9 minute read
parar pra conversar Gilberto Guimarães, Centro de Saúde do Cadaval
Gilberto Guimarães, coordenador do centro de saúde do Cadaval
Advertisement
Um ano após a reinstalação do centro saúde do Cadaval e ainda em contexto pandémico, falámos com Gilberto Guimarães, atual coordenador da Unidade de Cuidados de Saúde Primários do Cadaval. Para o clínico, o equipamento apresenta bons recursos materiais e humanos, faltando apenas mais médicos para uma resposta cabal e atempada.
No que se refere ao número de médicos, Gilberto Guimarães considera que a unidade cadavalense está muito melhor do que estava quando chegou. «Tínhamos a Dra. Fernanda e o Dr. Primor, e depois o auxílio de duas cole gas contratadas, a Dra. Hortense e a Dra. Nig  «No Cadaval, as pessoas têm tido um comportamento cívico adequado» dalis. As coisas estão muito melhores agora, porque temos para ir às sedes ou às extensões, ou então os próprios servimais três profissionais médicos novos, que sou eu, a Dra. Ana ços deslocam-se a casa dessas pessoas», aponta. «Nós, para Filipa e a Dra. Ana Luísa», nota. já, não temos ainda capacidade médica. Normalmente, o O clínico manifesta-se satisfeito com as condições do novo atendimento ao domicílio que fazemos é aos nossos utencentro de saúde. «A sala de reuniões é uma sala pequenina tes», explica, acrescentando que o que mais se faz, de mopara a equipa toda, mas tirando isso os gabinetes são fantásmento, nas UMS, são cuidados de enfermagem. ticos. Aliás, o centro de saúde é totalmente novo, e nós não Questionado sobre a eventual reativação de extensões lonos podemos queixar de termos falta de material, pois temos cais, considera difícil ela vir a acontecer. «As extensões têm tudo o que é necessário. A equipa também é muito boa, na custos muito altos, porque tem de lá estar um médico, um sua globalidade. Também temos muito bons elementos de enfermeiro, uma secretária clínica e uma auxiliar de limpeenfermagem e secretárias clínicas, num número que me paza», avança. «Aquilo que as povoações efetivamente retiram rece razoável. Efetivamente, aquilo que mais faltava eram de benefícios é quando um dos outros profissionais, médico os profissionais médicos, mas isso está-se a mudar», afirma. ou enfermeiro lá vai, e normalmente vai poucos dias. Temos «Nós precisamos de mais profissionais médicos, porque tede ponderar se estes custos não são mais elevados do que, mos à volta de 14 mil utentes, com os das extensões, e ainda muitas vezes, fazer com que essas pessoas possam ser transtemos à volta de 3500 utentes sem médico de família. Por portadas para as sedes». É de opinião, todavia, que as duas isso, precisamos de mais um ou dois médicos para completar extensões que existem fazem sentido, por se encontrarem a equipa, para que possamos dar uma resposta atempada a «muito afastadas». todos os utentes», salienta. Relativamente ao funcionamento do centro de saúde em O caso das extensões locais de saúde também não é diferencontexto Covid-19, considera ter havido uma boa adaptação te. «Veja-se, por exemplo, a extensão de Figueiros, em que da unidade e respetivos profissionais. «Os utentes acabaram temos uma médica contratada que lá vai apenas duas vezes por perceber que tínhamos de remodelar a forma assistenpor semana, com uma área de influência a rondar os 1100 cial e desmarcar muitas consultas, para vermos os casos mais utentes. Ou seja, dois dias por semana é muito pouco. E mesgraves», conta. «Montámos um sistema de triagem que immo no Vilar, com um médico de baixa e muitos utentes ainda pede a entrada de pessoas com suspeitas de Covid, que possem médico, a serem assegurados pela Dra. Hortense, prosam contaminar algum dos elementos da equipa, e depois vavelmente a resposta também não é a melhor. Daí que, nos ter de toda ela ir para casa». próximos concursos, se vierem mais médicos para o Cadaval, O responsável considera muito positiva a dinâmica criada essas necessidades possam ficar supridas», observa. com o ACES Oeste Sul. «Permitiu-nos direcionar pessoas com Relativamente à Unidade Móvel de Saúde, que no Cadaval suspeitas respiratórias para outras áreas, e, neste caso, a esfoi implementada em 2017, entende ser uma realidade muicolhida foi a ADC da Lourinhã», nota. «Aquilo que se pede a to importante «para dar cobertura a pessoas que estão mais uma Área Dedicada ao Covid-19 é que exista uma entrada distantes e que, por vezes, não têm outra possibilidade de se diferente para as pessoas com queixas respiratórias, a que deslocar aos centros de saúde». «Com o fecho de extensões, chamamos Área Contaminada. Ora, nós no Cadaval temos tem de se promover a acessibilidade aos cuidados de saúde uma entrada única e, como tal, fica muito difícil fazer duas dos utentes muito afastados. E acho que há duas possibilidaáreas separadas. A vantagem da Lourinhã é ter mais do que des: ou se consegue proporcionar transporte a esses utentes, uma entrada no edifício. Esse penso que foi o principal moti
vo pelo qual se colocou lá o ADC», declara. Em caso de suspeita de Covid-19, o primeiro passo é perceber se os sintomas passam pelos já profusamente difundidos – febre, tosse, dificuldade respiratória, alterações do paladar, entre outros. «O ideal é ligarem para a unidade do Cadaval ou, então, dirigirem-se diretamente ao ADC da Lourinhã. Se ligarem para a nossa unidade, são atendidos. Porém, como estamos a fazer chamadas a muitos dos nossos utentes, as linhas estão interrompidas, muitas vezes», observa. «Mas, na dúvida, podem-se deslocar sempre ao ADC da Lourinhã porque as equipas do Cadaval (onde eu me incluo) também cobrem as escalas do ADC da Lourinhã. Não havendo estas queixas, pode dirigir-se ou ligar para a nossa unidade e fazer agendamento de consulta. O objetivo é tentar não concentrar muitas pessoas no Cadaval, de modo a que, se houver risco de haver alguém contaminado, não estar a dispersar o vírus pelas outras pessoas que vinham a uma consulta normal», afirma. «Estamos a privilegiar as consultas não presenciais, sendo que, se não conseguirmos resolver não presencialmente, convocamos, então, a pessoa para vir a uma determinada hora. Para além disso, mudou-se muito a estratégia. Por exemplo, muitas pessoas têm recebido receitas por via eletrónica, quando sempre as vinham buscar em papel. Para pedir ou mostrar exames, essas pessoas agendam consulta e, normalmente, não precisam vir cá. Deixam os exames na secretaria, ou mandam por email, e nós fazemos a consulta dessa forma; há muitas coisas que estão a mudar», refere. «A linha Saúde 24 faz exatamente a mesma coisa que o enfermeiro que nós temos à porta da unidade do Cadaval», explica. «Os colegas da Saúde 24 fazem a triagem para avaliar a possibilidade de a pessoa ter ou não a doença. Se as queixas forem febre ou problemas respiratórios, a linha encaminha-a para ser vista no ADC da Lourinhã. Se as queixas indiciarem nada ter a ver com Covid, a pessoa é encaminhada para a nossa unidade. Depois, será vista ou marcada consulta no espaço de um a três dias, se acharmos que não é urgente», diz. Gilberto considera que o Cadaval está melhor do que a média da região, em termos de infeções pelo novo coronavírus. «Grande maioria dos casos que tivemos são de pessoas que trabalham fora», constata. «Aquilo que se está a ver agora é um aumento da incidência de casos em toda a ARS de Lisboa e Vale do Tejo, com particular incidência nas pessoas mais jovens, que trabalham», acrescenta. «No Cadaval, as pessoas têm tido um comportamento cívico muito adequado», considera. «Aquilo que verificamos é que as pessoas têm-se respeitado, e isso é comprovado pelos números. Embora o Cadaval seja um concelho pequeno, temos números positivos muito mais baixos do que noutros concelhos à volta», revela o clínico. Trabalhar entre o Cadaval e a Lourinhã por vezes não se torna fácil. «Eu estou a fazer escala de 14 dias seguidos na Lourinhã. Com a minha lista de utentes, há sempre coisas que são inadiáveis, como baixas ou pessoas de doença aguda, mas nós fazemos uma escala. Quem for para o ADC da Lourinhã, os seus doentes ficam cobertos pelos colegas que cá ficam. Por isso, conseguimos articular. Como eu também estou a morar no Cadaval, fica mais fácil, no meu regresso, fazer uma ou outra coisa que me tenha faltado», observa. Se, a princípio, as pessoas tinham medo de vir à unidade de saúde e correrem o risco de serem contagiadas, com o prolongar da situação de Covid-19, muitas pessoas, com doenças de base, sentiram necessidade de recorrer ao médico. «Por isso, cada vez mais, temos verificado uma maior afluência. E nós temos feito por que essa afluência possa ser feita por canais digitais, em vez de presencialmente», observa. Na globalidade, a cobertura vacinal terá sido muito idêntica à que já existia antes da pandemia. «Mantivemos sempre as consultas presenciais nas idades-chave para as vacinações. As pessoas adultas, se calhar, vieram menos vezes à unidade, e provavelmente vamos ter uma queda. Mas como nos adultos os timings para a vacinação são mais largos, isso ainda nos dá margem para vacinar essas pessoas», avança. O representante do centro de saúde do Cadaval acredita que a gestão da pandemia pela DGS e Governo está a ser bem executada, em termos globais. «Não é por acaso que temos muito boas críticas internacionais. Com o prolongar da pandemia, teria de se iniciar o desconfinamento, para as pessoas regressarem a uma vida mais ou menos normal. Ora, isto tem custos, tais como o aumento de casos», adianta. Ao invés de uma segunda vaga de Covid-19, acredita que existirão oscilações, com provável ocorrência de picos de infeções. «A cada período de desconfinamento, nós agravamos o risco, que é o que se supõe que esteja a acontecer. E provavelmente vai suceder nos sítios onde a infeção era mais baixa. Agora, estamos a ter mais casos na ARS de Lisboa e Vale do Tejo, quando no início da pandemia assistíamos a muitos mais casos na região norte, onde teremos agora mais pessoas imunizadas. Isto não é um dado seguro, mas, de acordo com a DGS, não se verificam pessoas contaminadas que voltem a sê-lo», afirma. A tão falada “mudança de paradigma” faz sentido para o porta-voz da unidade local de saúde. «Eu acho que há aqui coisas que vão ter mesmo de mudar, e mudar no bom sentido. O recurso aos cuidados de saúde primários para pedir receitas, por exemplo, vai cada vez mais ser feito por meios digitais», nota. «Tanto que temos até pessoas mais velhas, sem email ou telemóvel, a solicitar aos filhos, aos vizinhos, aos amigos, que façam o envio de um mail ou mensagem a pedir receitas, e isso provavelmente vai perdurar, e vai perdurar também este isolamento social, pelo menos enquanto existir a pandemia». Se o Cadaval está clinicamente preparado? «Acho que agora estamos mais preparados do estávamos há um ano atrás, e quero acreditar que daqui por alguns meses ainda possamos estar mais, se por acaso vierem mais colegas médicos para a unidade, e conseguirmos dar uma cobertura assistencial completa às pessoas do Cadaval», conclui o porta-voz do centro de saúde.
Entrevista realizada a 2 de junho de 2020
Gilberto Rui Faria Guimarães nasce em Felgueiras, a 23 de janeiro de 1977, local onde residia e onde está a família. Em 2000, termina a primeira licenciatura, em Ciências Farmacêuticas (U. Porto), tendo sido farmacêutico durante 14 anos. Nunca deixando de trabalhar, entra na Faculdade de Medicina (U. Minho) em 2008, onde concluiria o mestrado integrado em Medicina, seguindo-se o internato geral (Mirandela). Após quatro anos de especialidade em Medicina Geral Familiar (Lousada), forma-se em 2019, ano em que concorre para o centro de saúde do Cadaval. Está no Concelho desde 1 de julho de 2019, enquanto médico e, desde 1 de setembro, também como coordenador da unidade.