revista de educação do colégio medianeira NÚMERO 27
ANO XI - 2015
ISSN 1808-2564
Descolonizar pensamentos:
exercício de liberdade e novas práticas
Ler sem medo: o livro conversa com você de igual para igual
Inclusão e altas habilidades:
pelo aprendizado integral
Aprender não é copiar: a dança e a transgressão
Diretor Pe. Carlos Alberto Jahn, S.J.
Diretor Acadêmico Prof. Fernando Guidini
Diretor Administrativo Gilberto Vizini Vieira
Jornalista responsável Carlos Alberto Jahn (MTB 9977)
sumário
expediente
Revista de educação editada e produzida pelo Colégio Medianeira ISSN 1808-2564
3 7
Coordenação Editorial
10
Cezar Tridapalli
Revisão Cezar Tridapalli
Breve comentário sobre livros de literatura e livros didáticos
Ricardo Azevedo Somos todos humanos com altas habilidades
Suzana Cordeiro Braga
Descolonizar pensamentos: da prática teórica à prática experienciada | Fernando Guidini
Redação Diego Zerwes
Projeto Gráfico Liliane Grein
14
A literatura no Panteão dos Deuses
18
Educar em valores, hoje: uma experiência
Suzana de Carvalho Lima
Ilustração e imagens Shutterstock
Colaboraram nesta edição Ricardo Azevedo, Suzana Cordeiro Braga, Fernando Guidini, Suzana de Carvalho Lima, Isabel Piccinelli Dissenha, Marcos Eduardo Manente Chella, Fabricia Tristão de Azevedo, Deyse Crystine de Campos, Felipe Koeller Rodrigues Vieira, Hugo, José Castello, Nara Nunes Dutra, Rodrigo dos Passos, Alice Salomão, Mabile Borsatto e Ivan Justen Santana
Equipe Pedagógica
GADGETS,
Supervisão Pedagógica Claudia Furtado de Miranda, Danielle Mari Stapassoli, Juliana Cristina Heleno, Mayco Delavy e Ivana Suski Vicentin
APRENDIZAGEM
oportunidade de
24
Educação Infantil e E. Fundamental de 1º a 5º ano Coordenação Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro
Ensino Fundamental de 6º e 7º ano Coordenação Profª Eliane Dzierwa Zaionc
21
Ou como o usar a
Fernando Guidini e Isabel Piccinelli Dissenha
O culto ao corpo
Marcos Eduardo Manente Chella e Fabricia Tristão de Azevedo Gadgets, oportunidade de apredizagem - Ou como usar a interação e a tecnologia para alfabetizar
Deyse Crystine de Campos, Felipe Koeller Rodrigues Vieira e Hugo
interação e a tecnologia para
ALFABETIZAR
Ensino Fundamental de 8º e 9º ano
29
Bauman e os escritores
José Castello
Coordenação Prof° Marcelo Pastre
Ensino Médio Coordenação Profº Adalberto Fávero
Coordenação de Pastoral
são
Números importantes, mas valores são para a
toda vida
33
Sustentabilidade na prática: mudanças em empresas e Nações
Nara Nunes Dutra
Pe. Ponciano Petri, S.J.
Coordenação de Midiaeducação Cezar Tridapalli
38
Comunicação e Marketing Vinícius Soares Pinto
Números são importantes, mas valores são para toda a vida
Rodrigo dos Passos
Tiragem 3300
Pistas para uma
Papel Capa: Papel reciclato 180g Miolo: Papel reciclato 90g
Numero de Páginas
EDUCAÇÃO COMPLEXA: transgressão e ousadia
41
Gráfica Radial Tel: 3333-9593 Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria. Linha Verde - Av. José Richa, nº 10546 Prado velho - Curitiba/PR fone 41 3218 8000 Fax 41 3218 8040 www.colegiomedianeira.g12.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Entrevista com Alice Salomão
nos processos de
aprender dança
52
Impressão
De criança para criança
45 50
Pistas para uma educação complexa: transgressão e ousadia nos processos de aprender dança
Mabile Borsatto Os dezessete do vinte e nove do quatro (na urgência da aparente quietude ensurdecedora)
Ivan Justen Santana
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1
editorial
Leitor, olá! Durante da nossa FLIM 2014 (a Festa das Linguagens do Medianeira), tivemos a presença, entre outros autores, do escritor mineiro Luiz Ruffato. Ele falou algo marcante a respeito da proliferação de feiras, festas e festivais literários em todo o Brasil. No entanto, ao mesmo tempo em que comemorava essa prática de levar escritores e livros a muitos cantos do país, advertia o público com esse dado preocupante: as principais pesquisas sobre os índices de leitura no Brasil não apontam nenhuma melhoria. E, o que é pior, indicam uma leve piora (estou pensando sobretudo na comparação entre as duas últimas edições dos “Retratos da Leitura no Brasil”, que está facilmente disponível na internet). Muita festa, pouca leitura? Para pensar melhor a respeito, nossa Mediação dá uma boa atenção ao tema da leitura nesta edição, e de formas bem variadas. Trouxemos uma importante reflexão de outro participante da FLIM 2014, o escritor paulista Ricardo Azevedo, falando da diferença entre ler livros didáticos e livros literários. Outro autor presente na FLIM (desta vez em 2013) foi o carioca José Castello, que traz agora ao leitor uma reflexão acerca de diferenças e semelhanças entre o discurso literário e o sociológico, a partir de ideias do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Seria a literatura algo ainda sacralizado, que impede a maioria dos leitores de se relacionar com ela de modo mais íntimo e dialógico? É nessa vertente de reflexão que caminha
o artigo da professora Suzana Carvalho de Lima. Quem fez das palavras suas companheiras de sonho foi a jovem escritora Alice Salomão Guerra, de dezesseis anos e que registrou em livro algumas de suas experiências de escrita desde a mais tenra idade. Ela conversou conosco. O papel da escola na constituição de um ser humano que ultrapasse as tendências individualistas e consumistas da sociedade é tarefa das mais difíceis, pois rema contra uma corrente muito brava. Para facilitar as remadas, é preciso ainda descondicionar modos de pensar e práticas profundamente enraizadas na escola. É preciso “descolonizar pensamentos”. É sobre isso que fala o artigo de Fernando Guidini, que ainda, em parceria com Isabel Piccinelli Dissenha, compartilha em outro artigo uma experiência de formação em valores de alunos da educação básica. Mensurar a educação em valores também não é tarefa fácil, é algo mais complicado do que analisar estatísticas e dados numéricos objetivos. Mas não seria tão ou mais importante? Vamos discutir esse assunto com o professor do Colégio Catarinense, de Floripa, Rodrigo dos Passos, que fala sobre anseios da educação jesuíta. Anseios que, novamente, passam pela já mencionada descolonização do pensamento e também pela ousadia e pela transgressão, temas que atravessam toda a reflexão da professora Mabile Borsatto, em seu “Pistas para uma educação complexa: transgressão e ousadia nos processos de ensinar e aprender dança”.
Unindo as duas excelências, humana e acadêmica, podemos falar do desafio escolar para a formação integral, para uma aprendizagem que saiba valorizar o indivíduo com suas especificidades, suas necessidades especiais e suas altas habilidades. Com o tema da inclusão bastante em voga, a pedagoga Suzana Cordeiro Braga desmistifica alguns conceitos e joga luz em concepções importantes sobre pessoas com altas habilidades e como a educação escolar precisa se posicionar diante disso. Além de todos estes assuntos, ainda trazemos informações importantes a respeito dos mitos em torno da busca de um corpo perfeito, dos professores Marcos Chella e Fabricia Azevedo, sobre novas formas de aprendizagem a partir dos modernos gadgets, da psicopedagoga Deyse Campos, do aviador da FAB Felipe Vieira e do Hugo (o filho do casal, que você vai conhecer melhor lá no artigo) e sobre sustentabilidade, com conceitos aprofundados, que vão além das noções comuns que aprendemos no dia a dia. A reflexão é da psicóloga e consultora em sustentabilidade Nara Dutra, que dá continuidade à discussão do tema, presente já na edição passada da nossa Mediação. E não esqueça: escreva pra gente. Um boa e bela leitura a todos.
Cezar Tridapalli
Envie sugestões e comentários para:
mediacao@colegiomedianeira.g12.br Procure essa e as edições anteriores, que podem ser lidas na íntegra, no nosso site:
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Breve comentário
sobre
livros de literatura
e livros didáticos Por Ricardo Azevedo
“A literatura e a poesia podem fazer com que a gente entre em contato com, talvez, os assuntos mais relevantes de nossas vidas. Relevantes por serem subjetivos. Relevantes por não serem passíveis de métodos, exercícios, regras e lições. Relevantes por fazerem de nós seres mais sensíveis, vitais e humanos”. mediação
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Q
uando falamos de livros didáticos e paradidáti- cos, quase sempre esta mos nos referindo a obras que divulgam informações consideradas corretas num dado momento e que deveriam fazer parte do acervo de conhecimento das pessoas. Com os didáticos e congêneres entramos em contato com as regras que fazem funcionar a nossa Língua; aprendemos a fazer contas; adquirimos noções a respeito do nosso corpo e da natureza; assim como recebemos notícias sobre as características de nosso país, seu povo e sua História, entre outras e variadas informações. Tudo isso é muito importante. Note-se, porém, que boa parte dessas informações são relativas a um dado momento do conhecimento. Necessitam de atualização periódica, afinal, novas abordagens e interpretações são propostas o tempo todo; surgem novas descobertas científicas, concepções, teorias, metodologias e rearranjos geopolíticos; as maneiras de conviver socialmente se modificam com o passar do tempo e mesmo nossa Língua tende a passar por alterações de quando em quando. Um livro didático escrito e publicado, por exemplo, no tempo em que vigorava a escravidão,
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certamente consideraria essa abominável instituição algo perfeitamente legítimo, natural e aceitável. Um romance, escrito e publicado no tempo da escravidão, mesmo com escravos em seu enredo, jamais teria o mesmo efeito. Diante de um livro didático, a posição do leitor é, em tese, a de entrar em contato com a “realidade objetiva” e com a “verdade”: “a água ferve a 100%” ou “o ser humano pertence à classe dos mamíferos”. Diante de um romance, a posição do leitor é outra: sabe que está diante de um texto de ficção, o que implica o contato com um discurso subjetivo e com a visão particular e inventiva do autor e não com a “verdade”. Um texto de ficção exige fruição e interpretação. Um texto didático exige basicamente aprendizado. Mas, independentemente de eventuais e necessárias atualizações periódicas e embora as informações convencionais sejam muito importantes, elas, em todo o caso, são insuficientes para que a gente possa compreender a vida humana concreta. Por exemplo: de que adianta para uma pessoa passando fome saber que os alimentos contém proteínas, carboidratos, vitaminas e sais minerais? De que adianta para um homem apaixonado saber
que a mulher desejada tem átomos, neurônios, rins, baço, pâncreas e fígado? Em poucas palavras, tento dizer que nesse caso estamos diante de diferentes instâncias que não podem nem devem ser confundidas. Para além das informações científicas, objetivas e técnicas, todos os seres humanos vivem às voltas com sentimentos, desejos, imaginações, intuições, pulsões, dúvidas, conflitos e contradições. Isso sem falar em diferentes culturas, interesses e crenças. Tal condição implica, por sua vez, assuntos banais, complexos, cotidianos e vitais como, por exemplo, a busca do autoconhecimento; a busca da identidade; as paixões; as questões inerentes às relações com o Outro; a possibilidade de humilhar ou poder ser humilhado; sentimentos como inveja, orgulho, amor, ganância, solidariedade, ciúme, honradez e medo; a dificuldade em separar ficção e realidade; o envelhecimento e a mortalidade; a esperança; a falta
de esperança; a discutibilidade da verdade; os dilemas de ordem moral e a busca de um sentido para a vida, entre outros assuntos que, note-se, não costumam ser abordados em livros didáticos e técnicos, nem demandar atualizações periódicas significativas. Para o filósofo Richard Rorty, por exemplo, o que diferencia o ser humano dos outros animais é que ele pode ser passível de humilhação e esta deveria ser inaceitável por todos nós, independentemente de crenças, desejos, culturas ou classes sociais. Trata-se de uma questão, segundo Rorty, não de progresso tecnológico, mas, sim, de “progresso moral”. Por humilhação leia-se, claro, o racismo; o preconceito social; o preconceito cultural;
tenham estudado e feito curso superior, são moralmente raquíticas, analfabetas e subdesenvolvidas? Enfim, são assuntos sobre os quais, na verdade, não cabe muito propor teorias, metodologias, lições, regras e exercícios. São assuntos para serem apenas compartilhados e discutidos, não ensinados. São assuntos que de certa forma professores e alunos ou adultos e crianças se nivelam por suscitarem o diálogo e a troca de impressões. São assuntos capazes de gerar profunda identificação entre todas as pessoas. São assuntos, enfim, que podem nos aprimorar como seres humanos. São exatamente os assuntos da literatura e da poesia. Vamos comparar dois textos. Ambos falam do corpo. O primeiro, retirado da internet, pretende ser didático e objetivo:
as restrições ao direito das mulheres; a desigualdade de oportunidades etc.
Afinal, convenhamos: de que adianta um progresso científico ou econômico feito por pessoas que, embora
Cérebro, Coração, Dentes, Esôfago, Esqueleto, Estômago, Faringe, Fígado, Glândulas Salivares, Intestino Delgado, Intestino Grosso, Laringe, Pâncreas, Pulmão, Rins, Sangue, Traqueia, Vesícula Biliar... (Muitas crianças e jovens podem tê-lo acessado. Note-se o tom impessoal e, ainda que as partes do corpo humano sejam colocadas em ordem alfabética, ela é esquizofrênica, como se fosse uma lista de autopeças ou de engrenagens e, portanto, como se o corpo humano fosse uma espécie de motor!) Eis o segundo, “Os dois lados”, poema de Murilo Mendes, retirado do livro O menino experimental, publicado pela Summus em 1979:
Deste lado tem meu corpo Tem o sonho
O corpo humano é uma mistura de elementos químicos feita na medida certa. As partes do corpo humano funcionam de maneira integrada e em harmonia com as outras. Os principais órgãos do corpo humano são: Baço, Bexiga Urinária, Célula,
Tem a minha namorada na janela Tem as ruas gritando de luzes e movimentos Tem meu amor tão lento Tem o mundo batendo na minha memória Tem o caminho pro trabalho Do outro lado tem outras vidas vivendo da minha vida
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Tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas Tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão Tem a morte, as colunas da ordem e da desordem. Como disse, a literatura e a poesia podem fazer com que a gente entre em contato com, talvez, os assuntos mais complexos, banais, cotidianos e relevantes de nossas
vidas. Relevantes por serem subjetivos. Relevantes por não serem passíveis de métodos, exercícios, regras e lições. Relevantes por fazerem de nós seres mais sensíveis, vitais e humanos.
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Ricardo Azevedo é escritor e doutor em Letras. Texto postado em 1/03/2015 no facebook https://www.facebook.com/rjdazevedo
Recomendações Como um romance Daniel Pennac | Editora Rocco Em ‘Como um romance’ Pennac questiona, através da recriação ficcional do ambiente de uma sala de aula, a razão de os jovens não gostarem de ler. Baseado em suas próprias experiências como professor, ele ensina e aí reside todo o charme do livro - como recuperar nos alunos o gosto pela leitura, um ato esquecido neste fim de século dominado pela comunicação em massa. Acima de tudo, Pennac quer mostrar que o ato de ler é um ato de prazer e não de obrigação.
Leitura subjetiva e ensino de literatura Annie Rouxel, Neide Luiza de Rezende, Gerard Langlede | Editora Alameda Ao examinar o papel da escola nessa tensão entre os direitos do texto e os direitos do leitor, discute-se sobre o lugar, o estatuto e as formas que podem ter as experiências de leitura subjetivas das obras, do maternal à universidade, ao lado da necessária transmissão de conhecimentos sobre a literatura, sua história, seus códigos, seus rituais. Enfrentar o desafio que as crianças e os jovens de hoje apresentam para o ensino - sejam leitores acostumados à linguagem literária contemporânea, sejam não leitores que precisam ser motivados pela escola, ou então leitores de outros suportes que já não têm familiaridade com o livro impresso - é uma das grandes contribuições que esta obra traz para o público brasileiro, principalmente para os professores.
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Somos todos humanos comALTAS
HABILIDADES É, sem dúvida, um grande desafio lançado à escola: propiciar aos alunos ganhos intelectuais e criativos, oportunidades de desenvolvimento de pensamento estratégico, repertório cultural e condições de ler o mundo em que vivem. Desafio este em que temos nos lançado observando as características de cada um, tenha ‘altas habilidades’ ou não. Por Suzana Cordeiro Braga
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tualmente, falar sobre ‘altas habilidades’ é uma tarefa complexa e, ao mesmo tempo, delicada, mas que se faz pertinente. Nossa intenção é ir além de modismos ou de uma visão simplista sobre o tema, posto que queremos abordá-lo dentro de um contexto sociocultural específico: a escola. Antes, porém, alguns dados são fundamentais.
A
A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que pelo menos 5% da população mundial têm algum tipo de alta habilidade. Segundo a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner[1], devemos considerar que as habilidades intelectuais humanas não se localizam somente na esfera acadêmica, mas também no âmbito Lógico-Matemático, Linguístico, Espacial, Corporal-Cinestésico, Inter e Intrapessoal, Musical, Natural e Existencial. Nesse sentido, o conceito elaborado por Gardner é “uma alternativa para o conceito de inteligência como uma capacidade inata, geral e única,
que permite aos indivíduos uma performance, no sentido de desenvolvimento, maior ou menor, em qualquer área de atuação”.[2] Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento balizador da política educacional brasileira, versa sobre a questão das ‘altas habilidades’ apontando para a educação na perspectiva da diversidade. Em seu texto base, chama a atenção para incluir a capacidade intelectual e, também, os interesses e motivações presentes em cada indivíduo. “A atenção à diversidade deve se concretizar em medidas que levem em conta não só as capacidades intelectuais e os conhecimentos de que o aluno dispõe, mas também seus interesses e motivações. Esse conjunto constitui a capacidade geral do aluno para aprendizagem em um determinado momento”.[3] Se observarmos o tema sob a ótica da escola regular, percebemos que atender as necessidades das crianças com ‘altas habilidades’ é muito mais do que tratá-las de forma diferenciada dos demais, como se seus feitos intelectuais pertencessem a uma categoria superior. O entendimento comum da questão das ‘altas habilidades’ aponta para uma escola que ofereça desafios intelectuais suficientemente significativos para todos os alunos, inclusive para os alunos com ‘altas habilidades’ em uma ou mais áreas do conhecimento. É, sem dúvida, um grande desafio lançado à escola: propiciar aos alunos ganhos intelectuais e criativos, oportunidades de desenvolvi-
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mento de pensamento estratégico, repertório cultural e condições de lerem o mundo em que vivem. Desafio este em que temos nos lançado observando as características de cada um deles, tenham ‘altas habilidades’ ou não. Para a escola, o foco primordial é o aluno visto como realidade e como possibilidade, possibilidade esta de expandir seu potencial de ser humano, que irá viver e compartilhar experiências em um mundo para além dos limites da escola e da família. Mesmo assim, é necessário pontuar que, algumas vezes, o aluno com ‘altas habilidades’ apresenta dificuldades em relação à interação com o grupo, ao estímulo de compartilhamento. Contudo, em qualquer área do conhecimento, ele deve ser estimulado em suas capacidades da forma mais sistêmica possível no que concerne à interação com os outros, propiciando assim condições de desenvolver sentimentos de
pertença ao grupo, de alteridade e solidariedade. Caso contrário, a escola corre o risco de formar pessoas incapazes de usar seu potencial em prol de um mundo melhor. Ao vermos as descrições abaixo, rapidamente lembramos de alguém que possui algumas características com ‘altas habilidades’. Vejamos algumas delas apontadas pelo MEC no documento da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e Cultura.
Por Por Suzana Cordeiro Braga
4
Pensa de forma incomum para resolver problemas.
15
Possui percepções incomuns, sobre vários assuntos.
5
É persistente, independente, autodirecionado.
16
Apresenta excelente senso de humor.
6
Persuasivo, é capaz de influenciar os outros.
17
Resiste à rotina e à repetição
7
Inquisitivo e cético, está sempre curioso sobre o como e o porquê das coisas.
18
Expressa ideias e reações, frequentemente de forma argumentativa.
8
Adapta-se com bastante rapidez a novas situações e a novos ambientes.
9
Tem muitas habilidades nas artes (música, dança, desenho etc.).
10
Tem vocabulário excepcional, é verbalmente fluente.
11
Aprende facilmente novas línguas.
1
Aprende fácil e rapidamente.
12
Tem bom julgamento, é lógico.
2
É original, imaginativo, criativo, não convencional.
13
É flexível e aberto.
3
Está sempre bem informado, inclusive em áreas não comuns.
14
Versátil, tem múltiplos interesses, alguns deles acima da idade cronológica.
4
Pensa de forma incomum para resolver problemas.
15
Possui percepções incomuns, sobre vários assuntos.
5
É persistente, independente, autodirecionado.
16
Apresenta excelente senso de humor.
6
Persuasivo, é capaz de influenciar os outros.
Muito mais do que o senso comum e os modismos apontam, as habilidades intelectuais se apresentam como um pano de fundo, um chão sob o qual se assentam as inúmeras aprendizagens da vida. Aquelas que se aprendem na escola e além dela. A esse feixe de capacidades podem-se entremear processos de reflexão e valores em uma perspectiva verdadeiramente inclusiva, ou seja, aquela que nos caracteriza como verdadeiramente humanos. Suzana Cordeiro Braga é pedagoga, orientadora educacional do Ensino Fundamental no Colégio Medianeira. É professora Universitária, na área de formação de professores, especialista em Currículo e práticas educativas, e mestre em educação.
Recomendações 7
Inquisitivo e cético, está sempre curioso sobre o como e o porquê das coisas.
17
Resiste à rotina e à repetição
18
Expressa ideias e reações, frequentemente de forma argumentativa.
Inteligências Múltiplas - A teoria na prática Adapta-se com bastante rapidez a
8Howard Gardner Editora: Artmed novas situações e a novos|ambientes.
Gardner explica eloquentemente as ideias fundamentais que desencadeiam uma revolução na e mostra como elas podem ser aplicadas em toda sala de aula onde se espera que os alunos pensem. Esta é uma leitura importante não apenas para os professores, mas Tem vocabulário excepcional, é também para os membros dos conselhos escolares, e ainda para aqueles que legislam e esta10 verbalmente fluente. belecem políticas educacionais.
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Tem muitas habilidades nas artes (música, dança,aprendizagem desenho etc.).
Aprende facilmente novas línguas. 11 Estruturas da mente
Howard Gardner | Editora: Artmed
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Tem bom julgamento, é lógico. Em ‘Estruturas
15
Possui percepções incomuns, sobre
da Mente’, Howard Gardner, partindo do pressuposto de que existem, pelo menos, sete tipos de inteligência que se desenvolvem de forma relativamente autônoma, escreve um livro que questiona as teorias cognitivas atuais e apresenta a concepção da inteli13 É flexível e aberto. gência e do potencial humano em diferentes domínios. Juntando elementos teóricos da neurologia, da psicologia cognítiva, do estudo de superdotados e de crianças diferentes, o autor Versátil, tem múltiplos interesses, 14 examina as implicações educacionais de suas concepções teóricas, contrapondo-as com outras orientações. alguns deles acima da idade cronológica. mediação
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Descolonizar
pensamentos: da prática teórica à prática experienciada Por Fernando Guidini
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Uma educação que pretenda educar cidadãos para nosso tempo precisa insistir no desenvolvimento de habilidades e posturas que valorizem o conhecimento e colaborem com todas as pessoas e os grupos sociais. Esta meta implica estar consciente das distorções da informação pelas quais éramos e continuamos sendo dominados, estar cientes de nossos preconceitos e nossas falsas expectativas sobre as culturas e comunidades às quais não pertencemos. Estamos falando de uma educação que possibilite o aprendizado de como harmonizar os direitos individuais e coletivos como meio para continuar mantendo e desfrutando da riqueza e das possibilidades de um mundo onde a diversidade cultural é a norma” (Santomé, 2013, p. 83).
teoria da didática educacional alerta para o fato de que toda a prática pedagógica é uma prática social1. Portanto, ao trabalharmos com e entre sujeitos, encontramonos imersos em uma rede de relações e significações que revelam práticas sociais cuja significação acontece nesse espaço e ambiente. Tais práticas, de acordo com os sujeitos envolvidos, serão traduzidas em mais ou menos aprendizagem, cuja função social darse-á na imersão desses mesmos sujeitos na relação tempo-espaço onde se situam. Neste sentido, a sociologia do currículo pontua que tais práticas, quando trans-
postas para o ambiente da sala de aula em um plano de ensino, reagrupam níveis de significações em uma dimensão processual, educando sujeitos para além das lógicas de mercado ou resultados imediatos, cuja profundidade não ultrapassa os níveis descritivos do conhecimento. Trata-se da formação para e na individuação, no resgate do sujeito emancipado em uma perspectiva identitária. É fato, aprofundando novas análises e relações com a teoria educacional, que as práticas pedagógicas
são
compreendidas
como repetição, releitura, resgates, reprodução, representação,
críticas ou expressão dos projetos e planos de ensino experienciados pelo professor em sala de aula. Inúmeros teóricos vindos das diferentes ciências, ao discutir a dimensão pedagógica da formação do professor, alertam e ao mesmo tempo defendem dimensões estruturantes dessa prática, especificando como pressuposto a necessária autonomia para que esse mesmo professor se compreenda como tal, na realização do seu trabalho em sala de aula2. De nossa parte, resta-nos ter clareza de qual é a prática que defendemos: a do mais ou a do menos, falando em termos inacianos de ensino e aprendizagem.
1
VEIGA, I. P. A. A prática pedagógica do professor de Didática. Campinas, Papirus, 1992, p. 16.
2
GAUTHIER, C. Por uma teoria da Pedagogia. Ijuí: Unijuí, 2013, p. 319-402. mediação
11
Refletindo ainda sobre as práticas desenvolvidas na escola, é igualmente fato que muitas das dimensões dos planos de ensino levados a cabo pelos sujeitos envolvidos, não ultrapassam a dimensão teórica do já existente. Dito de outro modo, é frequente em nossas escolas a reprodução de uma teoria a priori, sem articulações mais aprofundadas com o contexto, cultura e história daqueles que aprendem. Sobre isso, inúmeros pesquisadores, ao longo dos séculos da história do ocidente e do oriente, alertaram e alertam para a necessária e significativa transposição dos elementos que, na escolarização básica, necessitam ser repensados pelo professor em seus planejamentos de ensino. Aqui, a teoria da formação de professores nos auxilia a compreender as dimensões estruturantes desse passo, na insistência de que devemos ultrapassar o âmbito das práticas pedagógicas teóricas, atingindo aquela que chamamos de prática pedagógica experienciada. A pergunta que não quer calar: qual está sendo, hoje, a nossa prática? É importante insistir no fato de que as práticas necessitam ser significativas, contextualizadas, articuladas em consonância com o movimento da história e
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da cultura, seja ela local, nacional ou global, dentre outras relações. Porém, temos a consciência de que existem projetos/planejamentos que não passam de projetos. Trata-se da dimensão teórica ainda arraigada no ser-professor, presente em nossa formação e expressa na dinâmica da vida escolar. Ao mesmo tempo, existem inúmeras práticas que resultam da problematização, do questionamento constante, da leitura de mundo, da atenção ao aluno, das dimensões de um pensar e compreender o ato educativo enquanto processo complexo, multifacetado, inconcluso e sistêmico. Diante do exposto, afirmamos que a escola pode ser compreendida como uma comunidade aprendente3, o que pressupõe, além da problematização, a necessária descrição, explicação e compreensão sobre o que está sendo sistematizado em um determinado momento da vida acadêmica dos nossos alunos4. Trata-se do ir além das práticas teóricas, atingindo dimensões da existência, da individuação, da experiência, expressões com forte significação em nosso Projeto Político Pedagógico. Configurase assim uma dialética pedagógica cuja significação atinge o sistema ideológico particular dos
sujeitos em apropriação e sínteses mais aprofundadas que, com o desenvolvimento do histórico acadêmico dos alunos (e também nosso, pois formamos e somos formados, educamos e somos educados), tende a formar pessoas não só na dimensão humana, mas também acadêmica. É o conhecimento que, compreendido nas dimensões estruturantes da aprendizagem, foi se constituindo na história de vida, gerando excelência. É certo que, usando uma expressão do cientista político Lewis Gordon, a “colonização do pensamento” de inúmeros profissionais da educação é prática ainda vigente na diversidade dos sistemas de ensino, da qual resultam aprendizagens. Mas que colonização é essa e quais suas implicações frente à prática desenvolvida em sala de aula? Faz-se necessário termos clareza sobre os pressupostos que subjazem aos diferentes modos de proceder e, a partir de então, descolonizar: descolonizar o modo de nos compreendermos enquanto profissionais da educação; o modo como nos relacionamos com nossos alunos; o modo como sistematizamos a aprendizagem em sala de aula. Trata-se de um importante conhecimento pedagógico: além do
3
NÓVOA, A. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009, pp. 12-18.
4
MARTINS, P. L. O. Didática. Curitiba: Ibepex, 2008, p. 45.
saber fazer, faz-se importante o saber “por que” fazer. A descolonização do/dos pensamento/s e práticas pressupõe duas dimensões: (i) a dimensão da colonização, do já existente ou praticado; (ii) a dimensão da utopia, daquilo que, a partir do existente ou do já dado, pode ser ressignificado, tendo por base a dimensão ontocriativa tão própria do ser humano.
ção educativa, na contramão da
Um terceiro e último argumento, diante dos anúncios estratégicos – ou daquilo que não abrimos mão – refere-se ao fato de descolonizarmos determinadas epistemologias vigentes e de nos
norte, tais como chamadas por al-
colocarmos, no papel de institui-
cultura instituída. Se partimos do pressuposto de que a escola de educação básica é uma comunidade aprendente, defendemos a produção de um conhecimento complexo e local, arraigado no chão da cultura, com leitura e pesquisa significativas e geradoras de ação/transformação humanas. Em termos educacionais, sob muitos
conhecimento, a ciência, a aprendizagem, a educação. A escola torna-se assim um espaço fomentador de experiências, de novos “comuns” e anuncia a partir da prática o porquê da sua existência em meio às características de uma cultura/contexto demarcada por discursos acabados. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
aspectos, as epistemologias do guns autores, são determinantes dos modos de ser, pensar e agir em educação. Torna-se muito importante estabelecermos a prerrogativa de que, também a partir do sul, faz-se possível pensar o
Fernando Guidini é Diretor Acadêmico do Colégio Medianeira. Mestre (2010) e Doutor (2014) em Educação pela PUCPR, trabalhou como Orientador Pedagógico de 6º e 7º anos, também no Medianeira.
recomendações Filme Escolarizando o mundo: http://bit.ly/1EDSr2t O filme Escolarizando o Mundo traz uma abordagem muito profunda de como surgiu o modelo ocidental atual de educação e o quanto ele é contrário a uma educação integral do ser humano, sendo também responsável por um projeto absolutamente inviável, pensando em termos de Sustentabilidade.
Currículo escolar e justiça social Jurjo Torres Santomé | Editora Penso - Artmed As instituições escolares têm o dever político de educar. Elas podem e devem desempenhar um papel ativo como espaços de resistência e denúncia de discursos e práticas que no mundo continuam legitimando diferentes formas de discriminação. Um projeto curricular justo deve ajudar os cidadãos mais jovens - especialmente aqueles que pertencem aos grupos sociais mais desfavorecidos - a ver, analisar, compreender e julgar a si próprios como pessoas éticas, solidárias, colaborativas e corresponsáveis por um projeto mais amplo de intervenção sociopolítica de construção de um mundo mais humano, justo e democrático. Partindo dessa reflexão, Jurjo Torres Santomé faz uma análise das relações entre currículo escolar e justiça social a partir da discussão de temas como planejamento curricular, políticas da educação, educação para a cidadania e educação inclusiva.
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A
literatura no Panteãodos Deuses
A sacralização da leitura não é exatamente motivo para comemorações, porque ela não cria intimidade; em vez disso, hierarquiza, exige reverência, eleva e distancia. Quem precisa de coleções e coleções de livros belissimamente encadernados se nunca são abertos? Que escola precisa obrigar seus alunos a adquirirem livros e mais livros se, ao cabo e ao término de tudo, não são experienciados além da profundidade de um resumo ou de algumas pretensas avaliações? Por Suzana de Carvalho Lima
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J
á faz algum tempo, Xico Sá publicou em seu blog um guia sobre como os pais poderiam iniciar seus filhos na leitura. Eis alguns trechos bem-humorados:
Atenção, senhores pais: Escola de machos A simples iniciação via Hemingway assegura uma cota de testosterona até a madureza. Faz tão bem para o crescimento quanto Calcigenol ou óleo de fígado de bacalhau. Vocês, pais e mestres, se orgulharão quando o pirralho sair por ai fisgando trutas, caçando pacas, tatus… mirando em rolas, codornas e juritis. A importância de ler Wilde A simples iniciação pelo inventor de Dorian Gray garante que o seu filho dê em um homem sensível. Sim, há o risco do metrossexualismo, mas vale a pena. O volume O Fantasma de Canterville, para meninos e meninas, é o indicado à guisa de début.
O medo diante da loba Quer estragar sua filha querida e a vida dos futuros genros? Libere Clarice Lispector logo na préadolescência. Aí teremos moças misteriosas, labirínticas, metalinguísticas, uns diabos arredias e estranhas diante do amor. Capazes de tudo: TPMs elípticas, menstruações de incomunicabilidades sem fim, coitados desses futuros maridos que terão que aguentá-las.
A irreverência característica do autor faz muito bem para um tema que vem merecendo alguma reflexão, pois não é de hoje que apostamos alto nos livros e na literatura. Acostumamo-nos às peças publicitárias, sugerindo que leiamos para as crianças porque “isso muda o mundo”. “Você é o que você lê” garante o slogan da Bienal. “Porque ler ainda é decisivo”, explica a matéria de capa. “O que a leitura pode fazer por você?”, acrescenta a campanha da editora. A impressão de que vivemos, ao menos discursivamente, uma extrema simpatia pela leitura se confirmou na última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil divulgada em 2012. Das 5.012 pessoas entrevistadas, 64% disseram concordar totalmente com a frase: “Ler bastante pode fazer uma pessoa ‘vencer na vida’ e melhorar a sua situação socioeconômica”. Apenas 3% discordaram totalmente. O sistema judiciário, a julgar por algumas de suas últimas determinações, também deposita sua fé no mesmo santo. Há pouco mais de dois anos, os detentos de presídios federais podem reduzir suas penas se lerem livros e o comprovarem por meio de uma resenha ou por meio de uma entrevista com o juiz. Alguns presos catarinenses iniciaram a participação no projeto intitulado Reeducação do Imaginário levando um dicionário e um sugestivo exemplar de Crime e Castigo para ler na cela em trinta dias. Um dos responsáveis pela ideia, o juiz Márcio
Umberto Bagaglia, comentou que o projeto deve sempre proporcionar a “leitura do pensamento conservador, obras clássicas”, a fim de formar a personalidade e o caráter dos presos. Uma parte desses acontecimentos pode ser explicada pela percepção geral de que, com o surgimento de novos suportes do texto, o livro corre sério risco de extinção e, com ele, a literatura, a leitura, a capacidade de compreensão. Isso ajuda a explicar o fato de que, de repente, os mais variados setores sociais se ponham a debater a questão, aparentando muita propriedade do tema: todos bem intencionados, sabendo exatamente o que deve ser feito. Em 2007, o professor Gilberto de Castro, da Universidade Federal do Paraná, coordenou um trabalho de identificação dos discursos veiculados na mídia impressa sobre a leitura. Foram investigadas as representações de leitura em charges, ilustrações, campanhas publicitárias e outros gêneros publicados entre os anos de 1970 a 2000 na Folha de S.Paulo, na Veja e na Gazeta do Povo. Descobriuse então que boa parte das campanhas pelo fomento da leitura não a concebe sem o suporte do livro; a conhecida noção de hábito de leitura traz implícita a ideia de que o saber está condicionado à quantidade de coisas que se lê, o indivíduo é cobrado pela quantidade de livros que consome. A ascensão das novas tecnologias suscita por toda parte impulsos de proteção à leitura,
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irremediavelmente, ao que parece, ligada ao livro. A Associação de Editores de Madrid, por exemplo, lançou no ano passado uma campanha na qual personagens como D. Quixote, o Pequeno Príncipe e Moby Dicky são vistos abatidos por personagens de jogos eletrônicos, como os Angry Birds, ou em cenários de seriados televisivos como Lost. As imagens são acompanhadas de uma frase cuja mensagem é essencialmente: salve um livro. Leia um livro. Não gaste todo o seu tempo com jogos. Toda essa mobilização, entretanto, pode estar gerando um efeito colateral indesejado: a sacralização do livro e da literatura ou, ao menos, a intensificação desse fenômeno. Infelizmente, a sacralização não é exatamente motivo para comemorações porque não cria intimidade; ao invés disso, hierarquiza, exige reverência, eleva e distancia. Logo, se não estamos atentos a ela, pode inclusive minar o nobre objetivo de promover o aumento do número de leitores. Quem precisa de coleções e coleções de livros belissimamente encadernados se nunca são abertos? Que escola precisa obrigar seus alunos a adquirirem livros e mais livros se, ao cabo e ao término de tudo, não são experienciados além da profundidade de um resumo ou de algumas pretensas avaliações? Não se trata de um fenômeno moderno. A literatura sempre foi sinônimo de distinção. Para os gregos, inclusive, a poesia não se confundia em nenhum momento
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com a escultura ou a pintura. Valorizava-se aquela como criação do espírito, enquanto estas correspondiam a trabalhos manuais, para o que deveria bastar habilidade técnica, esforço e imitação. O trabalho, então, era familiar, os aprendizes buscavam atingir a perfeição técnica imitando o trabalho do mestre mais velho. No Egito, escravos e artesãos se reuniam nas grandes oficinas dos palácios para atender à imensa e quase exclusiva demanda dos faraós e sacerdotes. Seu trabalho deveria suprir uma necessidade religiosa e decorativa. Sapateiros, pintores de vasos, carpinteiros, pedreiros e arquitetos integravam todos a mesma classe pouco prestigiada, tanto que, na Idade Média, se reuniriam em guildas para proteger seus interesses corporativos ante a Igreja, sua principal empregadora. É apenas durante o Renascimento que esse grupo conquista sofisticação, quando a alta burguesia identifica nessas formas de arte um modo de ostentar seu poder. Protegidos pelos mecenas, aceitos nos palácios e nos jardins dos Médici, os artesãos ascendem à condição de artistas, de trabalhadores intelectuais livres. Mas já aí a concepção da criação artística também sofre profundas transformações. Vê-se surgir assim um movimento de elitização da arte que se intensificaria cada vez mais, chegando-se mesmo, contemporaneamente, à possibilidade de se dispensar o domínio da técnica, do saber fazer, que caracterizava os primeiros artesãos.
Nesse sentido, pode-se dizer que a literatura percorreu caminhos mais suaves e altivos, o que define boa parte da relação que mantemos com ela. Tantos cuidados na aproximação com o livro literário, frequentemente, geram a sensação de avançarmos em território que não podemos profanar com blasfêmias e atitudes impuras. Assim, numa roda de amigos, nos sentimos envergonhados de admitir a ignorância em relação a determinados títulos; criam-se consensos positivos ou negativos em torno do nome de alguns escritores; colocamos em dúvida as escolhas despreocupadas das crianças; enquanto professores, tememos propor estratégias que
possam, mesmo que remotamente, perturbar a literatura em sua missão profunda de suscitar meditação eterna. Investigando a cultura letrada, Márcia Abreu, professora da Unicamp, perspicazmente observou: “A escola ensina a ler, a gostar de literatura. Alguns aprendem e tornam-se leitores literários. Entretanto, o que quase todos aprendem é o que devem dizer sobre determinados livros e autores, independentemente de seu verdadeiro gosto pessoal.” Cada vez mais admitir com sinceridade a profusão de códigos e rituais imperiais que se interpõem entre o leitor e o livro,
engajando-se na desmistificação da leitura, parece condição essencial para vermos a literatura se manifestar em toda a sua irreverência, em toda a sua marginalidade e desfaçatez. Esta, sim, a literatura capaz de seduzir, de fascinar e de, se for o caso, ensinar. Esta, sim, a literatura que cabe no poema. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Suzana de Carvalho Lima é professora de Língua Portuguesa do Colégio Medianeira. Formada em Letras pela UFPR e especialista em Leitura de Múltiplas Linguagens da Arte e da Comunicação pela PUCPR, atualmente é mestranda da UFPR, onde pesquisa a relação entre os discursos sobre leitura e as práticas escolares. O artigo está baseado na dissertação de mestrado da autora.
Recomendações Cultura Letrada: Literatura e leitura Márcia Abreu | Editora UNESP É o livro para quem cansou do discurso que posa de intelectual. Trata-se de um marco pelo modo corajoso com que reflete a respeito de consensos poderosos sobre a arte e a literatura, desconstruindo-os um a um. Lucidamente devolve à arte a dimensão política, demonstrando o poder de diferentes instâncias legitimadoras, cuja influência sobre a consagração de uma obra se revela muito mais determinante do que uma pretensa literariedade. Traz ainda episódios curiosos, como a rejeição sumária que Ediouro, Objetiva e Cia dispensaram aos originais de “Casa Velha”, de Machado de Assis, oferecidos a elas com o nome do autor astutamente omitido pelos arquitetos da travessura.
Literatura para quê? Antoine Compagnon | Editora UFMG No dia 30 de novembro de 2006, em aula inaugural no Collège de France, o professor Antoine Compagnon achou de perguntar “Literatura para quê?” Diante de toda a euforia em torno das múltiplas linguagens e das novas formas de leitura, o tema cativou por uma hora e meia a um anfiteatro lotado e mais as centenas de pessoas que acompanhavam a transmissão por um telão. O discurso proferido nessa ocasião se transformou em um livro de 57 páginas que resgata, entre outras coisas, a nossa história com a literatura.
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Educar
em valores, hoje:
uma experiência Que tipo de aluno e de sociedade queremos formar por meio da nossa ação formativa e educativa, tendo em vista uma educação integral em valores? Por Fernando Guidini e Isabel Cristina Piccinelli Dissenha
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s
A proposta educativa da Com-
Projeto “(Con)viver” é um des-
ver a conscientização da impor-
panhia de Jesus, inspirada na obra
ses exemplos na busca por uma
tância na dimensão do cuidado
e pessoa de Inácio de Loyola, na
educação que, no dia a dia da es-
(consigo, com o outro, com o
experiência dos primeiros Jesuítas
cola, rediscuta e reafirme valores
ambiente, com o transcendente),
e na intensa prática educativa sis-
que, de acordo com a concepção
a fim de estabelecer vínculos e
tematizada ao longo dos últimos
pedagógica que nos orienta, se
compromissos pessoais e cole-
cinco séculos, continua a nos de-
configuram como eixos funda-
tivos para e com os demais, res-
mentais no processo de formação
significando ações e atitudes na
dos nossos alunos e alunas. Abai-
dimensão do acolhimento e do
xo, segue o relato de uma expe-
companheirismo.
safiar e desinstalar, retirando-nos dos lugares comuns onde nos encontramos, numa contínua atitude de leitura de mundo, de contexto, de pessoa, de educação. Educar inacianamente envolve a atenção à pessoa toda, em suas múltiplas dimensões do ser hu-
riência aqui realizada. Que esta partilha nos auxilie a sermos mais, preocupados com uma educação para e com os demais.
O
desenvolvimento
deste
Projeto é realizado pela equipe pedagógica, em parceria com os professores (via conteúdo) e
mano, tendo em vista a excelên-
É inserido nas dimensões aca-
busca trabalhar com valores e
cia. Desse modo, a educação em
dêmica e espiritual, numa visão
virtudes por meio da Campanha
valores, hoje mais do que nunca,
sistêmica, inspirado no Paradig-
“Você já vivenciou hoje?”. A cada
nos incita a pensar a educação, o
ma da Pedagogia Inaciana, que
mês trabalhamos com os alunos
colégio e o currículo de um modo
buscamos formar pessoas com-
um valor/virtude (gentileza, res-
aberto, situado, dinâmico, mas ao
petentes, conscientes, compas-
peito, sabedoria, solidariedade,
mesmo tempo atento às dimen-
sivas com os necessitados, com-
sões inegociáveis como projeto
companheirismo,
prometidas com o mundo e com
prudência, honestidade e justiça),
suas transformações. Por meio do
por meio de vídeos, charges, di-
conhecimento, visamos resgatar
nâmicas, rodas de conversa, júris
a importância das relações do ser
simulados,
humano consigo mesmo (subjeti-
blogs, e experiência de participa-
vidade), com o mundo (objetivida-
ção em projeto social. Os alunos
de), com o outro (intersubjetivida-
comprometem-se a registrar em
de) e com Deus (transcendência),
mural específico (“Você já viven-
as quais são permeadas por va-
ciou hoje?”) as atitudes realizadas
lores que derivam de dimensões
que ilustrem o valor trabalhado e
fundamentais da cultura humana,
destacado do mês.
para formação de pessoas. Em uma sociedade em permanente transformação – o que é bom –, somos constantemente chamados ao magis e nos perguntamos: que tipo de aluno e de sociedade queremos formar por meio de nossa ação formativa e educativa, visando uma educação integral em valores? O Colégio Nossa Senhora Medianeira, instituição educativa da Companhia de Jesus, situa-
da ciência, do trabalho, da ética, da política, da arte e da religião.
compromisso,
músicas,
literatura,
Busca-se por meio destas atividades/estratégias, voltadas ao
do na cidade de Curitiba, estado
Partindo desta premissa, de-
conhecimento na perspectiva da
do Paraná, Brasil, dialoga em seu
senvolvemos com os alunos do
excelência humana e acadêmica,
currículo com as dimensões acima
6º ano, o Projeto (CON)VIVER,
a partir da realidade/cultura em
pontuadas. Em uma das séries, o
que tem como objetivo promo-
que vivemos, levar o nosso aluno
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a se questionar sobre o sentido da vida, destacando que, para tais respostas, escolhas devem ser feitas, nas quais estão embutidas opções de diversas naturezas: quanto à concepção de felicidade, à importância dos estudos, à profissão, à utilização do tempo livre,
Fernando Guidini é Diretor Acadêmico do Colégio Medianeira. Mestre (2010) e Doutor (2014) em Educação pela PUCPR, trabalhou como Orientador Pedagógico de 6º e 7º anos, também no Medianeira.
às amizades, à família e a que tipo de sociedade se quer ajudar a (re) construir. Estas escolhas são permeadas por uma concepção de vida, amparada em valores (inegociáveis) que vão influenciando as decisões e marcando a trajetó-
Isabel Cristina Piccinelli Dissenha é formada em Pedagoga (Universidade Tuiuti do Paraná), com especialização em Psicopedagogia (IBPEX) e Currículo e Prática Educativa (PUCRJ). É Mestre em Teologia (PUCPR). No Medianeira, trabalha no Serviço de Orientação Religiosa, Espiritual e de Pastoral (SOREP) dos 6º e 7º anos.
ria pessoal e coletiva. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Recomendações A escola e os desafios contemporâneos Viviane Mosé | Editora Civilização Brasileira O objetivo deste livro é compartilhar entrevistas feitas por Viviane Mosé com os educadores Rubem Alves, Moacir Gadotti, Cristovam Buarque, Celso Antunes, Maria do Pilar, Madalena Freire, Tião Rocha, e os portugueses José Pacheco e Rui Canário. Além das entrevistas, a primeira parte do livro apresenta, em forma de ensaios, a discussão que a autora tem levado aos municípios. O objetivo é fazer pensar, provocar interesse. É um empreendimento de alto risco falar do presente, que ainda não digerimos direito, mas esses erros podem nos abrir novas portas e podem nos trazer novas perguntas. ‘Em ‘A escola e os desafios contemporâneos’, Viviane Mosé sai do lugar comum de abordar a educação brasileira com desânimo, pessimismo, ou de analisar a situação com olhos do passado. A autora faz exatamente o contrário, mira os problemas com um olhar contemporâneo, crítico e inovador’. - Maria do Pilar Lacerda.
Pedagogia inaciana - uma proposta prática Mauricio Ruffier | Editora Loyola Os “paradigmas” da descoberta de métodos educacionais fundamentados nos Exercícios Espirituais deixados por Sto. Inácio. Produzirão transformações no processo de ensinoaprendizagem visando à formaçao integral de nossos alunos e à construção de uma sociedade nova, justa e fraterna.
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CORPO
O CULTO
ao
Por Marcos Eduardo Manente Chella e Fabricia Tristão de Azevedo
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É claro que o cuidado com o corpo e com a saúde é importante e essencial para nossa qualidade de vida, mas não é necessário chegar a extremos como os que vemos difundidos pela mídia nas últimas décadas orpo malhado, belo e escultural. A todo o momento, somos bombardeados pela mídia com imagens de homens e mulheres com corpos “perfeitos”. Por isso nos tornamos seguidores das propagandas, negócio rentável para seus idealizadores e com a possibilidade de espaços ainda mais lucrativos. Além disso, assuntos relacionados à beleza e estética, como dietas, treinos e cosméticos, tomam conta da pauta de jornais, revistas, sites e demais veículos de comunicação. Impulsionados pela busca de um padrão de beleza “ideal”, vivemos em um tempo de grande preocupação com o corpo e a boa forma, em que a imagem da “inacabável” juventude, aliada ao corpo perfeito, parece ser o correto. Neste cenário, o número de cirurgias plásticas aumenta em uma velocidade assustadora. A maneira mais rápida e fácil para chegar a este padrão é procurar um cirurgião plástico para que ele possa deixar o indivíduo com o corpo perfeito, por meio de intervenções cirúrgicas. Muitos jovens buscam se tornar parecidos com seus ídolos, ajustando seu rosto e outras partes do corpo ao “padrão ideal”. Esta busca desenfreada também leva muitas pessoas a desen-
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volver uma série de distúrbios alimentares, que são caracterizados por um conjunto de doenças devido às quais a pessoa demonstra uma preocupação fora do normal com a alimentação e o peso. Anorexia, bulimia e distúrbio do comer compulsivo são alguns exemplos clássicos. A escola e seus professores têm um papel fundamental na prevenção e no combate a essas doenças, ela tem responsabilidade social na prevenção e identificação de tais distúrbios. Munidos de informações sobre cada um deles, é possível observar se o aluno se enquadra nos sintomas e buscar ajuda o mais rápido possível. Por isso, ficar atento a sinais como: a criança que sente vergonha do corpo, procura não se expor em momentos de grupo, não tem vontade de fazer nada, alunos que se alimentam e pedem para ir ao banheiro... A intervenção precoce auxilia na rapidez do tratamento e, consequentemente, é decisiva na cura. Para isso, descrevemos abaixo as principais características dos distúrbios que mais afetam os adolescentes. A anorexia é identificada em pessoas que não aceitam o seu peso e que – por meio de dietas, exercícios exagerados, vômitos forçados, laxantes ou diuréticos
usados com frequência e privação alimentar – procuram sempre emagrecer. A bulimia, por sua vez, é uma forma de compulsão alimentar: a pessoa se alimenta de forma desenfreada e, no impulso advindo pelo episódio recente de ingestão alimentar, se arrepende e faz uso do vômito para expulsar o alimento que ingeriu. Já no distúrbio do comer compulsivo, a pessoa se alimenta várias vezes ao dia de forma excessiva; sempre com fome, ela busca por alimentos rápidos como os fast foods, que não fazem bem à saúde por serem poucos nutritivos, ocasionando doenças como a obesidade, principalmente. Outro mal que surge de forma frequente durante a adolescência é a vigorexia. Quando o jovem parece nunca estar satisfeito com seu corpo, ele passa a exagerar no volume e na intensidade dos exercícios e treinamentos, podendo chegar até mesmo a utilizar substâncias ilegais – o famoso anabolizante – a fim de conquistar seu objetivo. Tais distúrbios acontecem mais durante a adolescência, mas podem afetar adultos também , independente de sexo, raça ou classe social. Por isso, como educadores, pais e amigos, devemos ficar atentos aos sinais. Até por-
que a negação do problema é muito comum. E, como estas doenças envolvem também o lado psicológico e emocional – baixa autoestima, depressão e ansiedade, por exemplo –, elas podem desencadear outras enfermidades e levar até mesmo à morte. É claro que o cuidado com o corpo e com a saúde é importante e essencial para nossa qualidade de vida, mas ele não precisa chegar a extremos como os que vemos difundidos pela mídia nas últimas décadas. Com ajuda de programas de computador, as propagandas mostram pessoas com o corpo supostamente
perfeito; devemos entender que essas pessoas realmente não existem, e que não vale a pena buscar esse padrão, que trará apenas maus resultados. Além disso, devemos sempre respeitar os limites do nosso corpo. Manter uma boa alimentação e praticar atividades físicas de maneira moderada é suficiente para nos mantermos saudáveis. Precisamos nos livrar do peso de ficarmos acorrentados pelos padrões e ideais que a sociedade contemporânea e a mídia nos impõem.
Marcos Eduardo Manente Chella é professor de Educação Física do Colégio Medianeira, formado em Licenciatura Plena em Educação Física Pela Universidade Positivo, com Pós-Graduação em Educação Física Escolar pela PUCPR. Fabricia Tristão de Azevedo é professora de Educação Física no Medianeira, formada em Educação Física Plena pela Universidade Federal de Juiz de Fora / MG, com Pós-Graduação em Metodologia de Pesquisa pela mesma Universidade.
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Recomendações Psicanálise de Transtornos Alimentares Ana Paula Gonzaga e Cybelle Weinberg | Privamera Editorial O livro ‘Psicanálise de Transtornos Alimentares’ traz reflexões que resultam do exercício clínico da psicanálise e do estudo sistematizado para compreender o funcionamento metapsicológico de pacientes com anorexia e bulimia nervosa. A obra, que reúne artigos de diversos especialistas em transtornos alimentares, nacionais e internacionais, representa a união de esforços em torno do compromisso de divulgar informações sobre patologias alimentares cuja prevenção e tratamento demandam uma abordagem diferenciada
Nutrição e Transtornos Alimentares: Avaliação e Tratamento S. Philippi, P. Alvarenga e F. Scaglius | Editora Manole De forma didática, escrito com base na literatura científica e na experiência de diferentes profissionais que tratam desse assunto, o terceiro volume da coleção ‘Guias de Nutrição e Alimentação’ apresenta, primeiramente, os transtornos alimentares e as temáticas associadas a eles. Na sequência, apresenta manuais de terapia nutricional para pacientes com anorexia e bulimia nervosa, e com transtorno da compulsão alimentar periódica.
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GADGETS, oportunidade de APRENDIZAGEM
Ou como usar a
interação
e a tecnologia para
ALFABETIZAR
Por Deyse Crystine de Campos, Felipe Koeller Rodrigues Vieira e Hugo (o menino que suscitou toda essa reflexão)
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Celulares e computadores podem contribuir para aprender a ler e a escrever como processo mental e como ação cultural, além de conteúdo escolar. odo pai e toda mãe, conscientes de sua função na formação de seu filho como sujeito capaz de tomar decisões, que tenha iniciativa, que se responsabilize por suas escolhas, torna-se um típico caso de preocupação constante e ambulante. No entanto, ao mesmo tempo que isso revela um cuidado amoroso, é muito útil para produzir uma “pressão positiva”.
T
Não raro, a preocupação com a interatividade, a conectividade, o uso das tecnologias e a vida social mostram que as mesmas angústias e incertezas assolam diferentes contextos culturais e cenários educativos. Diante disso, queremos levar você, leitor, a caminhar conosco numa reflexão sobre gadgets, uso do celular, tablets, etc. Outro dia, estávamos teclando via whatsapp. De repente, o Hugo passou como um relâmpago e perguntou ao pai o que ele estava fazendo. O pai respondeu que conversava, no celular, sobre escolas e incentivou o filho a ver e entrar na conversa, pois, por coincidência, havia a pergunta: O hugo gosta de estudar aí? SIM Fui EU QUE ESCREVI Hugo Oi Hugo Td bem?
Caro leitor, na certa você deve saber que o Hugo precisou da ajuda e intervenção do pai para compreender a palavra abreviada. Observe: Td=Tudo Sim rs
Bem, a essa altura, o Hugo cansou de digitar, de tentar entender cada código e de esperar para ler o texto que estava sendo digitado, mas o fato de ele cansar e desistir de teclar nos fez engatar uma animada troca de ideias sobre a interação das crianças com as mídias e sobre metodologias e recursos para alfabetização, pois, além de ser atraente e inevitável em nosso tempo, a tecnologia inclui a criança no universo dos pais, frequentemente acusados de “não largar o celular”. Pais mesmo que ligados, on line, não se desvinculam da difícil tarefa de cuidar e educar; por isso, frequentemente se envolvem em questionamentos sobre quando dar um celular para seus filhos. O próprio Hugo, dia desses, comentou que havia pedido um para a sua mãe e que ela estaria pensando em presenteá-lo. Em conversa, os pais do Hugo decidiram que ele só ganharia um celular quando estivesse alfabeti-
zado, justamente porque saber ler e escrever o protegeria de outro assunto que preocupa a todos: a segurança das crianças. Um aparelho com conectividade, capaz de sincronizar dados, abre um canal de acesso à criança difícil de ser controlado pelos pais. Afinal de contas, nenhum pai zeloso quer seu filho recebendo trotes ameaçadores nem quer que as informações que afetem a segurança familiar possam ser descobertas por uma pessoa com papo persuasivo e de poucos escrúpulos. Por essa razão, caro leitor, seguem agora, nossas percepções: a primeira é que antes de discutir se a criança deve ou não ganhar um celular, faz-se necessário discutir a maneira como usá-lo, como inserir a criança nessa cultura escrita para que aprenda a se comunicar no universo digital. A segunda: teclar no celular é uma forma de mostrar para a criança a função social da língua e, sendo a escrita uma das formas mais úteis de documentar e partilhar o saber, demonstra-se assim que é chegada a hora de a escola se ocupar de textos e recursos usados socialmente, é preciso observar que se foi o tempo em que ensinar a ler e a escrever era tarefa para ser feita com uma mão
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só e com lápis e papel, uma vez que também se faz com teclados. Aprender a ler e escrever é ação cognitiva, afetiva e motora que passa pelo corpo todo. Compartilhamos agora, alguns cuidados que listamos em nosso chat para que, ao teclar com a criança, possam ser enriquecidos os conhecimentos sobre a língua e, assim, construir conceitos sobre leitura e escrita, ampliando o repertório e o vocabulário. São eles:
1
Quando teclar com a crian-
ça, não abrevie. Além de dificultar o entendimento e tornar a compreensão do texto mais demorada, perde-se a oportunidade de fazê-la fixar a ortografia correta das palavras;
2
Use frases curtas e envie
uma frase de cada vez. A criança leva algum tempo para ler. Às vezes, ao visualizar o tamanho do texto ela pode se sentir ameaçada pela aparente complexidade e, amedrontada, desiste de iniciar a leitura. E, vale destacar: muitas frases seguidas farão a tela dos aplicativos rolar para cima, atrapalhando a leitura do texto pela criança. Vários textos “pipocan-
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do” na tela geram uma pressão na criança para ler rápido. Na era dos bilhetinhos escritos em papel, o tempo para a leitura era, virtualmente, ilimitado;
3
Espere a resposta da criança. A criança tem que procurar as letras no teclado. Observe: na escola, as letras soltas geralmente são expostas de acordo com uma convenção, chamada ordem alfabética. No entanto, no teclado, as letras não seguem essa ordem. Então, mesmo que a criança já saiba reconhecer, decodificar as letras e até escrever bem com lápis e papel, a digitação é outra competência, derivada do ato de escrever, mas que também precisa ser desenvolvida;
4
Use a grafia correta das palavras. Ler as palavras sempre escritas com a ortografia correta auxilia a criança a fixar este conhecimento de forma natural;
5
Não esqueça do til, cedilha, acentos, nem do uso correto das letras maiúsculas e minúsculas. Nos chats podemos não utilizar a norma culta da escrita, mas ao teclar com uma criança, faça uso das palavras com todos os seus
símbolos, atente-se também que, geralmente, as letras do teclado e da tela apresentam-se em outras fontes e formatações, ou seja, a criança visualiza diferentes tipos de traçado, desenho das letras e, portanto, vão exigir da criança um repertório visual e uma memória de trabalho para operar com esse conhecimento;
6
Use os verbos em seu sig-
nificado correto. Não se “fala” no whatsapp; escreve-se; e, principalmente, respeite o vocabulário da criança;
7
Evite estrangeirismos e ne-
ologismos. Isto auxiliará a criança a fixar bem a Língua Portuguesa e a identificar, posteriormente, os acréscimos que utilizamos na linguagem coloquial;
8
Explique para o seu filho o
significado das palavras homônimas e parônimas (acento e assento, por exemplo), mesmo durante o chat, bem como o significado das siglas de uso padronizado, como o et cetera. (“Filho, etc significa et cetera, ou seja, inclui mais coisas semelhantes às listadas, mas que para resumir eu não escrevi...”);
Oi
9
Aproveite a existência da tecnologia como uma oportunidade de estar em contato com seu filho. Crie hábito de interagir via celular ou chat usando a língua escrita. Os modernos dispositivos de comunicação existem para aproximar as pessoas. Como tudo na vida, a escrita e a leitura são aperfeiçoadas pela prática. Dê às crianças o gosto de pertencer ao seu mundo, de estar perto dos adultos. E, atualmente, os chats são uma forma de estar próximo, mesmo que distante;
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Avalie se essas dicas te incentivam a conversar, teclar, com as crianças. Se sim, não perca mais tempo. O processo de alfabetizar e letrar vai além do lápis, giz, quadro, caderno e livro. Mas não faça disso uma ação didática, divirta-se, interaja com a criança. Se não, pense nas ideias expostas, pois alguém, algum dia, vai iniciar seu filho no universo digital
anos ainda usam o celular e computadores para se divertir em vez de aproveitá-lo como ferramenta para ampliar conhecimentos. É, por essas e outras, que devemos ensinar as crianças a ler e a escrever de modo que usem a tecnologia a favor da inteligência, mas, para isso, é preciso que comecemos já a refletir sobre a maneira como ensinamos e como usamos os recursos da era digital. Não aprofundamos aqui a questão dos conteúdos que trafegam pelas redes sociais e aplicativos de bate-papo, os quais deixam resquícios em nossos celulares, como imagens e vídeos de violência e, por que não citar, pornografia. Para evitar o contato prematuro das crianças com este tipo de material, devemos tomar vários tipos de cuidados. Mas este já é tema para a criação de outro texto. Por ora, queríamos apenas convidá-los a pensar conosco que os celulares e computadores podem contribuir para aprender a ler e a escrever como processo mental e como ação cultural, além de conteúdo escolar.
JUDICIALIZAÇÃO
DAS RELAÇÕES
Essas dicas não pretendem esgotar o assunto, que ainda é bastante novo, mesmo dentro da comunidade pedagógica. Os estudos realizados sobre alfabetização e mundo digital ainda são, em sua maioria, referentes ao uso da internet e de computadores pessoais; além disso, especulase que pessoas com mais de 30
Um abraço, Deyse, Felipe e Hugo (que saiu do chat para brincar e comer pipoca). comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
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Deyse Crystine de Campos Pedagoga (PUCPR), Psicopedagoga (PUCPR e EPSIBA), Psicomotricista Relacional (CIAR-PR) e Doutoranda em psicologia clínica pela UCES – Argentina. Atua na Editora Positivo como assessora da área de conhecimento da Educação Infantil e Primeiro Ano. É escritora de material didático, Coleção ECO MIRIM, para crianças de 2 a 6 anos e Coleção de Educação Infantil para o Sistema Positivo de Ensino e Sistema Aprende Brasil de Ensino. É contadora de histórias. É compositora e é autora do livro infantil Era Uma vez: Urgente!, pela editora Inter Saberes. Para saber mais sobre esse livro, indico a nota publicada na rede social facebook https://www.facebook.com/notes/deysecrystine-de-campos/era-uma-vez-urgente/774325595917020. deysecampos@yahoo.com.br Felipe Koeller Rodrigues Vieira É pai do Hugo. Bacharel em Ciências Aeronáuticas com Habilitação em Aviação Militar pela Academia da Força Aérea (1997) e Mestre em Ciências da Museologia e do Patrimônio pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2009). Atualmente é Oficial Aviador da Força Aérea Brasileira e Doutorando em Engenharia de Transportes pelo Programa de Engenharia de Transportes da COPPE/UFRJ (em curso). Tem experiência na área de Defesa, com ênfase em Ciências Aeronáuticas, Investigação de Acidentes Aeronáuticos, Busca e Salvamento e instrução de voo em helicópteros e aviões. Possui atuação acadêmica na área de Museologia, com ênfase no Patrimônio Aeronáutico e na conservação de aeronaves musealizadas. Atua como Investigador Sênior de Acidentes Aeronáuticos credenciado pelo CENIPA – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos e como docente no curso de Bacharelado em Ciências Aeronáuticas da Universidade Estácio de Sá. Exerce a função de Editor Científico da Revista Conexão SIPAER, periódico científico editado eletronicamente pelo CENIPA. felipekoeller@gmail.com Hugo Criança que aos sete anos brinca muito, estuda bastante, gosta de gatinhos, jogos e desenho animados.
recomendações Homo Zappiens Wim veen | Editora Artmed Homo Zappiens - Educando na Era Digital examina como as crianças que crescem em um mundo de tecnologia e de mudanças constantes demonstram maior relutância em encaixar-se no sistema educacional do que qualquer outra geração antecedente. Este livro ilustra os desafios que o estilo de vida digital das mentes dos jovens cria para os professores, as escolas e a educação em geral. Trata-se de um guia para as pessoas entenderem o que faz com que as crianças se concentrem e se desenvolvam na era digital.
Cultura da convergência Henry Jenkins | Editora Aleph Neste livro Henry Jenkins investiga o interesse em torno das novas mídias e expõe as transformações culturais que ocorrem à medida que esses meios convergem. A cultura da convergência está mudando o modo de se encarar a produção de conteúdo em todo o mundo. O autor introduz os leitores aos fãs de Harry Potter, que estão escrevendo suas próprias histórias, enquanto os executivos se debatem para controlar a franquia. Ele mostra como Matrix levou a narrativa a novos patamares, criando um universo que junta partes da história entre filmes, quadrinhos, games, websites e animações. Essa nova edição traz também um capítulo sobre o YouTube.
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Bauman
e os ESCRITORES Por José Castello mediação
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Pensem em autores tão diversos como Balzac, Dostoievski, Zola e Kafka. Sem se valer de sistemas conceituais, ou de armaduras teóricas, suas narrativas, ainda assim, compõem eloquentes visões de nosso mundo. [...] Por caminhos distintos, todos eles rasgam a grossa cortina com a qual, quase sempre – por descaso, por vício, por preguiça –, encobrimos a realidade. Franz Kafka
L
aços secretos unem a literatura à sociologia. Irmãs muito próximas, elas têm, porém, uma relação muito difícil. “Sua relação é uma mistura de rivalidade com apoio mútuo”, diz o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. A afirmação aparece em Para que serve a sociologia? (Zahar), longo diálogo entre Bauman e os sociólogos Michael Hviid Jacobsen, da Universidade de Aalborg, Dinamarca, e seu colega Keith Tester, professor da Universidade de Hull, Inglaterra. Sou pego de surpresa: em algumas páginas, e apesar do título do livro, o sociólogo trata intensamente da literatura. Não esconde sua paixão pelas ficções e a segunda verdade que elas sustentam. E mostra como ela alimenta seu processo de trabalho pessoal.
H onor é de B a
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lzac
Pensem em autores tão diversos como Balzac, Dostoievski, Zola e Kafka. Sem se valer de sistemas conceituais, ou de armaduras teóricas, suas narrativas, ain-
da assim, compõem eloquentes visões de nosso mundo. Bauman se apega a outros autores ainda mais surpreendentes: Borges, Perec, Musil, Houellebecq. Por caminhos distintos, todos eles rasgam a grossa cortina com a qual, quase sempre – por descaso, por vício, por preguiça –, encobrimos a realidade. Apoia-se Bauman na leitura de A cortina (Companhia das Letras, 2006), o belo livro de Milan Kundera. Justifica essa escolha: “Kundera propõe que o ato de romper a cortina dos prejulgamentos foi o instante de nascimento da arte moderna”. Pode marcar, igualmente, o renascimento da sociologia. Se a literatura nasce de um rasgão, a sociologia – pelo menos aquela que Bauman pratica e aprecia – nasce (ou deve nascer) também. Para defender sua tese, ele rememora as palavras de Kundera a respeito de Miguel de Cervantes: “Uma cortina mágica, tecida de lendas, estava suspensa
diante do mundo. Cervantes mandou Dom Quixote viajar e rasgou essa cortina”. Com o Quixote, o mundo se expõe em toda a sua nudez. Os prejulgamentos desmoronam, deixando à mostra a bruta realidade das coisas. Daí, diz Bauman, a importância de valorizar os “gestos destrutivos” dos romancistas. Mais do que uma construção, a literatura é um trabalho de desconstrução. De aniquilamento do óbvio. Ao romper a cortina mágica do consenso, os escritores “colocam em movimento o trabalho infindável da reinterpretação”. Alerta Bauman: essa não é, porém, uma tarefa que se deve esperar só da literatura. “Realmente creio que é por fazer ou deixar de fazer esse trabalho que a sociologia deve ser avaliada”. Reafirma Bauman, ainda assim, que “escrever um romance não é o mesmo que escrever sociologia”. São, em vários sentidos – que incluem a técnica, os princípios conceituais e os métodos – atividades absolutamente distintas. Mas o desejo de puxar a cortina para descobrir o que ela esconde as aproxima. Se praticadas sem apego a dogmas e sem medo de errar, elas guardam a mesma posição de ruptura e coragem. “Elas têm pais comuns, apresentam uma inegável semelhança familiar, servem mutuamente como pontos de referência”. Tanto a sociologia como a literatura, Bauman prossegue, podem servir como padrões através dos quais medimos o sucesso ou o fracasso de nossas buscas existenciais. Dizendo de outra forma: se praticadas com liberdade, ambas têm (ou devem ter) o homem como fim.
Curioso que os jovens escritores – provavelmente copiando o que fazem os jovens sociólogos – estão sempre em busca de mandamentos que sustentem sua escrita. Esquecem-se de que o padrão (o parâmetro) não é um fim em si, mas apenas um meio. O fim deve ser sempre o homem e apenas ele. Recorda Bauman que os grandes escritores procuram “a verdade da vida real”, e não a “verdade absoluta”. Por isso, tanto eles quanto os sociólogos devem, em vez de visar o acerto e a perfeição, se expor a riscos e reconhecer a oscilação inerente ao conhecimento. Para isso, devem estimular em si mesmos o desejo de “aprender sobre as alternativas que permanecem inexploradas, desprezadas, negligenciadas ou ocultas de sua vista”. Tanto os romancistas quanto os sociólogos se parecem com os detetives. Estão muito distantes, contudo, da figura dos detetives clássicos, à moda do Poirot, de Agatha Christie. Aqueles que, ao fim da história, reúnem os personagens para lhes explicar, ponto a ponto, “tudo o que aconteceu”. Tanto a literatura quanto a sociologia deveriam saber que não existe essa verdade pronta, feita de paralelos e de encaixes, que o método de Poirot expressa tão bem. Essa verdade impecável que, como um paraíso, nos esperaria ao final da interpretação.
Fiodor Dosto
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Émile Zola
Afirma Bauman – pensando nos sociólogos, mas isso serve também para os escritores – que não é possível trabalhar bem sem correr grandes riscos. E sem se
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desviar dos preconceitos. Adverte: “O fracasso nessa vocação deixa apenas uma alternativa: uma oferta aos administradores de ajudá-los a tornar dóceis os administrados mediante sua desumanização”. Posição que ele define como “uma oferta tão fraudulenta quanto abominável”. Também os escritores, se pretendem apenas cumprir regras e agradar a agentes externos, nada mais fazem do que desumanizar seu ofício. Nesse caso, eles o esvaziam do que ele tem de mais contundente: o poder de arrancar os véus das superstições (mesmo as “científicas”) para chegar à grande desordem do humano.
A esse respeito, ele recorda as palavras do cientista social dinamarquês Torben Berg Sorensen, um grande leitor de Kafka, em cuja obra ele encontra pistas para estudar o sistema judicial. Diz Sorensen, citado por Bauman: “A literatura nos permite seguir as pessoas a partir de dentro, enquanto ela está agindo”. Não se preocupa, portanto, com um mundo “em tese”, mas com os desordenados eventos do real. Prossegue Sorensen: “Por isso, a literatura cria um conhecimento que não se encaixa em esquemas de pensamentos existentes. Ela suscita problemas e faz perguntas sobre o que existe”. Ficções são, por definição, intermináveis.
Também a sociologia, nos mostra Bauman, deveria ser praticada não como uma ciência “de resultados”, mas como um trabalho sem fim. O homem está em contínuo e perpétuo movimento e tudo o que sociologia e literatura podem fazer é correr atrás dele. (Texto originalmente publicado no suplemento “Prosa”, de O GLOBO, em 21/02/15) comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
José Castello é jornalista e escritor, colunista do suplemento Prosa & Verso, de O Globo. É autor, entre outros títulos, de Vinicius de Moraes: o poeta da paixão, Inventário das sombras, A literatura na poltrona e Ribamar, este último vencedor do Prêmio Jabuti 2011.
recomendações Para que serve a Sociologia? Zygmunt Bauman | Editora Zahar O que é sociologia? Por que fazer sociologia? Como fazer? Qual o seu alcance? Essas quatro perguntas são respondidas por Zygmunt Bauman, o mais brilhante sociólogo de nosso tempo, numa série de conversas com Michael Hviid Jacobsen e Keith Tester. Bauman esclarece, em depoimento apaixonado e envolvente, os princípios que regem seu próprio trabalho, sua vida e sua carreira.
A Cortina Milan Kundera | Editora Companhia das Letras Partindo dos mestres fundadores do romance, como Rabelais e Cervantes, A cortina excursiona pelos grandes nomes do romance europeu, tais como Flaubert, Kafka, Joyce, Robert Musil, Hermann Broch e Gombrowicz, estabelecendo continuidades e diálogos surpreendentes - por exemplo, com os latino-americanos Gabriel García Márquez e Carlos Fuentes. O que Kundera reúne nesse ensaio são observações baseadas na sua experiência como escritor e em suas próprias leituras. O resultado é um livro fundamental para todos aqueles que produzem, criticam, estudam ou simplesmente gostam de um bom romance. Esclarece, em depoimento apaixonado e envolvente, os princípios que regem seu próprio trabalho, sua vida e sua carreira.
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ustentabilidade na prática:
mudanças
em EMPRESAS e NAÇÕES
Por Nara Nunes Dutra
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Com a globalização fica mais evidente a interdependência de eventos que acontecem em algum lugar do mundo e suas consequências no resto do planeta. Desta forma, percebese que devemos viver com um sentido de responsabilidade universal: nossos atos têm consequências no mundo inteiro.
ivemos em um momento de grave crise civilizatória. Diariamente temos informações de problemas econômicos mundiais, eventos consequentes das mudanças climáticas, crises sociais (fome, pobreza, discriminação), movimentos em todo o mundo contra formas de poder, guerras por desrespeito a diferenças ou pelo próprio poder, além de uma crise de valores, que faz com que separemos a ética da política, a economia da ecologia, que façamos uma separação entre aquilo que se diz e aquilo que se faz.
V
Com a globalização fica mais evidente a interdependência de eventos que acontecem em algum lugar do mundo e suas consequências no resto do planeta. Desta forma, percebe-se que devemos viver com um sentido de responsabilidade universal: nossos atos têm consequências no mundo inteiro. Formamos uma única comunidade global e, por isso, somos todos corresponsáveis pelo presente e pelo futuro, devendo encontrar caminhos para harmonizar a diversidade planetária, res-
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peitando-a, e agindo segundo a interdependência local, regional, nacional e global. Na verdade, este contexto que vivemos já vem sendo anunciado há muito tempo. A lógica capitalista não considera o modo como os recursos naturais são utilizados para a manutenção dos níveis de qualidade de vida, de consumo e de crescimento econômico. Já na década de 1960 começaram os movimentos ambientalistas. Em 1972, o Relatório do Clube de Roma, denominado “Os Limites do Crescimento”, declara que, se o aumento da população e da utilização de recursos naturais continuasse na mesma proporção, o planeta entraria em colapso. A partir de então, as discussões tomaram âmbitos maiores. A primeira conferência das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre o tema, ainda em 1972, a Conferência de Estocolmo, debateu temas ambientais gerais e apontou o desenvolvimento econômico como o grande vilão, afirmando que a solução estava na proteção ambiental. Foi quando os países começaram a incluir
questões ambientais em suas políticas nacionais e criaram estrutura organizacional e legal para gerir os problemas ambientais como leis e Ministérios do Meio Ambiente. Mas as conclusões dessa conferência foram questionadas porque em alguns países os problemas ambientais não eram consequência do desenvolvimento, mas da falta dele (por exemplo, a poluição como consequência da falta de saneamento básico). Em 1987, a publicação do primeiro Relatório Nosso Futuro Comum pela ONU afirmou que crescimento econômico e proteção ambiental não são incompatíveis e podem acontecer ao mesmo tempo, ou seja, as empresas podiam aumentar seu crescimento econômico e melhorar a qualidade ambiental. Esse relatório trouxe o conceito de ecoeficiência, ressaltou que questões sociais devem ser incorporadas a questões ambientais e econômicas e apresentou o conceito de Desenvolvimento Sustentável como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem suas
A ECO92 ou Rio92 (2ª Conferência Global da ONU, realizada no Rio de Janeiro em 1992) estava voltada para a implementação do conceito de desenvolvimento sustentável em escala mundial e solução de problemas globais tais como aquecimento global e perda de biodiversidade. Desse encontro saíram vários documentos, como a Convenção das mudanças climáticas, Carta da Terra, Agenda 21, etc. A partir de então, diversos protocolos foram firmados, como o Protocolo de Quioto, de 1997, que estabeleceu mecanismos para tentar conter o efeito estufa, o Protocolo de Cartegena, de 2000, que fixa o tratado sobre biossegurança (proteção da biodiversidade – transgênicos), dentre outros. A Conferência de Johanesburgo, realizada em 2002, chamada de Cúpula Global, teve a finalidade de avaliar os avanços pós-Rio92 e apontar a piora dos problemas debatidos como o aumento da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) e da perda de biodiversidade, o crescimento da degradação ambiental, social e econômica em várias regiões do globo; além de alertar para novos problemas como a degradação
de recursos hídricos e a escassez de água. Colocou a pobreza na agenda global de desenvolvimento sustentável. Já a Rio+20, em 2012, teve o objetivo de renovar o compromisso político com o desenvolvimento sustentável, promover a economia verde, acabar com a pobreza, promover estrutura governamental para promoção do desenvolvimento sustentável, além de trabalhar com temas específicos como a água, segurança alimentar, energia, cidades, mudanças climáticas, consumo e produção sustentável, etc.
pessoal, refere-se a uma mudança de hábitos. Para Ignacy Sachs, só acontece desenvolvimento quando o crescimento econômico tem impactos positivos em termos sociais e ambientais (SACHS, Caminhos para o desenvolvimento sustentável, 2008, p.36).
Desenvolvimento sustentável Inserção social
Ecoeficiência
Esse histórico de discussões mostra que o mundo já sabe para onde deve ir e que não temos o direito de perder mais tempo. Mas o que fazer de concreto? Como fazer? Quem deve ser sustentável? A tendência mais forte para as corporações no futuro é a questão da sustentabilidade, vista pelas empresas de todo mundo como fator de competitividade e sobrevivência dos negócios no longo prazo. Sustentabilidade... palavrinha desgastada, usada por todos, muitas vezes sem saber seu real sentido. Traduzindo o conceito de sustentabilidade para nossa realidade: é uma nova forma de vida na qual se consideram, nas tomadas de decisões, não somente questões econômicas, mas questões ambientais e sociais, buscando o equilíbrio dessas três dimensões. Quando falamos em vida empresarial, trata-se de uma nova forma de fazer negócio, um novo modelo de gestão; na vida
Dimensão Econômica o tiv ita
viá
vel
Dimensão Ambiental
u eq Suportável
próprias necessidades... é um processo de transformação onde se harmoniza a exploração de recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional, reforçando o potencial presente e futuro, para atender às necessidades e expectativas humanas.” (CMMAD, 1991, p. 04, 46 e 49).
Dimensão Social
Justiça socioambiental
A Figura acima retrata o Triple Botton Line, conceito criado em 1994 por John Elkington, e demonstra que se equilibramos a dimensão econômica e ambiental temos a ecoeficiência; se o equilíbrio se der entre as dimensões econômica e social, temos maior dignidade, igualdade, justiça e inserção social; e se equilibrarmos a dimensão social e ambiental podemos alcançar um ambiente suportável, com justiça
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socioambiental. Porém, o desenvolvimento sustentável só ocorre no pequeno espaço onde conseguimos equilibrar as 3 dimensões: econômica, social e ambiental; espaço este em que se busca o crescimento econômico, fazendo o ecologicamente correto e o socialmente justo. Com traduzir isso em práticas? Existem diversos padrões que orientam a prática da Sustentabilidade dentro das organizações. Cada um deles vai nos apresentar indicadores de desempenhos que
Princípios e Diretrizes Internacionais Exemplo: Pacto Global, Objetivos do Melênio, OIT Organização Intercional do trabalho, etc.
Princípios e Diretrizes de Governança Corporativa relacionamento com as partes interessadas. Exemplo: IBGC - Código Brasieleiro de Melhores Práticas de Governança.
Princípios e Diretrizes Setoriais ISE/Bovespa - Iˆndice de Sustentabilidade Empresarial análise comparativa da performance de empresas sob oaspectos da sustentabilidade corporativa; Principio do Equador - Critérios ambientais e sociais a serem observados na análise de projetos de investimento, PRME - Princípios para Educação Empresarial Responsável, etc.
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Instrumentos de Gestão Exemplo: GRI - Global Reporting Initiative Ethos de Responsabilidade Social, Balanço Social IBASE, etc.
Normas e certificações Exemplo: ISO14000, ISO26000, FSC Forest Stewardship Council (manejo florestal), etc
vão direcionar nossas ações dentro das empresas. Existem diversos referenciais, classificados por tipo: Resumidamente, o primeiro passo é definir qual(ais) referencial(ais) seguir. Ele(s) deve(m) ser coerente(s) com o negócio de cada organização e seus interesses. A partir de então, começa-se um processo adaptação da gestão de negócios conforme os indicadores apresentados no(s) referencial(ais) escolhido(s) e desenha-se um plano de ações incorporado às estratégias organizacionais. Sustentabilidade Organizacional é um processo sistêmico e estratégico, que deve ser incorporado no planejamento, voltado à melhoria contínua de desempe-
nhos econômicos, sociais e ambientais da organização. Aplicada em qualquer setor econômico (comércio, indústrias, serviços, terceiro setor e governos) de qualquer área de atuação (móveis, educação, energia, transportes, turismo, consumo, construção civil, comunicação e marketing, medicamentos, cosméticos, saúde, etc.) e em organizações de todos os portes (Micro e Pequenas Empresas - MPE, empresas de médio e grande porte e até em empreendimentos autônomos, como os ambulantes); sempre respeitando suas especificidades, necessidades e expectativas dos seus stakeholders. Sustentabilidade Organizacional não é filantropia, nem a atuação em projetos socioambientais isolados. Deve estar relacionada às atividades da organização e seus impactos positivos e negativos na sociedade, na economia e no meio ambiente; deve estar integrada à sua estratégia e práticas de negócio. Exige um posicionamento estratégico customizado às especificidades de cada negócio,
visão sistêmica e atenção ao desenvolvimento de sua cadeia de valor, visto que ninguém é sustentável sozinho. Incorporar a sustentabilidade na gestão de negócios leva a organização a um propósito socioambiental maior embutido na sua maneira de ganhar dinheiro, causando impacto estratégico em suas atividades. Precisamos aumentar a participação ativa nesse propósito maior, de ajudar a construir um futuro melhor tanto para os negócios quanto para a sociedade e para o planeta, buscando soluções para satisfazer as necessidades de justiça social, econômica e ambiental.
Referências: Nara Nunes Dutra é consultora em sustentabilidade, diretora da Sincronia Soluções Sustentáveis, membro da Rede ISAE de Talentos (RIT), como docente do ISAE/ FGV. Psicóloga, com pós-graduação em Educação Ambiental (Senac Nacional), MBA em Responsabilidade Social Corporativa (FGV/PR) e Especialização em Competências Estratégicas (Senac Nacional), Formação da Banca de Examinadores do Movimento de Excelência no modelo do FNQ e formada em Relatório de Sustentabilidade GRI (Uniethos). Contato: nara_dutra2012@hotmail.com
ELKINGTON, John. A teoria dos três pilares. Tradução de Patrícia Martins Ramalho. São Paulo: MARKRON Books, 2001. SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável, 2008, p.36 Figura 1 - Representação do triple bottom line. Fonte: Adaptado pela autora de ELKINGTON, 2001; Sites: www.onu.org.br; Figura 2 – Adaptação pela autora de LOUETTE, Anne (Organizadora). Compêndio de indicadores de sustentabilidade das nações, São Paulo, WHH, 2007
Recomendações Escola de Líderes Sustentáveis: como as empresas estão envolvendo e educando para a sustentabilidade Ricardo Voltolini | Editora Campus
e a cidade
Mais importante do que ser sustentável é ser capaz de mobilizar todos à sua volta no esforço por resultados sustentáveis. E é justamente esse o tema do livro do jornalista e consultor em sustentabilidade empresarial Ricardo Voltolini.
Educação ambiental e sustentabilidade Arlindo Phillipi Jr. | Editora Manole A obra foi estruturada em cinco partes, composta por Introdução, Fundamentação Ambiental, Fundamentação em Educação Ambiental, Métodos e Estratégias de Educação Ambiental e Estudos Aplicados à Educação Ambiental. Conta com a participação de especialistas de diversas áreas, que abordam o tema sob perspectiva interdisciplinar, demonstrando a importância das relações da educação ambiental com saúde, ambiente, direito, cidadania, política, cultura e sustentabilidade.
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são
Números importantes, mas valores são para a
toda vida
Uma educação de qualidade precisa estar baseada em conteúdos que busquem “humanizar” a humanidade, trazendo para dentro de cada conteúdo os valores da vida, formando assim homens e mulheres para os demais. Por Rodrigo dos Passos
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A
princípio o título deste texto pode confundir, mas quando entendemos que os “números” estão ligados aos rankings educacionais e que os “valores” referem-se à ética, amizade, compaixão, respeito, responsabilidade social e tantas outras características que nos tornam humanos de fato e que são indispensáveis para o desenvolvimento de uma sociedade, percebemos a diferença que ambos possuem em nossa vida.
alguns dos sistemas avaliativos que existem e que estão focados na Educação Básica; existem ainda muitos outros.
A educação formal em todo o planeta tem aumentado muito o seu foco nos índices numéricos de avaliação. Estão ai: IDEB (índice de Educação Básica) e ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), aplicados no Brasil, e o PISA (Programa Internacional de Avaliação do Estudante), aplicado em vários países do mundo. Estes são apenas
Educar é muito mais do que ensinar conceitos matemáticos, físicos ou apenas de interpretação de textos, que muitas vezes aparecem de forma descontextualizada para o aluno. A educação de qualidade passa pela contextualização do conteúdo, pela vida do aluno e pela sociedade em que está inserido. Assim, o ensina-
De maneira geral, estes sistemas de avaliação podem ajudar na visualização de resultados. Porém, acredito que a interpretação e a utilização dos números gerados precisam ser realizadas com muito cuidado, pois a simples classificação por rankings de escolas não consegue abranger o verdadeiro sentido da educação.
mento de valores humanos deve perpassar todo o conteúdo ensinado em sala de aula. As crianças e adolescentes que de certa forma ainda não foram contaminados pela “desvalorização humana” atual precisam ter uma educação para a vida que lhes possibilite escolher o melhor caminho frente a um mundo cada vez mais mecanicista,
mesmo que com seres humanos controlando tudo. Desta forma, os colégios confessionais têm buscado ser cada vez mais uma referência nestas questões, pois se percebe que a sociedade atual vive uma crise de valores. Não valores econômicos, mas humanos, que são muitas vezes contrapostos aos econômicos. Cabe aos professores que acreditam que um mundo mais humano é possível se perguntar, antes de tudo, quem são os alunos que eles têm à sua frente? Do que eles gostam, o que tem já concebido como valores importantes na sua vida? Como reage frente àquilo que o desagrada... Ensinar é isso, é compreender primeiro o mundo de quem se está ensinando, pois semear em solo desconhecido não é proveitoso. No mundo moderno, temos a presença muito forte da Internet, e a quantidade de informações disponíveis aumenta a cada segundo, porém é somente na sala que muitos alunos podem encontrar conhecimento, carinho, afeto, companheirismo, solidariedade e a convivência, elementos que não são encontrados na rede de computadores. Nesse sentido, é por meio da educação que o homem se humaniza e a escola se coloca como promotora na conquista da emancipação humana, realizando com qualidade o processo de ensino para a apropriação dos
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conhecimentos científicos e filosóficos que sejam capazes de educar integralmente o ser humano. Ou seja, educar para a cidadania a partir da “assimilação ativa dos conteúdos” (VIGOTSKY, apud LIB NEO, 2008, p.3). O Papa Francisco propõe que as crianças possam encontrar na escola uma referência positiva, que encontrem professores capazes de dar sentido ao estudo sem reduzi-lo à mera transmissão de conhecimentos. Isso exige dos docentes uma preparação cada vez mais qualificada e contínua, fato que pode ser facilmente observado em todos os colégios da Companhia de Jesus, que investem fortemente neste aspecto de todo seu quadro docente. A educação Jesuíta possui muitos recursos didáticos e caracteriza-se por ser muito eclética,
mantendo seus princípios e aproveitando o que há de melhor em cada forma de ensinar, buscando sempre utilizar recursos que procurem adaptar-se à realidade e ao contexto dos alunos, sendo uma pedagogia voltada para os aspectos práticos do seu dia a dia, propondo formar pessoas capazes de reagir diante da realidade social, artística, política, sendo um referencial de ser humano para os demais.
Rodrigo dos Passos é Orientador de Convivência e Professor de Geografia – Unidade de Ensino II, do Colégio Catarinense, instituição de ensino jesuíta em Florianópolis/SC.
A partir desse entendimento, pode-se perceber que realmente uma educação de qualidade precisa estar baseada em conteúdos que busquem “humanizar” a humanidade, trazendo para dentro de cada conteúdo os valores da vida, formando assim homens e mulheres para os demais. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Recomendações e a cidade A coragem da verdade Michel Foucault|Editora Martins Fontes Esta segunda parte do último seminário de Michel Foucault ministrado no Collège de France é tida como seu testamento. É sua última meditação, sobre o ‘dizer-a-verdade’ e a prática filosófica; segundo ele, o filósofo não é caracterizado por deter o saber, mas pela prática que se esforça em realizar - um estilo de vida.
Pedagogia da esperança Paulo Freire | Editora Paz e Terra Paulo Freire faz uma reflexão sobre Pedagogia do oprimido, publicado em 1968, durante o seu exílio no Chile. Nesse reencontro, analisa suas experiências pedagógicas em quase três décadas nos mais diferentes países. Um relato valioso, elaborado com cientificidade, humildade e coerência, que recusa o determinismo e mostra a história humana como um feixe de possibilidades.
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De
criança para criança Entrevista com Alice Salomão
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E
la nasceu em Curitiba numa manhã de Carnaval, em 15 de fevereiro de 1999. Aos dois anos de idade perguntou: quando é que vou aprender a ler? E, desde que entrou no mundo da escrita, não parou mais.
Alice Salomão Guerra está hoje com 16 anos, faz teatro há nove e pratica arte circense. E, claro, está sempre com um livro na mão.
É autora de De criança para criança, uma coletânea de escritos em prosa e verso que a autora produziu dos quatro aos treze anos e transformou em livro, com o qual as crianças vão se identificar, conforme a idade. Foi com ela que a revista Mediação conversou.
Mediação: Conta pra gente
Para escrever precisa curtir a lei-
excelentes artistas amigos, até os
como foi que aconteceu, tão
tura também. Algumas crianças
que eu fazia naquela idade.
cedo, esse teu interesse pela
nascem com esta vontade e este
palavra escrita.
interesse é naturalmente desper-
Alice: Desde pequenos, meus pais tiveram muito contato e amor pela leitura. E seja pela genética
aos dois anos de idade: ‘Quando
Poderia citar um ou dois livros
é que eu vou aprender a ler?’. To-
que te marcaram?
davia, alguns pequenos precisam
para mim de forma significativa.
derão estar lendo e escrevendo
Antes mesmo de entrar na escola
também. Como tem sido a conversa com crianças a respeito do teu
Para mim a história tem que ser envolvente e os personagens bem construídos. Por isso, acabo gostando tanto de sagas adolescentes (muitas vezes criticadas)
livro? Como elas reagem lendo
como Harry Potter, por exemplo,
eu desejava. E ali ficava a palavra.
algo que foi escrito por outra
quanto de livros mais clássicos,
Acho que eu me interessei brin-
criança, já que há textos no li-
que são maravilhosos, como A
cando mesmo.
vro que remontam aos teus 4
Máquina do Tempo (H.G. Wells) e
anos?
O Raio Verde (Julio Verne).
pedia para alguém escrever o que
Hoje você está com 16 anos. Mas escreve desde os
Tem sido muito gratificante. O
4. Muitos poderão achar que
livro é separado por idade, (dos 4
se trata de um dom que nasce
aos 13 anos) e elas se identificam
com a pessoa e, dessa forma,
conforme a faixa etária. Muitas
ou nascemos assim ou não
crianças que não possuíam o há-
tem mais jeito. Mas acredito que a disciplina e a vontade podem fazer ótimos leitores e escritores, você concorda?
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te deixa atraída por um livro?
de um empurrãozinho, e logo po-
geladeira em formato de letras e
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tado. Eu, por exemplo, perguntei
ou pelo exemplo, passaram isto
eu já era curiosa. Ganhei ímãs de
E como leitora? O que mais
Hoje em dia se diz muito que as crianças estão deixando os livros de lado para se dedicar às atrações das novas
bito da leitura estão desenvol-
tecnologias. O que você acha
vendo, e outras se sentem mais
dessa afirmação?
confiantes para arriscar a escrever. Eu comecei com a poesia. Gostava da brincadeira de achar
Isto realmente está acontecendo. A criança, ao se desinteressar por alguma história, logo rotula:
Acredito que sim. Embora
a rima. Depois vieram os contos,
existam pessoas que possuem
a invenção, a criação de uma his-
“não gosto de ler”. As novas tec-
uma tendência maior à escrita, a
tória. Meu livro atrai também pe-
nologias chamam muito mais a
prática leva ao domínio da arte.
las ilustrações. Tem desenhos de
atenção, além de ser uma ativida-
de mais fácil. A criança precisa ser
por aí com leitura fácil e gostosa,
“Um riso é
apresentada, pelos pais e profes-
e cuja história é sensacional. Pode
só um riso
sores, tios e avós, a todo tipo de
ser um bom começo. Não precisa ter uma escrita rebuscada para ser
Dois risos são
história, porque elas logo encontrarão algo que as atraia. E acho
um livro bom. Preste atenção se
que ler para os filhos também é
o assunto lhe agrada: policial com
um momento muito importante,
emoção ou romance açucarado?
uma risada
Quem sabe o tipo da letra é o que
E mais que isso?
está incomodando... De gibi a fi-
Ah, só se for uma
losofia, vale tudo.
gargalhada.”
além de prazeroso. Eu, quando já lia livros maiores sozinha, adorava quando minha mãe lia à noite
Já tem alguma ideia para
para mim. Aproveitando um pouco da
um novo livro?
pergunta anterior: o que você
Sim! Na verdade tenho muitos
diria para alguém que acha
projetos começados. Mas o mais
que ler é perda de tempo?
concreto é o livro La Belle, um
Digo que isto não existe. Tem que tentar. Existem muitos livros
romance colegial que vou lançar provavelmente este ano.
um sorriso Três risos são
Do livro De criança para criança: histórias e poemas infantis, de Alice Salomão Guerra. O livro encontra-se disponível na Bilbioteca da Fase I, no Colégio Medianeira. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Recomendações
e a cidade
De Criança pra criança Alice Guerra | Editora Agenda Arte
Uma coletnea de escritos que a autora produziu dos quatro aos treze anos e transformou neste livro, onde as crianças vão se identificar conforme a idade. Os demais constatarão que o ato de escrever pode nascer junto com a gente.
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Pistas para uma
EDUCAÇÃO COMPLEXA: transgressão e ousadia
nos processos de
aprender dança
A transgressão pode ser uma estratégia de mudança nos processos de ensino e aprendizagem. Ela também interfere na visão do ensino tradicional, no qual existe um professor que ensina e um aluno que aprende sem haver trocas e compartilhamentos. Por Mabile Borsatto
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E
ste artigo é um convite à transgressão de tudo que coíbe o sujeito de suas possibilidades de diálogo e troca. Transgressão aos modelos pautados em receitas. Transgressão como possibilidade de construir uma nova relação nos processos de ensinar e aprender dança baseada nas colaborações em sala de aula.
quê? A incerteza é condição de existência dessa dança.
livro Transgressão e Mudança na
O educador deve transgredir o que existe pronto, acabado e
Hernández. Para o autor, a trans-
constituído de maneira fixa. Os
mudança nos processos de ensino
modelos carregados de incoe-
e aprendizagem, também interfe-
rências precisam ser ventilados,
re na visão do ensino tradicional,
acompanhando a dinâmica da
no qual existe um professor que
sociedade. Transgredir em termos
ensina e um aluno que aprende
de atitudes e comportamentos,
sem haver trocas e compartilha-
É um convite a soltar a imaginação, a paixão, e apostar no risco para explorar novos caminhos que permitam que os processos de ensinar e aprender deixem de ser compartimentos fechados, com horários fragmentados, arquipélagos de docentes e priorizem a relação como primordial, em que a paixão pelo conhecimento seja o objetivo e os modos de ensinar e aprender sejam voltados para a transformação e mudança.
tendendo à mudança de posturas
mentos. Essa estratégia é con-
e transformações, tão necessárias
tra a interpretação que reduz
aos processos de ensinar e apren-
e simplifica alguns aspectos da
der. Um educador que se man-
aprendizagem.
Exemplo 1 O planejamento é feito todo início de ano com toda a programação de conteúdos para serem compartilhados. Nos primeiros dias de aula, a professora descobre que seus alunos não sabem o porquê de estarem lá. A programação dos conteúdos deu lugar a um encontro transgressor e fervoroso. Mudança estrutural feita: durante todos os encontros eles passam a se debruçar na única e insistente pergunta: dançar para
Educação (1998), de Fernando gressão, como uma estratégia de
tenha a par do questionamento
Transgressão como possibi-
para a construção do conheci-
lidade de mudança na visão do
mento. Um educador com dispo-
currículo das instituições que tra-
sição para a mudança.
balham com a dança, centrado
Atualmente, pouco ou nada se diz sobre os intercâmbios que se apresentam na sala de aula, ou seja, sua ampla e inacabá-
nas disciplinas entendidas como fragmentos
empacotados
em
compartimentos fechados, oferecidos aos alunos sob forma de conhecimento, que muito pouco
vel possibilidade de ser, antes de
ou nada tem a ver com suas vidas,
qualquer coisa, um lugar para a
necessidades e interesses.
proliferação de ideias, sobre as construções sociais que o ensino intermedia, sobre os valores que o professor promove ou exclui, sobre a construção das singularida-
Transgressão contra os modos de ensinar e aprender que impedem que os alunos se construam como sujeitos em cada época de sua vida, pensando sempre que
des, as relações de poder existen-
são formadores de futuro e de
tes na escola, o papel dos afetos,
algo que está além do momento
enfim, tudo o que corresponde ao
em que estão vivendo.
âmbito educacional.
Transgressão contra a perda
A ideia de transgressão é em-
da autonomia no discurso dos
basada nas reflexões trazidas no
docentes e discentes. Calam-se
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as vozes e o ato de saber escutar
e trocas sem significado. O que a
é prejudicado. Escutar é obvia-
humildade exige é enfrentar a dú-
mente algo que vai além da pos-
vida e o desconhecido com digni-
sibilidade auditiva de cada um.
dade e de maneira diferente. Não
Escutar significa disponibilidade
significa curvar-se diante de tudo
permanente por parte do sujeito
e todos, mas assinalar protestos
que escuta para abertura à fala
claros, com respeito mútuo e pos-
do outro, ao gesto do outro, às
sibilidade de diálogo e discussão.
diferenças do outro. Não diminui nos professores e alunos o direito de discordar, de se opor e de se
que não se conhece. Transgressão em relação à in-
processo de escutar, de estar dis-
capacidade das instituições de en-
ponível e aberto à fala, ao gesto,
sino de se repensarem de maneira
ao outro, é essencialmente afeti-
permanente, à incapacidade de
vo, transgressor e compartilhado.
dialogar com as transformações
de ambiguidade e ambivalência como algo frágil e pouco profundo. As diversas vozes existentes no processo de ensinar e aprender e suas diversas interpretações de contexto precisam ser ouvidas. Isso é rico, é potente e é necessário.
que acontecem na sociedade, nos alunos e na própria educação. Ideologias velhas para necessidades novas. Transgressão sobre a ideia de ideologia
simplesmente
como
algo negativo e partidário, como uma receita a ser seguida sem reflexão, como mecanismo de ocultação de interesses escusos,
Transgressão no que diz res-
enfim, sem uma compreensão da
peito à humildade e ao desconhe-
necessidade de operacionalidade
cido diante do processo de ensino
da atuação do sujeito no mun-
e aprendizagem. Escutar fora dos
do em conjunto com seus seme-
padrões dominantes exige humil-
lhantes. Ensinar e aprender, nessa
dade e respeito às diferenças. A
perspectiva, exige reconhecer que
falta de humildade expressa na
a educação é ideológica.
arrogância e na falsa superiorida-
A ideologia supõe um envolvimento afetivo do educando, do educador, do cidadão, do sujeito, dos conceitos e aí por diante. A
de de um sujeito sobre o outro, de um conceito sobre o outro, imprime supremacias desproporcionais
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silêncio, na conduta de admitir o
posicionar. O âmago de todo esse
Transgressão à ideia errônea
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A transgressão está também no
ideologia assim compreendida é o conjunto de argumentações para aderir a um ideal comum a todos, a um projeto, a um determinado procedimento. Lembrando que o ensino e aprendizagem estão cheios de ideologias recorrentes, que se instauram e multiplicam de maneira incorreta. Ter ideologia na educação é também ousar e desestabilizar os próprios princípios e valores. A ousadia, parceira da transgressão e do modo como vinculamos a ideologia nos contextos, precisa ser pensada com (e como) música, dança, teatro, cinema, literatura. Com (e como) pegapega, futebol, natação, ou seja, com frescor, com leveza, com potencial crítico e reflexivo. Com (e como) garantia de sujeitos mais críticos e sensíveis. Um modo de ensinar e aprender mais amplo produz desejo. Desperta. Gera esperança e faz com que se acredite na transformação. Precisa-se de ousadia nos processos de ensinar e aprender, ousadia na dança.
Novos desejos. Que os ambientes de ensino sejam cada vez mais atraentes. E que uma ação não restrinja a outra. Complementem-se. Em Medo e ousadia: o cotidiano do professor (1986), de Ira Shor e Paulo Freire, os autores afirmam que a educação libertadora se constitui de um estímulo para os sujeitos se mobilizarem, se organizarem e se apoderarem das suas ideias e ideais. Um tipo de poder emancipatório e ousado, que permite uma prática sem fixidez e medos. Ambos criticam o “currículo oficial”, pois entendem que ele implica a falta de confiança na capacidade dos estudantes e dos professores, negando-lhes o exercício da criatividade. Freire e Shor defendem, na ação educadora, o rigor e não a rigidez, o direito do professor tomar a palavra, mas não o direito de entediar seus alunos com sua fala. Aprender e ensinar dança, nessa perspectiva, é ousar, é superar o medo.
Exemplo 2: Olhar para a constituição do corpo e sua interação com o meio é algo que mobiliza a forma como olhamos e agimos nos contextos. Como parte da disciplina, fomos visitar e propor atividades para alunos de diferentes contextos sociais. Adoramos falar e escrever sobre a
diferença, esse texto faz isso. Mas quando ela bate na porta? Quando a diferença exige uma postura diferente e desbanca tudo que você sempre acreditou ser possível? A incerteza e a quebra dos padrões ficou escancarada diante dos olhos, a necessidade de mudar os planos fez com que a dança fosse outra. O medo de tocar é substituído pela vontade de se arriscar e ousar. Ousar sabendo que cada corpo é singular. Ousar sabendo que cada dança é singular. Ensinar e aprender com ousadia é sempre impregnar de sentido todos os atos da nossa vida cotidiana. É entender e transformar o mundo e a si mesmo. É compartilhar o mundo e se encher de afetividade. Numa sociedade violenta como a nossa, é preciso educar para o entendimento das diferenças. Educar é também desequilibrar, duvidar, suspeitar, lutar, se posicionar e estar presente no mundo. Educar é se dispor de maneira ousada e crítica, não se omitir diante dos problemas recorrentes e cansativos da educação. A lição da transgressão e da ousadia é a de colaboração de interesses das diversas possibilidades de ensinar e aprender dança. As parcerias tomam o lugar das posições fixas estimulando a presença e a coabitação de várias ideias de dança, vindas de vários contextos.
Contextualizar os processos de ensinar e aprender dança é um ato de coragem. Isso inclui inovação, ousadia e, sobretudo, abriga a autonomia de todos os sujeitos. A história inscrita nos sujeitos conta sobre suas ambivalências, ambiguidades e incertezas como condições de complexidade. Isso é um convite e se efetiva em um encontro com a dança, e não um encontro qualquer, mas daqueles que incitam a fazer diferente através das relações e é também uma crítica, mas não aquela convencional de alguém que assiste de longe, mas da possibilidade de uma crítica colaborativa, para que todos os interessados em educação possam dialogar e criar suas reflexões. Ensinar e aprender em dança é transformar, pois repetir servilmente aquilo que foi, optar pela segurança do conformismo e pela fidelidade cega à tradição impede o risco da aventura. Por tudo isso, ser professor é um privilégio. Ensinar e aprender dança é viver a complexidade. Por isso tudo... Educar é paixão. Se a paixão morre, a educação se perde. Há pensamentos que incomodam certo tempo e depois se acomodam. Pensar a dança como algo que existe na relação é não acomodá-la. É recriá-la à luz das exigências do atual paradigma social e educacional, na perspectiva
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do processo emancipatório. Esse texto caminha nesta direção, com uma profunda amorosidade pelo seu fazer como educador e pela crença nos educandos, no desejo de que se constituam sujeitos mais críticos. É por isso que provoca (conflituosamente e amorosamente), para a reflexão da condição pós-moderna e dos desafios e implicações na construção de uma educação sensível e crítica, que tenha como horizonte quem dela faz parte. Adeus, professor; professora!?
Adeus dança do dois pra cá e dois pra lá? Fica o convite para refletir esse texto além da dança. Fica o convite para movimentarmos o nosso quadril duro, engessado por anos de relutância e teimosia.
Mabile Borsatto é professora de dança do Colégio Medianeira desde 2008. É mestre em dança pela Universidade Federal da Bahia. Fez graduação e especialização em dança e ensino na Faculdade de Artes do Paraná. Desde 2009 trabalha com capacitação de professores da rede municipal de Curitiba. É interprete-criadora da Entretantas Conexão em Dança realizando espetáculos artísticos e pedagógicos.
Fica o convite para que a gente mova nosso jeito de ensinar e aprender.
adeus,
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Recomendações Transgressão e Mudança na Educação Fernando Hernandez| Editora Artmed Este livro é um convite à transgressão das amarras que impedem o indivíduo de pensar por si mesmo, de construir uma nova relação educativa baseada na colaboração em sala de aula, na escola e com a comunidade.
Medo e Ousadia – O cotidiano do professor Ira Shor e Paulo Freire|Editora Paz e Terra O que é ensino libertador? Como os professores se transformam em educadores libertadores? Como começam a transformar os estudantes? De que modo a educação se relaciona com a transformação política? Essas e outras perguntas são tratadas em Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Esse diálogo vibrante de Paulo Freire com Ira Shor mostra que é possível aplicar um modelo pedagógico transformador a partir da democratização do espaço de ensino e da constante motivação do aluno à reflexão. Duas experiências distintas, duas opiniões discutidas e apresentadas. Uma verdadeira aula sobre pedagogia e construção de um ambiente de ensino democrático e inovador.
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Os dezessete
do vinte e nove do quatro
(na urgĂŞncia da aparente quietude ensurdecedora) Por Ivan Justen Santana
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Houve (sim: ouve!) dezessete
assim,
policiais militares que se
sim, ouve:
recusaram a avançar sobre
houve dezessete (vinte e dois, um
manifestantes, se negaram a
só e milhares)
disparar balas de borracha na
daqueles policiais militares
cara de professores e professoras
que se negaram ao massacre.
(ou mesmo de jovens que pra blequebloques ainda precisam comer muito feijãozinho). Houve, não ouve? Não. Segundo a própria polícia militar, não, não houve: “Não houveram.” “É falsa a informação.” A corporação nega, ó, minhas nêga. Mas essa voz aqui diz: ouve, houve sim. Mesmo que lembre aquele filme
Tenham sido inventados: precisavam ser. Existiram mesmo: estejam ou não por aí. E se esse poema chegar a algum deles ou a alguma delas, enfim, se chegar a você, e você se puser na pele de dezessete policiais militares que romperam seu próprio código de obediência, que sacrificaram sua própria posição de trabalho para não obedecer às ordens de covardes, então você também sabe: ouve, houveram, houve: dezessete policiais militares no dia vinte e nove do quatro
futurista daquele dinamarquês
de dois mil e quinze
fisiculturista, o Arnoldo e Suas
na cidade de Curitiba
Nêga, em que o protagonista
no estado do Paraná
é policial que se nega a matar
(recordando os dezoito do forte
gente inocente, e depois
cantados por Scharffenberg de
prendem ele e editam o vídeo
Quadros)
e comprovam que ele atirou na
que se recusaram ao massacre,
gente inocente,
sacrificaram a própria profissão, romperam o código de
sim, mesmo que isso lembre
obediência,
ficção científica cinematográfica,
disseram não à violência,
a verdade da ficção pode corrigir
disseram não à estupidez
a verdade da mentira da negação da verdade que contaram:
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e disseram sim à coragem.
Ivan Justen Santana, curitibano de pai e mãe curitibanos, nasceu em 1973. Poeta, tradutor e professor, mestre em Letras pela USP, doutor em estudos literários pela UFPR, bloga poemas e traduções, desde 2004, em http:// ossurtado.blogspot.com
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jesuitasbrasil.com
COMPANHIA DE JESUS
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