Revista Mediação - Número 03

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Diretor Pe. Raimundo Kroth, S.J.

ISSN 1808-2564

revista de educação editada e produzida pelo colégio medianeira

Vice-diretor Prof. Adalberto Fávero Coordenador Administrativo e Financeiro Gilberto Vizini Vieira Coord. Comunitário e de Esporte Prof. Francisco Alexandre Faigle Coordenação Editorial e Revisão Luciana Nogueira Nascimento (MTB 2927/82v) Nilton Cezar Tridapalli

A essencialidade do sentimento Cláudio Adriano Piechnik .............................................................................................................................. 6

Quando o problema aparece na escola Rosangela Lupatini Abou Fares ..................................................................................................................... 10

Projeto Gráfico e Diagramação Sonia Oleskovicz Ilustração da Capa Luiz Rettamozo Fotografias Arquivo Medianeira Colaboraram nesta edição Adalberto Fávero, Cláudio Adriano Piechnik, Cristóvão Tezza, Fabiano Pinkner Rodrigues, Francisco Carlos Rehme, Gladimir Nascimento, Libera Regina C. C. Venturelli, Liliam Martinelli, Loivo José Mallmann, Marcelo Cambraia Sanches, Maria Elena Kern, Nilton Cesar Tridapalli, Paulo Venturelli, Rosangela Lupatini Abou Fares, Rudi Isidoro Rabuske, Sérgio Luis do Nascimento, Suzana Valaski e Suzana Braga Bertassoni. (ilustrações) Luiz Rettamozo e Denize Roman Tiragem 3.500 exemplares Papel Reciclato Suzano 90g/m2 (miolo) Reciclato Suzano 240 g/m2 (capa) Número de Páginas 60 CTP SERZEGRAF Impressão e Acabamento SERZEGRAF

Salas ambientes no espaço escolar Libera Regina C. C. Venturelli ........................................................................................................................ 12

Crise ecológica – uma reflexão Loivo José Mallmann ..................................................................................................................................... 17

Vivência no laboratório: a teoria vista e revista na prática Maria Elena Kern ............................................................................................................................................ 20

Arte e Indústria Cultural Você tem fome do quê? Você tem sede do quê? Paulo Venturelli ............................................................................................................................................... 24

Ensino Médio: informação e formação Rudi Isidoro Rabuske ..................................................................................................................................... 29

A responsabilidade de orientar a escolha profissional Suzana Braga Bertassoni ............................................................................................................................... 33

EQUIPE PEDAGÓGICA Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1ª à 4ª séries Coordenadora Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro Ensino Fundamental de 5ª e 6ª séries Coordenadoras Profª Eliane Zaionc (manhã) Profª Carolina Queiroz Lopes de Araújo (tarde) Ensino Fundamental de 7ª e 8ª séries Coordenadora Profª Liliam Maria Born Martinelli Ensino Médio Coordenador Prof. Rudi Isidoro Rabuske

Coordenador de Pastoral Prof. Edilson Ribeiro

Quando temos, não temos (Algumas considerações sobre educação ambiental) Gladimir Nascimento ..................................................................................................................................... 40

Entrevista com Cristóvão Tezza ......................................................................................................................................................................... 44

Democratização das vagas no Ensino Superior: um debate necessário Sérgio Luís do Nascimento ........................................................................................................................... 48

Centro de Espiritualidade Prof. Fernando Guidini Comunicação e Marketing Luciana Nogueira Nascimento Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.

Identidade da Universidade Jesuíta Padre Theodoro Peters, S.J. ........................................................................................................................... 52

Crônica - HAIKAI Nilton Cezar Tridapalli .................................................................................................................................... 56

BR 476, Km 130, nº 10546 Prado Velho • Curitiba • Paraná fone 41 3262-7511/ fax 41 3264-7272 www.colegiomedianeira.g12.br www.colegiomedianeira.com.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br

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professor

de Portuguès e Literatura do Colégio Medianeria

Marcelo Cambraia Sanches -

Prezados professores e editores da revista Mediação Cumprimento a todos pela qualidade de sua publicação. Saliento, sobretudo, sua atividade de professores-pesquisadores, um exemplo para toda a comunidade docente de nossa cidade. Marta Morais da Costa Diretora da Ãrea de Letras - PUCPR

Caro leitor leitor,, escreva para a revista Mediação enviando seus comentários sobre as matérias e artigos lidos aqui. Não deixe de participar participar.. Mande sua mensagem para nilton@colegiomedianeira.g12.br ou

mediacao@colegiomedianeira.g12.br 4


Quem tem ou já teve a experiência de dar aulas no Ensino Superior deve concordar: boa parte dos alunos têm dificuldades imensas e generalizadas, desde o famoso déficit de atenção, que assola boa parte de uma juventude desligada e pouco afeita ao trabalho intelectual até o descompromisso com o ideal de nação que deveria permear parte considerável da conduta de um universitário. Para começo de conversa, os alunos não são leitores, e qualquer leitor sabe que esse é um problema sério que afeta toda uma malha de fluências e influências de que depende o futuro de um país que deseja se desenvolver muito além dos avanços mecanicistas ou do aumento do PIB. Podemos falar que o jovem perdeu o encanto, perdeu os ideais, perdeu seu horizonte político, perdeu sua característica – antes dita inerente – de se rebelar contra estruturas injustas. Mas pensar em um jovem “calouro” da universidade implica perceber que ele não nasceu com 17 anos de idade, implica lembrar-se de que ele já construiu uma bagagem de experiências e de vivências que, entre outros lugares, se formou durante o tempo em que ele passou – no mínimo – 11 anos na escola, entre os chamados Ensino Fundamental e Médio. Implica ainda não esquecer que, no ano anterior de ingresso na faculdade, ele estava, ao menos a maioria, freqüentando o último ano do Ensino Médio: o chamado, por muitos, Terceirão. Ora, passar horas (com o perdão da aliteração, e agora da rima) vendo professores entrando e saindo da sala de aula – cada um com uma tonelada de informações das mais diversas em cada manga – e geralmente rodeado por 200 ou 300 outros alunos que mal se conhecem, mas se sabem “concorrentes”, dificilmente vai transformar um aluno em um sujeito que tenha tempo e espaço adequados para trabalhar intelectualmente e construir relações humanas e de conhecimento acadêmico. Então, a partir disso, estabelece-se uma grande contradição entre aprovação em vestibular e vida universitária. De um lado, promessas e outdoors frenéticos dizendo que tal instituição obteve 300% de aprovação; a concorrente saltita brandindo 310%, e assim vai. Com muita musiquinha para decorar (mas decorar o que mesmo?),

muito macete, muita informação despejada e sem sentido, o aluno encara o vestibular. E olha que, à vezes, se dá bem. Tudo bem. Agora vem o outro lado. É hora de encarar a vida universitária. Quem passou a vida escolar lendo resumos de obras literárias, ao invés de lê-las na íntegra, ou vendo peças de teatro que transformam em comédia até a obra mais densa – afinal, é preciso agradar o cliente –, ou cantando e ouvindo piadas que reforçam o pensamento do senso-comum, que precisaria, em uma instituição de ensino, ser combatido, dificilmente terá sucesso na vida universitária, em tese bastante exigente com o profissional que irá formar. O paradoxo se estabelece. Promessas de sucesso que não vão além do dia da prova; depois, a ressaca: alunos universitários que mal sabem escrever um texto de 15 linhas (uma página inteira, então, parece o mesmo que escrever um romance de Balzac). Enfim, é fácil detectar problemas, mas o desafio se mantém: como conciliar uma formação humana e acadêmica competentes e, ao mesmo tempo, preparar também para o famigerado vestibular? É o que o tema de capa de nossa revista Mediação se propõe a discutir. E tem mais: nessa edição, você lerá sobre a importância da arte para o combate ao simplismo muitas vezes proposto pela indústria cultural, pensará sobre a polêmica da reserva de vagas na universidade – as cotas. Também saberá como a filosofia, tão esquecida na sociedade pragmática, pode ajudar a pensar os problemas ambientais. E não perca a entrevista exclusiva de Mediação com o escritor Cristovão Tezza, que vem ganhando vários prêmios pelo seu último romance, O fotógrafo. Quer mais? Tem mais: educação ambiental, aprendizagem significativa, importância das aulas práticas, problemas da infância e da adolescência. Também revisitamos as salas de aula pensando em criar um ambiente melhor de aprendizagem. Tem crônica, cartas. Aliás, por falar em cartas, escreva pra gente, deixe o seu recado, comente algum artigo. É isso aí. Abraço.

Nilton Cezar Tridapalli

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A essencialidade do

SENTIMENTO

Por Cláudio Adriano Piechnik

Tomar banho de chuva, explorar quilômetros de cavernas, visitar museus são atividades que apaixonam . E a paixão é muito importante para que o conhecimento transcenda as paredes da sala de aula e passe a ser parte integrante do modo de ser, sentir, pensar e agir do aluno. Ah, e do professor também!

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A natureza e a história humana nos fizeram trilhar caminhos um tanto quanto conturbados no decorrer de milênios. Eis então a sociedade atual: milhares de povos, etnias, grupos, religiões, tribos e outras tantas denominações que nos remetem à diversidade humana. Homo sapiens, este é o nome cientificamente utilizado para classificar e posicionar nossa espécie diante da diversidade de representantes de seres vivos que habitam a grande esfera azul errante. Esta denominação, no decorrer dos séculos, muito mais nos diferenciou do que nos integrou ao grande fluxo que rege o universo. Viver em grandes cidades demanda estudar, trabalhar, consumir, lutar, suar, locomover, pagar, comer, assistir e outros tantos verbos que são aplicados muitas vezes como sinônimos de viver. Não só eu, mas qualquer habitante da polis participa deste intrincado joguete que perpassa os trilhos da história humana. De repente, nos vemos atolados em meio ao fascinante bolo de informações que foi acumulado, mas que, ao mesmo tempo, possibilitou sermos classificados como seres humanos “pós-modernos”. Somos então impelidos a conhecer e admirar toda a magnitude e esplendor da história humana, da história natural, dos cálculos, das relações, das localizações, das línguas, da saúde corpórea, das crenças etc. A naturalidade do interesse humano sobre o mundo que o cerca e todas as suas relações são perceptíveis desde o interior do ventre materno, porém são mais fascinantes de serem observadas nas crianças. Nossa sobrevivência depende dos cinco sentidos, e são justamente estes as “ferramentas” centrais que nos possibilitam não só receber informações do meio externo, mas também nos expressar a respeito de nossas impressões e atitudes. Seria tão simples se pudéssemos reduzir o fenômeno da aprendizagem e da educação à frase anterior, mas há algo muito significativo que não foi mencionado ainda: o sentimento. Como somos naturalmente impelidos a desvendar os fenômenos naturais, é mais do que esperado que gostemos muito mais de apreciar uma bela praia do que uma aula de botânica criptogâmica. Mas, por que será, se ambas possuem muitos elementos comuns de análise? Não se trata somente de uma questão de denominação. Um dos objetos de estudo da botânica criptogâmica

são as algas e numa praia também posso observar e admirar algas. Qual a diferença, então? Podemos responder a esta pergunta da seguinte forma: estando na praia, nos libertamos do “cárcere intelectual”. Isso mesmo, os nossos sentimentos, as nossas idéias, as discussões, as conversas, as teorias, as leituras, as dúvidas adquirem uma nova dimensão quando estamos fora do ambiente de sala de aula. As questões passam a contar com um novo elemento central: o já citado sentimento. Então, devemos abandonar todas as teorias e estudos sobre educação, nos mudarmos para o litoral com os milhares de alunos que habitam nossas salas de aulas e passarmos a morar em praias fazendo elucubrações sobre botânica criptogâmica? Não! Mas devemos dar o direito de nossos jovens experimentarem o mundo saudável com uma freqüência muito maior, porque só nos damos conta do quanto estamos à parte da natureza, e de sua lógica, quando nos deslocamos do eixo frenético da polis. Lembro-me muito bem de uma caminhada pelo caminho dos Jesuítas, localizado na Serra do Mar, quando o tempo insistia em não colaborar e fomos obrigados a percorrer o sinuoso e deslizante percurso literalmente escorregando sobre os seixos e matacões utilizados como pavimentos da trilha. No decorrer do caminho, discutíamos a perspicácia, coragem e resistência dos primeiros exploradores a subir a Serra, o desafio das chuvas, vida selvagem, as doenças e o comércio. A história do Brasil, os fenômenos naturais, a geografia sob nossos pés e a ecologia presentes nas conversas não foram somente exemplos práticos da transdisciplinariedade, ou da complexa rede de conhecimentos sendo construídos e reconstruídos a cada passada – ou seria melhor dizer escorregão! Como se não bastassem todas as observações botânicas, zoológicas e ambientais, muitos alunos (cerca de 40 estavam presentes), reunidos em um quiosque à beira da estrada da Graciosa, tremelicando de frio e de pés descalços no chão acabaram por confessar que jamais haviam tomado um banho de chuva! Como lembrei desta história? Simplesmente pelo fato de que, ao encontrar estes exalunos, a primeira frase que eles mencionaram foi: lembra-se daquele banho de chuva na Graciosa? Este fato nos remete a uma releitura sobre a es-

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sencialidade do sentimento. Não que os outros fatos escolares não tiveram significado, mas os esquemas mentais que passam pelo sentimento afloram com maior facilidade. A experiência fora de sala de aula pode e deve ser um dos elementos de nossas práticas didáticas. Muitas vezes, deslocarmo-nos de nosso ponto de visão acaba por nos surpreender muito mais do que a nossos alunos. Outro exemplo que surge em minha memória é o de uma visita feita à Ilha do Mel com equipes de alunos que discutiam problemas ambientais relacionados com as questões do lixo e da poluição das águas. Ao chegarmos à ilha, uma Bióloga nos esperava para monitorar a visita e esclarecer as dúvidas dos estudantes. Nossa surpresa foi que a primeira atividade desenvolvida começou quando cada um, sem exceção, recebeu um saco de lixo. Ao percorrer cerca de três quilômetros de praias de areias brancas e mar calmo, coletamos facilmente algumas centenas de embalagem que salpicavam com o subir e descer das marés na paisagem da costa. Depois, começamos a analise do que foi coletado. Foi aí que a atividade, que até o dado momento havia sido mal encarada pelos alunos, passou a ter real significado. Muitas das embalagens coletadas sequer eram brasileiras. Passamos a refletir sobre algo muito sério, que extrapolava a poluição e que nos remetia à essência da ecologia. Qualquer mal que se faz ao planeta Terra é um mal que atinge diretamente todo e qualquer ser vivo, dentre eles o ser humano. Valores como reciprocidade, altruísmo, compaixão, tão raros na sociedade do ter e do poder, começaram a surgir nas rodinhas de discussão. A face obscura da globalização acabava de ser apresentada de uma forma um tanto quanto primária, mas também, quem sabe, da forma mais significativa. Tínhamos acabado de sair de nosso mundo encantado de livros e teorias e acabamos pondo as “mãos na massa” da maravilhosa e intrincada rede de informações que até então eram fatos distantes da realidade vivida ou ignorada por muitos. Tínhamos acabado de encarar os problemas que precisavam – e ainda precisam! – de soluções práticas. São problemas contextualizados e não se desvinculam das teorias, porém a distância teoria/ prática os faz perpetuar. Perpetuar até quando? Toda vez que precisamos nos deslocar, uma força um tanto quanto intensa age sobre nossos

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corpos. Não se trata de um princípio físico, mas o de vencer a tendência de nos acostumarmos à rotina. Algo que percebo e, é claro, não se pode generalizar, surge do fato de que muitos dos jovens e adultos adquirem uma relação de comércio e consumismo dentro de suas relações familiares, de amizade, ou qualquer outra relação humana. O “fazer algo” somente em troca de uma recompensa material torna-se perceptível em muitas ocasiões. Certa vez, estávamos visitando as cavernas do Parque Estadual de Campinhos e várias crianças e jovens estavam acompanhados por seus pais. Depois da visita, enlameados, porém radiantes pelos fascínios do mundo subterrâneo, paramos para um lanche. Muito me surpreendeu que alguns dos pais estavam ali, pois seus filhos os haviam convencido a participar da excursão. Os relatos das visitas anteriores dos “pequenos” eram tão fascinantes que impulsionaram os “adultos” a vivenciarem algo que jamais imaginavam. Antes da excursão, muitos manifestaram suas preocupações quanto à segurança, medo, sujeira nas roupas, lanternas, escuridão. A ansiedade era perceptível. Mas, depois da visita, vem o relaxamento, a felicidade por um dia tão simples, mas um dia de convivência. Ou seja, o mundo está aí, e precisa ser explorado, conhecido. Muitos haviam esquecido que o “estar com” é muito mais importante que o “dar recompensas” justamente pelo fato que já mencionei: o que passa pelo sentimento adquire uma nova dimensão. A ansiedade, o frenesi, o cansaço, os prazos e datas, a corrida de gato e rato que vivemos e nos acostumamos a chamar de estresse aos poucos nos corrompe a acaba por chegar à mente de nossos jovens como algo normal, algo que deve acontecer. Logo, as tentativas de não sofrimento passam por várias estratégias não saudáveis que cada dia mais nos assustam e estampam manchetes de jornais. A lógica instaurada não admite o erro, não admite as diferenças, não admite a independência, a autonomia ou a criatividade. Claro, devemos tomar cuidado para não aplicarmos estes conceitos como mecanismos de defesa que justificam todos os fatos. Sentimentos podem ser bons ou maus. A última história que contarei, assim como qualquer história de pessoas que assumem os riscos de se aventurar junto à natureza, envolve uma outra questão. O outro lado da moeda que insisti-


mos em ignorar. Poderia falar aqui de uma excursão ao Pico Paraná, ao Pico Marumbi, à Serra do Araçatuba ou então ao Pico Caratuba. Mas vou falar de um outro local também muito lindo. Várias vezes fizemos caminhadas para uma cachoeira chamada Salto dos Macacos, localizada na Serra do Mar. Após cerca de uma hora de caminhada pela Floresta Atlântica, passando por dentro de três rios, chega-se a uma subida íngreme, que exige preparo físico para alcançar a cachoeira. Quando pensamos em um passeio assim, imaginamos que todos chegarão ao fim, ou seja, que todos chegarão à cachoeira. Muitas pessoas, ao chegarem a essa subida íngreme, desistem da caminhada, e isto sempre acontece. Desistimos ou porque não nos preparamos bem ou porque não avaliamos bem a situação antes de encará-la, e só percebemos isso durante o processo, mesmo que sejamos capacitados para ir até o fim. Hoje nos acostumamos ao não sofrimento. Eu não quero sofrer, você não quer sofrer, pais não querem que seus filhos sofram. Entretanto, grandes desafios exigem certa dose de sofrimento e dedicação. E, como se não bastasse, o topo é, na verdade, apenas a metade de um caminho. Quando significamos, através do sentimento, qualquer atividade, devemos ter em mente não somente nossas virtudes, mas as nossas limitações como humanos. Quem sabe nos esquecemos de transmitir aos jovens que o sentimento e o indivíduo têm valor? Pensar sobre si, sobre os outros e sobre o ambiente e suas relações que extrapolam teorias e livros se faz necessário. Ao nos prepararmos para o futuro, precisamos nos orientar para buscar objetivos factíveis e para articular estratégias que nos levem a obtê-los. Muito mais significativo do que isso, “estar com” significa humanizar, lembrando sempre que o Homo sapiens só pode co-existir, pois é parte de um todo muito maior.

SOBRE HOMENS E MONTANHAS Jon Krakauer Você sabia que é possível escalar cachoeiras? Sabia que o monte McKinley, no Alasca, o maior dos Estados Unidos, possui um dos ambientes mais inóspitos do planeta e que mesmo assim cerca de trezentas pessoas o escalam a cada ano? Você sabe qual é a segunda maior montanha do mundo? E sabe que ela é bem mais difícil de ser escalada do que o Everest? Por que tantas pessoas arriscam a vida nas paredes de gelo e rocha? Nesta coletânea de artigos e reportagens sobre aventuras vividas ao redor do mundo, do Himalaia ao Alasca, Jon Krakauer - autor de ‘No ar rarefeito’ e ‘Na natureza selvagem’ - mostra homens e mulheres que enfrentam paredes de gelo e rocha por todo o planeta, o que fazem, como sobrevivem e o que os motiva.

A TEIA DA VIDA Fritjof Capra Neste livro Capra propicia uma síntese de descobertas científicas recentes como a teoria da compelxidade, a teoria Gaia, a teoria do caos e outras explicações das propriedades de organismos, sistemas sociais e ecossistemas. As descobertas surpreendentes de Capra confrontam os paradigmas mecanicistas e darwinistas aceitos e proporcionam uma extraordinária nova base para políticas ecológicas que nos permitam construir e sustentar comunidades sem colocar em risco as oportunidades para futuras gerações. Baseado em dez anos de pesquisas e discussões com cientistas de vanguarda em todo o mundo, ‘A teia da vida’ apresenta novas e estimulantes perspectivas sobre a natureza da vida e abre caminho para a autêntica interdisciplinaridade.

A OBRA DO ARTISTA: uma visão holística da vida

Cláudio Adriano Piechnik é formado em Biologia (PUCPR), MBA em Sistemas de Gestão Ambiental (PUCPR) e mestrando em Biologia Celular e Molecular (UFPR). É professor da 1a e 3a. séries do Ensino Médio no Colégio Medianeira.

Frei Betto Resgatar as raízes do verdadeiro humanismo, debater a questão de novos paradigmas e buscar uma relação diferente entre ciências e fé, visão de mundo e visão de Deus; atento a o que dizia Einstein ‘A ciência sem a religião é imperfeita, A religião sem a ciência é cega’.

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Quando o

PROBLEMA

aparece na escola

Por Rosangela Lupatini Abou Fares

“... uma parte de mim sofre, outra pede amor...” (Carlos Drummond de Andrade)

A educação dos filhos é tema que gera sempre uma preocupação grande por parte de pais, educadores, psicólogos. Alguns procedimentos de observação e educação, no entanto, podem ajudar a conhecer melhor o filho que temos em casa e o aluno que temos na escola. A cooperação entre escola e família é, sem dúvida, uma poderosa estratégia para a resolução de alguns problemas.

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Assim como nos versos de Drummond, a criança e o adolescente têm necessidades distintas ao mesmo tempo. Porém, eles têm dificuldade em identificar seus sentimentos, nomeá-los e expressá-los. Utilizam, então, os recursos disponíveis para sua idade. Assim surgem as alterações comportamentais e as dificuldades escolares. A tarefa do adulto é tentar decifrar o que as crianças estão comunicando e poder ajudá-las. Atualmente, as crianças e adolescentes passam a maior parte do seu tempo na escola ou envolvidos com atividades escolares. A escola tem um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo, emocional, interpessoal, social e de personalidade. Considerando a proeminência da escola para este grupo de idade, é comum que alguns problemas apareçam primeiro na escola ou que sejam detectados por esta. Os primeiros sinais de que existe algum problema costumam ser o baixo rendimento escolar e as queixas de mau comportamento. Em alguns casos, trata-se apenas de falta de limite; em outros, pode ser o indício de um problema mais grave. Por “mais grave” entende-se depressão, ansiedade, raiva e agressão, hiperatividade, fobias e isolamento social, entre outros. Por menos grave, mas não menos importante, está a falta de limites. Observa-se atualmente que muitos pais sentem-se culpados pelo pouco tempo que passam com seus filhos e não querem desperdiçá-lo com reprimendas seguidas de choro e birra. Os pais temem que seus filhos não gostem deles, afinal as crianças manipulam muito bem. Os filhos conhecem mais estratégias para manipular os pais do que estes conhecem para educar os filhos. Os resultados são pais ansiosos por verem que seus filhos estão cada vez mais indisciplinados e filhos ansiosos por não receberem o que precisam de seus pais. Crianças e adolescentes precisam de regras claras para saber escolher entre o que é bom e o que não é. Além disso, sentem-se seguros e protegidos quando estão orientados. O afeto pelos pais aumenta, mesmo quando parece o contrário, afinal eles vão testá-los para saber até quanto o seu amor suporta. Os pais têm o papel de educadores e não devem delegar tudo à escola. Precisam estabelecer

regras e servir de modelo para seus filhos. Não adianta exigir que o filho faça o que nem mesmo os pais conseguem fazer. O modelo é a estratégia mais valiosa que os pais possuem. Para ilustrar, será utilizado um exemplo real, relatado por uma mãe. Ela repreendeu seu filho por bater em um amigo. Ele respondeu para a mãe que ela sempre batia nele quando não gostava de alguma coisa que ele havia feito. Neste caso, a criança tem razão e não adianta dizer que a mãe pode e ele não. Para as crianças, os pais são perfeitos (mesmo quando reclamam deles) e eles querem ser iguais; portanto, imitam. É um desafio para os pais e educadores manter um relacionamento baseado em afeto, mas sem perder a autoridade. Esta tarefa torna-se ainda mais árdua quando a criança apresenta algum distúrbio do comportamento e não apenas a birra habitual. Em muitas situações, os pais podem ficar confusos sobre o que está acontecendo com seu filho, ou mesmo não perceber que existe um problema pelo fato de acostumarem-se com a situação, passando a achar normal. Também neste momento a escola torna-se importante. É esperado que os pais tenham um bom vínculo com a escola que escolheram para seu filho e possam confiar em uma avaliação recebida. A escola tem um papel fundamental no encaminhamento para profissionais especializados, que possam investigar a situação e orientar os pais quanto ao procedimento que deve ser adotado. Nestes casos, os pais precisarão adotar estratégias diferenciadas, que necessitam de orientação profissional. A escola deverá seguir a mesma orientação, pois é fundamental que haja coerência entre os educadores, incluindo outros familiares que tenham um contato significativo com a criança. Atenção! Os profissionais que irão atender seu filho, seja ele criança ou adolescente, devem ter especialização em infância e/ou adolescência. Para esta faixa etária, o atendimento é diferenciado e conta com recursos apropriados a cada situação ou idade. A avaliação inicial é um passo importantíssimo. Se ela for mal conduzida, o restante do processo também será. Por exemplo, encontram-se alguns diagnósticos de hiperatividade, sendo que, na ver-

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dade, a hiperatividade pode ser apenas um sintoma de outro transtorno, o que é bastante comum. O tratamento deverá ser indicado quando realmente existir uma dificuldade da criança (e da família) que poderá ser beneficiada pelo atendimento médico e psicológico. Em alguns casos, apenas uma orientação será suficiente. Em outros, haverá necessidade do atendimento infantil, acompanhamento familiar e escolar. Só uma boa avaliação poderá responder. Vários problemas associados ao comportamento e ao desempenho escolar podem ser atribuídos a uma psicopatologia não identificada. Crianças e adolescentes que manifestam comportamentos considerados difíceis ou problemáticos podem estar apresentando sintomas de uma psicopatologia que nunca foram diagnosticados. O risco de transtornos psiquiátricos posteriores é maior em crianças e adolescentes que apresentam uma psicopatologia. Considerando os riscos de recorrência dos sintomas ou de desenvolvimento de comportamentos desviantes de longo prazo, são indicadas intervenções que utilizem técnicas com apoio empírico e eficácia comprovada.

Eduque com carinho: equilíbrio entre amor e limites Lídia Weber Editora Juruá Este livro traz o que há de mais recente em pesquisas científicas sobre educação de filhos em uma abordagem que se chama Disciplina Positiva. Benett ilustrou o livro com lindos e divertidos cartuns. ‘Eduque com carinho’ indica que o exercício da educação dos filhos deve ser uma parceria entre pais e filhos. O objetivo é guiar os pais a se tornarem mais seguros e participativos e, assim, ajudarem seus filhos a se tornarem responsáveis, autônomos, competentes, autoconfiantes e afetivos.

OS DIREITOS DOS PAIS: construindo cidadãos em tempos de crise Tania Zagury Editora Record

Rosangela Lupatini Abou Fares é psicóloga infantil, graduada em Psicologia, com formação em Terapia Comportamental Infantil. É especialista em Terapia Cognitiva (ITCSP) e em Psicologia Clínica (UTPPR). É orientadora de Pesquisa (PUCPR e UTP).

Há algum tempo quase todas as publicações voltadas para a educação na família vêm enfatizando de forma acentuada os deveres dos pais e os direitos dos filhos. Esse fenômeno tem causado uma aguda sensação de insegurança e medo nos pais, levando a uma crescente inibição em relação à educação dos filhos e a situações extremas.

PAIS PRESENTES, PAIS AUSENTES: regras e limites Paula Inez Cunha Gomide Editora Vozes ‘Pais presentes, pais ausentes’ procura mostrar as conseqüências negativas de determinadas práticas educativas. Salienta as formas apropriadas de relacionamento entre pais e filhos que permitem que crianças e jovens cresçam saudáveis, bem como traz algumas alternativas e reflexões para tornar esta tarefa mais fácil e agradável.

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Salas

AMBIENTES no

espaço escolar

Por Libera Regina C. C. Venturelli

A escola, e nela a sala de aula, é um espaço onde o aluno passa um período considerável de seu dia. Desse modo, para que o processo de construção do conhecimento por parte da criança seja eficiente e agradável, é importante investir em salas ambientes, que dêem condições para que o aluno desenvolva todo o seu potencial cognitivo.

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Espaço e ambiente são conceitos intimamente ligados. O termo “espaço” se refere aos locais onde as atividades são realizadas, caracterizados por objetos, móveis, materiais didáticos, decoração. O termo “ambiente” diz respeito ao conjunto desse espaço físico e às relações que nele se estabelecem, as quais envolvem os afetos e as relações interpessoais, os adultos e as crianças (...) em relação ao espaço. Desse modo, não se considera apenas o meio físico ou material, mas também as situações resultantes dele. Por isso, dizemos que “o ambiente fala”, transmitenos sensações, evoca recordações, passa segurança ou inquietação, mas nunca nos deixa indiferentes. (Zabala e Fornero)

Estamos vivendo numa sociedade na qual os meios de comunicação transitam e transmitem uma série de informações em uma velocidade sem parâmetros. Recebemos milhões de mensagens, vemos milhares de livros sendo publicados, fazendo-nos reféns desse implacável volume de dados. São tantas coisas para ver, tocar, conhecer, ouvir, experimentar e consumir que corremos o risco de nos distanciarmos de nós mesmos. Percebe-se uma exaustão dos modelos hegemônicos do cientificismo nas ciências humanas desse século. Nosso ritmo de viver tem se transformado de forma clara, atendendo a muitas demandas que a sociedade nos impõe. Vivemos num mundo onde há cada vez mais incertezas. A geração atual tem novos hábitos, outros ritos, muitos são frutos de famílias que já não giram em torno do puro “centrismo”, famílias que são submetidas à desunião e recomposição, que ainda vivem um clima de tensão e dificuldades. Dentro deste contexto, a escola precisa acompanhar essas mudanças, transformando a organização do espaço e do tempo pedagógico que, por muito tempo, apesar das inovações, permanecem inalterados. Precisamos reinventar a escola, a partir de um conceito de educação permanente. Isso significa valorizar a experiência dos alunos, a pesquisa, a ética, a solidariedade, o respeito, a refle-

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xão, a criticidade, a participação, processos não formais da educação. A escola é um espaço-tempo de redes de múltiplas relações sociais e movimentos que permitem a rica criação de novos conhecimentos e do processo de interação do professor-aluno, alunoaluno, família-escola, aluno-conhecimento, conhecimento-aplicação, aplicação-vivência. Podemos ver muitas mudanças nas escolas, mas a sala de aula permanece inalterada, sendo ainda o espaço fundamental da educação. Tem as mesmas dimensões, as pessoas sentam-se de costas umas para as outras, de frente para o professor, que é a revelação do conhecimento. O essencial da escola está aí. O professor com sua bagagem pessoal, cultural e familiar, com seus sentimentos e desejos dividindo o espaço da sala com seus alunos que, por sua vez, também têm sua forma de ver a vida e a escola, trazem sua própria bagagem histórica pessoal, cultural e familiar, com sentimentos e desejos específicos, dominando determinados conteúdos que não são os mesmos que os do professor e de seus colegas. É possível imaginarmos as relações sócio-interacionais que podem ocorrer nesse espaço, durante um dia de aula ou durante um ano? Tudo isso implicará para a construção e ação da consciência, possibilitando também a linguagem verbal e a linguagem não verbal do aluno e do professor. Há também os corredores, pátios. A escola deveria ter espaços diversificados para as variadas formas de trabalho: individual, em pequenos grupos, em grandes grupos. A biblioteca seria o espaço mais importante. Esse é um caminho. Cada vez mais os nossos alunos devem passar o tempo produzindo conhecimentos. A escola deve ter uma multiplicidade de ações educativas, e não só aulas diretivas. De um modo mais geral, cada instituição deve buscar maior qualidade, oferecendo aos alunos espaços de construção de conhecimentos sólidos e competentes; desse modo ainda, a sala de aula pode ser o local privilegiado da aprendizagem. Uma maneira interessante de a escola organizar diferentemente o espaço físico das salas de aula é transformá-las em salas ambientes já para as crianças que estejam cursando as 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental. Por exemplo: uma sala contendo os materiais básicos, mapas, globos,


atlas, maquetes, onde os alunos estudariam história e geografia. Outra com ábacos, material dourado, réguas, fita métrica, figuras geométricas, jogos, tabuadas etc., onde aconteceria a aula de matemática. E assim por diante, com salas para outras áreas de ensino. Nesse sentido, também se modificaria o tempo de aula, e os alunos mudariam de sala a cada duas aulas – aulas geminadas. Já existem experiências nesse sentido, que demonstram que os alunos dessa fase necessitam sentir-se mais desafiados quanto à organização, quanto à riqueza maior de conhecimentos em um processo de iniciação científica. As salas ambientes possibilitam aos alunos o exercício da crítica, da manifestação do diferente e do aprender a aprender, estimulam a aprendizagem manipulando objetos, construindo, assumindo e dialogando com diferentes papéis. A sala de aula planejada para a aprendizagem convida os alunos a se envolverem nas atividades, evitando problemas de disciplina e permite à equipe de professores conhecer o aluno como indivíduo único, tornando a sala de aula um lugar atraente para o aluno, no qual sinta vontade de estudar, pesquisar e se garanta a cientificidade dos conteúdos, superando o senso-comum e construindo, assim, uma forma coerente, lógica e científica de compreender o mundo. Estas salas oportunizam ao aluno contato com vários professores, o tempo-espaço diferenciado, a conquista da autonomia do aluno no ser, pensar e agir, pois mudando de sala a cada determinado horário, terão oportunidade de um pequeno espaço-tempo para “arejar” e retomar a atenção, o que implica um rendimento maior nos estudos. Segundo o médico doutor em farmacologia Ivan Isquierdo, cientista brasileiro mais citado em publicações internacionais a respeito dos mecanismos da memória, já foi comprovado, através de estudos sobre o cérebro, que “quatro horas seguidas de aula não servem para nada. A primeira hora e meia é produtiva, porque o cérebro funciona com programações curtas. Veja-se quantas atividades foram desenvolvidas com uma duração de noventa minutos: partidas dos mais diversos esportes, filmes, peças de teatro. Por quê? Porque durante esse período de tempo podemos absorver “de um gole só”. Até os sonhos costu-

mam ocorrer mais ou menos a cada noventa minutos durante a noite”. Mas, para que esse processo dê certo, é fundamental o papel do professor como mediador, facilitador, investigador e que tenha uma postura dialógica, que saiba ouvir a palavra do outro, que tenha uma postura clara, assumida enquanto educador, tendo como foco principal o domínio sólido dos conteúdos a serem ensinados. Todas as situações de aprendizagem a serem trabalhadas com os alunos necessitam ser discutidas na série e na área pelos professores, tendo sempre presente a proposta da escola. Esse projeto pedagógico não se sustenta na ação individual e solitária de cada um dos professores. É necessária a articulação, a interação entre eles, para que não se fragmentem. Outro fator preponderante é o conhecimento da faixa etária em que o educador atua, sob pena de estar lidando com um aluno abstrato. A interdisciplinaridade no trabalho das diversas áreas é um fator a ser considerado, tendo presente sempre que a interdisciplinaridade é um objetivo nunca completamente alcançado e por isso deve ser permanentemente buscado, não somente na teoria, mas sobretudo na prática. Apostar neste trabalho significa defender um novo tipo de pessoa, mais aberta, flexível, solidária, democrática e crítica.

Libera Regina C. C. Venturelli é formada em Ciências Sociais (UFPR) e é especialista em Currículo e Práticas Educativas (PUCRio). No Medianeira, trabalha como Assistente Disciplinar da Educação Infantil até a 4a. série do Ensino Fundamental.

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APRENDER NA ESCOLA:

técnicas de estudo e aprendizagem

OFÍCIO DO ALUNO E SENTIDO DO TRABALHO ESCOLAR Philippe Perrenoud

Artur Noguerol O presente livro reúne em seu título dois tópicos que constituem atualmente o centro de interesse de muitos profissionais: as técnicas de estudo e as estratégias de aprendizagem - tais tópicos preocupam sobremaneira os docentes que vêem que seus alunos não progridem como seria de se desejar. Aprender na escola: técnicas de estudo e aprendizagem orienta a organização de atividades escolares para que articulem, dentro da seqüência dos conteúdos conceituais de cada uma das áreas, os procedimentos - técnicas e estratégias - que os alunos devem dominar para poder compreender esses conceitos. Trata-se de um texto para a didática, para o ensino e para a aprendizagem e, também, de um bom instrumento para avançar na definição dos projetos curriculares da escola em um dos âmbitos que não são disciplinares exclusivamente, ainda que em íntima relação com eles.

Atualmente os alunos passaram a ser “aprendizes”. Esta centração nas aprendizagens, implicando logicamente uma centração na didática que os organiza, poderá, se a tal não estivermos atentos, a ser a última etapa da denegação do sujeito: se o aprendiz não aprende, se não quer ou não pode aprender, qual a identidade que lhe resta? Identificar o aluno com o aprendiz é impedi-lo de pensar o papel que os adultos lhe atribuem e o modo como o estudante vive esse papel; é esquecer o “ofício” de aluno é consignado às crianças e aos adolescentes como um ofício “estatutário”, do mesmo modo que um adulto é mobilizado pelo Estado para se apresentar perante o júri, ou para ingressar no exército. Juridicamente, o trabalho escolar está mais próximo dos trabalhos forçados que de uma profissão livremente escolhida. Uma fração dos alunos faz da necessidade virtude e realiza, sem dificuldade, o seu percurso escolar; outros resistem abertamente e desencadeiam a fúria dos que lhe “querem bem”; outros ainda, fingem aderir às regras do jogo com elas.

SABORES, CORES, SONS, AROMAS: a organização dos espaços na educação infantil Maria da Graça Souza Horn A autora explicita, de forma didática, o processo de transformação vivenciado pelas professoras através de mudanças introduzidas na organização do espaço e de novas interações e reflexões realizadas por elas sob a coordenação da supervisora pedagógica, deixando claro que há de educar o educador para que ele eduque seus alunos. Novas formas de interagir só se constroem com novas interações, ou seja, jamais resultarão de orientações prontas simplesmente transmitidas. As reflexões expostas por Maria da Graça Horn neste livro nos ajudam a adentrar nos ambientes das creches e pré-escolas e perceber a rede de fatores que os compõem, de modo a compreender a mediação dos mesmos na promoção do desenvolvimento infantil, o que abre valiosas perspectivas para a educação infantil em nosso País.

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CRISE

ECOLÓGICA –

Por Loivo José Mallmann

uma reflexão

Numa época em que “tempo é dinheiro”, ou em que “o mundo é dos espertos”, que espaço tem a Filosofia na avalanche do pragmatismo? Parte da América Central e do Norte vivem uma onda de furacões, a região amazônica tem a pior seca de sua história, o meio ambiente dá sinais de cansaço. E a pergunta continua: que espaço tem a Filosofia para nos ajudar a entender e a superar esses desequilíbrios todos?

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Não herdamos a Terra de nossos pais, mas a tomamos de empréstimo de nossos filhos. (Lester Brown)

Quando falamos em filosofia, vem a pergunta clássica: qual é mesmo a sua utilidade? Num contexto marcado pelo pragmatismo e aplicação imediata e técnica dos conhecimentos, a filosofia vai sobrar. Mas se conhecer a realidade que nos cerca, buscar os fundamentos e o sentido das nossas ações for útil, então a filosofia continuará a existir. Em tempos de Katrina, Wilma, de Alfa (ainda embrionário no Oceano Atlântico), e de outros furacões, parece oportuno refletir, do ponto de vista ético, sobre estes acontecimentos. Não seria oportuno rever o modelo de desenvolvimento e o modo como lidamos com os recursos naturais? Vamos aprofundar um pouco estas questões. Nos últimos 100 anos, as mudanças no campo econômico e populacional foram significativas: o número de seres humanos é quatro vezes maior e a economia cresceu 17 vezes. O modelo econômico hegemônico no ocidente – centrado nos combustíveis fósseis, no automóvel e no consumo supérfluo – tem problemas. E o nosso planeta dá sinais de “cansaço” e “esgotamento”. O informe “Os limites do crescimento”, publicado em 1972 (coisa do outro milênio...) pelo Clube de Roma, alerta sobre os riscos que decorrem da destruição do meio-ambiente. O estudo apresenta sombrias perspectivas sobre o futuro do planeta. A partir de então vem crescendo a consciência sobre a gravidade da crise ecológica e as iniciativas para reverter o processo. As recentes catástrofes naturais, como Katrina, Vilma, estiagem na região amazônica (a pior dos últimos 100 anos, dizem os cientistas), tem relação com o processo crescente de destruição do planeta. O livro Colapso, do norte-americano Jared Diamond, lançado no Brasil pela Editora Record, é muito esclarecedor. A obra conta a história das civilizações que fizeram mau uso de seus recursos naturais e pouco se importaram com os sinais de desgaste enviados pelo meio ambiente. A Worldwatch Institute (WWI), uma das principais insti-

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tuições na cruzada pelo desenvolvimento sustentável, publica anualmente um relatório chamado “O Estado do Mundo”. O relatório de 2005, lançado recentemente, destaca que furacões, como estes que atingiram o Caribe e o sul dos Estados Unidos, são reflexo de um processo de degradação evolutivo. O estudo revela que nos últimos 25 anos, 12 mil desastres relacionados ao clima provocaram 620 mil mortes e prejuízos de mais de US$ 1,3 trilhão. Antes de falar em possibilidades de superação, é fundamental buscar algumas causas da crise ecológica e dos seus efeitos. Uma das causas da destruição do planeta e de seus bens vitais, segundo cientistas, reside no modelo de civilização técnico-científica que orienta os parâmetros de desenvolvimento predominantes nos países ricos e que é imitado pelos demais. Para J. Moltmann, a ilimitada vontade de domínio que impulsiona o homem moderno o leva a apropriarse da natureza de forma autoritária e violenta. Este modelo técnico-científico, além de orientar-se pela idéia de progresso ilimitado, fixa seu olhar no presente e esquece o futuro. Nesta lógica pragmática, os temas da escassez, da finitude dos recursos naturais e a sobrevivência das futuras gerações passam batidos. Para E. Fromm, o modo de existir centrado no ter, em detrimento do ser, incentiva um uso predatório e irresponsável dos recursos naturais. A crise é positiva enquanto abre caminho para novas respostas. O futuro do planeta, está claro, requer uma mudança na forma de nos relacionar com a natureza e com os demais seres vivos. Novos paradigmas éticos são apresentados como proposta de superação da crise. Vejamos alguns deles. Para Leonardo Boff, filósofo e teólogo brasileiro, só uma ética humanitária, que junte compaixão e razão, ternura e vigor, pode fazer frente aos novos desafios que se apresentam. Somente a categoria de cuidado-compaixão, afirma Boff, fará surgir o ser humano sensível, solidário e conectado com todas as formas de vida do universo. Javier Gafo, eticista espanhol, defende que é impossível seguir uma ética meramente interpessoal e antropocêntrica. A consciência ecológica, para o autor, inclui uma ética que leve em conta a


complexidade e variedade da vida na Terra. O futuro do planeta depende de uma atitude de convivência harmônica entre todas as espécies vivas. Gafo também destaca a importância que a dimensão espiritual e a sabedoria das religiões têm na busca de um novo modelo de relação da pessoa consigo mesma e com a natureza. A “Carta da Terra”, lançada pela UNESCO em 2000 e construída com a colaboração de milhares de pessoas, apresenta os princípios que orientam a construção de uma “sociedade global, fundada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e em uma cultura de paz”. Depois de apresentar 16 princípios, o documento destaca que sua implementação requer uma “mudança de mente e de coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal”. O texto ressalta também que “construir uma comunidade global sustentável exige a parceria entre governo, sociedade civil e empresas”. O planeta já existe há milhões de anos, possibilitando a explosão da vida, nas suas formas mais variadas. E continuará a ser a nossa “casa comum” se mudarmos nosso modo de ser e fazer no mundo. O debate está lançado.

Ter ou Ser? Erich Fromm Editora LTC Este livro resenha e culmina a vasta obra anterior de Fromm. Polêmico, sem dúvida, como toda posição radical, mas sobretudo pela sua interpretação pessoal do dogma cristão e do marxismo, aos quais despoja do caráter revolucionário e de doutrina social para convertê-los em metas do indivíduo.

Saber Cuidar: Ética do Humano Compaixão pela Terra Leonardo Boff O presente livro procura detalhar o cuidado em suas várias concretizações: cuidado com a terra, com a sociedade sustentável, com o corpo, com o espírito, com a grande travessia da morte. A ótica do cuidado funda uma nova ética.

Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso Jared Diamond

Loivo José Mallmann é Mestre em Teologia Moral pela Universidad Pontifícia Comillas (Madri) e professor de Fundamentos de Filosofia e Ética (Unibrasil) e Filosofia do Colégio Medianeira.

Diamond mostra como o colapso global pode ser evitado, analisando civilizações do último milênio, e investiga por que umas se extinguiram enquanto outras prosperam. Mostra como as causas ambientais (mudança climática causada pelo homem acúmulo de lixo químico, falta de energia e superutilização da capacidade de fotossíntese), mais que guerras de povos e culturas. Explica o que seriam as decisões autodestrutivas mais recorrentes na História, com o objetivo de evitar catástrofes coletivas e reverter valores incorporados às sociedades.

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VIVÊNCIA no

laboratório:

Por Maria Elena Kern

a teoria vista e revista na prática

O laboratório de uma escola sempre chama a atenção dos alunos. É a oportunidade que eles têm de verificar a validade daquele oceano de números e de “letrinhas” estampados nas fórmulas do quadro negro. E de estabelecer uma ponte fundamental entre teoria e prática, por onde aprenderão transitar.

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A aprendizagem de Física deve possibilitar aos alunos do Ensino Médio a compreensão dos fenômenos naturais que ocorrem no mundo físico de forma abrangente e integrada para que os alunos possam julgar, com fundamentos, as informações adquiridas na mídia, na escola, com pessoas etc. A partir daí, o aluno tomará sua decisão, e, dessa forma, interagirá com o mundo enquanto indivíduo e cidadão. Os alunos, mesmo não dominando o conhecimento físico, percebem a importância da Física no dia-dia; sua importância está no entendimento dos fenômenos naturais, nas tecnologias utilizadas diariamente, em processos que auxiliam e melhoram as condições de vida do homem, baseando-se somente nos conhecimentos da sua experiência de vida. Portanto, os alunos já trazem uma motivação social para estudar Física; o que falta é a integração entre o conhecimento escolar e o social. Essa “motivação social”, atualmente, parece ser bastante forte, visto que muitos acontecimentos têm ganhado destaque na mídia, como questões envolvendo o meio ambiente, como a construção de usinas hidroelétricas e termonucleares – na procura de fonte de energia –, a nanotecnologia utilizada nos diferentes campos da indústria etc, fazendo com que o aluno busque uma relação, mesmo que de forma muito superficial e sem fundamentação teórica, com a ciência que explica os princípios aplicados nessa tecnologia. Nota-se, por outro lado, que o atual ensino de Física, na maioria das vezes, prioriza a transmissão de informações, definições e leis isoladas, memorização de fórmulas matemáticas e aplicações de “regrinhas” sem qualquer relação com a vida do aluno, impossibilitando o entendimento de uma situação-problema. A Física, como disciplina do currículo escolar brasileiro, foi introduzida em 1837, com a Fundação do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Ao longo de quase 168 anos, o processo escolar de ensino/aprendizagem dessa ciência tem guardado mais ou menos as mesmas características, obtendo, como conseqüência, uma aversão à Física. Desse modo, a freqüência às aulas se torna um fardo que eles têm que carregar até a conclusão do Ensino Médio. Tendo como foco o aluno e o seu papel no processo de ensino/aprendizagem, torna-se funda-

mental identificarmos os fatores que motivam os alunos para a aprendizagem da Física, caracterizando o papel das relações sociais e escolares nesta motivação e no processo educacional. A aula prática é uma sugestão de estratégia de ensino que pode contribuir para a melhoria na aprendizagem de Física, pois os experimentos facilitam a compreensão da natureza da ciência e dos conceitos científicos, auxiliam no desenvolvimento de atitudes científicas e no diagnóstico de concepções não-científicas, pois oferecem um potencial sem limites para permitir que os estudantes entendam os princípios da Física. Essa ferramenta pedagógica é de grande valia para aumento da percepção do aluno, pois pode incorporar a um só momento os diferentes meios de percepção, como a escrita, a visão, o tato e a audição. Não podemos esquecer que a Física é essencialmente uma ciência experimental, e, na medida que ela surge para explicar os fenômenos naturais e que qualquer teoria só tem significado real quando é comprovada experimentalmente, somos atraídos para o processo de investigação, que é um processo através do qual se estabelece uma ponte entre os eventos (fenômenos que acontecem naturalmente ou que são provocados na natureza) e as respostas a questões formuladas a respeito destes eventos. Por maior que seja a capacidade de explanação de determinados professores, ela esbarrará nas dificuldades de expor um fenômeno físico dinâmico através de recursos estáticos. É quase impossível, usando apenas giz e quadro negro, representar a dinâmica de um evento em uma seqüência instantânea. Na prática, os alunos desenvolvem uma razoável capacidade de abstração, possibilitando perceber a evolução temporal de um dado evento. É necessário frisar que a aula prática pode contribuir para a motivação na aprendizagem de Física; porém, o professor deve ter formação adequada para ministrar uma aula prática, além, naturalmente, de condições mínimas para a realização delas. Observa-se também que as aulas práticas possibilitam: 1) O desenvolvimento do aspecto criativo que envolve esse tipo de metodologia, em que se analisa a diversidade e a criatividade na toma-

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da de decisões, pelos alunos, principalmente a partir das diferenças observadas nos seus relatos; 2) A reflexão sobre o experimento em que o aluno, com base nos próprios erros e decisões tomadas anteriormente, descreve o problema, repensa e re-elabora suas decisões; 3) A verificação de um experimento que “não deu certo” como momento que privilegia mais o processo do que os resultados; 4) A construção de concepções e representações da produção do conhecimento científico epistemologicamente adequadas.

Portanto, a experimentação no laboratório de Física intervém no aspecto epistemológico, cujas relações com o ato de ensinar e aprender não são circunstanciais, mas fundamentais.

Concepções Epistemológicas O aprendizado de conceitos ou de princípios físicos valoriza e torna mais significativo ou, ao menos, mais factível, o desenvolvimento das estruturas cognitivas do sujeito. Para didatizar as diversas formas de construir conhecimento e de atrair a atenção do aluno por meio do uso do laboratório, podemos citar as seguintes vantagens de seu emprego na qualificação da metodologia de ensino na disciplina de Física:

Laboratório de Física

Além disso, a disciplina de Física é também disciplina “pedagógica”, já que, quer queiramos ou não, fornece verticalidade de ensino para os alunos cuja passagem para o Ensino Médio é bastante problemática, dadas as diferenças de condições e as finalidades de formação entre esses níveis de ensino.

O aprendizado decorre da observação; os dados coletados e a capacidade de interpretá-los conduziriam o aluno às conclusões. Um conceito seria obtido a partir da conclusão a que um aluno houvesse chegado pela observação de um evento;

Atividades práticas demonstrativas (desenvolvidas pelo professor, enquanto os alunos observam);

Há uma relação direta entre uma atividade prática e uma equação matemática que, supostamente, decorre dela. No laboratório, desde que haja a preparação necessária, um aluno certamente será capaz de obter tal equação pela análise dos dados obtidos experimentalmente;

O aluno apreende determinados conceitos a partir da experimentação, ou, se o ato de conceber suas possibilidades a antecede, o aluno “observa o que realmente acontece na natureza”, reflete a respeito do assunto;

A concepção decorre da experimentação, ou vice-versa.

Parte-se de determinados conceitos (que são os produtos de abstrações reflexivas de níveis anteriores), e através de um processo de abstração empírica, identificam-se determinadas funções sobre as quais se constroem novos conceitos diretamente aplicáveis a um determinado domínio da realidade. (Piaget e Garcia, 1987:192-193)

Outro aspecto relevante é a relação entre problemas encontrados num livro-texto e o respectivo experimento; as experiências de laboratório permitem ao aluno vislumbrar na realidade um fenômeno que, quase sempre, vem teorizado nos livros em chamadas “situações ideais”, difíceis de se repetirem em situações reais.

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Isso tudo tem nos mostrado que, na prática, se trata de um grande desafio modificar o ensino de Física no Ensino Médio, pois é preciso reconstruir em ensaio e erro nossa própria experiência; isso, entretanto, certamente possibilitará aos professores a flexibilidade necessária para adequar suas ações pedagógicas à realidade escolar, pois, mesmo em condições inicialmente adversas, é possível reverter um quadro desfavorável, a partir da ação efetiva do professor que pretende utilizá-lo. Observa-se a importância de metodologias diversificadas sobre o uso de materiais práticos e experimentais, possibilitando ao aluno flexibilidade suficiente para se adequar à diversidade de condições de estudo que irá encontrar em sua trajetória acadêmica, profissional e vivencial, pois percebemos que os alunos levam tudo isso para suas vidas. Assim sendo, em um mundo cada vez mais permeado pelos avanços científicos e tecnológicos, a escola deve promover o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos. As atividades experimentais, associadas ao contexto teórico de conteúdos, contribuem para o processo de reflexão, observação, criatividade e compreensão de conceitos e fenômenos, favorecendo a participação efetiva do aluno na construção de seu conhecimento; ou seja, o aluno, desse modo, “aprende a aprender”.

DIFERENTES ABORDAGENS AO ENSINO DE LABORATÓRIO Marco Antônio Moreira Editora UFRGS Partindo da premissa de que a atividade de laboratório é indispensável ao ensino da física e de que pode ser orientada para diferentes objetivos, apresenta três abordagens em nível universitário; o laboratório programado, o laboratório com ênfase no experimento e o laboratório com enfoque epistemológico.

A leitura da realidade deve ser feita baseada no conhecimento significativo e formação crítica e política. A construção do saber e sua veiculação para a sociedade não podem ser neutros, objetivos e sem implicações éticas e políticas. Os avanços tecnológicos e as suas implicações precisam ser discutidos em relação ao contexto histórico social em que vivemos de modo a combater a fantasias que situam o saber científico enquanto solução redutora a da humanidade. (Projeto pedagógico – Colégio Medianeira).

Maria Elena Kern é Formada em Matemática (PUCPR) e especialista em “Técnicas educacionais presenciais e à distância” (PUCPR); é professora de Física no 1o ano do Ensino Médio e laboratorista de Física, no Colégio Medianeira.

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Por Paulo Venturelli

Há mais modos de viver – diferentes dos propostos pela indústria cultural ou pelo andar rasteiro de uma galinha – do que sonha a nossa vã filosofia: o mundo da arte, ou do vôo livre das águias, por exemplo. 24


A verdadeira viagem do descobrimento não consiste em buscar novas paisagens, mas novos olhares. (Marcel Proust)

Em seu livro O despertar da águia, Leonardo Boff reconta a fábula de James Aggrey, segundo a qual uma águia foi tratada e criada como galinha. Nestas condições, ela perdeu seu “coração de águia” e acostumou-se a esgaravatar o chão junto das aves rasteiras. Quando um naturalista a encontra e resolve fazê-la voar como águia, tem muito custo, pois ela se habituara a viver ao rés do chão. Esta é uma metáfora pedagógica que tem tudo a ver com nossa vida nos dias de hoje. Muitos de nós, que poderiam ser águias voando nas alturas, preferem chafurdar no terreno pantanoso do senso comum, onde a perspectiva do olhar não vai além do meio-fio da calçada de um shopping-center. E isto porque nos comprazemos com o mero consumo de bugigangas do mercado, sem dar a mínima atenção àquilo que ainda resiste como arte. Os céticos acostumados a nivelar tudo por baixo logo vão pensar: mas no mundo de hoje, facilitado pelas tecnologias, ainda existe alguma coisa que mereça ser definida como arte, que foge da mera produção mercadológica? No mundo que adora a produção em série há espaço para a arte? Não só há, como ela é um dos últimos espaços do homem contra a homogeneização do pensamento, a pasteurização da vida, a bovinização do homem colocado num redil em direção a determinadas lanchonetes, como se ali se vendesse a felicidade. E quando falamos em arte, nos estamos referindo ao que Adorno chama de “princípio da causa”, em seu célebre ensaio “A indústria cultural”. A arte aí é um produto feito por uma causa, dentro de um projeto estético do autor e é autogratificante. Este autor tem algo a dizer, por isso sua obra demanda tempo de maturação para ser realizada. Tal produto vem sempre problematizar algum aspecto do mundo, em especial a linguagem, daí seu inconformismo que leva à desterritorialização: ou seja, tira o eixo de certezas do espectador/leitor.

Dentro desta perspectiva, a arte verdadeira contraria a expectativa do público e não oferece um caráter evolucionista, mas age por ruptura com os modelos anteriores. Sua entropia existe, a partir dos discursos que se encarregam de valorizá-la, mas não é tão visível. Geralmente segue uma tendência. Se pensarmos na literatura atual, é lícito falar de uma tendência do romance histórico, enquanto nas artes plásticas há a presença das performances, das instalações que exigem a participação do espectador. A arte não nos inunda com produtos massificados e apresenta uma proposta de revolução dos valores instituídos, não indo ao encontro de um desejo ou de uma necessidade preexistentes e programados pela mídia. Como diz Diogo Mainardi, “a verdadeira literatura não provoca identificação, mas estranheza. Não pode confirmar o que o leitor já sabe. Não pode dignificar o seu cotidiano. Deve contestá-lo”. Por isso, é sempre exceção marcante e balança os valores cristalizados na mente do homem, causando às vezes verdadeiras revoltas, das quais dá muitos exemplos a História das Artes. Nesta total insatisfação com o já estabelecido, a arte é uma linguagem que resiste a ser simples comunicação e expressão, exigindo de quem a vê/ lê uma entrada em seus labirintos para reelaborá-la em nome de um significado que não está dado. Assim, nas palavras de Irene Machado, “o objeto artístico não se encontra nem no psiquismo de seu autor, nem na obra que realiza. Existe uma rede de interações entre criador e receptor que tampouco pode ser ignorada. Por isso, a tarefa que se impôs à poética sociológica (...) foi a compreensão desta forma particular de comunicação social”. A obra é por excelência dialógica: uma remete a outra que remete a outra e quem a desfruta precisa entrar nesta intrincada rede sem centro para lograr alcançar seus mananciais e assim captar o que o autor está expondo, afinal. Dentro da tradição humanística, a arte tem ligações com a formação (Bildung) no sentido mais

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amplo do termo. E formação como a entende Jorge Larrosa: “a formação não é outra coisa senão o resultado de um determinado tipo de relação com um determinado tipo de palavra: uma relação constituinte, configuradora, aquela em que a palavra tem o poder de formar e transformar a sensibilidade e o caráter do leitor” e neste sentido “as humanidades, as letras” constituem “o núcleo do ensino”. A arte educa no instante em que exige FRUIÇÃO: quando a absorvemos, aprendemos mecanismos que nos levam também a produzir. E não podemos esquecer as palavras de Umberto Eco: “a função dos contos ‘imodificáveis’ é precisamente esta: contra qualquer desejo de mudar o destino, eles nos fazem tocar com os dedos a impossibilidade de mudá-los. E assim fazendo, qualquer que seja a história que estejam contando, contam também a nossa, e por isso nós os lemos e os amamos. Temos necessidade de sua severa lição ‘repressiva’. A narrativa hipertextual pode nos educar para a liberdade e para a criatividade. É bom, mas não é tudo. Os contos ‘já feitos’ nos ensinam também a morrer. Creio que esta educação ao Fado e à morte é uma das funções principais da literatura”. A educação para o Fado é uma educação para a morte, uma vez que não está ao nosso alcance alterar um quadro ou o enredo de um livro e isto nos aguça a percepção de nossa finitude. E nestes tempos de vitalismo balofo, de juventude eterna custe o que custar, encarar a educação para a morte exige atitude racional e não a fuga para o chá adocicado dos best-sellers. Nada disto se faz presente nos produtos elaborados para um efeito, que podem ser englobados sob o nome geral de indústria cultural. O efeito que se procura é o lucro imediato. Quando Xuxa e Zezé di Camargo e Luciano cantam, não o fazem por projeto estético, mas para engordar suas polpudas contas bancárias. O mesmo se pode dizer do guru de shopping-center Paulo Coelho, travestido de escritor para amealhar mais recursos a cada livro que lança. Não por acaso a produção desta turma é sazonal: a cada época do ano aparece um item novo que só reforça a fórmula do anterior. Não há nada ali de autogratificante, porque a necessidade que norteia a indústria cultural é confirmar o gosto já moldado do público, indo ao encontro da expectativa e do desejo das multidões

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ensurdecidas pelos barulhos retumbantes. Esta indústria trabalha dentro de uma perspectiva evolucionista, visível nos automóveis, por exemplo, nos eletrodomésticos e, mais ainda, na infinita produção da visualidade da informática. A entropia é forte, porque cada elemento é moldado a partir de marcas da moda, havendo em cada um o forte caráter de obsolescência. Por mais que certas grifes de roupas e assemelhados usem ícones revolucionários, em verdade trilham o caminho do conformismo, do clichê e do estereótipo, caindo no kitsch, conforme Milan Kundera assim o define: “a atitude daquele que quer agradar a qualquer preço e ao maior número possível. Para agradar, é preciso confirmar aquilo que todo mundo quer ouvir, estar a serviço das idéias recebidas. O kitsch é a tradução da tolice das idéias recebidas na linguagem da beleza e da emoção. Ele nos arranca lágrimas de enternecimento sobre nós mesmos, sobre as banalidades que pensamos e sentimos.” Seguindo modismos, os produtos do efeito têm tendência à resignação e submissão ao mercado, atingindo o gosto médio da massa encarneirada. São produtos de mero divertimento, consumo rápido e toldam a reflexão. Por isso tendem para uma educação rumo à imortalidade das rutilâncias que leva o pomposo nome de hipertexto, segundo Umberto Eco. Mas não podemos esquecer o que diz Edmir Perrotti: “a sociedade de consumo não se apresenta como solução satisfatória”. Ela é “uma anomalia histórica, causadora de conflitos”, dos quais os jornais estão repletos todos os dias e a corrupção sistêmica do país é mostra evidente. Ela é “dissimuladora desses mesmos conflitos, ao apresentar o mundo das mercadorias como solução para as insatisfações pessoais por ela produzidas”. E, “aquilo que se


apresenta como fórmula apaziguadora da vida dos homens (na sociedade de consumo), na verdade coloca esses homens sozinhos diante de seus desesperos, sem saídas que possam ser vislumbradas A conseqüência é a redução da pessoa à impotência”. Nestes tempos de cultura light, há necessidade de radicalismo e este prospera na consciência de que sabemos que existimos, sem qualquer temor e com a coragem, sempre, de que não nos intimidamos frente às revelações dos perfis do mundo. E é aqui que a arte tem como nos dar amparo.

Alguns livros de Paulo Venturelli:

A casa do Dilúvio O Anjo Rouco No Vale dos Sentidos Paisagem com menino e cachorro

Falando mais especificamente da literatura, que é o nosso campo, vale lembrar o que diz Silviano Santiago: “o texto poético é subjetivo. Faz aflorar uma espécie de sensibilidade, que pode ser perversa, de aversão ao mundo, de autocrítica, mas são emoções fortes, porque humanas.” Ao ler, “somos vários eus e tendemos a mascarar alguns conforme se lê, paixões e sentimentos que estão na gente são reacendidos. Isto é muito prazeroso.” Aversão ao mundo, que leva à busca de outros ângulos para se entender este mesmo mundo. Autocrítica que nos obriga a uma outra posição diante do que vemos e somos. Prazer, que é o corolário de quem passa pelas grandes obras e não se contenta com as sopas de isopor dadas em receitas prontas pelos volumes de auto-ajuda. Afinal, literatura é este “trapacear com a língua, trapacear a língua. Essa trapaça salutar, essa esquiva, este logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem”. (Roland Barthes) Esta revolução permanente mexe com todas as nossas instituições, tornando-nos outros a cada investimento num volume novo, numa exposição nova, num espetáculo novo. Aí está a graça da vida: sair da vala comum: televisão, praças de alimentação, filmes de Hollywood, livros da moda etc, etc., etc., atingir o alto da montanha como a águia de Aggrey e voar cada vez mais alto. Claro que este artigo tem um certo ar de maniqueísmo ao separar arte e indústria cultural. Na realidade dos fatos não há fronteiras tão nítidas entre um círculo e outro e só procuramos didatizar para facilitar a reflexão e auxiliar a opção. Opção entre ser galinha rastejante e águia altaneira. A partir daqui, é com você.

Paulo Venturelli é escritor, doutor em Literatura (USP) e professor da Universidade Federal do Paraná. Durante 11 anos, foi professor de Língua e Literatura do Colégio Medianeira.

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AULA Roland Barthes Cultrix Este volume recolhe o texto da aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária lido por Roland Barthes no Colégio de França, em 1977. A despeito de sua extensão, trata-se de um dos textos mais intensos e mais radicais do autor. Numa linguagem por sob cuja polidez acadêmica sente-se uma nota de velada ironia, Barthes denuncia na sua aula inaugural a pluralidade do poder, cujo discurso da arrogância não é assumido apenas pelos porta-vozes do Sistema, mas se inscreve, protéico e inerradicável, no próprio mecanismo da linguagem.

O DESPERTAR DA ÁGUIA: o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade Leonardo Boff Editora Vozes Que globalização queremos? Aquela do mercado de cunho neoliberal, competitiva e nada cooperativa? Ou uma globalização fundada numa nova experiência de religação de tudo com tudo, com uma nova cordialidade para com a Terra e um novo sentido da ética e espiritualidade?

SOBRE A LITERATURA Umberto Eco Editora Record ‘Sobre a Literatura’ é uma coletânea para estudiosos, críticos e amantes da literatura. A obra reúne uma série de escritos centrados no problema da literatura e estimulados por encontros, simpósios, congressos ou antologias para os quais o autor foi convidado. Nos textos de ‘Sobre a Literatura’, Umberto Eco ensina a ler e compreender grandes mestres da literatura. De Aristóteles a Borges, passando pela fina ironia de Oscar Wilde, Eco revela bastidores de grandes clássicos literários e analisa de modo detalhado todos os elementos de cada história. Alguns textos são autobiográficos ou até mesmo autocríticos.

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ENSINO MÉDIO: informação e

formação Por Rudi Isidoro Rabuske

Como é possível integrar uma educação voltada para a Excelência Humana e Acadêmica e, ao mesmo tempo, preparar para o vestibular? Eis o desafio que se impõe em uma época de prevalência da educaçãomercadoria.

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As exigências do mundo contemporâneo obrigam a escola a ser referência de excelência acadêmica e humana. As expectativas das pessoas que procuram a escola não são iguais. A maioria dos pais e alunos busca uma escola que aspire à formação acadêmica de qualidade e que ajude a superar as barreiras do vestibular. O que é uma aspiração legítima. A escola precisa instrumentalizar o aluno com os conhecimentos absolutamente necessários e indispensáveis da Ciência, através do ensino competente da Língua Portuguesa e de sua Literatura, da Matemática, da História, da Geografia, da Física, da Química, da Biologia, da Língua estrangeira, da Antropologia, da Sociologia, da Filosofia, para que tenha condições de prosseguir os estudos com excelência. É a função precípua da escola. É uma tarefa que terá que ser bem feita, senão tudo o mais perde o sentido. Entendemos ser uma tarefa necessária, mas não suficiente. Educar de fato passa necessariamente pela formação humana. A Excelência Acadêmica somente será completa se ocorrer dentro de um contexto mais amplo de Excelência Humana. Para o Pe. Pedro Arrupe (superior geral dos Jesuítas, in memoriam), “esta excelência consiste em que nossos alunos, sendo homens de princípios retos e bem assimilados, sejam ao mesmo tempo pessoas abertas aos sinais dos tempos, em sintonia com a cultura e os problemas que o envolvem e homens para os demais”. Por isso, além de instrumentalizar o aluno com o conhecimento científico, é necessário formá-lo para que seja comprometido e sensível ao outro, autônomo, solidário, sujeito reflexivo, crítico e capaz de contribuir na construção de um mundo novo; enfim, um agente de transformação. Sabemos que não é fácil formar jovens para um mundo que, para os próprios adultos, está desencantado. Percebemos um descompromisso e

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uma indiferença frente às grandes questões que afligem a vida humana. “Vivemos uma época do sem sentido, de um dramático vazio existencial”, conforme Henrique de Lima Vaz, filósofo jesuíta. O comportamento dos jovens se manifesta com atitudes de perplexidade, de insegurança diante do futuro, de ausência de idealismo; comprometidos mais com os apelos da sociedade individualista, com a cultura do consumo desenfreado, com o descartável e o provisório das relações humanas do que com atitudes como o compromisso, a lealdade, a solidariedade. Também o panorama da desigualdade social, da violência, da corrupção, da desonestidade, da falta de perspectivas potencializa a crise pessoal e social. Queremos ajudar a construir um outro mundo desejável e possível. Acreditamos ser possível, com profissionais comprometidos com um trabalho de qualidade, superar as resistências e as estruturas que inibem as possibilidades de mudança. Encontrar um equilíbrio entre as várias dimensões e que o intelectual incorpore o estético, o lúdico, o artístico, o produtivo e o espírito empreendedor, o contemplativo, e uma educação para sensibilidade que forme pessoas sensíveis a tudo o que é humano e homens e mulheres para os demais e com os demais. (CPAL – Conferência dos Provinciais da América Latina)

A edição especial da Revista Exame/Você S/A – 2005 apresenta as 150 melhores empresas brasileiras para se trabalhar. A Promon, de São Paulo, foi a empresa classificada em primeiro lugar, cujo presidente, respondendo sobre o profissional ideal para a empresa, afirma: “ele tem de ser inteligente à beça e ter um bom caráter”. Nesta resposta, encontramos uma confirmação de que é necessária mais do que a formação acadêmica. Quando se fala em caráter e adjetivado de bom, nem mesmo os adultos sentem-se seguros de que assim possam se caracterizar. O caráter está relacionado a valores e atitudes e à busca de coerência entre o discurso e a prática, pois somos seres humanos incompletos e sempre à procura da perfeição. A nossa deve sempre vivenciar em sua prática os valores que de-


fende, tais como: o amor, a justiça, a paz, a honestidade, a solidariedade, a sobriedade, a contemplação e o altruísmo. Sabemos que em muitos aspectos não somos coerentes o necessário. A vivência de valores é uma incumbência que abrange também a família e a sociedade como um todo. Especialmente, na família, devido aos laços afetivos que os filhos desenvolvem para com seus pais, eles têm muita influência sobre a sua adesão a valores. O problema reside em saber a clareza a respeito deles. Se os pais estão “perdidos”, os filhos correm o risco de ser educados num vácuo ético, fato certamente não favorável ao desenvolvimento. Em muitas ocasiões, nós escutamos de alguns pais e alunos que um colégio com fortes preocupações humanistas não prepara para o vestibular. Ou ainda que o seu/sua filho/a já está com a formação humana completa e agora está na hora de preparar-se para o vestibular. Enfim, é possível a integração entre a formação para a vida e o vestibular? A formação integral, acadêmica e humana, é competente no sentido de preparar o aluno para a vida, para superar obstáculos, como o vestibular e a preparação básica para o trabalho? Um dos objetivos centrais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, para o Ensino Médio, é “possibilitar o prosseguimento dos estudos, pois adquiriu os instrumentos necessários para continuar aprendendo”. Conseguimos realizar isso? Temos a plena convicção de que um Projeto Pedagógico consistente, a excelente qualidade acadêmica e humana dos profissionais, mais a excelente estrutura física, juntamente com os multimeios, possam oferecer plenas condições para desenvolver um processo qualificado, acadêmica e humanamente, para atender à formação integral que também engloba a preparação para o vestibular. Quando falamos que o foco do nosso trabalho educativo não está no vestibular, é porque buscamos “a competência no trato com o conhecimento”. Construir o conhecimento não é simplesmente uma memorização e muitas vezes não é uma tarefa prazerosa, ao menos no que se refere ao prazer fácil proposto, por exemplo, pela indústria cultural. Necessita de “motivos internos” para sair em busca da aprendizagem, para aprender a fazer resumos, exercitar a comparação, a análise, a sín-

tese, aprimorar a leitura e a escrita. A memorização é uma função mental muito importante. Deve estar a serviço do ato de pensar. Nos últimos anos, os vestibulares, de maneira geral, exigem um pensar mais crítico, mais abrangente e criativo. O aluno, para enfrentar esses vestibulares, deve estar preparado para entender a realidade, o mundo. Para isso, não basta o livro didático ou a apostila. Ele precisa ter acesso a jornais, revistas, artigos científicos, literatura, saber discutir de maneira consistente. Paulo Afonso Ronca, professor e doutor em Psicologia Educacional Pela Unicamp, escreve que o “vestibular, hoje em dia, requer um jovem engajado, que acredita no que estuda e que se encanta com a maturidade advinda do conhecimento. Enfim, aquele que crê que o ato de estudar possa modificá-lo, fazendo-o amadurecer para se tornar um cidadão ativo e participativo”. Queremos que todos os alunos consigam atender plenamente estas características. É uma utopia que não é fácil de conseguir, pois trabalhamos com pessoas em formação, com uma cultura própria, com possibilidades e limites, dificuldades pessoais etc. Em síntese, há alunos que se qualificam acadêmica e humanamente em grau excelente, em grau bom, em grau regular e há, infelizmente, alunos, por razões várias, que não atingem o mínimo do ideal projetado pelos critérios da escola. Mesmo esse grupo tem tido sucesso em vestibulares e apresentado um desempenho universitário bem acima da média. Na verdade, o vestibular transformou-se num verdadeiro rito de passagem para uma população que vê no ingresso à universidade o caminho de ascensão social, de manutenção de um padrão de vida, como referência de status sócio-profissional ou ainda como a herança de qualidade que se pode deixar aos filhos.

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O Ensino Médio vive essa contradição no seu dia-a-dia: por um lado, está sob o peso das exigências da universidade e o que ela exige no vestibular; por outro, há a exigência da terminalidade do ensino básico enquanto formação sócio-humana. O que tem acontecido é a criação de uma máquina comercial que vende informação como se fosse educação e como se escola e supermercado só tivesse a diferença quanto ao produto que vende. Curitiba foi pioneira nesse modelo de “cursinho”; em contrapartida, algumas escolas, sobretudo entre as confessionais, não aderiram a esse formato, já que não querem abrir mão da formação humana, embora muitas delas ou simplesmente se associaram a cursinhos de renome ou assumiram as posições do mercado – com adoção de material didático, fome de acesso à mídia ou mediante convênio com outras escolas menores. Na verdade, o Ensino Médio possui uma peculiaridade na formação básica geral que não se pode tirar dessa geração, sob pena de aniquilar o futuro do país e de centenas de pessoas que buscam na escola a complementação insubstituível da educação familiar para a cidadania, para a reciprocidade entre as pessoas, para a justiça social e para a formação política. O país e o futuro da nação dependem disso. Reduzir, por isso mesmo, o Ensino Médio a essa tentação de mercado é profundamente trágico para o futuro da nação. Contentar-se em orientar nossos filhos apenas por esse caminho nos parece reducionista e pequeno por parte de nós, os adultos, pais e mães de famílias e educadores. Discordando ou não das formas de vestibular e dessa opção como único caminho para a Universidade, é fato que cabe ao Ensino Fundamental e Médio instrumentalizar os alunos com os fundamentos da ciência, da formação sócio-humana e das condições para enfrentar desafios como os encontrados no vestibular ou outro concurso desse quilate. É necessário, entretanto, perceber que é possível e necessário fazer isso sem reduzir o trabalho educativo a um mero repasse de informações descontextualizadas e sem a necessidade de transformar o profissional educador (professor) em um artista dos chavões, das piadas e das musiquinhas

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que fazem rir, porém sem condições de fazer pensar e de criar autonomia no agir. Insista-se, por sinal, que o próprio mercado de trabalho e a avassaladora mudança, morte e nascimento de profissões, bem como as atuais formas de gestão nas empresas, necessitam de pessoas com iniciativa, autonomia crítica e criativa e com capacidade de ler a realidade para interferir com competência na empresa, nas relações interpessoais e no mercado. Quem está no mercado ou exerce qualquer função em empresas sabe disso e sobrevive ou não graças a essas capacidades ou carência delas. Certamente, o tipo de educação que reduz sua ação a repasse de informações apenas para uma prova de vestibular não garante essa competência e autonomia, não prepara para a vida universitária e não basta para atender as exigências das novas formas de vestibulares de inúmeras universidades... bastará apenas para aquelas que “caçam” alunos-clientes antes de tudo; mas essas, certamente, não terão vida longa.

O MEDIANEIRA E O VESTIBULAR O Colégio Medianeira, preocupado com a constante busca da excelência por meio de seu Projeto Pedagógico, que está aliado à formação permanente dos seus profissionais e ao acompanhamento dos alunos, oferece uma estrutura que possibilita analisar, avaliar o processo e buscar soluções e melhorias para o mesmo. É claro que queremos todos os nossos alunos aprovados. Queremos chegar a 100%. No entanto, a média dos últimos 5 anos resulta em um índice de 83% de aprovação nos vestibulares, estando entre uma das mais altas entre as diversas escolas da cidade.

Rudi Isidoro Rabuske é formado em Filosofia (Faculdades Anchieta de São Paulo) e Pedagogia (Tuiuti), e especialista em Currículo e Prática Educativa pela PUC-Rio. É coordenador do Ensino Médio no Colégio Medianeira.


A responsabilidade de

ORIENTAR a

escolha profissional

Por Suzana Braga Bertassoni

A Orientação Vocacional é passo importante na vida do aluno de Ensino Médio, desde que não feche o seu horizonte de expectativas, mas, ao contrário, amplie-o. 33


A etapa do Ensino Médio está inserida em um período de múltiplas sínteses pessoais, as quais se manifestam no cotidiano escolar dos alunos adolescentes. É chegado o momento de “arrematar” a história escolar desde o processo de educação infantil e alfabetização. É hora de olhar para trás e para frente, ao mesmo tempo. Olhar para trás e perceber como se construiu a caminhada de escola, a sua história intelectual, a capacidade construída de pensamento e articulação de idéias, entre outros processos de ordem cognitiva. Não se pode esquecer, entretanto, que a escola também é lugar de se construírem referências afetivas, assim como a família e a comunidade na qual se vive, assim como ocorre com aquele(a) professor(a) que se torna uma referência, em relação ao conhecimento, ao cuidado, afetividade e – por que não! – à cobrança! É hora também de olhar para frente, no sentido de construir projeto de vida, perceber potencialidades e limites e neles investir, a fim de ser capaz de qualificar, melhorar, amadurecer e vencer desafios. É neste contexto que deve acontecer a orientação vocacional dos alunos do Ensino Médio. Seria muito pouco pensar em uma orientação vocacional voltada apenas para a escolha da profissão, embora essa também seja uma preocupação e uma necessidade. Na realidade, toda a formação do aluno, na escola, deve estar voltada para a construção de capacidades intelectuais e humanas que o levem ao encontro da auto-realização enquanto “cidadão agente de transformação do mundo”. O cuidado com a não redução da questão vocacional à mera escolha de um curso universitário nos faz investir cada vez mais na capacidade de nossos alunos de “ler o contexto”, e diante dele ser capaz de se posicionar. Pois bem. A partir desses fundamentos, quais são as estratégias que nos orientam durante o ciclo do Ensino Médio? Podemos pensar nas seguintes: • Um intenso processo de formação humana iniciado no ciclo do Ensino Fundamental, com o objetivo de fazer com que os alunos passem por uma dinâmica de trabalho que lhes permita o auto-conhecimento e a construção de um auto-conceito; • Um processo formativo, distribuído nas três séries do Ensino Médio (a construção de valores, a questão da competitividade do mundo atu-

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al, o status que alguns cursos universitários conferem – ou seja, os “cursos da moda” – a capacidade acadêmica para a pesquisa na universidade, entre outras muitas questões que surgem da demanda escolar). A abordagem que deve ser feita é de ordem pedagógica, educacional e informacional, uma vez que precisa ser realizada com o grupo de alunos nas três séries; • A partir dessa visão ampla da Orientação Vocacional, podem ser desenvolvidas dinâmicas de grupo, visitas orientadas às universidades, empresas e eventos extra-classe, assim como palestras, painéis e depoimentos de ex-alunos de profissões diversas; • Além disso, deve-se buscar também um trabalho mais individualizado na 3a. série do Ensino Médio, no qual o aluno passa por momentos de entrevista vocacional. Nesse momento, o aluno tem contato com o material produzido nas séries anteriores e a partir disso – e do processo informativo feito anteriormente – é hora de decidir! A decisão é algo do aluno, não do orientador. Este pode servir como auxílio organizador do processo de escolha, como referência, mas jamais como modelador de competências e habilidades. O aluno maduro, capaz de uma avaliação de suas habilidades, tendências, interesses, e com ajuda de seus professores e orientadores, certamente será capaz de fazer uma escolha consciente. Essa consciência que se busca construir “com” eles, passa igualmente pela construção do seu projeto de vida, passa por perceber seus limites e capacidades, passa pela qualidade acadêmica e humana com que sonhamos. É um momento de muitas descobertas, alguns conflitos, várias oportunidades, desafios diversos e muitas dúvidas. Entretanto, é nessa multidimensionalidade que a natureza humana se manifesta, a escuta de si mesmo pode mostrar ao jovem muitas possibilidades, sejam elas de dimensão acadêmica, profissional ou humana, ou, quem sabe, as três juntas, numa dimensão retroalimentada pela outra. Trata-se de um enfrentar a realidade da vida, encarar os desafios e as pedras do caminho postas pelo processo de amadurecimento. Como Orientadora Vocacional, vejo o passar do tempo e com ele os erros e acertos das atividades que realizamos com os alunos do Ensino Médio.


Na busca de uma crescente qualificação do processo e do compromisso fiel de contribuir para a formação de pessoas para e com os demais, me disponho a um constante aprender junto a eles.

“... Cada um hospeda dentro de si uma águia. É portador de um projeto infinito. Quer romper os limites apertados de seu arranjo existencial. O mundo, às vezes, tenta nos reduzir a algo como uma gali-

Suzana Braga Bertassoni é formada em Pedagogia pela PUCPR, especialista em Currículo e Prática Educativa (PUCRio) e Mestre em Educação (PUCPR). É Orientadora Educacional do Ensino Médio no Colégio Medianeira.

nha, confinada aos limites do terreiro... Sejamos águias, ganhemos altura, sejamos heróis de nossa própria saga !” (Boff, Leonardo. A águia e a galinha)

A seguir, veja como a escola deve entender o processo de construção de conhecimento em algumas disciplinas do Ensino Médio. É uma visão abrangente da ciência, ao mesmo tempo em que discute sua aplicabilidade nos diversos concursos vestibulares.

a geografia do pulso e a geografia do vestibular Nesse mundo tão vasto, entre eu querer ir ao Himalaia e eu ir, além das barreiras financeiras, existem aquelas invioláveis barricadas do tempo, dos dias de viagem, das escalas obrigatórias, da distância física, tão extensa quanto à das línguas e das culturas. Esse mundo é, ao mesmo tempo, tão pequeno, cada vez mais chamado de “aldeia global”, pela velocidade com que fluem as informações, pela instantaneidade da comunicação. O mundo cabe na tela do computador com o qual meio rabisco, meio resmungo essas idéias. Esse é, sob um ponto de vista – e jamais o único –, o nosso planeta Terra, nas primeiras cirandas do século XXI: Local e global, nostalgicamente arqueológico e confusamente futurista. Um mundo que, ao mesmo tempo, detona as fronteiras territoriais e acirra as frações étnicas, religiosas, nacionalistas. Esse é o campo e o objeto do ensino da Geografia. Tudo está encadeado, numa rede em que os diversos conteúdos e mesmo diversas disciplinas se tecem, interminável e de modo caoticamente complexo. Mas, como sistematizar isso tudo numa Geografia do Terceiro Ano e numa Geografia do Vestibular? Por muitos anos, muitos dos quais passei lecionando para o próprio terceiro ano do então

segundo grau, houve uma clara distinção entre essas geografias. A primeira permitia se libertar das algemas e relacionar o mundo da sala de aula com o de fora dela; o mundo daqui com o do outro lado do mar; o do shopping center com o da oca; enfim, filosofar e sugerir, a quem quisesse perceber, que o mundo, além de tudo, era – e é – também uma poesia – sem rima, engenhosamente belo, contraditório e concretista. A segunda, a tal Geografia do Vestibular, fustigava o professor e, mais ainda, os alunos, com tantas denominações, classificações, um mundo definitivamente enquadrado e resumido em leis naturais e sociais. Mas, justamente, sempre fora característica do mundo transpor as regras, gerar exceções, inventar-se a cada instante geológico (bem, é verdade que isso pode demorar um certo tempo!). Os últimos vestibulares, apesar da permanência do estreitamento do gargalo para nele se passar, considerando aqui as excelentes faculdades, têm abraçado cada vez mais a concepção de uma geografia do mundo vivo e dinâmico, tão próximo daquela que chamamos A língua materna de cada povo não está encerrada nos limites da instituição escolar. Ela nos atropela a todo momento. “Um abraço que transforma”, “tem um trocadinho

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no parágrafo anterior de “Geografia do Terceiro Ano”. Os temas discutidos e solicitados nas questões são com muita freqüência contextualizados, relacionados com a questão ambiental, geopolítica, com as transformações climáticas, com os contrastes urbanos, enfim, com uma realidade que se estampa diariamente nos bons jornais e revistas, nos livros didáticos que primam pela criticidade e pela atualização e que passa sobretudo pelas aulas do ensino da geografia. Para isso, é importante desenvolver revisões e aprofundamentos de conteúdos debatidos em séries anteriores, além de focalizar temas geralmente inédi-

tos aos alunos, como uma abordagem da geografia dos oceanos, da geografia do Paraná e da geomorfologia. Como a concepção metodológica está centrada no trânsito entre o local–global (e vicee-versa), bem como na idéia de que o espaço geográfico é fruto constante dos processos históricos, os conteúdos novos e os de revisão se sucedem ao longo do ano, sem necessitar de algum cronograma especial, mesmo porque os conteúdos se entrelaçam, se trançam nessa geografia de um mundo tão quente e pulsante. (Mas esse “quente” não se trata, aqui, do aquecimento global, o que já seria uma outra história...). Francisco Carlos Rehme (o Chicho), é professor de Geografia do Terceiro ano no Colégio Medianeira.

FÍSICA e vestibular Muito freqüentemente os alunos nos colocam a seguinte questão, “Como devo estudar Física e me preparar para o vestibular?”. Não há resposta simples a esta questão, mas existem algumas sugestões que podem ser oferecidas. Antes de tudo, é importante manter uma atitude positiva e receptiva em relação ao assunto a ser estudado, pois basta ter familiaridade com o ambiente escolar ou conversar com alguns alunos para sentir que a Física é considerada matéria difícil, a qual muitos alunos evitariam se pudessem.

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Dessa forma, o conhecimento físico não deve reduzir-se à memorização ou ao uso automatizado de “fórmulas”, mas deve incluir a compreensão das relações nelas expressas, enfatizando-se a visão de mundo que os conceitos, leis e princípios físicos proporcionam. O conhecimento físico deve ser entendido como um instrumento para a compreensão do mundo que o rodeia. A tendência hoje é avaliar um conhecimento com maior ênfase em seus aspectos prático e qualitativo, que se deve esperar de qualquer cidadão universitário, independente de sua futura área de formação.

Sua compreensão será ampliada com uma combinação de hábitos de estudo eficientes, de discussões com outros estudantes e com o professor, e por sua habilidade em resolver os problemas. Na resolução de problemas, o estudante deve, em primeiro lugar, fazer uma leitura atenciosa várias vezes até que esteja confiante de que entendeu o que está sendo solicitado, procurando palavras-chave que lhe permitam interpretar o problema e que vão lhe permitir fazer certas suposições. Em segundo lugar, o aluno deve adquirir o hábito de anotar as informações dadas e as grandezas que precisam ser encontradas, fazendo uma lista ou tabela. Freqüentemente, é necessário fazer um desenho ou esquema e importante colocar sobre esta figura os dados. Antes de iniciar qualquer cálculo, deve-se entender o que se passa fisicamente. Finalmente, depois de decidido o método considerado apropriado, segue-se a aplicação de uma lei que permite pôr o problema em forma de equação, tomando o cuidado com as unidades, e verificando se os cálculos e os resultados obtidos são condizentes.

É essencial que o aluno entenda os conceitos e princípios básicos antes de tentar resolver qualquer problema. Dentro desta perspectiva, o aluno deve minimizar a memorização, pois uma memorização bem sucedida das equações não indica necessariamente que ele entendeu o assunto.

A compreensão dos temas específicos de Física vem sendo avaliada num contexto em que estejam incluídos o reconhecimento de grandezas significativas para a interpretação de fenômenos físicos presentes em situações cotidianas, experimentos simples, fenômenos naturais ou proces-


sos tecnológicos, significado das grandezas físicas, além dos procedimentos, unidades e instrumentos de medida correspondentes, noção de ordem de grandeza, relações de proporcionalidade e escala, compreensão dos princípios gerais e leis da Física, seus âmbitos e limites de aplicabilidade, utilização de modelos adequados (macroscópicos ou microscópicos) para a interpretação de fenômenos e previsão de comportamentos, utilização de abordagens com ênfase fenomenológi-

tação gráfica, formulação matemática e/ou lingua-

ca, especialmente em temas mais complexos, do-

se beneficiem desta experiência, independente-

mínio da linguagem física, envolvendo represen-

mente da profissão escolhida.

gem verbal-conceitual para expressar ou interpretar relações entre grandezas e resultados de experiências, além do reconhecimento da construção da Física, enquanto um processo histórico e a contribuição da construção dessa ciência para o desenvolvimento tecnológico e sua dimensão sócio-cultural. O fundamental é que os alunos achem a Física uma experiência emocionante e agradável e que

Suzana Valaski é uma das professoras de Física do Terceiro ano no Colégio Medianeira.

Conhecimento de língua materna não é matéria de vestibular. Conhecimento de cultura nacional tampouco A língua materna de cada povo não está encerrada nos limites da instituição escolar. Ela nos atropela a todo momento. “Um abraço que transforma”, “tem um trocadinho aí, tio?”, “compre agora e pague somente com o 13º”, “você tem duas novas mensagens”, “PARE”... Basta manter olhos e ouvidos abertos para perceber que a linguagem nos atinge sem aviso prévio, vinda de todas as direções e o tempo inteiro. Outdoors, conversas, propagandas, e-mails, sinais de trânsito... Neste sentido, o que ensinar ao falante nativo de uma língua? O que está além dos recursos puramente comunicacionais. As nuances e possibilidades que a aparente simplicidade da linguagem oferecem. Há um certo tempo a ciência que estuda a linguagem descobriu isto. O vestibular, avesso a mudanças como qualquer instituição social, aos poucos vem se conformando com a idéia de uma nova maneira de avaliar o conhecimento lingüístico que se exige de um aluno após onze anos de estudo formal. É bem verdade que muitas universidades ainda consideram esta uma novidade perigosa. Para aquelas com uma pesquisa mais avançada nesta área, no entanto (e citem-se a título de exemplo os casos da Unicamp e da UFPR), testar

a capacidade do sujeito em lidar com situações diversas de uso da linguagem é mais do que suficiente como pré-requisito para o futuro profissional, qualquer que seja a área do conhecimento a que ele vá se dedicar. E o que falar da literatura? Espremida entre as cobranças puramente formais do currículo escolar e o bem-intencionado clichê do “literatura é fundamental”, padece da insensata exigência de ser ensinada à força, quando se trata claramente de conhecimento que só faz sentido se fruído de maneira pessoal e intransferível. Neste caso, o menor dos danos que a escola pode provocar na arte é abrir mão dos conhecimentos enciclopédicos - nomes de autores e suas obras fundamentais e os detalhes da complexa História da Literatura -, em nome do reconhecimento da literatura como apenas uma entre várias possibilidades de expressão lingüística, apenas mais um dos gêneros textuais produzidos “natural” e socialmente por seus falantes. Enfim, língua materna e literatura nacional não se configuram como aprendizado prático a ser testado. Em um caso e em outro, trata-se de ferramenta básica para a vida...

Marcelo Cambraia Sanches e Fabiano Pinkner Rodrigues são professores, respectivamente, de Literatura e de Língua Portuguesa do Terceiro ano no Colégio Medianeira.

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As ciências duras, o vestibular e a humanização O vestibular, dentro da cultura que sobre isso se instalou em nossa sociedade, principalmente a curitibana, é visto como a oportunidade de aplicar diretamente os conceitos acumulados em torno de 11 anos de escola, até então freqüentados. Como o número de anos é alto e o volume de conteúdos é maior ainda, é fácil aderir à busca de soluções um tanto mágicas para adquirir ou acessar conceitos, fórmulas, fatos e muitas informações. A Física, a Química e a Biologia são situadas como aquelas que mais exigem memorização do aluno. Donas de linguagens científicas específicas, ainda trazem o rigor e a precisão como critério de validação do conhecimento. No entanto, se prestarmos bem atenção, tais ciências permeiam a vida de cada ser vivo. E, ainda, os elementos que constituem o ambiente também trazem a possibilidade de compreensão por meio das mesmas ciências. A Terra, tão desgastada nos últimos séculos, já mostra seus rigores e grita pela indispensável consciência respeitosa e pela necessidade de profundo enraizamento humano e terrestre. Dessa forma, Física, Química e Biologia, enquanto ciências, podem ser vistas como meios de leitura da realidade, o que facilita tomadas de posição no contexto em que estamos inseridos. Isso permite compreendermos tais ciências de forma mais aberta e em constante construção e reconstrução.

da grande malha multidimensional de conceitos relativos às ciências em questão e, mais ainda, a sua articulação com a de outras ciências, como a História, a Matemática, a Geografia e a língua materna. Assim, estudar o ambiente exige domínio da constituição íntima dos seres vivos, dos processos bio-físico-químicos que definem a forma de vida. Exige ainda a capacidade de prever movimentos, velocidades, distâncias. Exige também domínio do contexto local e global, da formação dos espaços e das relações que o ser humano estabelece com os mesmos espaços e suas conseqüências. E mais, exige compreender o processo histórico do ser humano e sua relação com a produção do conhecimento e a construção da Ciência e dos métodos usados para tal. Exige ainda ensaiar o registro disso, preservar o aprendido, encontrar outros modos de dizer, comunicar o achado, enfim, socializar o que aprendeu. Dessa forma, preparar-se para o vestibular inclui pensar a realidade e fazer opções. Isso só se faz com o domínio da base conceitual, a qual vem do trato especializado e rigoroso com os próprios conceitos, o que é essencial para a devida articulação com as demais ciências e dimensões da realidade. Dessa forma, leitura, produção escrita, compreensão de tabelas e gráficos, simulação de fenômenos, leitura e escrita de equações, formulários, imagens, jun-

Diante dessa visão de Ciência, podemos nos perguntar como podemos ajudar os vestibulandos a desenvolverem possibilidades de enfrentar tal rito de passagem para a vida acadêmica?

to com o desenvolvimento de habilidades es-

Mesmo que pareça impossível, é preciso dizer que a terminalidade do Ensino Médio propicia a configuração, mesmo que provisória,

melhor compreender a vida e a possibilidade

senciais de pensamento – como associação, análise, síntese, generalização –, constituem o dia-a-dia do estudo das Ciências que buscam de melhoria da qualidade de vida material e intelectual do ser humano. Liliam Martinelli é uma das professoras de Química do Terceiro ano do Colégio Medianeira.

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ÉTICA PARA MEU FILHO

VESTIBULAR NÃO É O BICHO

Fernando Savater Editora Planeta

Gustavo Ioschpe Editora Artes e Ofícios

O livro não é um manual de ética para alunos do colegial. Não contém informações sobre os autores mais notáveis e movimentos mais importantes da teoria moral ao longo da história. Não se trata de um receituário de respostas moralizantes aos problemas cotidianos. Seu objetivo não é fabricar cidadãos bem-pensantes (muito menos mal pensados), mas estimular o desenvolvimento de livres-pensadores.

IDENTIDADE PROFISSIONAL

Para a maioria dos adolescentes, a palavra vestibular soa como um palavrão, um fantasma quase imbatível que desafia todos os limites da resistência de um jovem. Gustavo Ioschpe, o autor deste livro, que já passou por essa difícil experiência, decidiu colocá-la no papel com o intuito de auxiliar os vestibulandos. Vestibular não é o Bicho traz dicas, informações e orientações que, via de regra, não são fornecidas pelos professores nos cursinhos. Tem tudo para que o aluno possa enfrentar esse “monstro” com maior serenidade e, conseqüentemente, com melhores condições de vencer o concurso. Além disso, é um diálogo sincero com um leitor que vive a pressão e a responsabilidade de num determinado momento decidir todo o seu futuro.

EDGAR H. SCHEIN Identidade Profissional , por meio de exercícios, define temas e padrões dominantes na vida do indivíduo, aponta a razão de suas escolhas e assim favorece a coerência e a integração entre os diferentes elementos de autoconceito, permitindo confrontá-los com a opção profissional ou se preparar para fazer uma.

AS PERGUNTAS DA VIDA Fernando Savater Editora Martins Fontes O filósofo e educador espanhol Fernando Savater introduz conceitos de filosofia para alunos do ensino médio por meio de indagações que acompanham a humanidade desde os seus primórdios, pois não admitem nenhuma solução definitiva.

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Quando

temos,

NÃO temos

Por Gladimir Nascimento

Algumas expressões, de tão usadas, acabam se desgastando. Educação ambiental é uma dessas. Mais do que o ato de não arrancar uma plantinha, ela deve ser vista como um tema urgente a ser revisitado, levando em conta a educação para o ambiente urbano em que a maioria da população vive e suas relações de consumo.

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(Algumas considerações sobre educação ambiental)


Por isso eu pergunto A você no mundo Se é mais inteligente O livro ou a sabedoria O mundo é uma escola A vida é o circo Amor palavra que liberta Já dizia o Profeta (Gentileza – Marisa Monte) Apesar de começar citando a música de Marisa Monte, é do velho e bom Pink Floyd que lembro quando penso em educação ambiental. Mais especificamente daquele trecho do filme1 em que as crianças se rebelam contra o sistema que as transformava em carne moída e quebram, incendeiam, destroem a escola, num motim arrasador. É o que precisa ser feito com essa escola-capitãodo-mato, que se presta ao mais vexatório tipo de servilismo, aquele que ajuda a escravizar os demais. No lugar dela deve ser erguida a escola da sabedoria, do afeto, amor e Gentileza. Não é possível acrescentar educação ambiental ao currículo, porque a educação ambiental não pode simplesmente fazer parte, ela é o todo. Educadores muito bem intencionados imaginam estar praticando educação ambiental quando colocam trinta crianças em um ônibus e as levam para uma chácara, ver as vacas, ver as árvores, tomar banho no rio. Sem dúvida é divertido, eu também quero ir. Sem dúvida é válido como vivência do ambiente e traz muitos benefícios, mas não é educação ambiental. Os mais amplos estudos de Ecologia são estudos de Ecologia, não educação ambiental. Conhecer a dinâmica de poluição dos rios, reciclar o lixo, mesmo isso, embora esteja “esquentando”, ainda não é educação ambiental. Nó ambiental – Para praticar a educação ambiental é necessário ir direto ao ponto, reto ao centro de todos os problemas ambientais. Ao atingilo, veremos que ele é o nó em que estão amarrados também nossos dilemas econômicos, desgraças sociais, angústias existenciais e encruzilhadas políticas. Devagar agora, porque o terreno a seguir é perigoso: o centro da educação ambiental, e que portanto deve ser o seu foco, é o ponto de

apoio de toda a civilização ocidental, e não é facilmente visível, embora esteja sempre presente. Para vê-lo, precisamos olhar para tudo ao mesmo tempo, como fazemos com aqueles livros com gravuras do tipo “olho mágico”. Se miramos as ilustrações, não há nada demais, porém quando colamos a folha ao rosto, mantendo os olhos no todo, e não em qualquer ponto específico, uma outra imagem, que estava oculta, surge em nossa retina. Com o ambiente é assim; se considerarmos ao mesmo tempo a poluição do ar, da água, o desmatamento, o aquecimento global, o acúmulo de resíduos, perda da diversidade genética, envenenamento do solo, e se ainda ampliarmos para a violência urbana, violência doméstica, desagregação familiar, desemprego, perda de identidade cultural e egoísmo, olhando tudo ao mesmo tempo veremos um ponto em comum, oculto em cada um desses ícones: o consumo. Ou, na dimensão comportamental, o consumismo. Ou ainda, na dimensão política, o modelo de desenvolvimento embasado no consumo de bens materiais e alimentado pela compulsão consumista, abastecida por uma publicidade tão ostensiva que chega a ser obscena. É para o consumo, portanto, e não para as vaquinhas na chácara, que deve se dirigir a educação ambiental, pois é para alimentar nossa pantagruélica fome por carros, celulares, roupas, tênis e edifícios que os recursos naturais estão sendo esgotados. Os Estados Unidos, tomados como padrão de consumo na economia globalizada, têm cerca de 6% da população mundial (1991), e consomem aproximadamente 35% de toda a energia produzida pelo homem na Terra1 . É óbvio, portanto, que bastariam 3 países consumindo tanto quanto os americanos para que o planeta entrasse em colapso. Logo, a miragem de um consumo disseminado, pressuposto ideológico da globalização, nos dirige a um paradoxo, não pode ser realizada. Foco urbano – Vivemos nas cidades, e são as cidades que funcionam como buracos negros para os bens de consumo, sugando para seu interior uma quantidade insustentável de matéria e energia; portanto, a educação ambiental deve se voltar para o ambiente urbano. Este é o nosso ambiente: o asfalto, o shopping, o automóvel. Precisamos compreender a dinâmica urbana para ter

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educação ambiental, e precisamos viver e melhorar a realidade urbana, ou de nada adiantará o martelar sobre a cabeça dos nossos alunos sobre como é bonito e importante o ambiente selvagem, intocado e preservado. Visão sistêmica – O problema estaria resolvido, se bastasse informação sobre o ambiente para corrigir a rota do nosso jato desgovernado (jato, sim, pois somos a cada dia mais rápidos, embora menos aptos). A educação ambiental que se limita a informar desperdiça uma oportunidade valiosa para efetivamente modificar o estudante, o professor, a escola, a comunidade, a cidade e as gerações. As escolas sérias já descobriram que não devem ter a disciplina de Educação Ambiental, mas sim uma abordagem ambiental em suas diversas disciplinas, o que aliás é um consenso em todo o mundo. Só que esse enfoque tem data marcada no calendário, limita-se a uma ou outra atividade, planejada para aproveitar o conteúdo “transversal” do meio ambiente. É possível ousar mais, usar a educação ambiental não como conteúdo, mas sim como meio das disciplinas, ou seja, ver o mundo pela lente verde, abordar todas as ciências a partir de uma perspectiva ambiental, pois o que somos se não uma espécie que se desenvolve no ambiente natural, por mais que o estejamos modificando? Essa outra educação ambiental é focada na abordagem, no sistema, no uso das relações do ambiente em todos os estudos e na maneira de viver e de compreender a vida. Consolida uma posição do estudante diante da ciência, de si mesmo e da comunidade, e está focada, portanto, não nos objetos ambientais, mas nas relações entre eles. Claro, há uma reação enorme sempre que isso é postulado, pois aceitá-lo significa promover a educação ambiental a um status de matriz epistemológica, para usar um palavrão incompreensível, ou, para ser mais simples e claro: transformar a educação ambiental em uma abordagem válida para todas as ciências, e ainda para as relações humanas e atividades produtivas. Rompimento – Os pais serão sempre os primeiros a reagir contra uma escola que tenha a coragem de praticar essa forma de educação, pois ela rompe com os critérios de competição extrema inspirados pelo capitalismo pós-yuppies. Os estudantes, seus

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pais e professores são condicionados pela mídia a exigir das escolas a alimentação permanente do ciclo de competição que serve à globalização dos mercados. Basta um olhar atento aos slogans de algumas escolas para perceber quanto estão imersas nessa armadilha ideológica. A revolução ambiental não vai acontecer, porque falta-nos a coragem, o discernimento e a determinação de romper. No máximo, reformamos, sonhando com o dia em que teremos uma escola libertadora, voltada para os objetivos das pessoas e para o projeto de Deus, desafiadora e focada no homem e na sociedade, não no mercado. Apagaram tudo Pintaram tudo de cinza A palavra no muro Ficou coberta de tinta Apagaram tudo Pintaram tudo de cinza Só ficou no muro Tristeza e tinta fresca

1 Pink Floyd - The Wall (1982), direção de Alan Parker sobre roteiro de Roger Waters. 1 (GOLDEMBERG, José. Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento. São Paulo: Edusp, 2001)

Gladimir Nascimento é pai de 4 filhos, e por isso se preocupa muito com a conservação do ambiente para as gerações futuras. É jornalista e especialista em Sistema de Gestão Ambiental.


Sabedoria Incomum: conversas com pessoas notáveis Fritjof Capra Editora Cultrix É a “autobiografia” das idéias de Capra. Serve como guia de leitura de sua obra, fornece contexto para suas investigações e o situa entre os pensadores com quem conviveu. Se alguém deseja ler apenas um dos livros de Capra, deve escolher este, pois, embora breve, o relato oferece uma visão panorâmica sobre os problemas enfrentados pelo autor.

A Árvore do Conhecimento Humberto Maturana e Francisco Varela Editora Palas Athena No que diz respeito à educação ambiental, este clássico tem uma função auxiliar, para que compreendamos a natureza incerta do conhecimento, a qual contraria a tradição de acerto sobre a qual as escolas construíram seu imaginário.

Nosso Futuro Comum Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland) Fundação Getúlio Vargas Esse relatório da comissão formada na década de 70, na Conferência de Estocolmo, foi publicado em 1987 e representa o consenso internacional em torno dos problemas ambientais. Nele foi baseada, em parte, a “Agenda 21”, aprovada na Conferência do Rio, em 1992. Até certo ponto, a Agenda 21 pode ser considerada um documento executivo do relatório da Comissão Brundtland.

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Cristóvão

TEZZA

2005 tem sido um ano especial para Cristóvão Tezza, esse escritor nascido em Lages (SC), mas que adotou e foi adotado por Curitiba aos dez anos de idade. Autor de 13 obras ficcionais – entre as quais 11 romances – e de 4 obras de não-ficção, o romancista vem colecionando prêmios com seu último livro, O fotógrafo. Ele conversou com Mediação, falando um pouco do seu processo de escrita, dos prêmios e da leitura no Brasil.

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Mediação – Cristovão, você ganhou dois importantes prêmios nesse ano, com seu romance O Fotógrafo: melhor romance, segundo a Academia Brasileira de Letras, e o terceiro lugar no Prêmio Jabuti. O que isso representa na carreira de um escritor? Cristovão Tezza – Bem, é uma sensação agradável saber que o romance que escrevemos está tendo repercussão e leitores. No caso de O Fotógrafo, fiquei mesmo surpreso com a força dessa repercussão – além dos prêmios recebidos, o livro ainda foi finalista de praticamente todos os concursos do ano, incluindo o Prêmio Bravo de Cultura e o Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira. Pelo lado prático, chama a atenção para o livro, que passa a ser notícia, mesmo que passageira. Mas não é caso de se deslumbrar muito: prêmio é acidente na vida de quem escreve. Se contar nos dedos, vejo que perdi muito mais do que ganhei prêmios na minha carreira!... O fotógrafo já é o seu 11 o. romance, além de mais dois livros de contos. Mudou alguma coisa no processo criativo do primeiro para o último livro? CT – No processo criativo talvez não, mas no resultado, com certeza. Como somos também “escritos” pelas páginas que escrevemos, a obra seguinte nunca será igual à anterior. O autor de Trapo não é o autor de A suavidade do vento ou de Breve espaço entre cor e sombra. Os temas às vezes são semelhantes, mas o tratamento sempre é outro. E há, é claro, um processo de maturidade, não exatamente técnica, mas existencial. Aos 50 anos não vemos o mundo como víamos aos 30, ainda que o modo de olhar e viver seja o mesmo. Há escritores que ainda escrevem à mão; outros já incorporaram o teclado para fazer, inclusive, suas primeiras versões (os manuscritos de computador!). Alguns escrevem pela manhã bem cedo; outros, como a Lygia Fagundes Telles, por exemplo, se arrumam para ficar dentro de casa e escrever. José Saramago se obriga a escrever, no mínimo, uma ou duas páginas por dia – nem que não sirvam para nada depois! Existe alguma peculiaridade na sua rotina de escrita?

CT – Sim. No meu caso, sou um escritor que funciona por “empreitadas”. Primeiro o romance fica vagando na minha cabeça, até ganhar corpo e uma linguagem. É quando me decido finalmente a começar o livro. Então preciso reservar algumas tardes ou manhãs livres, sistematicamente, para escrever. Isso leva alguns meses, até eu sentir que o livro já está mais ou menos inteiro, ainda que em estado bruto. Essa é a primeira “empreitada”. Depois, vou retrabalhando o texto. A primeira versão escrevo sempre à mão, em folhas amarelas. Depois, passo para o computador. Sempre deixo o livro descansar um ou dois meses entre uma versão e outra. Escrevo pouco por dia – mas escrevo todos os dias (depois que começo o livro). Em dois ou três meses começo a sentir que o romance passa a ganhar vida. É quando eu começo a ser “escrito” por ele... Alguns escritores (e eu lembro agora, rapidamente, do poeta Manoel de Barros e de Rubem Alves), vêem a literatura – e as artes, de um modo geral – como um “inutensílio”. Sei que o tema é complexo, mas você poderia falar um pouco sobre o papel da literatura na sociedade atual? CT – Esse é um tema duro de enfrentar: de fato, a literatura – especificamente como a expressão artística moderna que veio se consolidando de, digamos, 300 anos para cá – está perdendo terreno por várias razões. Uma delas é a mais óbvia: a invasão avassaladora da cultura visual. Mas não só isso – vivemos um tipo de vida que não nos dá tempo nem solidão, e a literatura precisa dessas duas qualidades preciosas. Ler é uma atividade solitária e hoje, nesse aspecto, vivemos como no Admirável mundo novo, o romance clássico de Aldous Huxley – ninguém pode ficar sozinho, porque passa por figura “anti-social”. Está havendo também uma mudança rápida, violenta, de paradigmas históricos e sociais, desde a queda do muro de Berlim, que acabou com a polarização política do mundo (mas criou outra, talvez muito mais perigosa), até o advento da internet, que vem mudando intensamente os padrões de informação e mesmo de vida comunitária. A literatura, nesse mundo, virou praticamente uma “especialização”. Não é mais aquele patrimônio comum em que se discutiam os grandes temas da humanidade,

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como, digamos, a obra de Dostoiévski, no século 19, e a de Thomas Mann, no século 20. Mas creio que ela continua sendo fundamental para a manutenção de um projeto humanista no mundo contemporâneo. A “inutilidade” dela é a sua qualidade: uma linguagem não-oficial a nos dizer o que nenhuma outra linguagem pode dizer. A literatura é uma afirmação da liberdade. No Brasil é muito importante que a literatura tenha seu espaço, porque aqui, por circunstâncias históricas, a televisão chegou antes do livro para a maior parte da população. É preciso recuperar esse terreno. É comum ouvirmos afirmações dizendo que a sociedade contemporânea vive a “era da imagem”, ou a “era da velocidade” na informação. Como você acha que o romance (por sua própria natureza, extenso e, portanto, de leitura mais demorada) encontra seu espaço hoje? CT – Como disse há pouco, a literatura perdeu espaço, sem dúvida, mas, curiosamente, o romance continua sendo o gênero mais consumido, aquele que tem mais leitores – segundo avaliação dos próprios editores. Acho que o romance é um “trans-gênero”, capaz de absorver todos os outros. E é nele que se encontra talvez a possibilidade maior de uma reflexão “não oficial” sobre o mundo e a vida. Você defende, como disse, a idéia de termos “reservas de solidão” dentro de um mundo muito barulhento e agitado. A leitura proporciona isso. Você pode falar um pouco mais sobre essa idéia? CT – Eu sempre toco nesse ponto esquecido: ler é uma atividade solitária, e essa é uma das suas qualidades. Ler nos dá oportunidade de introspecção, de repensar a vida e as circunstâncias, e ao mesmo tempo de pensar sobre a vida e o mundo de um modo articulado. Além disso, é infinito o potencial de empatia de um bom livro. O dia-a-dia não nos dá “tempo” – estamos sempre mergulhados no instante presente. Com a literatura, temos essa chance rara de nos afastarmos um pouco do mundo e das pessoas para vê-los melhor, mais nitidamente. Característica fundamental para um bom escritor parece ser o fato de ele ser também um bom leitor. Leitor de literatura, evi-

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dentemente, mas também de outras linguagens, não? CT – Sim, sou leitor até de bula de remédio! Você acha Curitiba uma cidade interessante para “inspirar” bons romances? CT – Não mais nem menos que qualquer outra cidade – isso depende muito do escritor. Eu diria que Curitiba é uma boa cidade para escrever. Você, além de escritor, tem profunda ligação com o meio acadêmico; é doutor em Literatura Brasileira, é autor de livros para estudantes universitários cujo tema é a Língua Portuguesa e é professor da área. Esse contato direto com a língua e também um conhecimento profundo das teorias literárias ajudam ou atrapalham o escritor na hora de elaborar um novo romance? CT – Ajuda muito do ponto de vista prático – afinal, todo esse trabalho de professor me sustenta e me permite escrever! Não sei se conseguiria escrever os livros que escrevi se trabalhasse em outra área – como jornalista ou como publicitário, por exemplo. Mas eu procuro separar bem o trabalho teórico do trabalho de romancista. São dois modos completamente diferentes de olhar o mundo. Quando “entro” num romance, esqueço a teoria e deixo a intuição correr solta. Já quando escrevo teoria, viro escravo dos pressupostos, da objetividade, da clareza teórica, da lógica, das causas e efeitos. A ficção e a teoria são linguagens bastante distintas – a contaminação de uma pela outra costuma ser fatal. Por falar em estudantes, o que você acha dessa afirmação tão categórica ouvida por aí: “antigamente se lia muito mais; hoje em dia, o jovem não quer nada com a leitura”? CT – Em parte, é verdade – a tentação “visual”, hoje, é muito grande, e o tempo dos jovens ficou mais curto. Mas a afirmação pode nos levar a uma avaliação errônea do nível de escolarização do jovem brasileiro. No “antigamente” de que tanta gente tem saudade – digamos, os anos 1950 e 1960 – apenas uma parcela mínima, uns 30% dos brasileiros, chegava a completar o primeiro grau.


Quer dizer, naquela faixa estreitíssima dos que concluíam o segundo grau, lia-se mais. Mas a esmagadora maioria dos jovens que restavam fora do sistema escolar nem sabia ler. Hoje aumentou, felizmente, o acesso do jovem à escola, ainda que o ensino não seja nenhuma maravilha. Mas é fato sim que esses jovens não estão lendo como deviam. A pergunta que não pode deixar de ser feita: já há algum projeto para um novo livro? CT – Sim, já estou com uma idéia na cabeça e cheguei a escrever algumas páginas. Mas 2005 está muito agitado para mim e simplesmente não estou conseguindo me concentrar para trabalhar. Em 2006 vou dar um jeito de me reservar um bom tempo para escrever.

JULIANO PAVOLLINI

O FOTÓGRAFO Cristovão Tezza Editora Rocco A história de O Fotográfo se desenvolve ao longo de um único dia na vida de cinco personagens, na Curitiba de 2002, às vésperas da eleição presidencial. A narrativa principal acompanha o fotógrafo sem nome do título. Ele se dispõe a seguir Íris, uma bela jovem, e fotografá-la em segredo pelas ruas. O homem misterioso que o contratou para o serviço paga 200 dólares por cada filme não revelado com fotos da moça. Embora o trabalho seja relativamente fácil e o dinheiro seja bom, o fotógrafo falha logo de cara – sentindose atraído pela jovem, ele vai ao seu apartamento e se apresenta a ela com uma desculpa qualquer, a fim de vê-la mais de perto e fotografá-la como um artista, não como um paparazzo. Na dinâmica do novo romance de Cristovão Tezza, os personagens são revelados gradativamente, ganhando uma impressionante profundidade com o avançar da narrativa. Para que eles sejam compreendidos, não basta acompanhar o que se passa em suas mentes, é preciso também vê-los passar por diversas situações, descobrir o que os outros pensam deles, conhecer seus familiares.

Cristóvão Tezza Editora Rocco O personagem Juliano Pavollini inicia suas memórias dizendo que tinha tudo para dar certo. E é impossível não concordar com ele. Uma trajetória curta, mas intensa. Num roteiro que se transforma em tragédia, apaixona-se perdidamente por uma Doroti, saída de algum filme, que Juliano deseja como a redenção de sua vida. O protagonista deste romance é tanto o adolescente esmagado pela insegurança, pelo erro e pela culpa de tudo que ele vive, quanto o homem maduro, na cela da prisão, confessando a uma psicóloga a sua história sempre dupla. A sua confissão é também um modo de refazer o passado e de dar um sentido ao futuro - da imagem que ele fizer de si mesmo dependerá, talvez, a sua liberdade.

A SUAVIDADE DO VENTO Cristóvão Tezza Editora Rocco Josilei Maria Matôzo é um tímido professor de português, radicado em uma pequena cidade do interior paranaense. Quase sem amigos, se sentindo sempre deslocado e confuso com a presença de outras pessoas, praticamente só encontra prazer no jogo e na bebida. Ao longo de cinco anos, para fugir de sua angustiante e solitária realidade, ele escreve um livro - ‘A suavidade do vento’. Agora, com o livro pronto, Matôzo se vê obrigado a enfrentar diversas dificuldades, tanto materiais quanto existenciais.

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Democratização DAS VAGAS NO

ENSINO SUPERIOR: um debate necessário

Por Sérgio Luís do Nascimento

O tema é polêmico e ainda gera discussões acaloradas: as cotas de vaga nas universidades para as chamadas minorias são um direito ou um privilégio? Para discutir isso, não bastam as impressões superficiais. É necessário conhecer minimamente um pouco da história do Brasil. 48


Aí, está! O vestibular e as cotas. Em princípio, um tema, por si só, polêmico. O conhecimento tem hoje necessidade de refletir sobre si mesmo, reconhecer, situar, problematizar. E é o que este artigo propõe: debate e reflexão de um tema controverso, justamente em função de uma cultura de naturalização do racismo. É o caso das ações afirmativas, que ficaram popularmente conhecidas como cotas. Importante lembrar que essa política de inclusão ou discriminação positiva tem sido adotada por algumas universidades, com programas de inclusão de alunos de escolas da rede pública e de afrodescendetes (pretos e pardos). Creio que o debate e a reflexão alimentam as idéias e fortalecem os espaços públicos de discussão. O presente contexto tem proporcionado uma revisão dessa sociedade cujas relações de produção estão se organizando sob novos princípios – enfraquecimento dos estados nacionais, mundialização do capitalismo, formação de blocos nacionais e a organização política de minorias étnicas, religiosas e até sexuais. Mais especificamente, iremos refletir sobre a organização política dessas minorias. O princípio da maioria nasceu com a democracia ateniense, que excluía os escravos, os estrangeiros, os artesãos, os comerciantes, as mulheres e os menores de 18 anos. Os que participavam da assembléia e selecionavam e aprovam as leis eram considerados cidadãos. Com o surgimento das repúblicas no século XIX, criouse o sistema político representativo. Assim, se o governo é representativo, ele é majoritário e representa a maioria da população. Quem se opõe sempre é uma minoria. A oposição a esse sistema se dá porque essa minoria entende que aquilo que é muitas vezes sancionado pelo poder representativo não espelha, de fato, as tendências da maior parte da população. Como minoria podemos entender um grupo que se encontra relativamente à margem do padrão social estabelecido por aqueles que detêm o poder tanto político como econômico. Podemos, desta forma, exemplificar isso com o caso dos negros, que representam mais da metade da população do Brasil, mas não se enquadra neste contexto político/econômico dominante. O argumento que muitos apresentam, por exemplo, a respeito da política de cotas em universidade, é o de que os negros (pretos e pardos)

deveriam conquistar suas posições por mérito; no entanto, esquecem que, num país racista, o mérito de ser incluído tem dependido fundamentalmente do pertencimento racial. E esse é reconhecidamente um processo injusto. Ou seja, entre um indivíduo branco e um negro, a preferência, historicamente, tem sido dada ao indivíduo branco. Portanto, na prática, isso significaria perpetuar uma situação de desigualdade e injustiça. Recorrendo a D´Adesky, vemos: “Afinal, não é por falta de mérito que os negros são majoritariamente pobres no Brasil – trata-se de uma conseqüência de nossa longa história de racismo e violência. Também não é por falta de mérito que os negros são minoria nas universidades públicas, trata-se de uma conseqüência da diferença de oportunidades que desde sempre marca o nosso país, distinguindo negros e brancos”. A mortalidade infantil, a escolaridade, os salários, a expectativa de vida: todos os indicadores sociais mostram claramente que existe um abismo étnico separando negros e brancos no Brasil. O objetivo das políticas públicas específicas (ações afirmativas) é a de superar essas desvantagens e promover a igualdade entre os diferentes grupos que compõem nossa sociedade. É oportuno reafirmar a necessidade da existência de medidas que valorizem a educação e que democratizem as vagas nas instituições de ensino superior públicas e particulares no país. O contexto revela a percepção da idéia de justiça social para todos, bem como do combate ao racismo, ou de crise desta sociedade que está discutindo com relativa amplitude as políticas afirmativas para a população afrodescendente. No Brasil, segundo Clayton Wenceslau Borges, “a descriminação está mais relacionada à cor de pele e aos traços faciais do que à ancestralidade. Essa é uma das razões pelas quais as pesquisas trabalham com a classificação de grupos de cor em vez de grupos raciais. O movimento negro e setores do mundo acadêmico consideram que a proximidade de pretos e pardos em matéria de discriminação e desigualdades justifica juntá-los numa mesma categoria sociológica – negros, afro-brasileiros ou afro-descendentes”. É com esse sentido que usamos aqui as palavras “negro”, “preto”, “pardo”, “afro-descendentes”. A identidade étnica é normatizada pela cultura, es-

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tando inserida na história do escravismo criminoso e de um capitalismo de inclusão diferenciada que controla o acesso da população denominada nos censos do IBGE como pretos e pardos, transcritos nos cotidianos como morenos, mestiços, mulatos, mulatinhos, queimadinhos e uma centena de representações que possibilitaram, na ótica dos preconceitos, evitar a possível suposta desfeita da palavra negro. O termo “racismo” – tão empregado em diversos tempos e espaços –, dentro do quadro conceitual com o qual este artigo trabalha, vem ao encontro da seguinte definição dada por Carlos Hasenbalg: “o racismo pode ser definido como o conjunto de práticas do grupo branco dominante, dirigidas à preservação do privilégio de que usufrui por meio da exploração e controle do grupo submetido. A presença de privilégio sugere que, através de processos econômicos, culturais, políticos e psicológicos, os brancos puderam progredir, historicamente, a expensas de e por causa da presença do negro”. Assim, a consolidação de uma sociedade mais justa e democrática, tão almejada neste novo século, passa necessariamente pelo combate ao racismo, pelo esforço urgente e consistente no reconhecimento de suas implicações e pela tentativa de sua superação. Atitudes racistas e preconceituosas permeiam com naturalidade o cotidiano de várias pessoas, de todas as classes e condições sociais, as quais não se dão conta de como e de quanto o racismo é uma prática culturalmente incorporada e da extensão dos danos que provoca na população negra. Uma das faces desse racismo se refere, sem dúvida à educação, que foi sempre uma constante e persistente reivindicação, desde o escravismo até os dias de hoje. Mesmo quando as leis do escravismo impediam a educação e a instrução dos negros e dos escravizados, as irmandades religiosas negras, por todo o país, tomavam silenciosamente esse encargo. Muitas vezes, grupos que se reuniam e pagavam o ensino particular foram organizados ou contavam com a participação de outros afrodescendentes cultos. Tentativas de transpor as condições de vida em que os negros estiveram imersos no pós-abolição levaram à realização de escolas formais e informais em um sem número de agremiações negras com as mais di-

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versas denominações. O contexto nos ilustra necessidades dessas políticas públicas específicas. Os dados mais recentes do IPEA – Instituto de Pesquisas Aplicadas (2001) – acerca da educação apontaram que os negros no Brasil têm 6,1 anos de estudo para 8,4 anos da população não negra. Ambos com média de 25 anos de idade. Ainda segundo estes dados, somente 3,3% dos negros conseguem terminar o ensino médio e 2% chegam ao Ensino Superior. Em certo sentido, o Brasil criou o melhor dos mundos ao mesmo tempo em que mantém uma estrutura que proporciona mais privilégios aos indivíduos quando estes têm um pertencimento racial branco e subordinação daqueles que são negros. Podemos ilustrar essa idéia a partir dos dados do IBGE sobre os indicadores sociais do Brasil no ano de 2000. O quadro geral das desigualdades raciais [...] tendeu a se manter inalterado, apesar dos avanços alcançados nos níveis de educação e rendimento da população brasileira do mesmo período [1992 – 1999]. As taxas de analfabetismo, embora tenham caído para todos os grupos de cor [brancos, negros, pardos, amarelos e indígenas], ainda são, em 1999, duas vezes mais elevados para pretos e pardos (da ordem de 20%) do que para brancos (8,3%). No Nordeste, por exemplo, que possui as taxas mais altas do País, o analfabetismo hoje ainda é mais expressivo entre os pretos (35%) do que entre os pardos (28,4%) e entre os brancos (21,3%). Também no Sudeste, onde são encontradas as menores taxas do Brasil, os pretos (14,4%) e os pardos (11,4%) também apresentam uma taxa bastante superior á dos brancos (5,6%).O analfabetismo funcional, isto é, pessoas com menos de 4 anos de estudo, atingia, em 1999, cerca de 40% da população preta e parda de 15 anos ou mais, enquanto incidia sobre 21% da população branca da mesma faixa etária.

A eficácia da ideologia da democracia racial imperante se traduz no esvaziamento da problematização étnica, corroborando para dificultar a articulação política da população negra e colaborando para que alguns componentes racistas do sistema permaneçam incontestados. Por tudo isso, é urgente que haja uma luta incessante de todos os grupos étnicos para que leis e normas universais contra a discriminação, o racismo e as diversas formas de intolerância sejam implementadas. Só assim, de forma efetiva, poderemos pensar no


AFRO-BRASILEIROS, COTAS E AÇÃO AFIRMATIVAS: Razões Históricas desenvolvimento da autonomia, da capacitação política e educacional. É nesse sentido que os currículos escolares devem expressar os princípios do pluralismo, da diversidade e da igualdade entre diferentes. Assim, ser negro no Brasil hoje é uma questão política. Não política apenas no sentido partidário, que é importante, mas no sentido mais amplo das relações humanas. Por isso, essas relações devem ser conhecidas, reconhecidas, situadas, refletidas, problematizadas e assumidas. Muito axé!

Sérgio Luis do Nascimento é graduado em Filosofia pela PUC, pós-graduado em Interdisciplinaridade pelo IBEPEX e membro do Laboratório de Estudo de Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR. É professor de Religião da 6a. série do Ensino Fundamental, no Colégio Medianeira.

APROV ADOS! APROVADOS!

Cursinho pré-vestibular e população negra Wilson Silva Rosângela de Santa Bárbara Rosa Maria T. Andrade Rachel de Oliveira Joel Rufino dos Santos Henrique Cunha Junior Heloisa Pires Lima Geraldo José Covre Frei David Eduardo Silva Eduardo F. Fonseca Clayton Wenceslau Borges Benedito Carlos dos Santos Antonio Carlos Pezzi Um estudo precioso sobre a relação entre os afrodescendentes com os cursinhos pré-vestibulares e as universidades. Os autores da coletânea são profissionais renomados, com vivência no meio e propõem uma reflexão sobre os mecanismos de dominação e exclusão racial. Alguns artigos contêm entrevistas com pessoas que contribuem para uma maior visibilidade da importância e capacidade da população negra.

Ahyas Siss Editora Quartet “Sendo instrumentos para promover o acesso aos direitos civis em sociedades marcadas pelas desigualdades, as políticas de ação afirmativa estão na pauta das discussões contemporâneas brasileiras. Ganha destaque especial a questão das relações da população negra com a universidade, principalmente a partir das iniciativas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e posteriormente da Universidade de Brasília (UnB). Negros e não negros discutem a questão das cotas para a população afro-brasileira no ensino superior. Estudioso da questão, o autor desta obra busca nos determinantes históricos a justificativa para a implementação das políticas que têm o propósito de privilegiar a população negra para promover a igualdade racial, contribuindo para desvelar a inconsistência dos argumentos contrários às medidas consideradas. Mestre em Sociologia pelo IUPERJ, o professor Ahyas Siss doutorou-se em Educação pela UFF, dedicando-se à pesquisa sobre as relações raciais em educação. O presente estudo é o resultado de um dos seus trabalhos acadêmicos no qual evidencia a necessidade da utilização das políticas de ação afirmativa para que o acesso da população negra à educação seja equiparável ao dos brancos.”

RACISMO, PRECONCEITO E INTOLERÂNCIA Coleção Espaço e Debate C. Medeiros Editora Atual Editora A intolerância, o racismo e o preconceito são problemas que desafiam a sociedade, trazendo à tona duas perguntas fundamentais - Por que as pessoas manifestam intolerância e preconceito diante daqueles que julgam diferentes? Por que uma pessoa vítima do preconceito, inclusive por racismo, pode vir também a discriminar? ‘Racismo, preconceito e intolerância’ traz explicações sobre as diversas formas de discriminação e esclarecimentos sobre conceitos como xenofobia, anti-racismo, etnocentrismo e ação afirmativa, entre outros. Na obra, os autores discutem três casos de racismo e discriminação amplamente divulgados pela imprensa brasileira nos últimos anos, mostrando que é possível promover o respeito e a tolerância em relação ao outro por meio do apelo à justiça. O livro trata ainda da questão do seqüenciamento do genoma humano.

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Identidade da

UNIVERSIDADE JESUÍTA

“O que somos?” parece uma questão simples, porém complexa na hora de responder, pois é preciso indagar a indagação. Como não saber o que somos? Não é possível um ser espiritual existir sem saber o que é; nesse caso, não sendo dotado de reflexão, não seria espiritual nem humano. Por igual motivo, uma Instituição, obra do espírito, organizada em torno de uma idéia que ganhou corpo no mundo social, não pode ignorar o que é. Talvez fosse necessário reformular a pergunta para entender que a indagação sobre “o que somos” se refere ao que “devemos ser”, ao comparar nossa existência empírica com nossa essência ideal. Realmente, a maneira indicada para responder à pergunta específica sobre o que realmente somos seria uma pesquisa empírica, um levantamento, o quanto possível exaustivo, de nossas atividades, projetos e avaliação. Mas, quando se fala da “identidade” ou “natureza” da universidade católica ou inaciana, trata-se da essência ideal, do seu conceito normativo. Contudo, por que surge, agora, essa preocupação com nossa identidade? Quando se criavam universidades, é de supor que seus fundadores sabiam o que estavam fazendo: criavam uma instituição, isto é, instituíam ou estruturavam uma idéia no mundo social. Portanto, há sempre uma reflexão implícita na própria estrutura de uma universidade: uma idéia geratriz, que deu motivação e lineamentos para sua constituição. Mas essa idéia é antes vivida do que explicitamente formulada: torna-se uma segunda natureza, uma atitude natural e espontânea. O fato de que uma instituição se preocupe tanto em indagar sobre sua natureza parece indicar que atravessa uma crise de identidade, ou pelo menos, que enfrenta novos desafios não previstos por seus fundadores. As mudanças de época, de paradigmas, de referenciais que abalam os fundamentos de uma cultura, repercutem em todas as suas instituições. É isso o que se ganha em ter suas raízes no tempo: crescer como um projeto histórico é também sofrer as vicissitudes da história.

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Muita transformação sacudiu os fundamentos de nossa cultura atual. Na esteira de nossa modernidade, vieram o laicismo, o cientifismo, o secularismo, o ateísmo que atingiram com toda a sua força sobretudo o meio universitário. O pragmatismo, a cobrança de resultados e de produtividade, a onipresença do mercado e da sua “racionalidade econômica”, instrumental, o espírito de competição, a tecnocracia que tudo invade não oferecem atmosfera propícia aos ideais humanistas das nossas universidades. Aliás, o humanismo, que teve seu destino ligado ao das universidades, é hoje rejeitado e mesmo levado ao ridículo pelos novos “donos do saber”, pelos pós-modernos de todo tipo. Assim, nessa grave crise de cultura, é normal que as Universidades Católicas entrem em crise de identidade e indaguem qual é seu papel e projeto num mundo tão avesso a seus ideais. Não esquecemos o frêmito de expectativa e de esperança que, na aproximação do novo milênio, levou a Igreja e a Companhia de Jesus a essa reflexão sobre a identidade de suas universidades, e sobre o papel que tinham a desempenhar nos novos tempos. E essas buscavam, no aprofundamento de sua identidade e essência, a maneira certa de enfrentar o futuro: renovar o seu carisma para serem realmente atuais. Não se tratava de compromisso ou de acomodações com modas passageiras, mas de uma renovação interior, de uma volta às fontes germinais de sua vida e de seu ideal.

O carisma inaciano O Pe. Geral da Companhia, Hanz Kolvenbach, busca, na espiritualidade inaciana, as características que devem marcar nosso ensino superior. Lembra que ainda as Constituições de 1541 proibiam a Companhia “de ter estudos ou lições”. Mas, pouco depois, os Colégios eram fundados no ritmo de 4 ou 5 por ano, e, quando Inácio, fundador da Companhia morreu, havia mais de 30 Colégios


e apenas 2 casas professas, que, aliás, na idéia inicial, deveriam ser o domicílio típico dos jesuítas. Como explicar essa mudança de rumo? É que o carisma fundamental de S. Inácio era “o desejo de servir sua Divina Majestade”, o “desejo da maior glória e serviço de Deus nosso Senhor e o bem universal, que é o único fim que nessa e nas outras coisas se pretende”. Quando Inácio descobriu que o “magis” ou “a maior glória de Deus” estavam nesse “ministério instruído”, não hesitou em mudar de rumo, por fidelidade ao seu carisma. Sede do Instituto Jesuíta de Boston - EUA

O Pe. Geral resume o carisma inaciano em três pontos: “a ajuda às almas, a maior glória de Deus e o bem universal. E são esses também o motivo fundamental do compromisso da Companhia com a educação. O porquê e o para que de nossas universidades, e o sentido profundo do trabalho que jesuítas e leigos nelas cumprem estão ancorados nessa visão de Inácio”.

A Fé e a Justiça Mas, em várias de suas “Alocuções”, o Pe. Kolvenbach caracteriza a universidade inaciana por sua missão, expressa no Decreto 4º da Congregação Geral 32: “Ser Universidade da Companhia é agir em harmonia com as demandas do Serviço da Fé e Promoção da justiça”. Noutro lugares, acrescenta, em alusão à célebre frase do Pe. Arrupe: “formar homens para os demais”, e assim, a “pessoa completa que a Companhia deve formar para o amanhã deve ser educada para a solidariedade”. Pe. Kolvenbach tem frases memoráveis sobre a promoção da justiça. “Diante de necessidades apostólicas radicalmente novas, a C.G. optou por inspirar, ensinar e mesmo, profetizar. Usou o termo de “promoção” com sua conotação de uma estratégia bem planejada para fazer o mundo justo. A Congregação comprometeu a Companhia com a promoção da justiça, como resposta concreta, radical, mas proporcionada a um mundo que sofre de injustiça”. E, em outro lugar: “Com uma paixão tão inspiradora quanto desconcertante, a C.G. cunhou a fórmula “o serviço da fé e a promoção da justiça” e a utilizou para que toda obra da Companhia e todo jesuíta em particular fizesse uma opção que deixava pouca escapatória aos corações pusilânimes. Como o Pe. Arrupe percebeu muito bem, seus jesuítas estavam entrando, como coletivo, em um caminho mais duro da cruz, que suscitaria, sem falta, incompreensões e oposições da parte das autoridades civis e eclesiásticas, de bons amigos e até de alguns companheiros nossos. Hoje, 25 anos mais tarde,

essa opção se converteu em elemento integrante de nossa identidade jesuíta, da consciência de nossa missão, e de nossa imagem pública, tanto na Igreja, como na sociedade”. O Pe. Geral aplica essa exigência da Companhia à situação dos países que visita e à atualidade de nossa época. Assim, tem análises muito fortes do monetarismo neoliberal (que alguns chamam “economia autista”), sobre “A Academia e o Mercado”, além de uma crítica cerrada aos danos da globalização na sua forma atual: “Não pode ser de Deus converter o mercado e o interesse econômico como motor único da sociedade. Os espantosos resultados da globalização econômica, tal como se está implantando, à margem de toda ética, saltam à vista: desumanização, individualismo, falta de solidariedade, fragmentação social, aumento da distância já existente entre ricos e pobres, exclusão, falta de respeito aos direitos humanos, neocolonialismo econômico e cultural, exploração, deterioração do meio ambiente, violência, frustração. Sem falar da “conexão perversa” da globalização com o crime: tráfico de seres humanos, de armas, de drogas, exploração da mulher e do sexo, trabalho infantil, manipulação da mídia, máfias de todo tipo, terrorismo, guerra e desvalorização da vida humana”. Esta é a preocupação do Geral: fazer que nossa missão de “promover a justiça” não seja abstrata nem retórica, mas se faça de dentro das estruturas reais do mundo atual. “É preciso dar todo o seu sentido ao termo “universitário” com a ajuda da filosofia. Porque a Universidade, como Universidade, como unidade e coerência das ciências, de todas as ciências, nunca está acabada: é uma tarefa sempre aberta às noções de responsabilidade e de liberdade dos que se chamam universitários. A Universidade, como universal do saber, subsistente em si mesmo, não existe; há de ser criada e recomeçada sempre, “universalizando” as ciências particulares, que são as únicas que

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existem. Já Newman protestava contra uma concepção da Universidade como uma recuperação quantitativa de todos esses saberes particulares que se ensinam no campo universitário: a universidade vive da produção da unidade, relativizando cada um dos saberes em relação ao universal e assegurando a relação entre os diversos saberes. Mas a universidade não pode manter esse movimento para o universal senão à medida que os responsáveis – todos os universitários – considerem seu saber, sua especialização e sua particularidade com um estilo e uma atitude fundamental que se orienta para a universalidade do próprio homem, de sua sociedade e de seus valores”.

Universidade para o Terceiro Milênio Identidade e missão são dois temas inseparáveis, pois como diziam os escolásticos, “operari sequitur esse”. Muitos desses artigos são variações em torno do mesmo tema; o de nossa identidade, tanto católica, quanto jesuíta, que procuramos analisar sob vários enfoques; e de nossa missão frente aos desafios do mundo de hoje e na preparação do mundo de amanhã. Ao mesmo tempo, tivemos a preocupação com esse mundo de tecnologia que se torna absorvente, e mostramos a importância do humanismo, da ética, da cidadania para a formação de nossos alunos e professores, pois a opção da educação jesuíta foi sempre o homem integral, e quanto mais avança o pesadelo do “homem unidimensional” e da “razão puramente instrumental”, maior deve ser nosso empenho de testemunhar em favor do ser humano feito à imagem de Deus, e “glória de Deus” como dizia Sto. Irineu. Um dos capítulos desenvolve o tema central: “Os valores irrenunciáveis sobre os quais deve girar o modelo universitário inaciano”, que caracterizamos em cinco pontos: Humanismo; “Cura personalis”; Busca da melhor qualidade; Fidelidade à Igreja; Serviço da Fé e Promoção da Justiça. — Por humanismo, entendemos uma formação humana integral, pois o ideal do homem abrange a formação do caráter, sólidos princípios éticos, magnanimidade, fortaleza, domínio próprio. — A “Cura personalis” é um princípio que deriva diretamente dos Exercícios para a pedagogia inaciana, e que a “Ratio studiorum” aplicou a nossos colégios com um êxito extraordinário. — A busca da melhor qualidade é o “magis” inaciano aplicado ao plano acadêmico, sua aspira-

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ção à excelência, que tem marcado a história de nossas instituições e que permanece ainda hoje um ideal, na diversidade dos países e no desigual desenvolvimento das sociedades. — Fidelidade à Igreja de Cristo. Para S. Inácio, amar e servir a Igreja era amar e servir a Cristo: a Igreja era a presença de Cristo na história e a vida humana não tinha sentido fora do plano de Deus, a saber, recapitular todo o universo em Cristo. Assim, para Inácio, a atividade pedagógica dos jesuítas seria vã, se não formasse verdadeiros cristãos. — Serviço da Fé e Promoção da Justiça. Depois das alocuções do Pe. Kolvenbach, não pode haver mais dúvida de que o Serviço da Fé e a Promoção da Justiça são “valores irrenunciáveis” das universidades inacianas, como de toda e qualquer obra da Companhia. Mas entre essas obras, as universidades têm uma tarefa especial em matéria de Fé e de Justiça: a elas compete esclarecer em que consiste esse serviço da Fé, e tomar sua defesa contra os que a rejeitam ou ignoram, como também definir a justiça nas condições concretas da sociedade e da época, e pesquisar as maneiras eficazes de sua promoção. Em nosso livro, voltamos muitas vezes e de várias maneiras a discutir esse ponto essencial, tratando das “Características da Educação Superior jesuíta”, e da “Pedagogia universitária e formação integral”. Analisamos detidamente o Documento da Ausjal “Desafios da América Latina e Proposta Educativa da Ausjal”, que se propõe inserir nosso projeto universitário inaciano nas condições concretas da América Latina. Em várias ocasiões, tentamos fazer passar para nossos alunos e professores o que uma universidade inaciana espera deles, e quais os objetivos reais de nossa atuação. Enfim, nosso trabalho é escrito sob o signo da esperança: confiamos em Deus e no idealismo de nossos professores e alunos que o terceiro milênio, em que vivemos seja a ocasião de colhermos os frutos de toda essa conspiração de inteligências e de liberdades que tentaram criar nossas universidades jesuítas: essa tarefa comum, de diálogo e de comunicação fraterna dos nossos conhecimentos e de nossas aspirações, “para a maior glória de Deus”. Pe. Theodoro Peters,S.J. (Texto retirado do artigo do Pe. Theodoro Peters, S.J., então reitor da UNICAP e presidente da FCA, sobre Identidade da Universidade Católica e Inaciana. A íntegra do texto pode ser encontrada no site www.ucu.edu.uy/Semausjal.)


MEDIANEIRA

Alunos da turma de 1974 no jantar de comemoração dos 45 anos do Colégio Medianeira

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