possibilidade de a parte contestar, bem como produzir prova em sentido contrário. Assim é que, procedida a juntada pertinente, a outra parte deve dela ter ciência, devendo, para tanto, ser intimada a respeito. Por outro lado, concluindo-se da combinação do caput do comando normativo esquadrinhado com seu parágrafo único, que a vedação somente se refere a conteúdo que diga respeito aos fatos constantes do processo. Logo, se não houve liame dessa natureza, nada impede que a parte faça a devida leitura na sessão plenária (p. ex., estatística demonstrando o número de homicídios na comarca; casos análogos ao que está sendo objeto de apreciação pelo tribunal do júri)”. MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal: à luz da doutrina e da jurisprudência, doutrina comparada. 3 ed. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 1025.
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1º Grupo Criminal É certo que a Constituição Federal prevê, em seu art. 93, inciso IX, que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas 6. In casu, todavia, ao indeferir o pedido, dentre outros, de “suspensão da sessão de julgamento” formulado pela Defesa logo após o término do interrogatório, diante da apontada mácula, a Magistrada limitou-se a afirmar o seguinte: “[...] de jeito nenhum, tá indeferido!”. Salta
aos
olhos,
sem
necessidade
de
aprofundado discurso a respeito, a clara ausência de fundamentação na referida decisão. Ainda
que
o
pleito
defensivo
fosse
manifestamente protelatório ou improcedente (situação não observada in casu, conforme exposto alhures), incumbiria à Juíza de Direito Presidente apresentar
mínima
fundamentação
ao
indeferi-lo,
em
atenção
ao
mencionado imperativo constitucional. Assim, vislumbra-se haver nulidade absoluta 7 por falta de fundamentação8 na decisão que indeferiu o pleito defensivo 9. 6
“Fundamentação: é o cerne, a alma ou a parte essencial da sentença. Trata-se da motivação do juiz para aplicar o direito ao caso concreto da maneira como fez, acolhendo ou rejeitando a pretensão de punir do Estado. É preciso que constem os motivos de fato (advindos da prova colhida) e os motivos de direito (advindos da lei, interpretada pelo juiz), norteadores do dispositivo (conclusão). É a consagração, no processo penal, do princípio da persuasão racional ou livre convicção motivada”. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2008, pd. 676/677. 7 “[...] nulidade absoluta é a que não pode ser sanada, gerando como consequência a imprestabilidade do ato processual, do processo ou da relação jurídico-processual.” MOSSIN, Heráclito Antônio. Nulidades no direito processual penal. São Paulo : Atlas, 1998, p. 53. 8
“APELAÇÃO CRIMINAL - DELITO DE TRÂNSITO - HOMICÍDIO CULPOSO - CONDENAÇÃO - ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA - PROVA PERICIAL COMPLEMENTAR REQUERIDA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, NO TÓPICO ATINENTE À AMPLA DEFESA - PREJUÍZO EVIDENTE RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, PARA ANULAR O PROCESSO E DETERMINAR A REALIZAÇÃO DA PERÍCIA TEMPESTIVAMENTE REQUERIDA. (1) Para se verificar a ocorrência de nulidade, é necessário, primeiramente, a demonstração de efetivo prejuízo na não-realização da diligência requerida pela parte (artigo 563 do CPP). Contudo, em se tratando de princípios constitucionais, máxime quando a diligência foi requerida tempestivamente, o prejuízo é ínsito, visto que os direitos e garantias fundamentais são um escudo protetor à ação estatal, não obstante sejam relativos. (2) A simples falta de manifestação judicial acerca do pedido não apreciado não importa em sua desistência, pois é obrigação da jurisdição se manifestar quando provocada. Violação ao princípio do devido processo legal, no tópico atinente à ampla defesa evidente. Apelação conhecida e provida, acatada a preliminar de cerceamento de defesa com o escopo de anular o processo a partir das alegações finais das partes, para que a perícia requerida pela defesa seja realizada. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - AC 373512-4 - Cruzeiro do Oeste – Rel. Desembargador Oto Luiz Sponholz - unânime - j. 27.03.2008)”. 9
“APELAÇÃO CRIME. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ANTIGO ART. 10, CAPUT, DA LEI Nº 9.437/1997, LEI DO SINARM). RÉU ABSOLVIDO DAS CONDUTAS PRATICADAS, COM O ADVENTO DA LEI Nº 10.826/2003. PLEITO DE RESTITUIÇÃO DA ARMA DE FOGO APREENDIDA, COMPROMETENDO-SE O RECORRENTE A ALTERAR O ARMAMENTO, DEVOLVENDO-LHE OS CARACTERES ORIGINAIS. INDEFERIMENTO FUNDADO NA IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO POR CONTA DAS ALTERAÇÕES ADVINDAS NO ARTEFATO. DECISÃO CARENTE DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA A AMPARAR SUA NEGATIVA. DECISÃO NULA. OFENSA AO ART. 93, INC. IX, DA CF E AO ART. 381, INC. III, DO CPP. PERDIMENTO DO ARMAMENTO SEM AMPARO EM MOTIVAÇÃO VINCULADA. NULIDADE CARACTERIZADA. RECURSO PROVIDO PARA DECLARAR NULA A DECISÃO OBJURGADA, COM A DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA QUE SEJA PROLATADA UMA NOVA. 1. A decisão que
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1º Grupo Criminal Por derradeiro, mas não menos importante, destaca-se que a forma na qual a Magistrada conduziu o interrogatório, sobretudo quanto à exaustiva menção à quantidade de recursos interpostos pela Defesa no transcorrer do feito e, ainda, à circunstância de a acusada ter pessoalmente comparecido ao Gabinete de um Desembargador desse egrégio Tribunal de Justiça, certamente ocasionou indevida influência na íntima convicção dos Jurados. Entendemos que a Juíza de Direito Presidente não se manteve equidistante das partes no decorrer do aludido ato processual e, por conseguinte, durante a sessão de julgamento, porquanto expendeu prolongada manifestação referente a argumentos notadamente desfavoráveis à ré, sem formular nenhuma pergunta a respeito, agindo, portanto, como se estivesse realizando sustentação oral durante os debates. De igual modo, a já apontada forma na qual a Magistrada terminou o interrogatório (escorando-se em elemento estranho ao conjunto probatório) e, em seguida, indeferiu o pedido formulado pela Defesa, também produziu indevida alteração na convicção dos Jurados. Não se pode olvidar, sobre o tema, de que o interrogatório em Plenário é dotado de especial relevância, mormente porque “[...] destina-se, principal, primordialmente, à apreciação dos jurados, que, nas informações do réu ou dos réus, terão fartos elementos, a juntar a outros, na formação de seu livre convencimento [...].”10. Ademais,
acerca
da
importância
do
Juiz
Presidente perante o Conselho de Sentença durante a sessão de julgamento, elucidativo é o escólio de Guilherme de Souza Nucci 11:
indeferiu o do pedido de restituição da arma de fogo não demonstra as razões de seu convencimento; apenas se limita a afirmar ser inviável a modificação do artefato. Essa decisão é nula, por afrontar o art. 93, inc. IX, da CF e o art. 381, inc. III, do CPP. […]. 4. Considera-se nula a decisão exarada sem fundamentação idônea a justificar as razões de seu convencimento. Desse modo, deve-se reconhecer a nulidade da r. decisão, com a devolução dos autos à Vara de origem para que uma nova seja prolatada, sob pena de supressão de instância. (grifei) (TJPR - 2ª Câmara Criminal - AC 821848-6 Pinhais - Rel. José Mauricio Pinto de Almeida - unânime - j. 21.06.2012)”. 10 ESPÍNOLA FILHO, apud CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do júri: teoria e prática. 4 ed. São Paulo : Atlas, 2015, p. 260. 11 Tribunal do júri. 6 ed. Rio de Janeiro : Forense, 2015, ps. 192/193.
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1º Grupo Criminal A figura do juiz presidente é fundamental. Em pesquisa que realizamos, por ocasião da elaboração de nossa tese de doutoramento, entrevistando 574 jurados, pudemos constatar que a pessoa a despertar o maior índice de confiança, no Tribunal Popular, é, justamente, o magistrado togado (66,40%). […]. Atuar como presidente, no Tribunal do Júri, ao contrário do que muitos pensam, é tarefa árdua e depende de um conhecimento apurado, não somente das leis e da jurisprudência vigente, mas também de aspectos ligados ao trato com o ser humano. O juiz togado, presidindo a sessão, da qual participam os jurados, o órgão acusatório, o réu e seu defensor, por vezes o assistente de acusação, além de testemunhas, vítima, peritos, bem como os serventuários da justiça, necessita de um equilíbrio acentuado e um conhecimento exato das suas atribuições. […]. O controle e a polícia da sessão, para que tudo transcorra em clima tranquilo, sem interferência indevida na atuação das partes, nem haja agressão ao réu ou à eventual vítima, além de se possibilitar aos jurados que, realmente, conheçam a causa a ser julgada, são funções básicas do magistrado. A responsabilidade do juiz presidente, portanto, é das mais exigidas. A maioria das falhas, que podem redundar em vícios insanáveis, anulando-se, posteriormente, o julgamento, advém da má direção do magistrado togado. […]. Demanda-se, portanto, ao presidente do Tribunal Popular, uma postura serena, equidistante das partes, humanizada e cautelosa no trato, mas sempre firme e elucidativa em suas decisões. O respeito às partes e ao réu é outra exigência quanto ao comportamento do magistrado, exposto que está ao julgamento da população, acompanhando o desenrolar dos fatos.
Por fim, salienta-se que a Defesa já havia apontado, ainda que indiretamente, a possibilidade de falta de parcialidade da Juíza de Direito Presidente por ocasião do pleito de desaforamento (fls. 3744-3754), muito embora tenha se utilizado de instrumento inadequado
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1º Grupo Criminal para tanto, eis que deveria ter manejado “exceção de suspeição” com esteio no art. 95, inciso I, do Código de Processo Penal: “A dúvida quanto à imparcialidade
do
júri
também
autoriza
o
desaforamento.
Essa
imparcialidade não se confunde com a suspeita do julgador, da qual cabe a arguição de exceção”12. Vale dizer, portanto, que a somatória dos fatores delineados alhures indica, de maneira indubitável, a ocorrência de nulidade durante a sessão de julgamento em Plenário, tornando imperiosa sua anulação e determinação de realização de outra, de modo a prejudicar a aferição dos demais pedidos formulados pela Defesa, bem assim o mérito do apelo interposto pelo Ministério Público. POSTO ISSO, o parecer da Procuradoria de Justiça é pelo conhecimento de ambos os recursos interpostos e pelo provimento do apelo manejado pela Defesa acerca da arguição de nulidade durante a sessão de julgamento em Plenário, anulando-a e determinando a submissão da ré a outra, de modo a prejudicar a aferição dos demais pleitos formulados pela Defesa e, ainda, o mérito do recurso interposto pelo Ministério Público. Curitiba, 19 de novembro de 2015.
CARLOS ALBERTO BAPTISTA Procurador de Justiça
12
DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 4 ed. Rio de Janeiro : Forense, 2009, p.
487.
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