OCUPAR (português)

Page 1

Do lat. habitāre. 1. 2.

3.

tr. Ter a sua residência em. = morar, viver tr. Prover de população ou de residentes. = povoar tr. Estar presente em.

Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2020).

P_ R


12_2020

Este zine, elaborado pela Editorial CLEA, expõe o eixo temático anual (2021) da Coordinadora Latinoamericana de Estudiantes de Arquitectura (CLEA).

REDAÇÃO Y EDIÇÃO: Alejandro Alcázar (Costa Rica)

DESIGN DE CONTEÚDO: Alejandro Alcázar (Costa Rica)

DESENHO DE CARTAZ: Alejandro Alcázar (Costa Rica) Ana Paola Mejía (Nicarágua) Pietro Chiri (Peru)

TRADUÇÃO:

Pietro Chiri (Peru)

COLABORAÇÃO:

Adriana Rojas (Peru) Christopher Vásquez (Peru) Marcia Milussich (Peru) CLEA.Latinoamerica @clea_latino /cleaeditorial cleaeditorial@gmail.com www.clealatinoamerica.org

B

AR

(CC BY-NC-SA 4.0) 4.0 International Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual


2

Do lat. habitāre. 1. tr. Ter a sua residência em. = morar, viver 2. tr. Prover de população ou de residentes. = povoar 3. tr. Estar presente em.

BI T -AR Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2020).


Os verbos transitivos são ações que transitam da pessoa que age para a pessoa que recebe a ação. Eles precisam de um objeto direto (gramatical) para serem executados, que além de receber a ação (e possibilitá-la), determina o verbo e delimita o seu significado. Esses verbos manifestam uma relação em torno de uma mesma ação, onde uma parte precisa da outra para que a ação seja enunciada e faça sentido. Para que se materialize. É uma sorte de relação de dependência e colaboração. «Ocupar» é um verbo transitivo. «Habitar» também é, mas ao mesmo tempo é intransitivo, e essa característica costuma ser a privilegiada em termos discursivos. Isso significa que é uma ação que por si só tem significado. É autossuficiente. Não transita. Só basta dizer «eu habito» para comunicar alguma coisa, o que não acontece com «ocupar». Assim, a qualidade trans de «ocupar» é aquela que interessa para colocar em crise a ideia de «habitar». Mas não qualquer ideia, senão sua forma hegemônica; essa que limita e molda outras formas de existir, empurrandoas a ocupar nas condições que estabelecem livremente aqueles que habitam sim. Nesse sentido, isto é uma reclamação contra habitar e uma valorização do ocupar.

H AB

a transitividade: É a característica que alguns verbos possuem (os «transitivos») para relacionar dois ou mais sujeitos e objetos -gramaticais- numa mesma ação.

1


2

Do lat. habitāre. 1. tr. Ter a sua residência em. = morar, viver 2. tr. Prover de população ou de residentes. = povoar 3. tr. Estar presente em.

BI T - AR Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2020).


HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR 3 HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

Atualmente é muito comum na arquitetura e no urbanismo –entre outros saberes– falar sobre (o) habitar. Esta ação, que está diretamente associada ao que hoje chamamos de habitat, é reconhecida, a partir de diferentes quadros teóricos, como digna de reconhecer e reivindicar. Isso principalmente porque se apresenta como consubstancial à condição humana. Além disso, pode-se dizer que quase qualquer discurso contemporâneo com intenções de reivindicar práticas espaciais «não hegemônicas» ou «subalternas» apela a esse conceito. No entanto, isso esconde uma armadilha: conceitualmente coloca todos os modos de habitar num mesmo nível, o que, embora fosse desejável, não revela plenamente que na realidade esses modos estão em conflito, já que um modo de habitar —ou um conjunto— que é funcional à ordem já estabelecida, nega ou se impõe a outos modos de habitar, os quais são relegados a ocupar. Apesar disso, parece (virtualmente) que falar de habitar é a maneira mais «correta» —teoricamente falando— de nos referir ao processo de produção do espaço em suas diferentes escalas e

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

dimensões. Mas acontece que muitas vezes, quando se fala de habitar, realmente se refere à sua forma hegemônica: habitar. Com o começo da segunda metade do século XX, e devido à reconstrução das cidades europeias depois da destruição deixada pela Segunda Guerra Mundial, estabeleceu-se uma nova interpretação do conceito de habitar no Ocidente que procura criticar as práticas já existentes desse contexto. Desde então, falar de habitar estabeleceu-se como mais uma história da modernidade —que se estende até a atualidade—, que torna visível ao mesmo tempo em que oculta, e liberta ao mesmo tempo em que coloniza. Isso porque ocupar é o outro lado de habitar: é a resistência a habitar. A abordagem a este conceito (habitar) veio principalmente da filosofia, mas seria mais tarde que a arquitetura e o urbanismo, particularmente, se apropriariam dele e lhe dariam um uso e desenvolvimento mais extensivo. É visível a partir de Le Corbusier, CIAM e a Carta de Atenas (1933), através da Team

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR


HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

X e seu Manifesto Doorn (1954), bem como a Carta de Machu-Picchu (1977), John Turner (1972-1976), Juhani Pallasmaa (2016), Richard Sennett (2018), ou inclusive as propostas da ONU Habitat (1976, 1996, 2016) e da Coalizão Internacional Habitat (1976-presente). Por meio dessa lista não exaustiva, está a já clássica apresentação de Martin Heidegger de 1951, intitulada «Construir, pensar, habitar», que expõe que habitar é ser, pois não é uma simples ação utilitária que produz respostas a necessidades básicas ou complexas. Porém, a narrativa do habitar, que se apresenta como uma ação executável por todas as pessoas ao mesmo tempo em que nega a condição de ser para algumas, deve ser desmontada. Principalmente em um espaço-tempo onde isso não é real (como é a América Latina), e já que o aprofundamento de um modo particular de ser-no-mundo está associado a desigualdades, iniquidades e injustiças, que reafirmam o «não ser». Conforme isso se manifesta, tanto material quanto simbolicamente, é reconhecível que habitar não é algo possível

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

para todxs. Nesse sentido, pode-se dizer que aqueles que não habitam, não são; e se assim for, eles simplesmente existem num mundo onde sobrevivem desde as lógicas acordadas por aqueles que podem sim habitar. E aqui a relação entre viver e sobreviver é quase a mesma entre ocupar e habitar. Consequentemente, a realidade de muitxs não é nada além do que intervir na realidade de outrxs (poucos) e, nesse sentido, é que é possível falar de ocupar. Pode-se dizer então que ocupar e habitar, apesar de serem aparentemente sinônimos —segundo o terceiro significado de «habitar»— referem-se, na verdade, a processos distintos. Habitar está relacionado ao hábito, ao habitual. Em outras palavras, para manter uma ordem espaço-temporal já existente. Por isso torna-se habitar, o que define os limites e as condições para outros modos de ser-no-mundo. Portanto, situa-se acima e no centro. Ocupar supõe uma transgressão aos limites e às formas já consolidadas e impostas de como habitar. É uma ação que se enuncia de baixo e a partir da periferia-margem-limite. Quer dizer, embora pareça tautológico, não é habitar, mas procurar deixar de habitar.

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR

HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR 4 HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR HABITAR


O CO_ Para fazer uma análise na perspectiva do ocupar é necessário reconhecer uma série de elementos considerados relevantes. Por um lado, dois que se referem a processos: o contingente e o contencioso. Por outro lado, dois que apontam para características comuns nos modos de ocupação: o coletivo e o comum.

O co_ntingente: Aquilo que poderia ser o não ser.

Além do simplesmente sintomático —como a pandemia— a crise em todas as suas formas, e como característica consubstancial ao sistema, supõe contingência. Isso significa que há incerteza, e a certeza dependerá das circunstâncias, bem como das ações tomadas a respeito.

O co_ntencioso: Aquilo que está em disputa.

O conflito se constitui como parte da sociedade e está presente em muitas escalas, que vão desde o corpo até o território. É daí que a política contenciosa, em suas diferentes expressões (em relação aos movimentos sociais, protestos e ações coletivas), seja relevante na sua dimensão espacial.

O co_letivo: Aquilo que está unido.

Não entendido como um simples agregado, mas como uma forma de ser diferente do individual, sem pressupor contradição ou oposição entre essas categorias. Nesse sentido, a ênfase está na intensidade e na profundidade das relações e, em menor medida, na forma e na quantidade.

O co_mum: Aquilo que está no meio.

Pode ser material ou imaterial, mas se caracteriza por ser compartilhado e localizado entre as partes. Embora o comum também possa sugerir alguma coisa ordinária (não singular ou não único), a verdade é que o comum não acostuma ser o mais comum.

5

Ao —«pr co

cons Qu

fo


o contrário do que foi dito rimeiro é habitar e depois onstruir»— na atualidade (e faz muito tempo já) se strói para depois habitar. uer dizer, as regras estão dadas e a ordem «ideal» oi invertida. É ali onde tem lugar falar de

OCUPAR.

6


Do latín occupāre. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16.

tr. Tomar ou estar na posse de. tr. Exercer o controlo sobre determinado espaço. tr. Não deixar que outrem utilize algo; tomar para si sem partilhar (ex.: ocupar a casa de banho; não quero ocupar o seu tempo). ≠ desocupar, libertar tr. Preencher um espaço ou um território. = encher tr. Estar instalado em determinado lugar. = habitar, instalar-se, morar ≠ desocupar tr. Instalar-se em casa ou terreno sem autorização do proprietário. ≠ desocupar tr. Exercer, desempenhar. tr. Atribuir tarefas ou dar ocupação a. tr. Embaraçar, estorvar. tr. Ser objecto de. tr. Pejar. intr. [Antigo] Ficar grávida. = emprenhar, engravidar prnl. Ter como assunto. = dedicar-se, tratar prnl. Tomar a seu cargo. = cuidar, tratar, velar, zelar prnl. Entreter-se. prnl. Empregar-se.

OCUP Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2020).


12_2020

Este zine, elaborado pela Editorial CLEA, expõe o eixo temático anual (2021) da Coordinadora Latinoamericana de Estudiantes de Arquitectura (CLEA).

REDAÇÃO Y EDIÇÃO: Alejandro Alcázar (Costa Rica)

DESIGN DE CONTEÚDO: Alejandro Alcázar (Costa Rica)

DESENHO DE CARTAZ: Alejandro Alcázar (Costa Rica) Ana Paola Mejía (Nicarágua) Pietro Chiri (Peru)

TRADUÇÃO:

Pietro Chiri (Peru)

COLABORAÇÃO:

Adriana Rojas (Peru) Christopher Vásquez (Peru) Marcia Milussich (Peru) CLEA.Latinoamerica @clea_latino /cleaeditorial cleaeditorial@gmail.com www.clealatinoamerica.org

P_AR

(CC BY-NC-SA 4.0) 4.0 International Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual


.. NEM TO . M

ELXS Q QU U .A

ÃO HABITA EN

OCUP _AR n ão é HA BI T-

S HABITAM X D

O habitar situa-se acima e no centro, e a partir daí delimita e condiciona. Ao mesmo tempo, se torna em habitar. No deslocamento, relegação, cancelamento de um modo de ser-no-mundo sobre outros. É hegemonia. E é nessa relação conflituosa que os espaços vazios resultam pelos deslocamentos que produz. Alguns são preenchidos pelo próprio habitar, outros permanecem pelo ocupar. E outros, na verdade, nunca estiveram realmente vazios, mas sempre ocupados. Todos esses são lugares de enunciação situados nos limites, nas margens, nas periferias. E muito disso é América Latina.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.