PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - FORO CENTRAL DE LONDRINA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE LONDRINA - PROJUDI Avenida Duque de Caxias, 689 - Anexo I, 6º And - Caiçaras - Londrina/PR - CEP: 86.015-902 Autos nº. 0002166-88.2013.8.16.0014 Vistos.
Trata-se de ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face de Roberto Dias Siena, Claudemir José Catai, Aldo Boaretto Netto, João Vitor Ruthes Dias, Maria Rose Soares, Saulo Ribeiro Rodrigues, Dione Cordeiro da Silva, Márcio Antonio Sotta Santana, Armando da Silva Souza, Valdecir Amador Almeron, Leonildo Lopes, Gustavo Sebastião Cardoso da Silva, Jahad Wehbe Al Chaar, Reginaldo André de Souza, José Luiz Coelho Aranda, Mayara Aranda Mano, Marcelo Carlos Mano, Tânia Cristina Coelho Aranda, Daniela Rodrigues de Camargo Silva, Silmara Cristina Ferroni, Lourenço da Silva, Gustavo Sebastião da Silva Transportes Ltda, Chaar & Souza Ltda, JWC Comércio e Serviços Ltda, MCA Transportes Ltda, MCM Transportes Ltda, DR de Camargo Silva Transporte, Silmara Cristina Ferroni ME e L. da Silva Transportes, com fundamento nos arts. 10, I, II e VIII, e 11, caput, I, da Lei n. 8.429/1992. Relata, em resumo, que o então prefeito de Tamarana Roberto Dias Siena, em conluio com os secretários Claudemir José Catai e Aldo Boaretto Netto, bem como com o auxílio dos membros da comissão de licitação – réus João Vitor Ruthes Dias, Saulo Ribeiro Rodrigues, Dione Cordeiro da Silva, Márcio Antonio Sotta Santana, Armando da Silva Souza, Valdecir Amador Almeron e Leonildo Lopes – e da auditora Maria Rose Soares, teria engendrado um esquema de fraudes em licitações na área do transporte escolar realizadas entre os anos de 2005 a 2012. Afirma o Ministério Público que “inexistia disputa ou mesmo concorrência nos pregões licitatórios do Município de Tamarana de que participavam as empresas JWC COMÉRCIOS E SERVIÇOS LTDA, CHAAR & SOUZA LTDA, M.C.A TRANSPORTES LTDA, MCM TRANSPORTES LTDA, SILMARA CRISTINA FERRONI ME, D.R. DE CAMARGO SILVA TRANSPORTE, GUSTAVO SEBASTIÃO DA SILVA TRANSPORTES e L DA SILVA TRANSPORTES, mas sim uma efetiva associação ilícita entre seus respectivos sócios-proprietários, sob o comando de BETO SIENA e com a necessária intervenção ilícita dos agentes públicos requeridos, integrantes da comissão de licitação e pregoeiros, para causarem lesão ao erário e violar os princípios que regem a administração pública” (evento 1.1, p. 37). Ao final, pede a invalidação dos procedimentos licitatórios que arrola, bem como a condenação dos réus nas penas previstas no art. 12, II e III, da Lei n. 8.429/1992. Pleiteia, ainda, sejam os réus condenados a compensar o dano moral coletivo e a ressarcir o erário, no valor total de R$ 7.670.274,17. Houve pedido de indisponibilidade de bens, deferido pelo MM. Juiz de Direito Substituto (evento 8.1). Notificados todos os réus, apresentaram defesas preliminares:
Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT5R SYUHJ N7N3P AMVCB
PROJUDI - Processo: 0002166-88.2013.8.16.0014 - Ref. mov. 1689.1 - Assinado digitalmente por Marcos Jose Vieira:10617, 08/02/2016: JULGADA PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO. Arq: Sentença
a) Juhad Wehbe Al Chaar (evento 34). Argui preliminares de carência da ação por falta de interesse de agir, dada a inexistência de indícios da prática de atos ímprobos, bem como por ilegitimidade passiva. Salienta, ademais, que a demanda foi proposta sem qualquer base indiciária apta a justificá-la. No mérito, argumenta que as licitações de que participou foram licitamente vencidas após regular competição entre os licitantes, inexistindo as simulações alegadas. Refere que os serviços de transporte de alunos foram efetivamente prestados, por isso que os pagamentos efetuados tiveram causa legítima. Impugna, assim, a afirmação de que verificados danos ao Erário. Diz ser o pedido juridicamente impossível, visto que as sanções previstas na Lei n. 8.429/1992 seriam materialmente inconstitucionais. Questiona o decreto de indisponibilidade de bens, requerendo a sua revogação. Bate-se pela improcedência. b) Leonildo Lopes (evento 71). Diz que permaneceu na comissão de licitação por breve lapso de tempo, ou seja, de 3.9.2007 a 1º.7.2008, quando foi exonerado. Aduz desconhecer tenha havido nesse período fraude nos procedimentos licitatórios de que participou; nega ter se enriquecido com eventuais proveitos econômicos dos ilícitos denunciados na inicial; requer a rejeição liminar da ação e o desbloqueio de bens. c) Daniela Rodrigues de Camargo Silva, DR de Camargo Silva Transporte, Silmara Cristina Ferreni e Silmara Cristina Ferroni ME (evento 75). Requerem a extinção do processo sem resolução do mérito, ao fundamento de que esta ação de improbidade foi distribuída após o decurso do prazo de 30 dias previsto no art. 806 do CPC. Ainda em preliminar, arguem ser inepta a inicial ante a descrição genérica da conduta ímproba imputada. No mérito, sustentam que a licitação de que participaram foi licitamente vencida após regular competição entre os licitantes, inexistindo a simulação alegada. Referem que os serviços de transporte de alunos foram efetivamente prestados, por isso que os pagamentos efetuados tiveram causa legítima. Impugnam, assim, a afirmação de que verificados danos ao Erário. Ressaltam que a mera existência de parentesco entre os sócios das empresas licitantes não é causa de nulidade ou de impedimento à participação nos certames licitatórios. Depois de negarem ter agido com dolo ou culpa, requerem a improcedência dos pedidos. d) Lourenço da Silva e L. da Silva Transporte (evento 78). Questionam a licitude das provas colhidas unilateralmente pelo Ministério Público no inquérito civil, uma vez que se trata de procedimento não contraditório. Requerem a extinção do processo sem resolução do mérito, ao fundamento de que esta ação de improbidade foi distribuída após o decurso do prazo de 30 dias previsto no art. 806 do CPC. Arguem preliminar de ilegitimidade passiva, sustentando não terem cometido atos de improbidade. No mérito, sustentam que a licitação de que participaram foi licitamente vencida após regular competição entre os licitantes, inexistindo a simulação alegada. Referem que os serviços de transporte de alunos foram efetivamente prestados, por isso que os pagamentos efetuados tiveram causa legítima. Impugnam, assim, a afirmação de que verificados danos ao Erário. Depois de negarem ter agido com dolo ou culpa, requerem a improcedência dos pedidos. e) MCM Transportes Ltda, Tânia Cristina Coelho Aranda e Marcelo Carlos Mano (evento 80). Preliminarmente, alegam ser parte ilegítima ad causam, haja vista não terem cometido atos de improbidade. No mérito, após suscitarem prescrição quinquenal, sustentam que as licitações de que participaram foram licitamente vencidas após regular competição entre os licitantes, inexistindo a
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simulação alegada. Referem que os serviços de transporte de alunos foram efetivamente prestados, por isso que os pagamentos efetuados tiveram causa legítima. Impugnam, assim, a afirmação de que verificados danos ao Erário. Ressaltam que a mera existência de parentesco entre os sócios das empresas licitantes não é causa de nulidade ou de impedimento à participação nos certames licitatórios. Depois de negarem ter agido com dolo ou culpa e de contestarem o pleito de compensação por dano moral difuso, requerem a improcedência dos pedidos e a revogação do decreto de indisponibilidade de bens. f) MCA Transporte Ltda, José Luiz Coelho Aranda e Mayara Aranda Mano (evento 81). Preliminarmente, alegam ser parte ilegítima ad causam, haja vista não terem cometido atos de improbidade. No mérito, após suscitarem prescrição quinquenal, sustentam que participaram de licitações até o ano de 2007, as quais foram licitamente vencidas após regular competição entre os licitantes, inexistindo a simulação alegada. Referem que os serviços de transporte de alunos foram efetivamente prestados, por isso que os pagamentos efetuados tiveram causa legítima. Impugnam, assim, a afirmação de que verificados danos ao Erário. Ressaltam que a mera existência de parentesco entre os sócios das empresas licitantes não é causa de nulidade ou de impedimento à participação nos certames licitatórios. Depois de negarem ter agido com dolo ou culpa e de contestarem o pleito de compensação por dano moral difuso, requerem a improcedência dos pedidos e a revogação do decreto de indisponibilidade de bens. g) Roberto Dias Siena (evento 82). Preliminarmente, argui ser o autor carecedor da ação, dado que inadequada a via processual eleita; diz faltar pressuposto processual à ação, haja vista que as provas que a embasam foram colhidas unilateralmente pelo Ministério Público em inquérito civil à margem do contraditório. No mérito, afirma que as licitações questionas foram licitamente vencidas pelas empresas após regular competição entre os licitantes, inexistindo as simulações alegadas. Refere que os serviços de transporte de alunos foram efetivamente prestados, por isso que os pagamentos efetuados tiveram causa legítima. Impugna, assim, a afirmação de que verificados danos ao Erário. Assevera não ter agido com dolo ou culpa, mesmo porque as fraudes nas licitações, na forma narrada na inicial, nunca existiram. Bate-se pela rejeição da ação. h) Claudemir José Catai (evento 84). Ventila preliminar de inépcia da inicial, seja pela formulação de imputação genérica, seja porquanto o Ministério Público está a pedir o ressarcimento de valores referentes a serviços efetivamente prestados em prol do Município de Tamarana. Afirma que as licitações questionadas foram licitamente vencidas pelas empresas após regular competição entre os licitantes, inexistindo as simulações alegadas. Refere que os serviços de transporte de alunos foram efetivamente prestados, por isso que os pagamentos efetuados tiveram causa legítima. Impugna, assim, a afirmação de que verificados danos ao Erário. Assevera que, na qualidade de Secretário de Fazenda e membro da comissão de licitação, jamais agiu com dolo ou culpa, mesmo porque as fraudes nos certames, na forma narrada na inicial, nunca existiram. Requer a improcedência. i) Gustavo Sebastião Cardoso da Silva e Gustavo Sebastião da Silva Transportes Ltda (evento 87). Requerem a extinção do processo sem resolução do mérito, ao fundamento de que esta ação de improbidade foi distribuída após o decurso do prazo de 30 dias previsto no art. 806 do CPC. Ainda em preliminar, arguem ser inepta a inicial ante a descrição genérica da conduta ímproba imputada. No mérito, sustentam que as licitações de que participaram foram licitamente vencidas após regular competição entre
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PROJUDI - Processo: 0002166-88.2013.8.16.0014 - Ref. mov. 1689.1 - Assinado digitalmente por Marcos Jose Vieira:10617, 08/02/2016: JULGADA PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO. Arq: Sentença
os licitantes, inexistindo a simulação alegada. Referem que os serviços de transporte de alunos foram efetivamente prestados, por isso que os pagamentos efetuados tiveram causa legítima. Impugnam, assim, a afirmação de que verificados danos ao Erário. Depois de negarem ter agido com dolo ou culpa, requerem a improcedência dos pedidos. j) Valdecir Amador Almeron, João Vitor Ruthes Dias, Dione Cordeiro da Silva, Saulo Ribeiro Rodrigues, Márcio Antônio Sotta Santana e Armando da Silva Souza (eventos 88, 95, 96, 97, 98 e 99). Arguem, em preliminar, ser inepta a inicial, tanto pela falta de imputação concreta dos atos ímprobos como pela inexistência de danos ao Erário. No mérito, afirmam que suas eventuais responsabilidades devem restringir-se aos procedimentos licitatórios dos quais participaram como membros da comissão de licitação. Aduzem que, no exercício de suas funções, jamais acobertaram qualquer fraude; argumentam, assim, que suas condutas não se adequam aos dispositivos da LIA mencionados na inicial. Pedem a rejeição liminar da ação. l) Maria Rose Soares (evento 89). Argui, em preliminar, ser inepta a inicial, tanto pela falta de imputação concreta dos atos ímprobos como pela inexistência de danos ao Erário. No mérito, alega que atua como contadora do Município de Tamarana, não tendo, assim, qualquer participação em certames licitatórios. Esclarece que no exercício de suas funções jamais acobertou qualquer fraude, por isso que pede a rejeição da ação. m) Aldo Boaretto Netto (evento 100). Preliminarmente, alega ser parte ilegítima ad causam, já que sua atuação como Secretário Municipal de Administração e Serviços Públicos se limitou a autorizar a abertura das licitações, atendendo solicitação dos órgãos de origem; suscita, ainda, preliminar de inépcia por ausência de descrição da conduta ímproba imputada; destaca que não fez parte da comissão de licitações, desconhecendo qualquer fraude praticada nesse âmbito. Sustenta que sua conduta não se adequa aos dispositivos da LIA mencionados na inicial. Depois de salientar que não causou qualquer prejuízo ao patrimônio público, bate-se pela rejeição da ação. Com manifestação do Ministério Público (evento 105), este Juízo afastou as preliminares e a prejudicial de prescrição, excluindo do polo passivo os réus Aldo Boaretto Netto e Leonildo Lopes. Quanto aos demais requeridos, a ação foi recebida (evento 111). Contra essa decisão foram interpostos agravos de instrumento pelo Ministério Público (evento 265), o qual restou provido pelo TJPR, a fim de reincluir o réu Aldo Boaretto Netto (evento 717); e pelos requeridos MCM Transportes Ltda, Tânia Cristina Coelho Aranda, Marcelo Carlos Mano, MCA Transporte Ltda, José Luiz Coelho Aranda e Mayara Aranda Mano (eventos 402, AI 1.127.850-7; e 403, AI n. 1.127.375-1), agravos esses denegados pela instância superior. Citados, apresentaram respostas – nas quais reiteram as mesmas matérias arguidas em defesa preliminar – os réus Lourenço da Silva e L. da Silva Transporte (evento 266); Juhad Wehbe Al Chaar, Reginaldo André de Souza, Chaar & Souza e JWC Comércio de Serviços Ltda (evento 272); Roberto Dias Siena (evento 278); MCA Transporte Ltda, José Luiz Coelho Aranda e Mayara Aranda Mano (evento 279); MCM Transportes Ltda, Tânia Cristina Coelho Aranda e Marcelo Carlos Mano (evento 280); Daniela Rodrigues de Camargo Silva, DR de Camargo Silva Transporte, Silmara Cristina Ferroni e Silmara Cristina Ferroni ME (evento 281); Gustavo Sebastião Cardoso da Silva e Gustavo Sebastião da Silva Transportes Ltda (evento 282); Maria Rose Soares (evento 437); Armando da Silva Souza e Valdecir
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Amador Almeron (evento 438); João Vitor Ruthes Dias, Dione Cordeiro da Silva, Saulo Ribeiro Rodrigues e Márcio Antônio Sotta Santana (evento 439); e, por fim, Aldo Boaretto Netto (evento 757). Colhida a manifestação do Ministério Público (evento 759), o processo foi saneado pela decisão do evento 851, oportunidade em que, afastadas as preliminares, deferi apenas o requerimento de produção da prova oral. Nessa mesma ocasião, este Juízo negou o pedido do Ministério Público de admissão de provas emprestadas de outros autos. Insatisfeito, o Parquet interpôs agravo de instrumento (evento 942), convertido em retido pelo TJPR (evento 1344). Concluídas as audiências de instrução (eventos 1461 a 1557.1), e anexada ao processo parte dos documentos requisitados ao Município de Tamarana (evento 1560), ofereceram alegações finais o Ministério Público (evento 1657) e os réus (eventos 1652, 1653, 1654, 1655, 1656, 1659, 1672, 1673, 1674, 1684 e 1686).
Relatei. Decido.
1. Como já destacado no relatório, o Ministério Público imputa aos réus a prática de fraudes em licitações, que teriam favorecido – com a participação dos agentes públicos – os empresários que prestaram serviços de transporte escolar em Tamarana no período de 2005 a 2012. Não há por que tornar a examinar as questões preliminares, haja vista as decisões anteriores que delas se ocuparam. Vejamos, pois, o mérito da causa, analisando por partes as imputações. 2. O Ministério Público afirma que o réu Juhad Wehbe Al Chaar, valendo-se de seu empregado Reginaldo André de Souza – que cedera o nome para figurar ficticiamente como sócio –, constituiu as empresas Chaar & Souza e JWC Comércio de Serviços Ltda com o intento de fraudar licitações. Alega, ainda, que Juhad e o corréu Gustavo (proprietário da empresa Gustavo Sebastião da Silva Transportes), em conluio com agentes públicos, teriam praticado verdadeiro “rodízio licitatório” ao longo dos anos para prestar serviço de transporte escolar no Município de Tamarana. A imputação deve ser parcialmente acolhida. 2.1. De início, assinalo desde já que inexistem provas ou indícios de que o réu Reginaldo André de Souza
(também conhecido por “Chocolate”) haja concorrido de algum modo para os ilícitos imputados. A discussão que se instaurou sobre a relação que Reginaldo mantém com a pessoa do réu Juhad – ou seja, se seria ele sócio ou mero empregado – não tem o relevo que lhe pretende emprestar o Ministério Público. Com efeito, o réu Reginaldo foi inserido no contrato social como titular de pouco mais de 1% do capital social, sem qualquer poder de gerência da sociedade. Os poderes de gestão e representação foram
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cometidos unicamente ao sócio Juhad (vide cláusula 4ª do instrumento da quarta alteração contratual, evento 1.69, p. 11). A propósito, antes da alteração do Código Civil pela Lei n. 12.441/2011, que permitiu a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI (CC, arts. 44, IV, e 980-A e §§), era prática bastante comum que familiares ou amigos figurassem como sócio minoritário tão somente para viabilizar a constituição da sociedade. Dentre muitos outros doutrinadores que registraram esse fenômeno, Fábio Ulhoa Coelho, em obra escrita antes da modificação legislativa, anotava em seu Curso de Direito Comercial: “Por outro lado, rejeitar a sociedade limitada originariamente unipessoal da origem é um despropósito, porque é fácil configurar-se o contrato social de modo a alcançar resultados bem próximos aos da unipessoalidade originária, atuando estritamente no campo do lícito. De fato, como não há, na lei, percentual mínimo para a participação do sócio, o empreendedor que dispõe, sozinho, dos recursos necessários à implantação da empresa, e deseja beneficiar-se da limitação da responsabilidade, decorrente da personalização da sociedade limitada, pode constituí-la com um irmão ou amigo, a quem reserva uma reduzidíssima participação. O empreendedor, por exemplo, subscreve 99,99% do capital social e o seu sócio 0,01%. A sociedade assim formatada atende ao pressuposto da pluralidade de sócios, mas, convenha-se, não apresenta nenhuma diferença, em termos econômicos, da figura da sociedade limitada constituída por um único sócio (ou do empresário individual de responsabilidade limitada)” (in Curso de Direito Comercial, Saraiva, 1999, vol. 2, p. 383).
Por aí já se nota que, se simulação houve na participação de Reginaldo nas empresas como sócio de Juhad, enquadrou-se ela na figura da “simulação inocente”, vale dizer, aquela da qual não resulta prejuízo a terceiros (nesse sentido Francisco Amaral, Direito civil: introdução. 5ª ed. Rio de Janeiro; Renovar, 2003, p. 534). Na realidade, a ilicitude residiu não na constituição propriamente dita das empresas, mas sim no uso que delas fez o sócio-gerente. Ora, como é incontroverso nos autos, todos os atos nos procedimentos licitatórios – participação nos pregões, apresentação de propostas, assinatura de contratos etc – foram praticados única e exclusivamente por Juhad, pessoa que detinha, segundo a documentação apresentada nos certames, poderes de representação das sociedades. Diante desse panorama, soa demasiado, senão mesmo impróprio, entender que Reginaldo André de Souza, mesmo sendo sócio minoritário e não ostentando qualquer poder de gestão, haveria de ser condenado por atos de improbidade para cuja prática não concorreu. Acolhida que fosse a pretensão do Ministério Público, estar-se-ia a consagrar não só a odiosa responsabilidade objetiva (leia-se: responsabilização pelo só fato de Reginaldo ser sócio) como ainda – o que é mais grave – a chancelar a responsabilidade por fato de terceiro. Consequentemente, adianto desde logo que os pedidos de condenação do réu Reginaldo André de Souza ficam rejeitados. 2.2. Examino agora a imputação de fraudes nos procedimentos licitatórios de que participaram as
empresas Chaar & Souza e JWC Comércio de Serviços Ltda, administradas pelo réu Juhad, bem como a empresa Gustavo Sebastião da Silva Transportes. A leitura das contestações e alegações finais apresentadas pelos requeridos revela que suas defesas se
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baseiam fundamentalmente na afirmação de que inexistem nos autos provas diretas da autoria e da materialidade dos atos de improbidade que lhes são atribuídos. A imputação, porém, restou suficientemente demonstrada pela robusta prova indiciária. Com efeito, é inegável que os indícios, como prova indireta que são, assumem especial relevo no julgamento das ações de improbidade administrativa que envolvem fraudes em licitações. Como os conluios entre os agentes públicos e os particulares beneficiados são quase sempre tramados às ocultas, a prova indiciária é, no mais das vezes, a única possível de ser produzida na instrução. Foi o que, em outras palavras, sustentou o Min. Ubiratan Aguiar em voto que proferiu no Tribunal de Contas da União (acórdão n. 57/2003): “Entendo que prova inequívoca de conluio entre licitantes é algo extremamente difícil de ser obtido, uma vez que, quando ‘acertos’ desse tipo ocorrem, não se faz, por óbvio, qualquer tipo de registro escrito. Uma outra forma de comprovação seria a escuta telefônica, procedimento que não é utilizado nas atividades deste Tribunal. Assim, possivelmente, se o Tribunal só fosse declarar a inidoneidade de empresas a partir de ‘provas inquestionáveis’, como defende o Analista, o art. 46 se tornaria praticamente ‘letra morta’” (TCU, Segunda Câmara, rel. Ubiratan Aguiar, julg. 6.2.2003). Transcrevo, nesse mesmo sentido, excerto da sentença que proferi ao julgar a ação de improbidade administrativa n. 2609-39/2013: “Naturalmente, a simulação e a dissimulação, sobretudo quando engendradas com o fim de burlar a regra da obrigatoriedade da licitação, quase nunca são demonstradas por provas diretas. A experiência subministrada por aquilo que ordinariamente acontece (CPC, art. 335) revela que os agentes públicos e os particulares por eles cooptados, conhecedores da ilicitude de sua conduta, procuram ocultar os atos fraudulentos sob as mais variadas formas. Daí a relevância, em hipóteses tais, da análise dos indícios e das presunções hominis que, sendo verossímeis, concludentes e não contrariados por prova cabal que os infirme autorizam a imposição das penas previstas na Lei n. 8.429/1992. O juiz, em uma palavra, deve julgar, sim, com os olhos nos autos, mas sobretudo com os pés no chão!”. Pois bem, segundo dispõe o art. 239 do Código de Processo Penal, “indício é a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato principal, autorize, por indução, a concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. O aproveitamento dos indícios, para fins de condenação, pressupõe não só a demonstração do nexo de causalidade entre os fatos indiciários (aqui inequivocamente existentes) e o ilícito que se pretende provar, como também exige que o quadro indiciário não seja infirmado por outros elementos probatórios. Esses requisitos estão plenamente evidenciados no caso em exame. Registre-se, por primeiro, que os réus Juhad e Gustavo eram pessoas do mesmo grupo político de Roberto Dias Siena, a ponto de se empenharem pessoalmente em suas campanhas eleitorais. A testemunha Noel Araújo Correa, em depoimento prestado ao Ministério Público e ratificado em Juízo sob o crivo do contraditório, afirmou: “... que Juhad possui empresa de ônibus e uma oficina, local em que se consertam as máquinas de propriedade de Juhad e do grupo que presta serviço ao Município de Tamarana; que
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PROJUDI - Processo: 0002166-88.2013.8.16.0014 - Ref. mov. 1689.1 - Assinado digitalmente por Marcos Jose Vieira:10617, 08/02/2016: JULGADA PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO. Arq: Sentença
Juhad possui uma ligação muito íntima e pessoal com a pessoa de Galego [o réu Gustavo], que também presta serviço ao Município de Tamarana (...); que Juhad e Galego são amigos íntimos e do grupo do prefeito, sendo ambos cabos eleitorais de Beto Siena...” (eventos 1.90 e 1508.2, grifei). Conferem credibilidade a esse depoimento as declarações de Paulo Mitio Nakaoka prestadas nos autos do inquérito policial n. 1062/2008, instaurado pela Polícia Federal para apuração de crime eleitoral: “que com relação a Juhad Al Chaar esclarece que o mesmo estava no Colégio Maria Cintra, no período da manhã, na fila de entrada de uma zona eleitoral das várias seções localizadas o colégio, cumprimentando as pessoas e entregando para eles (sic) um panfleto com o número correspondente ao candidato a prefeito Beto Siena” (evento 1.11, p. 04). É claro que a mera circunstância de os réus Juhad e Gustavo pertencerem ao grupo político do requerido Roberto Dias Siena, ou mesmo de haverem participado de suas campanhas eleitorais, não basta isoladamente para que se conclua pela existência de fraudes nas licitações. Sucede, contudo, que a esses fatos se soma um segundo indício de suma relevância: as empresas JWC Comércio e Serviços Ltda e Gustavo Transportes Ltda foram constituídas por Juhad e Gustavo, respectivamente, nos dias 17 e 18 de janeiro de 2005 (vide quadro n. 3 do relatório de auditoria do Ministério Público – evento 1.63, p. 06). Não bastasse tamanha “coincidência” – a qual o réu Gustavo, em depoimento pessoal (evento 1461.5), não soube explicar –, é de lembrar que janeiro de 2005 foi precisamente o mês no qual se iniciou o primeiro mandato de Roberto Dias Siena como prefeito de Tamarana... Mas não é só. A imputação formulada na inicial ganha contornos mais nítidos se acrescentarmos a essas estranhas coincidências um outro elemento indiciário, que se apresenta até mais robusto que os anteriores. É que no transcorrer dos anos de 2005 e 2006, de vinte e duas licitações realizadas para contração do serviço de transporte escolar (cartas convites ns. 6/2005, 08/2005, 11/2005, 12/2005, 13/2005, 16/2005, 17/2005, 18/2005, 20/2005, 22/2005, 23/2005, 4/2006, 6/2006, 9/2006, 10/2006, 14/2006, 15/2006, 16/2006, 18/2006, 20/2006 e 38/2006; e pregão n. 3/2006), a JWC Comércio e Serviços Ltda sagrou-se vencedora em dez delas, ao passo que a Gustavo Transportes venceu as doze restantes. Nenhum dos demais licitantes – repita-se: nenhum! – obteve êxito em ver a sua proposta aceita como a mais vantajosa nesses mais de vinte certames licitatórios. E veja-se que na fase de habilitação apresentaram-se outros interessados em disputar a contratação, podendo-se mencionar as empresas Cleide Ferreira Bueno ME, Adalberto Luiz Carneiro, MCA Transportes Ltda, MCM Transportes, Waldomiro Corrente Transportes Ltda, Seber e Barroso Ltda e L & S Transporte Escolar Ltda. Convenha-se que não é necessário ser um expert na ciência estatística ou mesmo dominar os conceitos da teoria das probabilidades para concluir o óbvio ululante: as licitações em questão foram fraudulentamente direcionadas para que fossem vencidas apenas pela JWC Comércio e Serviços Ltda e pela Gustavo Transportes Ltda, empresas administradas pelos réus Juhad e Gustavo. Não foi por outra razão que ambos constituíram essas sociedades praticamente no mesmo dia (17 e 18 de janeiro de 2005), e logo após o início do mandato de Roberto Dias Siena, a quem deram ostensivo apoio na campanha eleitoral. Essa conclusão é facilmente explicável. De fato, verifica-se que em todas as cartas convites suprarreferidas havia ao menos um segundo concorrente juntamente com a JWC ou com a Gustavo Transporte. Logo, a chance de as empresas dos dois réus vencerem cada certame se situava teoricamente em 50%; contudo,
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PROJUDI - Processo: 0002166-88.2013.8.16.0014 - Ref. mov. 1689.1 - Assinado digitalmente por Marcos Jose Vieira:10617, 08/02/2016: JULGADA PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO. Arq: Sentença
essa mesma possibilidade (ou seja, 50%) favorecia as empresas que igualmente disputaram a contratação. Ora, diante disso, são praticamente desprezíveis as chances estatísticas de que em todos os vinte e dois certames esses terceiros concorrentes não tenham obtido uma única vitória sequer! Os números são superlativos e falam por si... Verifica-se, mais, que boa parte desses procedimentos licitatórios misteriosamente desapareceu da prefeitura, dado que o Município de Tamarana, intimado a exibi-los nos autos (evento 1560), cingiu-se a justificar que “os processos licitatórios constantes na ata de audiência de 1541.1 encontram-se em poder do Ministério Público” (evento 1560.1). Justificativa essa que não procede, haja vista que toda a documentação apreendida pelos oficiais de justiça no cumprimento do mandado de busca e apreensão foi entregue em Juízo. Se alguma dúvida pudesse restar (e não resta) quanto à prática dos atos de improbidade, seria ela dissipada por um último e vigoroso indício de fraude, que também se soma aos demais elementos de prova. Refiro-me à apreensão na sede da Prefeitura do Município de Tamarana de um talonário de notas fiscais da empresa Chaar & Souza Ltda (evento 1031), o qual estava em poder do servidor Claudemir Estevam de Carvalho. Note-se que esse último era lotado justamente na tesouraria, órgão integrante da Secretaria de Finanças, pasta então comandada pelo réu Claudemir José Catai. Realmente, ao cumprir o mandado de busca e apreensão expedido por este Juízo, os oficiais de justiça apreenderam na mesa do tesoureiro o bloco de notas fiscais da Chaar & Souza, numeração 001 a 050. Inquirido em Juízo, o tesoureiro Claudemir Estevam de Carvalho justificou-se alegando que Juhad, após lhe pedir que preenchesse a nota fiscal como fazia habitualmente, teria por inadvertência esquecido o talão na Prefeitura (vide declarações – evento 1517.3). Referiu ainda que poucos dias após – “coisa de semana”, segundo ele – telefonou para Juhad, alertando-o desse fato e solicitando-lhe que viesse buscar o talonário, providência essa obstada pelo cumprimento do mandado de busca e apreensão. Não merece crédito, porém, a palavra da testemunha Claudemir Estevam de Carvalho. Em primeiro lugar, porque entre o preenchimento da última nota fiscal emitida pela Chaar & Souza, que foi expedida em 6.7.2011 (NF n. 42 – evento 1031.23), e a data do cumprimento do mandado de busca e apreensão (25.7.2011) passaram-se quase vinte dias, e não “menos de uma semana” como declarado em seu depoimento. O detalhe é de suma relevância. Afinal, admitindo-se que o talonário houvesse sido realmente esquecido na tesouraria, a postura normal que se esperaria do réu Juhad, uma vez comunicado desse fato, seria a de imediatamente retornar à sede da prefeitura para reavê-lo. Até porque, como as emissões das notas fiscais devem respeitar a sequência numérica de sua impressão, a retenção do talão respectivo em poder de terceiro impediria a empresa de efetuar novos faturamentos. Em segunda linha de raciocínio, verifica-se que a testemunha Claudemir Estevam de Carvalho admitiu ter preenchido não apenas as notas fiscais alusivas aos pagamentos feitos pelo Município à Chaar & Souza, senão também as notas referentes a operações de transporte contratadas pela Associação Estudantil de Tamarana (vide notas fiscais ns. 004, 009, 014, 017, 032, 033 – eventos 1031.4, 1031.6, 1031.7, 1031.17, dentre outras). Ora, soa data venia estranho, para dizer o menos, que um servidor público do setor de tesouraria se preste
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PROJUDI - Processo: 0002166-88.2013.8.16.0014 - Ref. mov. 1689.1 - Assinado digitalmente por Marcos Jose Vieira:10617, 08/02/2016: JULGADA PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO. Arq: Sentença
ao papel de verdadeiro escriturário de empresa que mantém contrato com a Administração, seja emitindo documentos fiscais pertinentes ao contrato administrativo em si, seja – o que é mais grave – preenchendo as notas relativas a serviços prestados a uma associação que nenhum vínculo possui com o Município. Esse conjunto robusto de indícios demonstra que a manutenção do bloco de notas fiscais em poder dos administradores não era algo acidental ou pontual, mas sim um meio de Roberto Dias Siena e Claudemir José Catai controlarem as atividades da Chaar & Souza que dissessem respeito aos faturamentos ligados ao transporte escolar. Indícios esses que, não sendo infirmados por outras provas, se mostram suficientes para concluir terem sido fraudados os pregões e cartas convites realizados até a data do cumprimento do mandado de busca e apreensão (vide subitem 6.5, infra), nos quais se sagraram vencedoras as empresas Chaar & Souza, JWC Comércio de Serviços Ltda e Gustavo Sebastião da Silva Transportes. Advogam os réus que as declarações prestadas pela testemunha Luzia Harue Suzukawa, tanto na fase de inquérito (evento 1.3) como em Juízo (evento 1508.3), basearam-se apenas em boatos e denúncia anônima. Aduzem, por isso, ser ele imprestável como prova dos fatos que lhes são imputados. Sem razão os requeridos. É que o depoimento dessa testemunha não está sendo levado em consideração como prova da autoria e da materialidade dos atos ímprobos, como se pode constatar dos fundamentos desta sentença. As declarações da então vereadora Luzia Harue Suzukawa prestaram-se tão somente para deflagrar as providências investigatórias preliminares que redundaram, ao fim e ao cabo, na expedição do mandado de busca e apreensão nos autos da ação cautelar n. 45693-61/2011. E isso tem sido admitido pela jurisprudência do Supremo Tribunal, conforme se infere do seguinte julgado: “(...) 3. Nulidade do processo. Alegação de que a imputação se baseou em denúncia anônima. Descabimento. Persecução penal lastreada em documentos públicos não albergados pelo sigilo, quais sejam, o contrato derivado da inexigibilidade de licitação e o procedimento administrativo do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina em que esse julgou ilegal a contratação direta. Peças de informação extraídas de inquérito civil instaurado pelo Ministério Público. Denúncia anônima, outrossim, que foi objeto de procedimento administrativo preparatório do inquérito civil. Precedentes” (AP 560, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 25/08/2015, DJ de 10.9.2015, publicado em 11.9.2015). Daí resulta que as licitações vencidas pelas empresas Chaar & Souza, JWC Comércio de Serviços Ltda e Gustavo Sebastião da Silva Transportes no período de 1º.1.2005 a 25.7.2011 são nulas por desvio de finalidade e por ofensa aos princípios da legalidade e da moralidade contemplados no caput do art. 37 da CF. Cumpre, pois, declarar a nulidade, nos termos dos arts. 3º, caput, e 59, caput, da Lei n. 8.666/1993, c/c o art. 2º, “c” e “e”, da Lei n. 4.717/1965, dos atos praticados – inclusive contratos e aditivos – nos seguintes procedimentos licitatórios: cartas convites ns. 6/2005, 08/2005, 11/2005, 12/2005, 13/2005, 16/2005, 17/2005, 18/2005, 20/2005, 22/2005, 23/2005, 4/2006, 6/2006, 9/2006, 10/2006, 14/2006, 15/2006, 16/2006, 18/2006, 20/2006 e 38/2006; e os pregões n. 3/2006 (lotes vencidos pela JWC), 02/2007 (lotes vencidos pela JWC e Gustavo Transportes), 44/2008 (lotes vencidos pela Gustavo Transportes), 03/2009 (lotes vencidos pela JWC e Gustavo Transportes), 21/2009 (lotes vencidos pela Gustavo Transportes), 39/2009 (lotes vencidos pela JWC) e 13/2010 (lotes vencidos pela Chaar & Souza e pela Gustavo Transportes). Ressalve-se, como consignado no parágrafo anterior, que a declaração de nulidade alcançará apenas os
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PROJUDI - Processo: 0002166-88.2013.8.16.0014 - Ref. mov. 1689.1 - Assinado digitalmente por Marcos Jose Vieira:10617, 08/02/2016: JULGADA PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO. Arq: Sentença
objetos licitados adjudicados às empresas Chaar & Souza, JWC Comércio de Serviços Ltda e Gustavo Sebastião da Silva Transportes; não afetará, portanto, os lotes vencidos pelas demais licitantes nos pregões supramencionados. 3. Também se devem considerar fraudados os lotes adjudicados à MCM Transportes Ltda, administrado pelo réu Marcelo Carlos Mano, no pregão n. 13/2010. O estudo dos autos revela que nesse pregão houve conluio entre a MCM e a Gustavo Sebastião da Silva Transportes Ltda. Assim é que os documentos comprobatórios de regularidade fiscal encaminhados por ambas as empresas foram obtidos na internet em horários praticamente coincidentes: enquanto o Certificado de Regularidade do FGTS foi expedido pela MCM Transportes às 16h04min49seg, a Gustavo Sebastião Transportes extraiu idêntico documento às 16h05min49seg do mesmo dia 25.1.2010; já a Certidão Negativa de Débitos de Tributos Estaduais foi extraída do sítio da Receita Estadual pela MCM às 15h44min39seg e pala Gustavo Sebastião às 15h45min29seg, também do dia 25.1.2010 (vide informação da auditoria do Ministério Público, evento 1.91, págs. 02-05). Vale dizer, alguns segundos separam os momentos de impressão dos documentos comprobatórios da regularidade fiscal das aludidas empresas licitantes, o que evidencia que esse trabalho foi executado pela mesma pessoa. Ora, as contestações apresentadas pelos réus não dedicaram uma linha sequer para dar alguma explicação aceitável a essa “coincidência”. Em seu depoimento pessoal, o réu Marcelo Carlos Mano, questionado a respeito da extração praticamente simultânea dos documentos de regularidade fiscal das duas empresas, chegou a referir que a documentação apresentada no pregão fora providenciada pelo contador “Murilo”. Estranhamente, contudo, seu defensor desistiu de ouvir essa testemunha na petição do evento 1535.1, valendo pontuar que a declaração constante do instrumento particular do evento 280.2 não tem o poder de suprir a falta de sua inquirição. É a regra do parágrafo único do art. 368 do CPC: “Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato”. A razão da lei é impedir que, por meio de declarações unilaterais que enunciem o conhecimento de fatos relevantes, se iniba o juiz e a parte contrária de inquirir pessoalmente o declarante em pública audiência, sob o crivo do contraditório, averiguando, se for o caso, eventuais causas de suspeição, incapacidade ou impedimento da testemunha. O eg. TJSP assim já se manifestou sobre o tema: “CONTRATO DE SEGURO. APÓLICE QUE PREVÊ PERFIL DO CONDUTOR MAJORITÁRIO DO VEÍCULO. SINISTRO. PERDA TOTAL. SEGURADO QUE CONDUZIA O AUTOMÓVEL NO MOMENTO DO ACIDENTE. DECLARAÇÃO DO CONDUTOR MAJORITÁRIO DE QUE ERA O SEGURADO QUEM FICAVA A MAIOR PARTE DO TEMPO COM O AUTOMÓVEL. TERMOS DITADOS PELO FUNCIONÁRIO DA SEGURADORA. NEGATIVA DO SEU CONTEÚDO. DECLARAÇÕES QUE SE PRESUMEM VERDADEIRAS SOMENTE COM RELAÇÃO AOS SIGNATÁRIOS. ART. 368 DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. A prova da ciência dos fatos contida em documento particular é oponível tão-somente contra os sujeitos que participaram da elaboração do documento. Não se opera eficácia de ciência universal (erga omnes) da confecção dos documentos, que permita sustentar o conhecimento por todos daquelas declarações ou do conteúdo do documento. Tendo a parte contra quem foi feito o
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PROJUDI - Processo: 0002166-88.2013.8.16.0014 - Ref. mov. 1689.1 - Assinado digitalmente por Marcos Jose Vieira:10617, 08/02/2016: JULGADA PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO. Arq: Sentença
documento impugnado o seu conteúdo, cabia à ré o ônus de provar a sua veracidade, obrigação da qual não se desincumbiu. Recurso desprovido” (TJSP – Apelação Cível 00072511120088260642 SP 0007251-11.2008.8.26.0642, Relator Gilberto Leme, Data de Julgamento 16/07/2013, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação 19.7.2013, grifei). Ademais, há outro indício de que a ata do pregão n. 13/2010 é ideologicamente falsa, isto é, relata fatos (leia-se: lances supostamente oferecidos pelos representantes legais da MCM Transportes e da Gustavo Sebastião) que jamais ocorreram. É que o registro das dezenas de lances para cada lote se deu em tempo absurdamente exíguo. É o que constatou a auditoria do Ministério Público em seu relatório n. 72/2012, verbis: “1.2. Sessão de Lances Analisando o desenvolver do pregão presencial detectamos incoerências relacionadas à sessão de lances. Conforme declarações prestadas por Saulo Ribeiro Rodrigues (fls. 150 a 152), membro da Comissão de Licitações, o município utiliza o sistema Beta da empresa Petrus, tal sistema registra o valor do lance e o horário exato de sua inserção no sistema, ou seja, apenas o valor do lance é registrado pelo pregoeiro, o horário é registrado de forma automática pelo programa. Depois de finalizada a sessão de lances, o programa gera um relatório de lances e é juntado ao processo administrativo. O que nos chama a atenção é que, aberta a sessão de lances, é dada voz a cada um dos concorrentes (um a um) para que formulem seu menor lance ou para que desistam da disputa, e foi neste pnoto que observamos inconsistências que demonstramos a seguir:
Item 1 – 19 Lances em 2 minutos e 30 segundos (Início em 15:55:13, fim em 15:57:43); Item 2 – 18 Lances em 2 minutos e 2 segundos (Início em 15:57:52, fim em 15:59:54); Item 3 – 22 Lances em 1 minuto e 35 segundos (Início em 16:03:04, fim em 16:04:39); Item 4 – 22 Lances em 2 minutos e 27 segundos (Início em 16:03:04, fim em 16:07:13); Item 5 – 20 Lances em 1 minuto e 32 segundos (Início em 16:07:17, fim em 16:08:49); Item 6 – 25 Lances em 1 minuto e 44 segundos (Início em 16:08:51, fim em 16:10:35); Item 7 – 14 Lances em 1 minuto e 5segundos (Início em 16:10:41, fim em 16:11:46); Item 8 – 17 Lances em 1 minuto e 14 segundos (Início em 16:11:49, fim em 16:13:03); Item 9 – 24 Lances em 1 minuto e 55 segundos (Início em 16:13:07, fim em 16:15:02); Item 10 – 23 Lances em 1 minuto e 13 segundos (Início em 16:41:09, fim em 16:42:22); Item 11 – 17 Lances em 59 segundos (Início em 16:16:32, fim em 16:17:31); Item 12 – 26 Lances em 2 minutos e 4 segundos (Início em 16:17:34, fim em 16:19:38); Item 13 – 31 Lances em 1 minuto e 41segundos(Início em 16:19:41, fim em 16:21:22); Item 14 – 21 Lances em 58 segundos (Início em 16:22:52, fim em 16:23:50); Item 15 – 26 Lances em 1 minuto e 36 segundos (Início em 16:23:54, fim em 16:25:30); Observamos que os lances eram registrados no programa em uma acima. Esse processo ocorria em chamados, elaboravam seu lance
solicitados a cada empresa, elaborados pelo representante e velocidade incomum, como pode ser observado na descrição média em apenas 4 segundos, ou seja, os concorrentes eram e verbalizavam ao leiloeiro que registrava no sistema neste
pequeno espaço de tempo” (evento 1.91, págs. 06-07). A conclusão da auditoria é corroborada pela declaração do corréu Saulo Ribeiro Rodrigues prestada na fase de inquérito: “(...) que, a partir da menor proposta, o leiloeiro chamada cada empresa, por meio de
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seu representante legal, para que cubra ou não a menor oferta; que cada oferta é imediatamente lançada pelo pregoeiro no sistema BETAH, realizada pela empresa PETRUS; que, via de regra, toda esta burocracia demora em torno de uma ou duas horas, tempo este necessário para que o pregoeiro consigne os lance no sistema e, após o registro de todos os lances formulados...” (evento 1.89, grifei). Não há dúvida, assim, de que competição alguma existiu entre a MCM e a Gustavo Transportes, seja pela estranha “coincidência” de ambas haverem extraído simultaneamente os documentos de regularidade fiscal apresentados no pregão n. 13/2010, seja pela inexequibilidade da inserção dos lances no sistema em tão exíguo prazo. Daí resulta que as licitações dos lotes vencidos no pregão n. 13/2010 pelas empresas MCM Transportes Ltda e Gustavo Sebastião da Silva Transportes são nulas por desvio de finalidade e por ofensa aos princípios da legalidade e da moralidade contemplados no caput do art. 37 da CF. Cumpre, pois, declarar-lhe a nulidade, nos termos previstos nos termos dos arts. 3º, caput, e 59, caput, da Lei n. 8.666/1993, c/c o art. 2º, “c” e “e”, da Lei n. 4.717/1965. 3.1. Não há espaço, porém, para a condenação da ré Tânia Cristina Coelho Aranda Mano, esposa do
corréu Marcelo, a qual figura no contrato social da MCM Transportes Ltda como sócia sem poderes de gerência (evento 1.78, pág. 05, cláusula 8ª). Como já destacado no subitem 2.1, o sócio que não detém poderes para gerir a empresa não pode ser responsabilizado por eventuais ilícitos praticados pelo sócio gestor. Especialmente quando, como no caso, todos os atos de participação no procedimento licitatório – apresentação de proposta, assinatura de contratos etc (evento 1.78) – foram praticados única e exclusivamente por Marcelo, pessoa que detinha e exercia, segundo a documentação apresentada no certame, os poderes de representação da sociedade. Diante desse panorama, soa demasiado, senão mesmo impróprio, entender que Tânia Cristina Coelho Aranda Mano, mesmo não ostentando qualquer poder de gestão, haveria de ser condenada por atos de improbidade para cuja prática não concorreu. Acolhida que fosse a pretensão do Ministério Público, estar-se-ia a consagrar não só a odiosa responsabilidade objetiva (leia-se: responsabilização pelo só fato de Tânia ser sócia) como ainda – o que é mais grave – a chancelar a responsabilidade por fato de terceiro. Consequentemente, os pedidos de condenação da ré Tânia Cristina Coelho Aranda Mano ficam rejeitados. 4. O Ministério Público requer a condenação dos réus a ressarcir o Erário Municipal, tendo como parâmetro os valores pagos com base nos procedimentos licitatórios invalidados. Creio, porém, que sem razão o Ministério Público. Para logo, registro que não se coloca em dúvida a premissa segundo a qual a caracterização do ato de improbidade independe da comprovação de dano ao patrimônio público. A propósito, o art. 21, I, da Lei n. 8.429/1992 é claro ao estabelecer que a aplicação das sanções nela previstas não se sujeita à “efetiva ocorrência do dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento” (grifei). A ressalva desse dispositivo, pois, deixa igualmente certo que, a despeito da subsunção da conduta do réu a um dos
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tipos da LIA, a imposição da obrigação de ressarcir somente terá lugar quando dela comprovadamente resultar dano material ao Erário. E, no caso, esse dano não foi sequer alegado na inicial. Bem ao contrário, é incontroverso nos autos que os serviços de transporte escolar foram efetivamente prestados pelas empresas contratadas e remunerados a preços correntes no mercado. Na realidade, o dano passível de ressarcimento apenas ficaria configurado caso houvesse prova – precedida, por óbvio, de alegação na inicial (que, repita-se, não se fez) – de que o preço pago às empresas rés fora superior ao praticado em operações similares e contemporâneas à celebração dos contratos (Lei n. 8.429/1992, art. 10, V). Somente nessa específica hipótese é que se poderia concluir pela responsabilidade dos demandados em repor ao erário a diferença entre o valor de mercado do serviço e o que lhes foi efetivamente pago. Sem dano, portanto, não há falar em pretensão de ressarcimento. Como bem anota Francisco Octávio de Almeida Prado: "O caput do art. 10 enuncia o núcleo da segunda categoria de atos de improbidade administrativa. Para a configuração das hipóteses infracionais definidas nos 13 incisos do dispositivo será essencial a ocorrência de lesão ao erário. E essa lesão se verifica, segundo a lei, quando houver perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres de entidades públicas ou assemelhadas. 'Erário' é Tesouro, Fazenda. Trata-se, pois, de conceito bem mais restrito que o de 'patrimônio público'. Sua utilização pelo legislador evidencia que o prejuízo cogitado pelo art. 10 é o estritamente financeiro, não se cogitando de danos ambientais, estéticos, etc. É essencial nas hipóteses elencadas em qualquer dos incisos do art. 10 que a conduta do agente tenha acarretado prejuízo financeiro, ou economicamente apreciável" (in Improbidade Administrativa", São Paulo, 2001, Ed. Malheiros, pág. 96). Essa doutrina mereceu acolhida da Primeira Turma do STJ: “(...) 3. O ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/92 exige para a sua configuração, necessariamente, o efetivo prejuízo ao erário, sob pena da não tipificação do ato impugnado. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido” (REsp 942.074/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, julg. 3.11.2009, DJ de 26.11.2009). “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. NULIDADE DE CONTRATO FIRMADO SEM LICITAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE CONTRAPRESTAÇÃO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO INDEVIDO. 1. ‘Havendo a prestação do serviço, ainda que decorrente de contratação ilegal, a condenação em ressarcimento do dano é considerada indevida, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública (REsp 728.341/SP)’ (REsp nº 1.184.973/MG, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, in DJe 21/10/2010). 2. Embargos de declaração acolhidos” (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp. n. 1.055.031-SP, rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julg. 5.5.2011, DJ de 12.5.2011).
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Desse modo, determinar, sic et simpliciter, a restituição dos valores pagos acarretaria, sim, enriquecimento sem causa ao Poder Público: viria ele a se beneficiar dos serviços que lhe foram prestados sem nada pagar às empresas contratadas. Confiram-se os precedentes do eg. TJPR: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA IRRESIGNAÇÃO CONTRA DECISÃO SINGULAR QUE ACOLHEU A PRESCRIÇÃO QUINQUENAL QUANTO AO PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE DANOS MORAIS COLETIVOS E NÃO ACOLHEU O PEDIDO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - 1. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ALEGAÇÃO DE IMPRESCRITIBILIDADE DO PLEITO DE DANOS MORAIS - NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA (art. 37, § 5º DA CF) - SEGURANÇA JURÍDICA PEDIDO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - SERVIÇOS DEVIDAMENTE PRESTADOS RESSARCIMENTO QUE IMPORTARIA EM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - RECURSO DESPROVIDO; 2. RECURSO ADESIVO - CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - INDEVIDA - ARBITRAMENTO QUE ENCONTRA ÓBICE NO ENUNCIADO Nº 02 DESTA CÂMARA - RECURSO DESPROVIDO” (Apelação Cível n. 1.073.554-7, rel. Des. Regina Afonso Portes, 4ª Câmara Cível, julg. 11.2.2014, DJ de 24.2.2014). “APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO SIMULADO. MATÉRIA PRESCRITA ATINGIDA PELA PRECLUSÃO. DEVER DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. As questões relativas à aplicação das penalidades previstas no artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/92 e à anulação dos atos administrativos foram extintas por força da prescrição, encontrando-se a matéria preclusa. Ainda que o procedimento licitatório tenha se dado de forma irregular (simulação), para que haja o dever de ressarcir o erário é necessária à comprovação da ocorrência de efetivo prejuízo aos cofres públicos, o que não ficou demonstrado no caso em exame, uma vez que os serviços contratados foram efetivamente prestados, bem como não foi produzida nenhuma prova de eventual superfaturamento” (Apelação Cível n. 1.232.137-4, rel. Des. Luiz Mateus de Lima, 5ª Câmara Cível, julg. 11.11.2014, DJ de 20.11.2014).
Nesse derradeiro precedente, oriundo de ação de improbidade administrativa julgada por este Juízo a propósito de fraude em licitação (autos n. 17465-86/2005), acentuou o voto condutor do acordão, da lavra do Des. Luiz Mateus de Lima: “Desse modo, ainda que o procedimento licitatório tenha se dado de forma irregular (o que não é objeto da lide, em razão da prescrição – matéria já preclusa), para que haja o dever de ressarcir o erário é necessária a comprovação da ocorrência de efetivo prejuízo aos cofres públicos, o que não ficou demonstrado no caso em exame, uma vez que os serviços contratados foram efetivamente prestados, não havendo também nenhuma prova de eventual superfaturamento. Por sua vez, descabida a alegação do Parquet de que o prejuízo causado ao erário decorreu da frustração do caráter competitivo da licitação que deveria ter sido realizada, sendo que, nessas situações, o dano é
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presumido. Ao contrário do alegado, o Superior Tribunal de Justiça orienta que é necessária a presença do efetivo dano ao erário”.
Em suma, não havendo prejuízo a ser ressarcido ao Erário, julga-se improcedente o pedido de ressarcimento. 5. Examino agora a imputação formulada contra os réus José Luiz Coelho Aranda, Mayara Aranda Mano, Daniela Rodrigues de Camargo Silva, Silmara Cristina Ferroni e Lourenço da Silva, sócios das empresas – também rés – MCA Transportes Ltda, MCM Transportes Ltda, DR de Camargo Silva Transporte, Silmara Cristina Ferroni ME e L. da Silva Transportes. A acusação que se faz a esses réus é a de haverem, em colusão com os requeridos agentes públicos, participado de procedimentos licitatórios fraudados para obter a contratação do serviço de transporte escolar no Município de Tamarana. Tenho, porém, que não há prova suficiente da prática de atos de improbidade. Se não vejamos. 5.1. Aponta-se que haveria confusão patrimonial entre as empresas DR de Camargo Silva Transportes e
Silmara Cristina Ferroni-ME, as quais disputaram como supostas concorrentes o objeto do pregão n. 06/2012. Como indício da veracidade de sua alegação, argumenta o Ministério Público que a ré Silmara teria licenciado o veículo Gol placa CIU-1180, constando do respectivo certificado de registro o mesmo endereço da empresa DR de Camargo Silva Transportes, qual seja, Rua Nelson Ribeiro Mercer, n. 29, Tamarana. A alegação, de fato, impressiona. Afinal, em depoimento pessoal prestado no evento 1464.4, a ré Daniela Rodrigues de Camargo Silva declarou que outorgou procuração a seu irmão José Alexandre – administrador da pessoa jurídica DR Camargo –, o qual vem a ser companheiro da requerida Silmara Cristina Ferroni (sócia proprietária da empresa Silmara Cristina Ferroni-ME). Todavia, esse indício é muito frágil para, por si só, conduzir à acolhida da pretensão condenatória. Com efeito, acaracterização dos atos de improbidade – sejam os que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º) ou que causam danos ao Erário (art. 10), sejam ainda os que atentam contra os princípios da Administração Pública – reclama, além da ilicitude da conduta (comum a todo ato ilícito), um elemento adicional: o de que a sua consumação seja resultado da manifestação de vontade livre e consciente emitida por agente público ou pessoa a ele equiparada (LIA, arts. 2º e 3º). Em outras palavras, ilícitos praticados por particulares, mesmo que contra a Administração, não constituirão atos de improbidade se para eles não houver concorrido a conduta dolosa de agentes públicos. Os autores e partícipes dessas ilicitudes devem ser sancionados em outras esferas (cível, administrativa e criminal); não se lhes aplicam, entretanto, as penas previstas na Lei n. 8.429/1992, dada a ausência de subsunção aos tipos previstos nos arts. 9º, 10 e 11.
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É o que ocorre, por exemplo, quando dois licitantes combinam entre si os valores das propostas que apresentarão em uma concorrência. Frustrada a competitividade do certame, os particulares que nela simularam a disputa estarão sujeitos a ser punidos nas searas administrativa e criminal (Lei n. 8.666/1993, arts. 87, III e IV, 88, II e II, e 89, 90). Além disso, invalidado o contrato eventualmente firmado ao cabo da licitação fraudada, aqueles que deram causa à nulidade devem ressarcir o dano (Lei n. 8.666/1993, art. 59, parágrafo único). A despeito de tudo isso, se para o ilícito não houver concorrido algum agente público, essa conduta não terá qualquer relevância para fins de enquadramento na Lei n. 8.429/1992... A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de acolher essa orientação ao julgar o REsp n. 1.155.992-PA:“Não figurando no polo passivo qualquer agente público, não há como o particular figurar sozinho como réu em ação de improbidade administrativa. Nesse quadro legal, não se abre ao Parquet a via da Lei de Improbidade Administrativa. Resta-lhe, diante dos fortes indícios de fraude nos negócios jurídicos das empresas com a Administração Federal, ingressar com ação civil pública comum, visando ao ressarcimento dos eventuais prejuízos causados ao patrimônio público” (REsp. n. 1.155.992-PA, Segunda Turma, rel. Min. Herman Benjamin, julg. 23.3.2010, DJ de 1º.7.2010). Em precedente mais recente, a Primeira Turma da mesma Corte Superior ratificou essa orientação: REsp 1.171.017-PA, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014. Note-se que a solução acolhida por esses julgados vale tanto para a fase de propositura da ação de improbidade administrativa, que deve ter em seu polo passivo algum agente público, como para a fase decisória, na qual se exige prova de que esse último concorreu para o ilícito. É ver a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho: “O terceiro só responderá perante a Lei de Improbidade se sua conduta estiver associada à de um agente público, como já observamos anteriormente. Não se verificando a participação do agente público, o terceiro não estará isento de sanção, mas não se sujeitará à Lei de Improbidade, aplicando-se-lhe, no caso, a legislação pertinente” (in Improbidade Administrativa, Atlas, 2012, pág. 190). No caso, não se nega, logicamente, que o fato de o procurador da DR de Camargo Silva Transportes (José Alexandre) ser amásio da sócia gerente da empresa Silmara Cristina Ferroni-ME demonstra, às escâncaras, que nenhuma competição real houve entre essas duas sociedades no pregão n. 06/2012. Contudo, não há nos autos provas de que os membros da comissão de licitação, o prefeito municipal ou algum de seus secretários – aqui réus – hajam tido conhecimento dessa ilicitude e com ela tenham assentido. Essa conclusão é tanto mais verossímil quando se percebe que, dentre os quase trinta procedimentos licitatórios questionados, a participação simultânea das empresas DR de Camargo Silva Transportes e Silmara Cristina Ferroni-ME verificou-se em apenas um pregão. Mais que isso, ambas tiveram participação modestíssima nos contratos de transporte escolar: enquanto a DR Camargo sagrou-se vencedora apenas nos pregões ns. 13/2010 (um lote), 36/2011 (um lote) e 6/2012 (um lote), a ré Silmara venceu um único lote nesse último pregão. Certo está que, estivessem os agentes públicos efetivamente conluiados com os representantes dessas sociedades, teriam elas uma fatia bem maior de êxito nas licitações...
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Não bastasse, convenha-se que, desmantelado em 25.7.2011 o esquema de fraudes com o cumprimento do mandado de busca e apreensão expedido por este Juízo, é de presumir que os certames posteriormente realizados – dentre eles o pregão n. 06/2012 – não foram fraudados pela comissão de licitação. Por mais esse motivo, não deve prosperar a imputação. Improcedente, assim, a pretensão de invalidar o pregão n. 06/2012 e de obter a condenação das rés Daniela Rodrigues de Camargo Silva, Silmara Cristina Ferroni, DR de Camargo Silva Transporte e Silmara Cristina Ferroni ME. 5.2. Alega o Ministério na inicial que os requeridos José Luiz Coelho Aranda e Mayara Aranda Mano,
sócios da MCA Transportes Ltda, teriam ajustado com os sócios da MCM Transportes Ltda – Marcelo Carlos Mano e Tânia – a simulação da concorrência no pregão n. 02/2007, no qual ambas as empresas participaram. Advoga o autor que a relação de parentesco existente entre eles (José Luiz é irmão de Tânia e, portanto, cunhado de Marcelo, ao passo que Mayara é filha desses últimos) evidencia ter havido quebra do sigilo das propostas e ofensa aos postulados da isonomia e da moralidade. Também aqui, sem razão o Ministério Público. Ao rejeitar liminarmente a ação de improbidade n. 2569-66/2013, tive a oportunidade de sustentar a legalidade da habilitação em licitação de empresas cujos quadros societários sejam compostos por pessoas com parentesco comum. Eis os fundamentos que então aduzi: “Com o devido respeito, a existência de relação de parentesco entre sócios de empresas que participaram de licitações ou mesmo o fato de haverem elas, somadas, vencido 69,41% dos certames licitatórios - o que não é incomum em cidades de pequeno porte, como Tamarana – geram, quando muito, mera suspeita. Suspeita essa que não se equipara a “indícios suficientes”, como exigido pelo § 6º do art. 17 da LIA para o recebimento da ação de improbidade. Realmente, não há nenhum óbice legal a que empresas que tenham em seus quadros societários pessoas com parentesco entre si participem de procedimentos licitatórios. O rol de impedimentos constante do art. 9º, incisos I a III, da Lei n. 8.666/1993 é taxativo. Não é dado ao juiz nem ao administrador valer-se da interpretação extensiva para ampliar o que o legislador claramente pretendeu restringir. Há, pois, de vigorar a regra segundo a qual, à falta de proibição legal, o direito de participar de certames licitatórios é amplo, favorecendo todos aqueles que hajam atendido aos requisitos do instrumento convocatório. Daí se segue que, caso os agentes públicos ora apontados como réus houvessem inabilitado as corrés Walmar Comércio de Alimentos Ltda e Comércio de Gêneros Alimentícios Ltda, teriam eles, aí sim, violado os princípios da legalidade (CF, art. 37, caput) e da separação entre as personalidades dos sócios e das sociedades licitantes ( societas distat singulis). Semelhante inabilitação, sem que revelado qualquer indício concreto de fraude, certamente estaria sujeita à invalidação em mandado de segurança, como sucedeu em hipótese análoga julgada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em acórdão assim ementado: ‘LICITAÇÃO. EXCLUSÃO DE UMA DAS PESSOAS JURÍDICAS LICITANTES À VISTA DO PARENTESCO EXISTENTE ENTRE OS SÓCIOS DELA E OS SÓCIOS DE OUTRA PESSOA JURÍDICA, TAMBÉM PARTICIPANTE DA LICITAÇÃO.
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1. A Administração Pública somente está autorizada a agir segundo a lei (Carta Magna, art. 37, I). 2. O Decreto-Lei 2.300/86 (vigente à época da licitação) não vedava a participação de licitantes com grau de parentesco numa mesma licitação. 3. Nos termos do artigo 20, ‘caput’, do Código Civil as ‘pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros’. 4. Improcedência da aplicação à espécie da teoria da desconsideração da pessoa jurídica para impedir a participação de licitantes com grau de parentesco numa mesma licitação, pois ausente qualquer prenúncio de fraude, a qual, em se tratando de mandado de segurança, exige-se esteja comprovada documentalmente. 5. Remessa oficial improvida’ (Remessa Ex Officio em Mandado de Segurança n. 90.01.17514-7, rel. Juiz Leão Aparecido Alves, Terceira Turma Suplementar, julg. 22.8.2001, DJU de 10.9.2001, p. 930).
Do voto do juiz relator extraem-se as seguintes considerações,verbis: ‘Com efeito, a alegação de que a participação de licitantes com grau de parentesco numa mesma licitação colocaria em perigo o princípio da igualdade entre os licitantes alheios aos laços familiares não tem procedência, uma vez que as condições da licitação são idênticas para todos os concorrentes.
A existência do parentesco entre os licitantes, ainda que seja admissível elucubrar a possibilidade de eles atuarem mancomunadamente para, por exemplo, aumentar o valor do contrato a ser cumprido, o certo é que essa possibilidade também existe quando os licitantes não guardam qualquer grau de parentesco Para coibir essas possibilidades de fraudes, no entanto, existem procedimentos legais, dos quais deve a autoridade administrativa fazer uso, e não impedir a participação de licitantes que mantém laços de parentesco. Não tem procedência, pois, a aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica para impedir a participação de licitantes com grau de parentesco numa mesma licitação, pois ausente qualquer prenúncio de fraude, a qual, ademais, em se tratando de mandado de segurança, exige-se esteja comprovada documentalmente’.
Pois bem, constitui paradoxo inaceitável entender que a habilitação das empresas licitantes, conquanto legal, possa configurar ato de improbidade tipificado na LIA! É lógico que, em havendo conluio entre agentes públicos e particulares, a conduta ilícita de ambos deve ser sancionada. Sucede, porém, que para isso se faz necessário que o Ministério Público proponha a ação, subsidiando-a com elementos indiciários suficientes que revelem a materialidade e a autoria dos atos ímprobos. Não bastam meras alusões à relação de parentesco entre os sócios das sociedades licitantes ou mesmo aos percentuais de êxito que uma e outra empresas alcançaram nos certames”.
E não é só. O Pleno do eg. Tribunal de Contas do Estado do Paraná, forte nos pareceres do Ministério Público e da unidade técnica que atuam perante aquela Corte, decidiu em igual sentido. Refiro-me ao julgamento da Representação n. 787.558/2013 realizado em sessão de 9.4.2015, cujos fundamentos foram sintetizados nesta ementa: “Representação da Lei n. 8.666/1993. Fase interna. Cotação de preços. Apresentação de três orçamentos. Duas empresas com sócios pertencentes ao mesmo grupo familiar. Inocorrência de sobrepreço. Fraude não evidenciada. Pela improcedência” (acórdão n. 1520/15, relator
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Conselheiro José Durval Mattos do Amaral, Tribunal Pleno, julg. 9.4.2015, DO de 23.4.2015, grifei). Do voto condutor se infere a seguinte motivação, que adoto como razões de decidir: “Ressalto a improcedência da Denúncia no que atine à apresentação de orçamentos por duas empresas pertencentes a um mesmo grupo familiar. Partindo-se da premissa de que no caso em apreço não houve sobrepreço no objeto contratado, direcionamento ou qualquer indício de conluio entre as empresas que apresentaram os orçamentos, não há impedimento legal quanto à própria participação dessas empresas na licitação em tela. Considerando que as licitantes são empresas legalmente constituídas, com personalidade jurídica própria, com a respectiva inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), detentoras de documentos regulares que possam conferir a elas as condições de habilitação exigidas no edital, não haverá fundamento constitucional ou legal para que a Comissão possa inabilitar uma ou ambas as licitantes. Esse, aliás, é o entendimento de Adilson Abreu Dallari, ao tratar da participação, no mesmo procedimento licitatório, de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico: ‘Diante de um caso concreto de participação, na mesma licitação, de empresas pertencentes aos mesmos sócios ou ao mesmo grupo econômico, sempre será preciso examinar a documentação fornecida pelas empresas para exame de sua habilitação jurídica e técnica, para que se possa aferir se ambas as empresas existem de direito e de fato, funcionam normalmente, têm cada uma vida própria e faturamento expressivo. O que se deve evitar é o risco de que qualquer uma delas seja uma simples empresa de fachada, sem existência real, criada apenas para dar respaldo à outra em licitações. Numa perspectiva essencialmente jurídica, é absolutamente certo que a empresa não se confunde com seus donos, conforme expressa disposição do Código Civil: ‘Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.’ (...) O que não se pode fazer é, simplesmente, ignorar o Código Civil e identificar a empresa (pessoa jurídica) com o conjunto de seus sócios (pessoas físicas), extraindo daí que, pela coincidência de seus membros, as duas distintas pessoas jurídicas seriam uma só” (Cf.
Apresentação de propostas por empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico, Mimeo, 2002). Nessa linha é o entendimento de Ivan Barbosa Rigolin: ‘Esse fato de empresas que concorram às mesmas licitações pertencerem ao mesmo grupo econômico, ou à mesma família, ou a sócios comuns, ou a amigos, associados ou colaboradores entre si, ou casados entre si, é bastante frequente em licitações e não apenas em nosso país, e nada contém de irregular, antijurídico, condenável ou ilegal, e pelas mais variadas razões’ (Licitação - Empresas do
mesmo grupo econômico podem concorrer na mesma licitação. BLC n. 10/02, p. 655). Além disso, a municipalidade adotou o critério de menor preço para fixar o teto máximo do certame, o que trouxe vantajosidade”.
De resto, concorde-se ou não com semelhante entendimento, uma coisa é certa: se o próprio órgão constitucionalmente incumbido de exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial do Município de Tamarana sinalizou ser legítima a habilitação em licitação de empresas geridas por
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PROJUDI - Processo: 0002166-88.2013.8.16.0014 - Ref. mov. 1689.1 - Assinado digitalmente por Marcos Jose Vieira:10617, 08/02/2016: JULGADA PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO. Arq: Sentença
sócios com parentesco recíproco, parece evidente que não se pode imputar aos gestores públicos que seguiram essa orientação a prática de ato de improbidade. Em outros termos, a convicção justificada do administrador de agir em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Contas afasta, de modo categórico, o elemento subjetivo doloso que compõe a tipicidade do ato ímprobo. A par disso, não se constata nenhum outro indício de fraude nas licitações das quais participaram esses réus. Assim é que a auditoria do Ministério Público não detectou a existência de sobrepreço ou irregularidade nas propostas. Ademais, dentre os quase trinta procedimentos licitatórios questionados, a participação simultânea das MCA e MCM Transportes verificou-se apenas no pregão n. 02/2007. Mesmo o suposto “rodízio licitatório” não restou demonstrado, à medida que aos oito pregões indicados nas páginas 27-29 da inicial (evento 1.1) acorreram diversos outros licitantes, cada qual sagrando-se vencedor em um ou mais lotes. Improcedente, assim, a pretensão de invalidar o pregão n. 02/2007 (leia-se: lotes vencidos pela MCM e pela MCA) e de obter a condenação dos requeridos José Luiz Coelho Aranda, Mayara Aranda Mano e MCA Transportes Ltda. Ressalvo, a bem da clareza, que os fundamentos supra não infirmam a condenação dos réus Marcelo Carlos Mano e MCM Transportes Ltda ante o ato de improbidade praticado no pregão n. 13/2010 (cf. item 3, supra). 5.3. Réus Lourenço da Silva e L. da Silva Transportes.
Não encontrei nos autos, seja na fase de inquérito, quer na de instrução processual, nenhum elemento probatório sólido o bastante para evidenciar a participação do réu Lourenço da Silva em atos de improbidade. A circunstância isolada de os membros da comissão de licitação haverem registrado os lances no pregão n. 13/2010 em tempo incomum, sem que outros indícios de fraude a corroborem (como se deu no caso dos réus Marcelo Carlos Mano e Gustavo – cf. item 3, supra), é insuficiente para autorizar a edição do decreto condenatório. Quando muito, esse elemento traduz mera suspeita de participação de Lourenço em ato de improbidade. Sucede, contudo, que, a exemplo do que se dá no processo penal, a suspeita, posto que veemente, não basta para justificar a condenação. O juízo de reprovação que se faz à conduta daquele a quem se atribui a prática de atos de improbidade implica sempre em impor-lhe uma capitis diminutio: com a condenação, o agente fica privado temporariamente do gozo de direitos de natureza política (jus honorum e o jus sufragii), vedando-se-lhe a ocupação de funções e cargos públicos – cuja perda decorre do trânsito em julgado da sentença – e proibindo- lhe de celebrar contratos com entes da Administração ou receber incentivos fiscais ou creditícios. A isso se somam as penas de natureza civil e a obrigação de ressarcir o dano. Nota-se, pois, que a pronúncia da condenação por ato de improbidade traz em si uma grave afetação do status dignitatis da pessoa do condenado. Resulta, daí, que somente mediante provas ou indícios (que devem ser sérios concludentes e apoiados em outros elementos de convencimento) robustos é que se pode concluir pela condenação do réu. Vigora, no caso, o princípio da presunção de inocência, do qual decorre
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a regra de julgamento materializada na parêmiain dubio pro reo. Ao tratar do tema em sede de ação de improbidade administrativa, anotaMauro Roberto Gomes de Mattos: "(...) Essa presunção de inocência só poderá ser elidida com a devida prova (constatação) de que houve falta disciplinar, in dúbio pro reo. Aliás, sobre presunção de inocência e o princípio do in dúbio pro reo, o STF assim sentenciou: "Nenhuma acusação pessoal presume-se provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao MP comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema positivo, a regra que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência. (...)" (O Limite da Improbidade Administrativa, Ed. América Jurídica, 2005, pág. 174).
Aplicável ao caso o ensinamento de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery: “O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. O sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim quem assume o risco caso não se produza (...)” (in Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 1.997, p. 614). De sorte que, na ausência de provas suficientes da imputação deduzida pelo Ministério Público, só resta declarar a improcedência dos pedidos relativamente aos réus Lourenço da Silva e L. da Silva Transportes. 6. Examinemos agora as imputações formuladas em face dos agentes públicos. 6.1. Réu Aldo Boaretto Netto.
O mesmo fundamento alinhado no subitem 5.3 pode ser invocado para afastar a pretensão condenatória deduzida contra o réu Aldo Boaretto Netto. O Ministério Público limitou-se a afirmar que, na qualidade de Secretário de Administração, Aldo, tendo a incumbência de fiscalizar os procedimentos licitatórios, se omitiu em exercitar essa atribuição. Além disso, teria ele subscrito as autorizações para abertura dos certames e os editais respectivos. Data venia, parece-me muito pouco para lastrear o decreto condenatório. Não há um único depoimento ou documento nos autos que autorize concluir tenha esse réu participado do suposto esquema de fraudes. O Ministério Público não apontou tenha algum procedimento licitatório simulado, após a sua conclusão, passado pelo crivo do requerido, tampouco indicou qual o ato normativo que impunha ao Secretário de Administração fiscalizar as licitações, seja no momento de sua realização, seja a posteriori. O fato de esse requerido ter assinado as autorizações para a abertura das licitações de transporte escolar e os editais não abona a pretensão acusatória. Trata-se de atos administrativos que foram praticados anteriormente à habilitação dos licitantes e à escolha das propostas por eles apresentadas (fases nas quais ocorreram as ilicitudes!). Depois, é incontroverso nos autos que havia a efetiva necessidade da contratação de empresas para prestação desse serviço, conforme solicitação via CI (comunicação interna)
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expedida pela Secretaria de Educação do Município de Tamarana. A prática desses atos preparatórios não pode ser considerada ato de improbidade. Julgo, de conseguinte, improcedentes os pedidos deduzidos em face do réu Aldo Boaretto Netto. 6.2. Réu Roberto Dias Siena.
Esse réu atuava como prefeito do Município de Tamarana ao tempo das fraudes. Sem dúvida alguma, Roberto Dias Siena foi cooptado pelos réus Juhad Wehbe Al Chaar, Gustavo Sebastião Cardoso da Silva e Marcelo Carlos Mano, a fim de favorecê-los nas cartas convites e pregões mencionados no subitem 2.2 e no item 3, supra. Reporto-me, por brevidade, aos fundamentos lá aduzidos. Mais que isso, admitindo esse réu que a sua “equipe administrativa é pequena” (evento 82.1, p. 06), creio inadmissível imaginar que, conhecendo os sócios das empresas acima mencionadas e as licitações por elas vencidas em todos esses anos, o réu desconhecesse as inúmeras fraudes realizadas por parte dessa mesma equipe durante o período de sua gestão! Em especial porque cabia a Roberto Dias Siena posição de comando, com atuação direta e intensa nos certames licitatório, seja na sua homologação, seja na emissão dos empenhos e assinatura dos contratos administrativos e cheques. Como evidência da inexistência dos atos ímprobos, objeta-se na contestação com o fato de os membros da comissão de licitação terem sido mantidos na gestão do atual prefeito. Alega-se, ainda, que as empresas dos corréus Juhad, Gustavo e Marcelo venceram licitações posteriores ao término do mandado de Roberto Dias Siena. Todavia, considero que isso em nada infirma os fundamentos da presente condenação. Uma coisa não exclui a outra: os réus podem muito bem ter fraudado parte dos procedimentos licitatórios (como realmente fraudaram) e, não obstante, realizado outras licitações legítimas. Aliás, isso ficou claro nos fundamentos alinhados nos subitens 5.1 a 5.3. A propósito, seria realmente muita audácia dos réus se, cumprido o mandado de busca e apreensão na sede da prefeitura em 25.7.2011, continuassem eles ainda assim a praticar novas fraudes. Verifica-se, mais, que boa parte dos procedimentos licitatórios misteriosamente desapareceu da prefeitura, dado que o Município de Tamarana, intimado a exibi-los nos autos (evento 1560), cingiu-se a justificar que “os processos licitatórios constantes na ata de audiência de 1541.1 encontram-se em poder do Ministério Público” (evento 1560.1). Justificativa essa que não procede, haja vista que toda a documentação apreendida pelos oficiais de justiça no cumprimento do mandado de busca e apreensão foi entregue em Juízo. Muito menos convence a alegação de que os réus não experimentaram qualquer acréscimo patrimonial indevido. E isso porque o Ministério Público em momento algum lhes imputou a prática de atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito, como tais tipificados no art. 9º e seus incisos da Lei n. 8.429/1992. A esse respeito, a inicial muito claramente alude terem os requeridos praticado condutas ímprobas que estariam subsumidas nos tipos dos arts. 10, caput, VIII, e 11, caput, I, da mesma Lei. De todo modo, deixe-se claro desde já que, como não houve prejuízo ao Erário, não me parece possível enquadrar o comportamento dos requeridos no art. 10, caput, VIII, conforme já exposto no item n. 04, a cujos fundamentos me reporto. Assim, a conduta dos réus deve ser sancionada à luz do tipo do art. 11,
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caput, inciso I, da Lei n. 8.429/1992. Afinal, a fraude praticada nos procedimentos licitatórios constitui grave violação dos deveres de honestidade e imparcialidade, afrontando de forma contundente o primado da legalidade e da moralidade que deve governar a atuação do administrador. 6.3. Réu Claudemir José Catai.
Ao tempo dos fatos, Claudemir José Catai era Secretário de Finanças do Município de Tamarana e, nos dizeres da contestação apresentada pelo então prefeito Roberto Dias Siena (evento 82.1, p. 10), “pessoa de extrema confiança” desse último. É impossível desvincular o réu Claudemir José Catai das fraudes narradas inicial, das quais, em verdade, foi um dos principais protagonistas (vide fundamentos expostos no subitem 2.2 e no item 3, a eles me reportando por brevidade). Esse réu, além de Secretário de Finanças e superior hierárquico de Claudemir Estevam de Carvalho – servidor da tesouraria em cujo poder foi apreendido o talonário de notas fiscais da Chaar & Souza –, atuou na comissão de licitação como seu presidente (nas cartas convites) e membro efetivo (ver, v.g., pregão n. 13/2010 – evento 1.82, p. 02), conforme ele mesmo declarou em depoimento pessoal (evento 1502.2) e o comprovam as Portarias juntadas aos autos (evento 1.93). Teve o requerido, assim, participação efetiva nas fraudes cometidas nos procedimentos licitatórios supramencionados. Quanto às demais alegações da defesa, reporto-me aos fundamentos expostos no subitem 6.2, in fine. 6.4. Réus João Vitor Ruthes Dias, Dione Cordeiro da Silva, Armando da Silva Souza, Saulo Ribeiro
Rodrigues e Valdecir Amador Almeron. Trata-se de agentes públicos que compuseram comissões de licitação ou de apoio, tendo concorrido para a consumação das fraudes nos sucessivos procedimentos licitatórios (cartas convites e pregões presenciais) realizados. E nem se diga que os requeridos desconheciam o esquema engendrado entre o então prefeito Roberto Dias Siena, seu secretário de finanças Claudemir José Catai e os empresários já mencionados no subitem 2.2 e no item 3, supra. É lógico e evidente que esquema algum de fraude de direcionamento de licitação pode ser levado adiante sem que haja ao menos a conivência dos servidores encarregados da preparação, execução e conclusão do procedimento licitatório! Chama a atenção, no ponto, que no transcorrer dos anos de 2005 e 2006, de vinte e duas licitações realizadas para contração do serviço de transporte escolar (cartas convites ns. 6/2005, 08/2005, 11/2005, 12/2005, 13/2005, 16/2005, 17/2005, 18/2005, 20/2005, 22/2005, 23/2005, 4/2006, 6/2006, 9/2006, 10/2006, 14/2006, 15/2006, 16/2006, 18/2006, 20/2006 e 38/2006; e pregão n. 3/2006), os membros da comissão de licitação consideraram a JWC Comércio e Serviços Ltda vencedora em dez delas, ao passo que à empresa Gustavo Transportes foram adjudicadas as doze restantes. Estranhamente, nenhum dos demais licitantes – repita-se: nenhum! – obteve êxito em ver a sua proposta aceita pela comissão como a mais vantajosa nesses mais de vinte certames licitatórios. E veja-se que na fase de habilitação
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apresentaram-se outros interessados em disputar a contratação, podendo-se mencionar as empresas Cleide Ferreira Bueno ME, Adalberto Luiz Carneiro, MCA Transportes Ltda, MCM Transportes, Waldomiro Corrente Transportes Ltda, Seber e Barroso Ltda e L & S Transporte Escolar Ltda. Ademais, há forte indício de que a ata do pregão n. 13/2010 é ideologicamente falsa, isto é, relata fatos (leia-se: lances supostamente oferecidos pelos representantes legais da MCM Transportes e da Gustavo Sebastião) que jamais ocorreram. É que o registro das dezenas de lances para cada lote se deu em tempo absurdamente exíguo, como constatou a auditoria do Ministério Público em seu relatório n. 72/2012. Reporto-me, assim, aos demais fundamentos que expus no subitem 2.2 e no item 3, supra. Muito menos socorre os requeridos a alegação de que se restringiram a cumprir ordens superiores. Se as ordens por eles recebidas eram para fraudar licitação, conclui-se serem elas manifestamente ilegais. Ao servidor – sobretudo aquele protegido pela estabilidade funcional, como no caso –, pois, se impõe a recusa em cumpri-las, pautando-se nos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade. Não o fazendo, deve-se ter por provada a sua participação no ilícito. Confira-se precedente jurisprudencial do eg. TJPR: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - 1. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO APELO POR AUSÊNCIA DE PREPARO AFASTADA 2. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADOS - 3. DEVER DE OBEDIÊNCIA ORDEM EMANADA DE SUPERIOR HIERÁRQUICO - RECURSOS DESPROVIDOS. (...) 3. O dever de obediência jamais pode ser entendido dissociado do Princípio da Legalidade. O servidor público, em que pese estar, via de regra, obrigado ao cumprimento das ordens emanadas de seus superiores hierárquicos encontra-se, contudo, vinculado ao Princípio da Legalidade, devendo sempre executar um exame prévio da legalidade de todas as ordens emanadas de seus superiores hierárquicos, sob pena de responsabilização, tanto administrativo-disciplinar como penal” (TJPR - 4ª Câmara Cível - AC 336145-3 - Goioerê - Rel.: Regina Afonso Portes - Unânime - J. 27.04.2009). À vista das Portarias de designação subscritas pelo réu e então prefeito de Tamarana Roberto Dias Siena (evento 1.93), verifica-se que todos os réus acima listados participaram como membros da comissão de licitação de alguns (embora não de todos) dos procedimentos licitatórios inquinados de fraude mencionados no subitem 2.2 e no item 3, supra. Vejamos: a) Valdecir Amador Ameron: período de 3.1.2005 a 3.9.2007; b) Armando da Silva Souza: período de 3.1.2005 a 31.12.2006; c) João Vitor Ruthes Dias: no período de 11.9.2006 a 31.12.2006 atuou como pregoeiro, desempenhando a função de membro da comissão de licitação de 8.1.2007 a 31.12.2007 e de 25.7.2008 a 31.12.2012; d) Saulo Ribeiro Rodrigues: período de 11.9.2006 em diante; e) Dione Cordeiro da Silva: período de 5.1.2009 em diante; Quanto às demais alegações da defesa, reporto-me aos fundamentos expostos no subitem 6.2, in fine.
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6.5. Réu Márcio Antonio Sotta Santana.
Não há evidências probatórias suficientes para vincular a atuação do réu às fraudes denunciadas pelo Ministério Público. O réu Márcio foi designado para compor a comissão de licitação, em substituição ao corréu Claudemir José Catai, em 3.8.2011 (Portaria n. 68/2011 –evento 1.93, p. 11), ou seja, após a data na qual executadas as diligências de cumprimento do mandado de busca e apreensão expedido por este Juízo. Ora, desmantelado o esquema de fraudes que beneficiava as empresas dos réus Juhad e Gustavo – inclusive com apreensão do talonário de notas fiscais da Chaar & Souza (cf. subitem 2.2) –, é de presumir que os certames por elas posteriormente vencidos foram regulares. Na espécie, o único pregão do qual o réu Márcio Antonio Sotta Santana participou como membro da comissão de licitação foi realizado no ano de 2012 (pregão n. 06/2012), por isso que se deve afastar a imputação contra ele deduzida na inicial. 6.6. Ré Maria Rose Soares.
Igualmente, não vejo nos autos provas suficientes para a condenação dessa requerida. Maria Rose Soares foi nomeada para exercer o cargo de Contador em 3.9.2007, atuando desde então até o ano de 2012 na função de Auditora de Controle Interno. Em outras palavras, a ré não integrou a comissão de licitação (seu nome não consta das portarias do evento 1.93) e tampouco se ocupou, de fato, de atividades ligadas à preparação, execução ou homologação de quaisquer dos procedimentos licitatórios inquinados de fraude. Segundo informado por ela em depoimento pessoal (evento 1496.5) – informação essa corroborada pelos documentos juntados com a inicial (v.g., eventos 1.64, p. 01; 1.84, p. 01; e 1.88, p. 01) –, sua atuação como controladora dava-se após a conclusão dos certames e se restringia à verificação do cumprimento de formalidades burocráticas (publicação de editais, existência de autorização para a abertura da licitação, minutas de contrato e editais etc). De maneira que, atuando a requerida em momento ulterior à realização dos certames, inadmissível imputar-lhe a prática das fraudes ocorridas nas fases antecedentes. 7. Passo à dosagem das penas. Tal qual já consignado no subitem 6.2, à falta de prejuízo ao Erário não me parece possível enquadrar o comportamento dos requeridos no art. 10, caput, VIII, da Lei n. 8.429/1992, conforme exposto no item n. 04, a cujos fundamentos me reporto. Assim, a conduta dos réus deve ser sancionada à luz do tipo do art. 11, caput, inciso I, da mesma Lei. De fato, a fraude praticada nos procedimentos licitatórios constitui grave violação dos deveres de honestidade e imparcialidade, afrontando de forma contundente o primado da legalidade e da moralidade que deve governar a atuação do administrador. Por essa razão, além da perda de eventual função pública que estejam exercendo (pena que, obviamente, não se aplica às rés pessoas jurídicas), imponho aos réus as seguintes penas: a) réu Roberto Dias Siena:
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A conduta desse réu foi de grande reprovabilidade, tanto pela posição de destaque que ocupava no esquema fraudulento (Prefeito do Município), como por haver idealizado juntamente com os corréus Juhad e Gustavo a constituição das empresas Chaar & Souza e da Gustavo Sebastião Transportes, que se beneficiaram das fraudes. Daí a necessidade de apená-lo mais severamente que os demais requeridos agentes públicos. Consequentemente, com fundamento no inciso III do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, imponho-lhe a suspensão de direitos políticos pelo prazo de cinco anos; o pagamento de multa civil correspondente a 20 vezes o valor do último subsídio que percebeu no exercício do cargo, atualizado desde então pelo INPC/IBGE e acrescido de juros de mora – 12% ao ano –, estes contados do trânsito em julgado; proibição, pelo prazo de cinco anos, de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; b) réu Claudemir José Catai: Do mesmo modo, considero que a conduta do réu Claudemir foi bastante reprovável. Primeiro, pela posição de destaque que ocupava no esquema fraudulento (Secretário de Finanças); e segundo, por haver atuado em todos os procedimentos licitatórios impugnados. Consequentemente, com fundamento no inciso III do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, imponho-lhe a suspensão de direitos políticos pelo prazo de quatro anos; o pagamento de multa civil correspondente a 10 vezes o valor do último subsídio que percebeu no exercício do cargo de Secretário de Finanças, atualizado desde então pelo INPC/IBGE e acrescido de juros de mora – 12% ao ano –, estes contados do trânsito em julgado; proibição, pelo prazo de cinco anos, de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; c) réus João Vitor Ruthes Dias, Dione Cordeiro da Silva, Armando da Silva Souza, Saulo Ribeiro Rodrigues e Valdecir Amador Almeron. A conduta desses requeridos foi, se comparada à dos demais réus, a menos reprovável, na medida em que atuaram eles sem poderes de mando, subordinados que eram à cúpula da Administração. Consequentemente, com fundamento no inciso III do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, imponho-lhes a suspensão de direitos políticos pelo prazo de três anos; o pagamento de multa civil correspondente a 5 vezes o valor do vencimento básico que perceberam em julho de 2011, atualizado desde então pelo INPC/IBGE e acrescido de juros de mora – 12% ao ano –, estes contados do trânsito em julgado; proibição, pelo prazo de cinco anos, de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; d) Réus Juhad Wehbe Al Chaar, Chaar & Souza Ltda, JWC Comércio de Serviços Ltda, Gustavo Sebastião Cardoso da Silva e Gustavo Sebastião da Silva Transportes. Seguramente, foram esses réus os que mais auferiram benefícios com as fraudes, seja pelo tempo que atuaram mancomunados com o prefeito e o secretário de finanças (2005 a 2011), quer pelo número de certames que ilicitamente venceram. Merecem, assim, ser sancionados com a imposição de penas à altura
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PROJUDI - Processo: 0002166-88.2013.8.16.0014 - Ref. mov. 1689.1 - Assinado digitalmente por Marcos Jose Vieira:10617, 08/02/2016: JULGADA PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO. Arq: Sentença
da reprovabilidade de suas condutas. Consequentemente, com fundamento no inciso III do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, imponho-lhes a suspensão de direitos políticos pelo prazo de cinco anos – pena que, obviamente, não se estende às pessoas jurídicas rés; o pagamento de multa civil (para cada réu) correspondente a 20 vezes o valor do último subsídio percebido pelo corréu Roberto Dias Siena no exercício do cargo, atualizado desde então pelo INPC/IBGE e acrescido de juros de mora – 12% ao ano –, estes contados do trânsito em julgado; proibição, pelo prazo de cinco anos, de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; e) Réus Marcelo Carlos Mano e sua empresa MCM Transportes Ltda. Em que pese a gravidade intrínseca da burla aos princípios da legalidade e da moralidade, a atuação desses réus foi de pouca relevância no contexto das fraudes, visto que se limitou apenas ao pregão n. 13/2010. Por isso que as sanções devem ser aplicadas em seus patamares mínimos. Consequentemente, com fundamento no inciso III do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, imponho-lhes a suspensão de direitos políticos pelo prazo de três anos – pena que, obviamente, não se estende à pessoa jurídica ré; o pagamento de multa civil (para cada réu) correspondente a 8 vezes o valor do último subsídio percebido pelo corréu Roberto Dias Siena no exercício do cargo, atualizado desde então pelo INPC/IBGE e acrescido de juros de mora – 12% ao ano –, estes contados do trânsito em julgado; proibição, pelo prazo de cinco anos, de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; 8. Deve-se reconhecer a nulidade dos procedimentos licitatórios considerados fraudados, quais sejam, as cartas convites ns. 6/2005, 08/2005, 11/2005, 12/2005, 13/2005, 16/2005, 17/2005, 18/2005, 20/2005, 22/2005, 23/2005, 4/2006, 6/2006, 9/2006, 10/2006, 14/2006, 15/2006, 16/2006, 18/2006, 20/2006 e 38/2006; e os pregões n. 3/2006 (lotes vencidos pela JWC), 02/2007 (lotes vencidos pela JWC e Gustavo Transportes), 44/2008 (lotes vencidos pela Gustavo Transportes), 03/2009 (lotes vencidos pela JWC e Gustavo Transportes), 21/2009 (lotes vencidos pela Gustavo Transportes), 39/2009 (lotes vencidos pela JWC) e 13/2010 (lotes vencidos pela MCM, pela Chaar & Souza e pela Gustavo Transportes). Com efeito, as fraudes fartamente provadas nestes autos demonstram que as licitações referidas se fizeram sem autêntica competição entre as empresas que nelas figuraram como “concorrentes”. Em uma palavra, restaram feridos os princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade. Donde a declaração de nulidade desses atos, na forma dos arts. 3º, caput, e 59, caput, da Lei n. 8.666/1993, c/c o art. 2º, “c” e “e”, da Lei n. 4.717/1965. Não obstante, devem-se convalidar os pagamentos efetuados em prol dos réus, visto que efetivamente prestaram o serviço de transporte dos alunos a preços de mercado (sem sobrepreço). Entendimento contrário importaria em fomentar o enriquecimento sem causa da Administração (cf. fundamentos expostos no item 4), o que não se pode admitir. 9. Pleiteia o Ministério Público a imposição aos réus da obrigação de compensar o dano moral coletivo acarretado por suas condutas.
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Com razão o Parquet. 9.1.Diga-se, de início, que a falta de previsão na Lei n. 8.429/1992 da possibilidade de condenação do réu
a compensar danos morais não é óbice a que se admita o pedido. As ações que visam à tutela de direitos transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) sujeitam-se a um microssistema próprio. Refiro-me às regras e aos princípios instituídos nas Leis ns. 4.717/1965 (ação popular), 7.347/1985 (disciplina processual da ação civil pública), 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e no Título III da Lei n. 8.078/1990 (arts. 81 a 107). As normações emergentes desses diplomas legais se interligam, aplicando-se mutuamente – exceto quando haja na lei específica disposição expressa a regular determinado assunto – como vasos comunicantes. É o que se tem modernamente denominado de teoria do diálogo das fontes. Confira-se o magistério de Cláudia Lima Marques: “Efetivamente, raramente encontramos hoje a revogação expressa, substituída pela incerteza da revogação tácita indireta, através da idéia de ‘incorporação’, como bem expressa o Art. 2.043 do novo Código Civil. Há mais convivência de leis com campos de aplicação diferentes, do que exclusão e clareza. Seus campos de aplicação, por vezes, são convergentes e, em geral diferentes, mas convivem e coexistem em um mesmo sistema jurídico que deve ser ressistematizado. O desafio é este, aplicar as fontes em diálogo de forma justa, em um sistema de direito privado plural, fluido, mutável e complexo. Seguirei aqui novamente a teoria de Erik Jayme, que propõe – em resumo – no lugar do conflito de leis a visualização da possibilidade de coordenação sistemática destas fontes: o diálogo das fontes. Uma coordenação flexível e útil (effet utile) das normas em conflito no sistema a fim de restabelecer a sua coerência. Muda-se assim o paradigma: da retirada simples (revogação) de uma das normas em conflito do sistema jurídico ou do ‘monólogo’ de uma só norma (a 'comunicar' a solução justa), à convivência destas normas, ao ‘diálogo’ das normas para alcançar a sua 'ratio“, a finalidade visada ou 'narrada“ em ambas. Este atual e necessário ‘diálogo das fontes’ permite e leva à aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas convergentes com finalidade de proteção efetiva" (Artigo intitulado "Superação das Antinomias pelo Diálogo das Fontes: O Modelo Brasileiro de Coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002", in Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe, nº
07, 2004). Ora, o art. 1º, inciso IV, da Lei n. 7.347/1985 (alterado pela Lei n. 8.884/1994) é expresso ao dizer que “ Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: IV – a qualquer outro interesse difuso e coletivo”. Logo, não cabe argumentar com a ausência de previsão da compensação dos danos morais coletivos. A lacuna da Lei n. 8.429/1992 há de ser colmatada com normas que estão inseridas dentro do mesmo microssistema de tutela dos direitos transindividuais no qual ela se insere. De sorte que é de concluir-se pela viabilidade da tutela jurisdicional que visa a impor aos réus a obrigação de compensar os danos morais causados por suas condutas. Nesse sentido decidiu a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça em acórdão cujos fundamentos
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restaram condensados nesta ementa: “ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO. MULTA CIVIL. DANO MORAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. (...) 3. Não há vedação legal ao entendimento de que cabem danos morais em ações que discutam improbidade administrativa seja pela frustração trazida pelo ato ímprobo na comunidade, seja pelo desprestígio efetivo causado à entidade pública que dificulte a ação estatal. 4. A aferição de tal dano deve ser feita no caso concreto com base em análise detida das provas dos autos que comprovem efetivo dano à coletividade, os quais ultrapassam a mera insatisfação com a atividade administrativa. (...) 6. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte” (REsp. n. 960.926-MG, rel. Min. Castro Meira, julg. 18.3.2008, DJ de 1º.4.2008). 9.2. No caso, são notórios os agravos causados pelos réus ao conceito e ao prestígio que deve inspirar o
Poder Executivo de Tamarana. Como admitiram os próprios demandados em suas respostas, o cumprimento do mandado de busca e apreensão – quando então vieram à tona os ilícitos aqui punidos – expedido por este Juízo causou grande alarde naquela pequena comuna. Alarde esse que seguramente resultou em maior descrédito da Administração Pública local, notadamente pela circunstância de haverem sido fraudados quase trinta procedimentos licitatórios ao longo de mais de cinco anos... Daí por que entendo devam os demandados compensar o dano moral coletivo, cujo valor arbitro em R$ 30.000,00. 10. Do exposto, JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados na petição inicial, o que faço com fundamento no arts. 11, caput, I, e 12, inciso III, da Lei 8.429/1992, bem como nos arts. 3º, caput, e 59, caput, da Lei n. 8.666/1993, c/c os arts. 2º, “c” e “e”, da Lei n. 4.717/1965. De conseguinte, hei por bem: a) impor aos réus nominados no item n. 7, além da perda do cargo público que estejam eventualmente ocupando, as penas discriminadas em suas letras “a” a “e”; b) condenar os mesmos réus solidariamente a compensar o dano moral coletivo causado por suas condutas, em favor do Município de Tamarana, em quantia que arbitro em R$ 30.000,00, atualizada pelo INPC/IBGE a contar da presente data e acrescida de juros de mora (12% ao ano) a partir da primeira licitação fraudada (Súmula n. 54/STJ); e c) declarar a nulidade dos procedimentos licitatórios reputados fraudados, na forma e limites fixados no item 8. Pela sucumbência recíproca, condeno os requeridos mencionados no item n. 7 a pagar, pro rata, 50% das custas e despesas processuais, mantido, em relação a eles, o decreto de indisponibilidade de bens nos limites dos valores da condenação por dano moral e das penas de multa civil que lhes foram impostas.
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Sem honorários, haja vista figurar no polo ativo da relação processual o Ministério Público. Após o trânsito em julgado: a) oficie-se à Justiça Eleitoral, comunicando-lhe a suspensão dos direitos políticos dos requeridos mencionados no item 7; b) proceda-se à alimentação do Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade mantido pelo Conselho Nacional de Justiça; e c) oficie-se ao Município de Tamarana, à Procuradoria-Geral do Estado do Paraná e à Controladoria-Geral da União, dando-lhes ciência da decretação da perda dos cargos imposta aos réus (caso esses sejam seus servidores). 10.1. De outra parte, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial em face dos réus
Aldo Boaretto Netto, Maria Rose Soares, Márcio Antonio Sotta Santana, Reginaldo André de Souza, José Luiz Coelho Aranda, Mayara Aranda Mano, Tânia Cristina Coelho Aranda, Daniela Rodrigues de Camargo Silva, Silmara Cristina Ferroni, Lourenço da Silva, MCA Transportes Ltda, DR de Camargo Silva Transporte, Silmara Cristina Ferroni ME e L. da Silva Transportes. Revogada a medida de indisponibilidade dos bens desses réus, determino sejam eles imediatamente desbloqueados. Expeçam-se os ofícios necessários. Sem honorários, eis que não se vislumbra má-fé na postura do Ministério Público em havê-la incluído no polo passivo da ação. Processo resolvido com exame de mérito (CPC, art. 269, I). Dê-se ciência pessoal ao Ministério Público. P.R.I.
Londrina, 08 de fevereiro de 2016.
Marcos José Vieira Magistrado
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