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parar pra conversar Horácio Matias e Artur Luís, União dos Amigos de Palhais
Horário Matias e Artur Luís, elementos da União Amigos de Palhais
«Quando se trata de fazer algo que enalteça a terra, o povo junta-se e dá as mãos»
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A União de Amigos de Palhais festejou, a 26 de dezembro de 2020, 50 anos de fundação. Dois dos seus mais antigos elementos contam como, através da grande entrega do povo, foi possível chegar até aqui e acreditam que a coletividade tenha condições para continuar.
Nesta viagem às origens e pelo percurso da União de Amigos de Palhais (cuja atual presidente da direção é Rosa Diogo), falámos com dois dos elementos mais antigos da vida da associação. Horácio Matias, que pertenceu à primeira direção e atual presidente da Assembleia-Geral, e Artur Luís, que só não fez parte da direção fundadora por se encontrar no Canadá, na ocasião. No entanto, fez parte da maioria das direções, das quais, por diversas vezes, foi presidente. Atualmente é secretário da Assembleia-Geral. As origens da União de Amigos de Palhais (UAP) devolvem Horácio Matias aos seus saudosos 27 anos, idade em que já pertencia à então comissão. «A UAP nasce das grandes festas que se fizeram em Palhais», avança. «E foram únicas porque nunca mais se fez nada igual no Concelho! Quer em ornamentação, quer em conjuntos. Tínhamos um elemento que trazia de Lisboa as melhores orquestras que havia», lembra. «A estrada, nessa altura, era cheia de buracos. Chegámos a ter de fazer um estrado de madeira, na estrada, para as pessoas poderem dançar. Mas nós juntávamos, lá em cima no largo, milhares de pessoas… Vinham de propósito ver a ornamentação que, naquela altura, anos 70, dava um aspeto extraordinário à aldeia», prossegue Horácio. «Era impensável contratar artistas para aldeias como Palhais», refere. Mas é infindável a lista de artistas e conjuntos de renome que elencam, ao passo que Artur manuseia antigos prospetos. A festa pagava-se com o rendoso peditório que era feito ao povo. «Na altura, tínhamos já alguns emigrantes a mandarem dinheiro da América, do Canadá, da França… Apoiavam a comissão porque sabiam o impacto da festa no Concelho e fora dele. Pagávamos as despesas e ainda tínhamos sobras. Hoje estou convencido de que, tirando as tasquinhas da Murteira, não há nada no Concelho igual ao que aqui se fazia», entende Horácio. «Sinto grande orgulho em ser de Palhais e estar vivo, no descerrar da lápide dos 50 anos. Eu sinto uma grande alegria, e tive oportunidade de dizer isso na ocasião, em que esteve o Sr. Presidente da Câmara, a Junta de Freguesia do Vilar e a direção da UAP. A nossa União é uma união que está viva. Até vir a pandemia, esteve sempre viva, com várias atividades. Fazemos uma noite de fados que é uma coisa quase histórica, aqui para a nossa zona. Enchemos
 Artur Luís e Horácio Matias recordaram, com saudade, as origens da UAP sempre a casa e temos de recusar pessoas, sempre com um elenco artístico de primeira categoria. E muita gente de fora», adianta. «Tem-se mantido a casa em atividade quer seja com jantares, almoços, batizados ou casamentos. Até gravações de conjuntos se fizeram aqui, por causa da acústica da casa», realça Horácio. «Um disco dos Mão Morta foi feito aqui nesta casa», complementa Artur. «A festa do lançamento do disco foi também aqui, e foi uma festa espetacular, que até fui eu que organizei. O produtor era um amigo de Palhais, o José Fortes. Vieram jornais de Lisboa e tudo, foi impecável!», realça. Sobre este assunto, Adolfo Luxúria Canibal, por ocasião do cinquentenário da UAP, deixava a seguinte mensagem à associação: «Foi em finais de agosto de 1995 que José Fortes nos deu a conhecer a associação, instalando um estúdio móvel na sua sede para, aproveitando as cuidadas condições acústicas do seu salão, aí misturar o que viria a ser o nosso 6.º álbum, “Mão Morta Revisitada”. Que a 19 de outubro desse ano seria também aí apresentado, numa vasta campanha mediática da então BMG, que reuniu, no salão da União dos Amigos de Palhais, mais de meia centena de jornalistas e fãs numa festa com copioso jantar seguido de um concerto no palco com que está apetrechado e onde tocámos o disco (…). Para nós foi uma noite inesquecível, como inesquecível foi esse verão com o José Fortes em Palhais às voltas com as misturas de “Mão Morta Revisitada”… Parabéns UAP!». Horácio não tem dúvidas quanto à longevidade alcançada pela União. «Deve-se sobretudo ao amor que pessoas como o Artur e tantos outros tiveram para com a UAP. Foi uma entrega total; eu tenho conhecimento de várias associações e poucas vezes tenho visto amor a uma causa como esta! Quer sejam os mais jovens, mulheres ou homens… tiveram sempre uma dedicação forte a esta casa. A longevidade vem daí», sublinha, assinalando que, apesar da população vir diminuindo, tem-se mantido sempre o quórum para a direção, para a assembleia-geral e para o conselho fiscal», diz. «Os resultados positivos alcançados com a gestão da casa
também têm sido importantes. A casa tem dinheiro a prazo, pois tem havido sempre uma gestão cuidada e com receitas positivas», nota, acrescentando que a coletividade tem participado em obras na localidade como os arranjos da capela ou da fonte, entre outras. Artur, por seu turno, recorda ter a primeira festa sido realizada em 1971. «Depois dos três primeiros anos, a direção, de que fazia parte muita gente de Lisboa, desmembrou-se um pouco, e a associação esteve parada durante dois, três anos, nos anos 70», recorda. A eclosão do 25 de Abril também terá comprometido um pouco o funcionamento, acrescenta Horácio. «A malta estava desgostosa com isto, havia bens abandonados… Criou-se então um grupo de gestão para reativar a União; éramos uns quatro ou cinco», revela Artur. «Conseguimos arranjar uma direção. Tínhamos vontade de trabalhar e quisemos cumprir uma parte dos estatutos, que era criar uma sede», conta. «A direção tinha deixado 50 mil escudos e então fomos trabalhar. Como não tínhamos terreno, pedimos ao então presidente, Dr. João Corrêa, para fazermos a obra dentro do recinto da escola, ficando a sala também para as crianças, e ficou assim combinado com a Câmara. Mas o Ministério da Educação não deixou, até que encontrámos este terreno onde estamos, que era de um senhor que também fez parte da primeira direção. E vendeu-nos o terreno por 150 contos. Estávamos em ‘81, ‘82», recorda Artur. «Tínhamos terreno, não tínhamos era dinheiro para pagar. Na direção, fizemos uma pequena coleta e arranjámos o dinheiro que faltava. Depois de legalizado o terreno, faltava o projeto. Uma sócia de Palhais, a arquiteta Teresa Gamboa, aceitou fazer o projeto sem se fazer pagar. O projeto foi orçado em 280 contos. Não tínhamos dinheiro para a obra. Eu era o vice-presidente, e o presidente e o secretário estavam em Lisboa. Fizemos uma reunião aqui em Palhais, no fim de semana, e eles foram ao Governo Civil pedir uma reunião, que foi marcada, e lá fomos. O Governador Civil era de Alenquer. Disse-nos que tínhamos um projeto muito ambicioso e ofereceu-nos 200 contos. Ficámos contentes, pois já tínhamos dinheiro para arrancar. Começámos a obra a 8 de janeiro de 1983. Éramos cerca de 20 homens a trabalhar ao fim de semana, de borla. Esta obra tem aqui 3 190 horas oferecidas pelo povo de Palhais. Novos e velhos, todos trabalhavam, todos tinham gosto», recorda. «Eu, na altura, tinha uma pecuária, e prometi oferecer um porco para assar quando assentássemos o telhado, e a malta bateu palmas, atirou-se para o ar seis ou sete foguetes e metemos mãos à obra. No dia 20 de julho de 1984, em ano e meio, tínhamos o telhado posto! Toda a gente tinha uma adoração por isto! No dia 8 de setembro de 1984, sábado, veio cá a Palhais o Governador Civil, para um almoço a nosso convite, através do presidente da Câmara, mas soubemos na quarta-feira antecedente que ele viria. Mobilizámos as mulheres todas de Palhais! E a direção foi também toda mobilizada, e fomos fazer uma festa! Ele viu a obra e prometeu mais um cheque de 200 contos. E assim fomos continuando. Graças a Deus, nunca esta casa parou de fazer obras por falta de dinheiro», sublinha Artur, salientando a fé no Santo António, padroeiro da localidade. «Foi-se organizando as festas de verão, e organizava-se o tiro aos pratos, o que deixava muito dinheiro à associação», observa. «Depois, a 27 de dezembro de 1986, deu-se a primeira peça de teatro organizada pelo grupo cénico da UAP; fizemos várias. A peça “O fim da felicidade” foi o início do teatro, e era um drama. A mesma foi repetida a 18 de janeiro de 1987, e sempre com casa cheia», lembra, adiantando que quem ensaiava o grupo era Maximiano Félix, um «amigo», da Ventosa. «Tínhamos também um grupo de dança com sete pares, todos de Palhais», relembra Artur, acrescentando chamar-se “Marcha de Palhais”. Em abril de ’91, subia ao palco a comédia “O Marido da minha mulher”, repetida em maio desse ano, sempre com casa cheia. «Essa, tinha feito eu com 17 anos, por volta de 1961. Porque o teatro em Palhais teve origem há muito mais tempo», ressalva Horácio. «Eu andava na escola em Torres Vedras, e fiz teatro no instituto comercial, e então trouxe para cá esta e outras peças. Nós queríamos construir a capela onde era a antiga escola, que tinha sido dada para esse efeito. E como precisávamos de dinheiro, fizemos o palco dentro da escola, e eu e um grupo de rapazes fizemos o primeiro teatro lá, com casa sempre cheia. A partir dali, começámos a pedir às raparigas para virem, mas naquele tempo era muito difícil os pais deixarem as filhas virem aos ensaios. Mas, a pouco e pouco, foram deixando», conta. «A partir dali, criou-se o espírito do teatro em Palhais. Fomos fazer teatro ao Cadaval, nas “Verbenas” do Cadaval, que se faziam por detrás do hospital antigo. Fomos ao Vilar, a Chão de Sapo, Pragança, Lamas…», afirma. «E sempre com as casas cheias!», complementa Artur. «Tínhamos uns rapazes e raparigas muito bons para o teatro! Aqui o Horácio nunca estudava as peças; era só o ponto», frisa, o que é confirmado pelo próprio. «Depois fizeram-se os bailes dos namorados, bailes de S. Martinho… Depois, o teatro também acabou, e fizeram-se então 17 ou 18 noites de fados. Em 2020, não se fez por causa da pandemia. Nunca parámos, e cada ano que passava era sempre melhor», relata Artur. «Fizemos uma festa dos 25 anos e convidámos o então Governador Civil para cá vir. Foi uma festa espetacular, a 30 dezembro de 1995… Convidámos todas as coletividades da nossa freguesia. Ao corte da fita de inauguração, foram lançados 25 murteiros. De Palhais, não houve casa nenhuma que não trouxesse bolos e frutas», sublinha. «O tempo passou e a casa começou a funcionar com o bar. Queríamos fazer a festa dos 50 anos, mas a pandemia não deixou que fosse com a mesma dimensão», lamenta. «Fizemos então uma festinha simbólica, com colocação de lápide dos 50 anos», refere Artur. «Quando se trata de fazer algo que enalteça a terra, que seja nobre para a própria terra, o povo junta-se e dá as mãos, e é preciso fazer e faz-se», realça Horácio. «Há muitas pessoas a quem nós temos de agradecer, que foram de uma devoção e de uma força inquebráveis para a construção desta casa», sustenta Horácio. «Deixo um agradecimento profundo a todo o povo de Palhais, a todas as pessoas de fora que se ligaram a Palhais e que tentaram ajudar e colaborar em tudo o que foi possível», assinala. «Palhais tem tido pessoas de dentro e de fora que têm levado a bom porto os destinos desta casa e a razão pela qual ela foi construída – para que a terra tenha um sítio onde se junte, acolha, partilhe, e onde a palavra «união» seja realmente um facto consumado», termina. «Eu gostava realmente era que isto andasse para a frente e não parasse. Sentia-me feliz se a juventude pegasse nisto e continuasse pelos tempos fora», reforça Artur. «Gostava de destacar aqui uma pessoa, o Dr. João Francisco Corrêa, que foi um amigo espetacular, ajudou-nos imenso, deu-nos muitos conselhos; onde estiver, muito obrigado. E ao grupo de senhoras que fizeram peditórios em todos os concelhos vizinhos em prol da UAP; elas precisam de ser bem reconhecidas. O nosso muito obrigado».