Revista Mediação - Número 04

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NÚMERO 4 • ANO II ISSN 1808-2564 revista de educação do colégio medianeira

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Diretor Pe. Raimundo Kroth, S.J. Vice-diretor Prof. Adalberto Fávero Coordenador Administrativo e Financeiro Gilberto Vizini Vieira Coord. Comunitário e de Esporte Prof. Francisco Alexandre Faigle Coordenação Editorial e Revisão Luciana Nogueira Nascimento (MTB 2927/82v) Nilton Cezar Tridapalli Projeto Gráfico e Diagramação Sonia Oleskovicz

ISSN 1808-2564

revista de educação editada e produzida pelo colégio medianeira

A nova praça da cidade ou apenas o Orkut? CWandelei José Deina ............................................................................................................................... 5

Ensino da Língua Portuguesa – A Universidade e a Realidade da Escola RFabiano Pinkner Rodrigues ...................................................................................................................... 8

Sujeitos Leitores

Ilustração da Capa Marcelo Sanches

Nilton César Tridapalli ................................................................................................................................ 13

Fotografias Arquivo Medianeira Arquivo FyA

Biodiversidade e Diversidade Química

Colaboraram nesta edição Cesar Guimarães dos Santos, Elenir Almeida Santos, Fabiano Pinkner Rodrigues, Francisco Carlos Rehme, Leonora Mª. Antunes Comegno, Luciane Hagemeyer, Marcelo Cambraia Sanches (ilustrações), Nely Brasil, Nilton Cezar Tridapalli, Pe. Domingos Chagas, Rafael Riva Finatti, Wanderlei Deina. Tiragem 3.000 exemplares Papel Reciclato Suzano 90g/m2 (miolo) Reciclato Suzano 240 g/m2 (capa) Número de Páginas 60 CTP SERZEGRAF Impressão e Acabamento SERZEGRAF EQUIPE PEDAGÓGICA Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1ª à 4ª séries Coordenadora Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro Ensino Fundamental de 5ª e 6ª séries Coordenadoras Profª Eliane Zaionc (manhã) Profª Carolina Queiroz Lopes de Araújo (tarde) Ensino Fundamental de 7ª e 8ª séries Coordenador Prof. Marcelo Pastre

Leonora Maria Antunes Comegno ............................................................................................................ 18

A riqueza singular da aula de campo Francisco Carlos Rehme ............................................................................................................................. 23

“O sonho obriga o homem a pensar” Elenir Almeida Santos ................................................................................................................................ 25

Um girassol por entre as coisas Luciane Hagemeyer ..................................................................................................................................... 32

O Santo e a Semana Santa Rafael Riva Finatti ......................................................................................................................................... 37

O impacto das embalagens no Meio Ambiente Nely Brasil ...................................................................................................................................................... 42

Fortalecimento do Sonho – Jubileu da Fundação Fé e Alegria do Brasil Pe. Domingos Chagas, S.J. ........................................................................................................................ 46

Reflexão cotidiana de um Segurança César Guimarães dos Santos ..................................................................................................................... 50

Ensino Médio Coordenador Profª Roberta Uceda Vieira Coordenador de Pastoral Prof. Edilson Ribeiro Centro de Espiritualidade Prof. Fernando Guidini Comunicação e Marketing Luciana Nogueira Nascimento

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.

Marcelo Cambraia Sanches - Professor de Portuguès e Literatura do Colégio Medianeria

BR 476, Km 130, nº 10546 Prado Velho • Curitiba • Paraná fone 41 3218-0000/ fax 41 3218-8040

E R R ATA

www.colegiomedianeira.g12.br www.colegiomedianeira.com.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br

O número 2 da Revista Mediação trouxe em seu sumário o artigo intitulado “Educação Física à luz de uma formação cristã”. O título correto é “Educação Física à luz de uma formação cidadã”. O autor do artigo, Kleber Klos, apareceu como mestrando em Educação pela UFPR (página 40); na verdade, ele é mestrando em Educação pela PUCPR

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Mudar é difícil mas é possível. A frase que Paulo Freire repetiu insistentemente quando se referia à Educação, pode ser aplicada à discussão sobre a leitura como um importante instrumento de transformação do mundo. Para Freire “o homem se insere num processo permanente de esperançosa busca. Este processo é a Educação”. E nela está obrigatoriamente o hábito de ler, em todas as suas fases. Da decodificação de símbolos e signos, à interpretação poética e literária, à leitura crítica que constrói nossa concepção de mundo, de ser humano, de realidade. Lemos apenas por ler? Nosso hábito de buscar um livro se dá na obrigatoriedade? Os pais lembram-se de estimular nos filhos a rotina da leitura ou lembram-se de despertá-la contando histórias de livros interessantes? É por meio da leitura e da escrita que nos alfabetizamos, aprimoramos nosso jeito de escrever, complementamos nossas experiências de vida, qualificamos nosso conhecimento, refinamos a sensibilidade, o senso crítico e nossos valores de vida. Ainda assim a escola precisa de argumentos para estimular o aluno a ler. O papel do educador diante da leitura passa pela poesia, pela gramática, pela essência da língua portuguesa. Na música há leitura. Na entrevista. No teatro. Mas como ler ou interpretar ou formular escolhas para o que vem pronto, determinado e imposto? A experiência de vida, a educação e

a leitura nos fornecem meios para realizar nossas opções. Além de um tratado ou uma defesa incondicional à leitura, inspirada na realização da Semana da Leitura e da Feira do Livro do Colégio Medianeira, realizadas como estratégias do Projeto Sujeitos Leitores que procura estimular o gosto pela leitura e pela escrita nos alunos, esta edição de Mediação traz para o leitor o mundo virtual das relações interpessoais, em uma análise do ambiente do Orkut. O leitor também vai conhecer Milton Santos, um ícone do pensamento contemporâneo, que fez de seu conhecimento sobre geografia, urbanismo e política, um instrumento para a realização do sonho de um mundo mais fraterno, mais humano. Outro geógrafo, o professor Francisco Rehme, nos traz exemplos de como falar da disciplina e conquistar o aluno por meio das aulas de campo, do contato físico com o conteúdo trabalho em sala, do despertar para a realidade ambiental do planeta. Teremos também uma explicação sobre a tão comentada Biodiversidade e suas implicações durante a realização das conferências da ONU em Curitiba, em março deste ano. Enfim, o universo do conhecimento, da educação e da leitura, nos apresenta em cada linha, em cada palavra e a cada interpretação que é mesmo difícil, mas é possível mudar. Boa leitura. E ela possa influenciar um pouquinho o seu jeito de ver o mundo.

Luciana Nogueira Nascimento

Prezados professores e editores da revista Mediação Parabéns mais uma vez ao Colégio Nossa Senhora Medianeira, por mais um exemplo de excelência humana e acadêmica. A publicação do livro De Abraços dados e da revista Mediação refletem o compromisso de valores e princípios que a família Medianeira assumiu para com a sociedade. São esforços como este que hoje fazem a diferença no sonho e na busca de um mundo mais justo e humano. É essa educação e sensibilização dos alunos acerca dos problemas comuns que os tornarão sujeitos pensantes e não simples peças de um jogo cruel.” Gabriel Ribeiro de Souza Lima - Ex-aluno (2004) - Acadêmico de Direito da Faculdade de Direito de Curitiba.

Caro leitor, escreva para a revista Mediação enviando seus comentários sobre as matérias e artigos lidos aqui. Não deixe de participar. Mande sua mensagem para nilton@colegiomedianeira.g12.br ou

mediacao@colegiomedianeira.g12.br 4


A nova praça da cidade

ou apenas o

ORKUT? Por Wanderlei Deina

O Orkut, verdadeira febre principalmente entre os jovens e adolescentes, faz despertar uma importante reflexão a respeito das noções de “público” e de “privado” nos dias atuais.

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A nova praça da cidade não ocupa um espaço físico, não tem árvores e nem sombra. Não tem parquinho, onde as crianças se divertem e nem tem bancos onde os casais namoram. Não que os casais não namorem, mas já não namoram como num passado que já parece “antigamente”. Não que não haja crianças, mas sua diversão já não está mais nos parquinhos. A nova praça da cidade, como pensam seus freqüentadores, ficaria dentro de uma máquina que parece tão pequena, mas que na verdade tem extensão do mundo todo. Não parece praça, mas é! Não parece pública, mas é! Não é pública no sentido de que pertence a todos. É pública apenas porque reúne um público maior do que todas as outras praças que, com a construção da nova, ficaram até fora de moda. Fora de moda também ficaram os que na nova praça não podem entrar. A nova praça da cidade, apenas por ter mais público, parece que é mais pública que todas as outras que têm fonte onde as pessoas jogam moedas para fazer os seus pedidos de esperança. No entanto, na nova praça não há tanta esperança, mas mesmo assim as pessoas jogam moedas. Poderia haver, mas as pessoas acham que a esperança está nas moedas e não percebem que, na verdade, é na praça que ela está. A nova praça da cidade como toda praça nova tornou-se popular. Muitos dos que a freqüentam, apenas freqüentam para aproveitar a sua popularidade. “Por quê”, “por o quê” ou “com quem” ser popular, não importa. Os fins justificam os meios e os meios justificam os fins. A nova praça da cidade é gigantesca, tem o tamanho do mundo e deveria ter lugar para todos os que nele vivem. Mas

todos não podem freqüentá-la. E muitos de todos que a freqüentam querem apenas o centro. Por isso se digladiam uns contra os outros. Por isso destroem-se uns aos outros. Não percebem que a praça não tem centro, pois o centro do mundo está em todos os lugares. A nova praça da cidade está aberta para todos, mas nem todos podem freqüentá-la. Para muitos, para aqueles que não têm moedas para jogar na fonte, é uma praça interditada. Como não têm teclado e não têm mouse e muito menos têm conexão de banda larga, ficam do lado de fora da praça sem sequer poderem vê-la. Mesmo assim, algumas pessoas que freqüentam a praça conseguem depredar até quem não está na praça, quem ficou do lado de fora. E por não poder freqüentá-la, a maioria nem tem a chance de saber que está sendo depredada. A nova praça da cidade, por não ter espaço físico, por não ter árvores e nem sombra, poderia até não ser depredada como as praças tradicionais. Seus freqüentadores pensam que é uma praça feita apenas de mouse, de teclado e de conexões de banda larga. Seus freqüentadores pensam, por isso, que estariam “protegidos” de qualquer tipo de depredação. Acreditam ser a praça, apenas, “virtual” e por isso muitos perderam o próprio “senso do real”. A nova praça da cidade não tem coreto onde as pessoas fazem os seus discursos. Mas mesmo assim existem discursos que podem atingir o mundo inteiro, freqüentadores e não freqüentadores da praça. Poucos desses discursos são políticos numa concepção elevada de política. Qualquer um fala qualquer coisa sem medir quaisquer conseqüências para a praça. A razão que estava nos discursos da praça de Atenas quase não entra na nova praça em nome da “liberdade de expressão”. É por isso que, na nova praça, a razão tornouse tão antiga quanto à própria Antiga Atenas. A nova praça da cidade poderia ser grandiosa como a ágora de Atenas, mas prefere ser pequena e segregar ao invés de aproximar. Alguns de seus freqüentadores, ávidos amantes da “liberdade” cultuam-na de uma forma excessivamente

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PRÁTICAS MIDIÁTICAS E ESPAÇO PÚBLICO apaixonada, tornando a praça perigosa. Nunca leram Cecília Meireles ou Jean-Paul Sartre, freqüentadores de outras praças de um passado no qual não havia tanta “liberdade”. Mesmo vivendo num passado reacionário, conseguiam compreender, perfeitamente, o significado da palavra liberdade. Não eram adolescentes apaixonados pela liberdade, mas amavam-na sublimemente. Sabiam perfeitamente que a esperança não está nas moedas ou na fonte e nem na própria praça, em si mesma. Sabiam perfeitamente que “a praça são as próprias pessoas”.

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ANTÔNIO HOHLFELDT HOHLFELDT,, ANTÔNIO FAUST O NET O, JOSÉ LUIZ AID AR FAUSTO NETO AIDAR PRADO E SÉRGIO DA YRELL PORT O DAYRELL PORTO EDIPUCRS - PUCRS Este volume enfeixa uma parte dos trabalhos apresentados no IX Encontro da Compós, associação que reúne os Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de todo o Brasil, e que ocorreu em maio-junho de 2000 na Famecos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. A primeira parte do livro abre uma discussão sobre a comunicação e o espaço público na era da globalização - ponto de vista epistêmico e crítico. A segunda parte aborda as práticas midiáticas, analisando o jornalismo e o imaginário na mídia - telejornais, fotografia, produção de sentido na mídia impressa.

TENSÕES CONTEMPORÂNEAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIV ADO PRIVADO GILBERT O DUP AS GILBERTO DUPAS Editora Paz e Terra Gilberto Dupas investiga algumas das crescentes inquietações provocadas pelas novas realidades sociais, políticas e econômicas deste início de século, após os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Aborda as tensões contemporâneas entre os indivíduos, o Estado e a sociedade, além de explorar os dilemas da liberdade, pressionada dentro dos limites cada vez mais confuso entre o espaço público e o privado.

O PÚBLICO E O PRIV ADO NA EDUCAÇÃO PRIVADO MÁRCIO DA COSTA Editora Xamã

Wanderley José Deina é mestrando em Filosofia da Educação pela USP e Professor de Antropologia na 1a. série do ensino Médio do Colégio Medianeira.

Resgatar as raízes do verdadeiro humanismo, debater a questão de novos paradigmas e buscar uma relação diferente entre ciências e fé, visão de mundo e visão de Deus; atento a o que dizia Einstein ‘A ciência sem a religião é imperfeita, a religião sem a ciência é cega’.

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Ensino de

LĂ?NGUA

PORTUGUESA

a universidade e a

REALIDADE DA ESCOLA Por Fabiano Pinkner Rodrigues

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Ao contrário do que muitas escolas pensam, a educação fundamental e média não deve pautar sua educação exclusivamente nos conteúdos programáticos dos vestibulares. Eles não são prescritivos, nem tampouco compostos por conteúdos fixos. E quem diz isso é a própria universidade.

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A escola geralmente é vista como irmã menor (ou filha) da universidade. Isso porque se espera da primeira autonomia, mas sempre “vigiada” pela segunda. Ou seja, a escola ensina algo que a universidade pesquisa, desenvolve de forma mais aprofundada. Dessa forma, as disciplinas escolares estão sempre esperando um direcionamento de suas irmãs mais velhas (ou mães) para poderem se adaptar e inovar. Caso contrário, a impressão que se tem é a de que nada na escola muda, pois no interior dos muros escolares o que prevalece é a estagnação. Educadores e educandos vivem num mundo próprio, isolados, e que, por isso mesmo, precisam, de tempos em tempos, receber oxigênio. A concepção de escola como puro e simples agente de transmissão de saberes elaborados fora dela está na origem da idéia, muito amplamente partilhada no mundo das ciências humanas e entre o grande público, segundo a qual ela é, por excelência, o lugar do conservadorismo, da inércia, da rotina. Por mais que ela se esforce, raramente pode-se vê-la seguir, etapa por etapa, nos seus ensinos, o progresso das ciências que se supõe ela deva difundir”. 1 André Chervel

Os estudos realizados em educação no campo de pesquisa da história das disciplinas escolares

têm contribuído para mudar essa visão simples e determinista e enriquecer a discussão. Através do auxílio desse campo de pesquisa, o objetivo do artigo é refletir sobre uma realidade que exemplifica muito bem essa complexa relação entre escola e universidade: o vestibular e as propostas de ensino de cada escola. Nesse caso, a universidade que servirá como referência será a Universidade Federal do Paraná. Sua escolha é fruto de um documento elaborado pela instituição e que, na verdade, motivou a escrita desse artigo. Apesar de ser apenas um processo seletivo, entende-se que, por ser uma avaliação elaborada pela UFPR, ela deva refletir o que as escolas priorizam em seus programas. Ou, esse processo irá avaliar se as escolas estão cumprindo seu papel corretamente. As provas no vestibular irão verificar se as disciplinas estão ensinando seus conteúdos corretamente. É novamente André Chervel quem diz: Na opinião comum, a escola ensina as ciências, as quais fizeram suas comprovações em outro local. Ela ensina a gramática porque a gramática, criação secular dos lingüistas, expressa a verdade da língua; ela ensina as ciências exatas, como a matemática, e, quando ela se envolve com a matemática moderna é, pensa-se, porque acaba de ocorrer uma revolução na ciência matemática; ela ensina a história dos historiadores, a civilização e a cultura latina da Roma antiga, a filosofia dos grandes filósofos, o inglês que se fala na Inglaterra ou nos Estados Unidos, e o francês de todo o mundo. 2

Segundo Chervel, a idéia que se tem da escola é que ela é responsável, entre outras coisas, por repassar de forma “filtrada” as ciências que são estudadas nas universidades. Como senso comum, entende-se que as disciplinas escolares são “filhas” diretas de suas correspondentes ciências. Sendo assim, elas estariam, desde a sua origem, ligadas a elas, sofrendo, desse modo, conseqüente influência das mudanças que nelas ocorrem. Ficaria então para a escola a tarefa de desenvolver métodos que possibilitem a transmissão dos conhecimentos desenvolvidos pelas universidades. Segundo Chervel, é nesse campo que se insere o trabalho dos pedagogos.

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Para ele, essa visão não corresponde à realidade das disciplinas escolares. O exemplo da história da gramática escolar mostra, contudo, que a prova pode ser fornecida. A escola ensina, sob esse nome, um sistema, ou melhor, uma combinação de conceitos mais ou menos encadeados entre si. Mas três resultados da análise histórica impedem definitivamente que se considere essa matéria como uma vulgarização científica. Ela mostra, primeiro, que contrariamente ao que se teria podido acreditar, a ‘teoria’ gramatical ensinada na escola não é a expressão das ciências ditas, ou presumidas ‘de referência’, mas que ela foi historicamente criada pela própria escola, na escola e para a escola. O que já bastaria para distingui-la de uma vulgarização. Em segundo lugar, o conhecimento da gramática escolar não faz parte – com exceção de alguns conceitos gerais como o nome, o adjetivo ou o epíteto – da cultura do homem cultivado. 3

A idéia de que a escola é um espaço de iniciação, de apresentação simplificada das ciências de referência, não pode ser considerada. Isso porque essa visão retira toda a autonomia das disciplinas escolares, transformando-as em formas pedagógicas de transmissão de conhecimentos mais complexos e profundos. É como se toda atividade desenvolvida nas universidades (e por elas, como é o caso do vestibular) tivesse impacto direto nas salas de aula das escolas. No caso da análise realizada por Chervel, ele leva em consideração a história do ensino de língua francesa nas escolas da França. E verifica que os objetivos desse ensino possuíam como raiz o ensino da ortografia. Portanto, não havia nenhum projeto de vulgarização dos saberes acadêmicos. A UFPR divulgou um documento em 2006 para tentar esclarecer algumas questões que são colocadas pelas escolas e pela comunidade em geral sobre o processo seletivo realizado pela universidade. Esse documento prioriza a prova de língua portuguesa. Isso porque, com o novo modelo adotado pela instituição, o bom desempenho nessa avaliação é determinante para a aprovação no processo. Aqui será priorizada uma das questões – a que justamente discute a relação da prova com os conteúdos trabalhados pelos diversos colé-

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gios. Alguns trechos servirão de ilustração de como o senso comum confunde o projeto da escola como sendo algo vinculado ao da universidade. E de que forma a UFPR vem tentando encaminhar essa questão. A pergunta é: “Qual o papel do vestibular no direcionamento do ensino básico? Se o vestibular privilegia leitura e escrita, as escolas devem se restringir também a esse conteúdo na disciplina de Língua Portuguesa?”. E aí podemos perceber que se quer vincular o projeto de ensino de língua materna à prova do vestibular. A escola é um espaço independente, com características e objetivos diversos dos da universidade. Seus educadores e educandos, assim como os diversos agentes sociais que nela atuam, têm projetos muito mais amplos do que a simples aprovação num processo seletivo. A história da escola e das suas disciplinas não pode ser apagada em troca de um sucesso em uma situação isolada, no interior de um contexto político e social também único. Pode-se pensar que as mudanças propostas pela UFPR na prova de língua portuguesa e redação sejam conseqüências dos estudos realizados pela Lingüística – na própria universidade e em outros centros lingüísticos. Dessa forma, a disciplina de língua portuguesa nas escolas deve se adaptar a essa realidade. Porém, isso também não pode ser concebido. O projeto de ensino de língua materna na escola atende a outros objetivos e tem sua história própria. Ele até dialoga com os estudos lingüísticos, mas não se pode criar uma relação de causa e conseqüência, ou pura submissão. A universidade, diante da pergunta, esclarece muito bem o problema apresentado: Está na hora de se entender que o Processo Seletivo olha para frente. Não tem o objetivo de dar alguma forma de validação a tudo o que foi ensinado no Ensino Médio. Nem tem o objetivo de incluir tópicos ou áreas para que os candidatos se sintam motivados a estudá-los, no espírito daquela pedagogia atrasada de que o aluno deve estudar isto ou aquilo “porque vai cair na prova”. As boas escolas, as que têm identidade pedagógica própria, sabem o que devem ensinar para dar aos jovens uma sólida formação. O que a universidade deve fazer é valorizar no seu Pro-


do que pretendemos aferir nas questões da prova de seleção. Em momento nenhum dissemos que não se deve ensinar gramática. Ao contrário, muitos de nós defendemos que a gramática, dependendo da forma como é entendida, tem um papel importante no ensino de língua. A prova do vestibular simplesmente aponta para um perfil e a escola tem a autonomia para decidir como se chega lá. O maior ou menor interesse do aluno pela disciplina advém da forma como esse caminho é construído na escola e não da forma como o vestibular é elaborado. Transferir essa responsabilidade para o vestibular é um meio de mascarar o problema. Pensar o ensino de língua portuguesa (e das demais disciplinas) nas escolas e verificar se existe alguma ponte com os estudos realizados nas universidades e com seus processos avaliativos exige alguns cuidados.

cesso Seletivo os conhecimentos e habilidades que julga mais importantes para a vida universitária do futuro aluno.

A realidade da universidade é outra. Sua proposta, objetivos, não coincide com o da escola. Não se pode perder de vista que elas possuem histórias separadas e projetos diferenciados. Querer, por exemplo, que as séries do ensino fundamental recebam como proposta pedagógica algo que seja centrado nas provas realizadas pelos mais diversos vestibulares é desfigurar o papel educativo (numa perspectiva ampla) que cabe à escola. A universidade deseja selecionar o leitor competente que domina a língua padrão e sabe organizar alguns gêneros textuais com relativa desenvoltura. Toda escola tem ou pelo menos deveria ter a obrigação de fazer com que os alunos, ao término do ensino médio, tivessem essas condições, independentemente de seu desejo de cursar o ensino superior. O caminho para fazer com que os alunos cheguem lá com esse perfil é uma prerrogativa de cada escola, que deve traduzir isso no seu projeto pedagógico, instrumento que lhe confere maior ou menor grau de identidade. Se a escola alcança essa meta trabalhando exclusivamente com o texto ou se prefere ensinar gramática, é uma decisão que cabe somente a ela. Para nós, o que importa é o resultado e é esse resulta-

A escola dialoga não só com a universidade, mas com as demais esferas da sociedade, que lhe cobram também bons resultados, assim como no vestibular. O bom rendimento em uma avaliação no final do ensino médio é fruto de um projeto bem fundamentado por parte da escola. E essa é apenas uma das conseqüências do trabalho desenvolvido por ela. Até porque os caminhos que os diversos estudantes – cidadãos e cidadãs – irão tomar após o período escolar são variados. Ainda mais quando se sabe que a realidade social do Brasil não permite nem a escolha para sua população. Cursar ou não uma universidade é uma opção para uma pequena parcela. A maioria tem na escola sua base educacional para o restante da vida. E daí o vestibular se transforma em nada.

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Portanto, qualquer escola, pública ou particular, que centrar seus esforços para se adequar ao que as universidades cobram em seus processos seletivos, estará deixando de lado uma série de responsabilidades que a sociedade também espera que ela cumpra. E, mais tarde, o sucesso nesse momento isolado pode até acontecer, mas os fracassos nos demais espaços sociais encobrirão essa triste alegria. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Fabiano Pinkner Rodrigues é professor de Língua Portuguesa do Colégio Medianeira na 6a. série do Ensino Fundamental e no 3o. ano do ensino Médio. É formado em Letras pela Universidade Federal do Paraná, instituição pela qual é também mestrando em Educação.

A LINGÜÍSTICA E O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA RODOLFO ILARI Editora Martins Fontes Os seis artigos reunidos nesta coletânea procuram responder a uma mesma pergunta - pode a lingüística contribuir para o aperfeiçoamento do ensino da língua materna? Para o autor, dentro de certos limites, é possível criar em sala de aula situações propícias para usos e registros diversificados e utilizar, em todos os níveis, exercícios de expressão escrita e falada, em que se visam especificamente os objetivos de coesão textual e controle de informatividade.

PESQUISA NA ESCOLA O QUE É, COMO SE FFAZ AZ MARCOS BAGNO Editora Loyola

1 CHERVEL, André. 1990. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria Educação, Porto Alegre, n. 2, pp. 182. 2 CHERVEL, André. 1990. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria Educação, Porto Alegre, n. 2, pp. 180. 3 CHERVEL, André. 1990. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria Educação, Porto Alegre, n. 2, pp. 181.

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‘Pesquisa na escola’ se divide em duas partes - a pesquisa na escola em geral, e algumas sugestões para transformar a atividade de pesquisa numa verdadeira fonte de aquisição de conhecimento; e a tentativa de introduzir a atividade de pesquisa também naquela disciplina que, ao lado da matemática, é considerada a mais importante - língua portuguesa. As idéias expostas ali são bastante diferentes do que tradicionalmente se lê e se ouve a respeito das questões gramáticas.


Sujeitos

LEITORES

Por

Nilton

Cezar

Tridapalli

Leitura, leitura, leitura. Essa palavra tem ecoado nos diversos cantos dos artigos, entrevistas, reportagens, estatísticas. Por que, afinal, ela é tão importante? Seria apenas um passatempo, ou seja, para quem tem tempo para se distrair? É apenas entretenimento, igual à TV, rádio, internet? 13 13


Talvez a imobilidade das coisas ao nosso redor lhes seja imposta pela nossa certeza de que tais coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade de nosso pensamento em relação a elas. (Marcel Proust. No caminho de Swann: em busca do tempo perdido)

O

Os olhos são os únicos que, muito sutilmente, se movem. Na aparente paralisia que envolve os companheiros livro e leitor, sustentados pelo fio invisível que liga o olho à palavra, o germe da mudança se instala. Um livro, um mundo. Um leitor, um mundo. E na confluência, no conflito entre os mundos, um outro mundo ainda, terceiro, começa a se misturar aos anteriores. O mundo do livro se modifica, ganha sentidos no atrito gerado pela entrada sorrateira do mundo trazido com a experiência do leitor. Da mesma forma, o mundo do leitor também se altera, porque agrega e se deixa infiltrar por uma cosmovisão que interage com suas formas de ver a realidade que o cerca. Duelo e partilha. Choque e harmonia. Angústia e alegria. É assim que as coisas são? Sim e não.

Que leitor é esse? Que livro é esse? Certamente, o leitor que vê no verbo ler a marca de um imperativo externo – alguém que ordena impassível: “leia!” – talvez não veja na leitura a possibilidade de se reconhecer nela, de ver a si e ao seu mundo. Que livro é esse? O livro didático tradicional, que também traz conhecimentos imperativos? Que, como se escalpelasse o leitor, derruba uma enxurrada de informações e fecha-lhe novamente o tampo da cabeça?

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Talvez seja realmente fácil falar de leitura em uma situação ideal (se bem que, ainda assim, temos nossa desconfiança). Mas, quando se trata de um leitor afogado pelas obrigações escolares, preocupado em ser um depositário de informações que não consegue fazê-las interagir com sua rede de conhecimentos, obrigado a ler algo a que não consegue atribuir significância, a poesia presente na utopia da leitura parece, aos poucos ou aos muitos, ir se esfacelando até se transformar em poeira a ser varrida para os cantos, para debaixo do tapete. Ler tem íntima relação etimológica com a palavra colher. O que, no entanto, o leitor colhe ao passar os olhos por aquele emaranhado de rabiscos a que chamamos letra? A que chamamos palavra? A que chamamos enunciado? A que chamamos texto? A que chamamos linguagem? A leitura há muito vem sendo restrita a um dos seus níveis mais elementares: a alfabetização. Mas ler significa apenas decodificar? Basta isso? Parece muito claro que não. É importante, talvez, pensar que leitura possui uma dimensão bastante ampla que, inclusive, se relaciona com terrenos que vão além da palavra escrita. É preciso, afinal, ler o mundo, ler a quantidade inumerável de significados nos signos que a todo o momento gritam aos nossos sentidos. Ler é também tatear o mundo, sentir seus gostos e cheiros, ouvi-lo, dizê-lo. Mas há, sem dúvida, muitas formas de fazer isso. Ler é, indo além da decodificação, interpretar. Interpretar é eleger (ex-legere: escolher). Por intermédio de quem ou do quê somos capazes de reconhecer o que nos cerca e escolher o que nos é significativo? Isole-se o homem de outros homens e nascerá um ser que não poderia ser chamado de humano. A presença do “outro” é fundamental na construção da consciência do “eu” e, a partir daí, o que é construído por essa consciência vai gradualmente se formando à


medida que as interferências do mundo vão sendo recebidas e, mais que isso, assimiladas e, ainda mais que isso, elaboradas, reelaboradas, desconstruídas e reconstruídas com a intervenção necessariamente ativa do sujeito. A partir do momento em que se tem início o processo de construção da consciência, começa-se a desenvolver memória, que, por sua vez, vai criando repertório e, esse repertório, individual, interage com os novos atos e fatos do mundo exterior, dando início a um processo de superação do já vivido, por meio de uma confrontação dialética de discursos. Sem linguagem, não há formas de apreender as heranças culturais que o indivíduo recebe ao nascer. Porque o homem é, revivendo Aristóteles, “um animal social”, e por extensão, herdeiro de um mundo do qual será responsável pela mudança ou pela conservação. Se, pensando na contemporaneidade, divisamos o império de verdades prontas, o afogamento das subjetividades, a redenção ao consumo, uma opção bastante clara se faz urgente: mudar ou conservar? Ao mesmo tempo, como sabemos que a contemporaneidade age assim? A TV, veículo por excelência a serviço do consumo, da massificação, não nos mostra isso. A publicidade, com seus apelos imperativos nos quais chafurdamos diariamente também não nos quer mostrar isso. A tecnologia servil ao mercado também não nos possibilita perceber as armas com que rende a todos nós. As revistas, repletas de anunciantes e que mostram a ilha da fantasia em que vivem os nossos “artistas” também não permite ver nada de mal. Os shoppings centers que nos isolam de um mundo não desejado (ah, ele existe?!), da mesma forma nos colocam em uma caverna em que apenas aparências são valorizadas. Então, conservemos esse estado de coisas, porque elas vão muito bem. Falar em dominação é delírio, falar em colonização da consciência é disparate. Estamos no mundo das escolhas livres. E não fale contra essa liberdade, pois você pode ser confundido com um louco. Ou com um poeta. Já imaginou que vergonha? A ironia do pensamento acima permite entrever o quanto a liberdade contemporânea é ditado-

ra, numa aparente contradição entre os termos. Volta a pergunta: como sabemos disso? Como sabemos que o mundo doente nos receita remédios paliativos, pílulas de euforia alegre, o soma do Admirável Mundo Novo previsto por Aldous Huxley? Como sabemos que nossa subjetividade é afetada a tal ponto que não conseguimos mais nos conhecer, ter reservas de solidão para olharmos não mais o mundo espetacular que nos cerca, mas o mundo que habita dentro de nós e interage com o que vemos? Mais perguntas: por que o livro, na história da humanidade, sempre foi visto como perigoso dentro dos sistemas autoritários? Lembra, por exemplo, do que a ditadura fez com os nossos livros e canções e peças de teatro? Aí entra a leitura. Que perigo é esse que ela representa? O que está em pauta aqui é a ruptura crítica com a homogeneidade e a inércia dos sistemas de significação, permitindo ao mesmo tempo a desconstrução e a reconstrução do real, pela abertura de outros projetos e de novos horizontes de sentido (...) Enfim, a leitura pode promover fissuras na realidade simbólica instituída, provocando ruptura nas ideologias, que funcionam pela produção da inércia e da homogeneidade de sentido. Joel Birman

A leitura passa a ser o espaço da interação, uma forma de alimentar o mundo do sujeito com a abertura para novas formas de ler a realidade. Ninguém inventa nada. Tudo se encontra à nossa volta, vivendo e se impondo nas formas mais variadas. O mundo que trazemos em nós é só o que conseguimos ver. Quanto maior a capacidade de ver e sentir, maior e mais válida a memória, maior e mais justa a visão, mais humanos e mais eternos os símbolos e mais universal a mensagem. Só a capacidade de ver e sentir é que é pessoal e intransferível. O resto é um bem ou um mal comum. Jorge Andrade

As reflexões feitas até aqui talvez sejam um ponto instigante de partida para o desenvolvimento de um raciocínio acerca do papel da leitura, seja

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ela no seu sentido mais específico, isto é, a leitura do texto escrito, seja em seu sentido mais amplo, que seria a leitura do mundo, dentro de um processo de atribuição de sentido àquilo que se experimenta de fato ou simbolicamente. A questão de fundo desse raciocínio passa a ser sobre o poder de descobrir e construir mundos por meio da linguagem. Em um belíssimo depoimento para o documentário Janela da Alma, de João Jardim e Walter Carvalho, o escritor português José Saramago fala sobre modos de alargar a visão de mundo e torná-la mais rica e complexa: “Para conhecer as coisas, há que lhes dar a volta. Dar-lhes a volta toda.” Essa afirmação, traduzida na já conhecida expressão “ponto de vista”, dá uma pista importante sobre o papel da leitura na abertura de uma visão limitada pela força do discurso imperativo e soberano do qual já falamos. A leitura foi, é e sempre será uma via de acesso para que os homens e mulheres possam perceber a dimensão verdadeiramente humana daquilo que se chama ser humano. Por isso, ela guarda o embrião capaz de destruir os automatismos, porque nos faz ver as coisas sob outros prismas. Em suma, é revolucionária; obviamente, não só na acepção política restrita do termo, mas revolucionária também no sentido de fazer com que o ser humano, diante do livro, recrie sentidos que possam pluralizar as experiências sobre o mundo ao invés de convergi-las para uma unanimidade perigosa. Voltando à ficção do Admirável Mundo Novo, vemos o quanto há de “perigoso” diante da possibilidade de um indivíduo e uma sociedade serem descondicionados pela leitura: “não se podia permitir que pessoas de casta inferior desperdiçassem o tempo da Comunidade com livros”, pois “havia o perigo de lerem coisas que provocassem o indesejável descondicionamento de alguns de seus reflexos”. Até agora falamos de um leitor bastante abstrato. E, para os nossos objetivos, será importante falar melhor do leitor que, por meio da escola, queremos formar. Novos ingredientes se-

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rão misturados e precisam ser vistos. Alguns teóricos, hoje, propõem modos de “desescolarizar” a leitura, no sentido de arrancar os ranços de uma educação que via a leitura como espaço exclusivo de coleta de informações objetivas, baseadas nos modos unívocos (e por vez equívocos) de se relacionar com a informação. Seria necessário – e talvez urgentemente necessário – trabalhar dentro de uma perspectiva que levasse em conta a complexidade, a interação entre sujeitos e objetos. Para isso, qualificar a leitura é fundamental. E qualificar é ensinar a ler, não deixando ao aluno apenas o papel de um detetive que procura informações objetivas. Sabe-se que, ao longo dos anos, os alunos entram em contato com uma infinidade de textos de diversas ordens, sejam eles informativos, argumentativos, literários, entre outros. É comum as aulas de língua portuguesa dedicarem espaços exclusivos para leitura. Ou seja, a leitura já vem sendo instituída como uma prática. Mas até que ponto ela é apenas performática? Assim, é importante procurar cada vez mais fazer com que o aluno estabeleça de modo mais efetivo pontes de diálogo entre as diversas disciplinas, para que o saber não fique estanque, limitado a um conhecimento fragmentado sem conexões com um saber mais amplo. Leitura não é apenas mais um conteúdo de Língua Portuguesa. É uma prática de construção do pensar autônomo. Para tanto, o professor, obviamente um leitor (essa é sem dúvida uma premissa básica), deverá trabalhar de maneira a orientar o aluno em suas leituras, promovendo um encontro entre o sujeito e o seu objeto de estudo (no caso, aqui, o livro). Dentro dessa perspectiva, o professor será o grande agente responsável pela “religação” dos saberes, tornando viável o confronto inevitável intrínseco à pratica da leitura, estabelecido entre a visão de mundo do aluno e a do livro. A linguagem do livro e a visão de mundo que ele guarda e partilha nem sempre se revelarão tranqüilas, e é nesse momento que o professor, ao invés de afastar o aluno dessa zona de luta, por meio de exercícios meramente formais (como acontecia com a es-


cola tradicional), deverá aproximálo da leitura e promover o encontro entre essas duas entidades (leitor/livro), extraindo daí a diversidade de visões e procurando uma nova síntese tão própria do processo dialético. Embora com medo de parecer repetitivo, é importante reforçar que o sujeito conhece e constrói relações a partir das leituras que faz do mundo, não com olhos solitários, nem como mero espectador que contempla a soberana autonomia do que está lá fora, tão distante de si, mas sim como um indivíduo que constrói e reconstrói o seu destino e a sua história. Ele recria visões do mundo porque a ele está ligado, é produto e produtor; ao mesmo tempo em que transforma é transformado. Por isso é que, quem conhece e sonha, é capaz de construir com inovação, intervir no real e, em última instância, recriar o mundo. E a leitura é vital. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Nilton Cezar Tridapalli é coordenador do Departamento de Arte e Cultura do Colégio Medianeira. É também co-editor de Mediação. Formado em Letras pela UFPR, é especialista em Leitura de Múltiplas Linguagens pela PUCPR e mestre em Estudos Literários (UFPR).

CONFINAMENT O CUL TURAL CONFINAMENTO CULTURAL TURAL,, INFÂNCIA E LEITURA EDMIR PERROTTI Editora Summus A problemática da leitura na infância é tratada de uma forma profunda, levantando as questões essenciais que a envolvem, questões até hoje negligenciadas em função de posições técnico-administrativas. Neste livro, a formação de leitores no Brasil é tratada como algo que vai muito além das políticas pragmáticas ou salvacionistas e passa pela análise da estrutura familiar e dos processos urbano e cultural.

UMA HISTÓRIA DA LEITURA ALBERTO MANGUEL Companhia das Letras A obra mostra como se estabelece o contato do leitor com o mundo da literatura. Aborda várias etapas, que vão do aprendizado da leitura ao prazer da intimidade com os personagens, da descoberta dos múltiplos significados de uma palavra ou ainda de chegar ao final de uma história. Relata a experiência de personalidades conhecidas e anônimas, através desse universo fascinante.

CAMINHO P ARA A LEITURA PARA Organizador: MARCOS DE CASTRO Editora Record O que fazer para incentivar os jovens a ler os clássicos da literatura luso-brasileira? O jornalista Marcos de Castro acredita que um caminho é aproximar escritores e leitores. Em Caminho para a leitura, ele reúne pequenos, mas bem pesquisados, perfis biográficos de 25 autores fundamentais da literatura brasileira e portuguesa. Nomes como Machado de Assis, Lima Barreto, Guimarães Rosa e Eça de Queiroz. Clássicos que, muitas vezes, são estranhamente desconhecidos pelas novas gerações.

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e

DIVERSIDADE

Por Leonora Mª. Antunes Comegno

Química Em tempos de Conferências da ONU em Curitiba, nada melhor do que conhecer melhor a ampla gamas de questões envolvidas pelo termo Biodiversidade e sua direta implicação na vida do planeta. Ou seja, na vida de todos nós.

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P

Podemos, de início, emprestar o conceito de Dobson para entendermos o que é Biodiversidade: “variedade e variabilidade existentes entre organismos vivos e as complexidades ecológicas nas quais eles ocorrem, que pode ser entendida como uma associação de vários componentes hierárquicos: ecossistema, comunidades, espécies, populações e gens em uma área definida”. Nesse sentido, muitos eventos, como o encontro da International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) a 2 ª IUPAC International Conference on Biodiversity, têm demonstrado uma séria preocupação com a conservação e utilização sustentável dos recursos biológicos, isto é, recursos genéticos, organismos ou parte deles, populações ou qualquer outro componente biótico de ecossistemas com real ou potencial uso ou valor para a humanidade, segundo a CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica). Estima-se que no Brasil existam cerca de 2.000.000 de espécies diferentes entre animais, vegetais e microorganismos envoltas numa imensa complexidade, e distribuídas em grande variedade de ecossistemas, detendo juntamente com países como Equador, México, Peru, Colômbia, entre outros, uma megadiversidade. Por essa razão, o acesso e proteção à biodiversidade de nosso país merecem tratamento especial e contínuo, tanto pelas autoridades quanto pela população que, ao tomar contato com tamanha riqueza, possa interferir através de ações que se desenvolvam para além da catalogação e identificação, mas de modo que não leve ao declínio em longo prazo da diversidade biológica, mantendo seu potencial para adequar as necessidades e aspirações das atuais e futuras gerações. Nosso país apresenta a maior diversidade genética vegetal do mundo, cerca de 55 mil espécies catalogadas de um total estimado entre 350 a 550 mil e, embora sejam discutidos assuntos relacionados com a biodiversidade de todas as espécies vivas do planeta, a importância da biodiversidade vegetal está o tempo todo em foco. Isto porque as plantas são uma importante fonte de substâncias que apresenta alguma atividade sobre o metabolismo de um organismo vivo, diferente daquele no qual foi produzida, podendo ser considerada uma atividade farmacológica. A diversidade quanto à estrutura e propriedades químicas nas

quais essas substâncias ocorrem na natureza é muito grande, podendo servir direta ou indiretamente na produção de um grande número de fármacos. Essas propriedades para curar diversos males são tradicionalmente conhecidas e utilizadas há centenas de anos pela humanidade. Desde os primórdios, a humanidade, ao procurar plantas para seu sustento, foi descobrindo plantas com ação medicinal ou tóxica, adquirindo assim um conhecimento empírico dessas ações. Portanto, essa prática foi encontrada nas civilizações mais antigas, não havendo, porém, qualquer comprovação científica com relação ao seu uso. Ao se perceber que o senso comum usava as plantas havia séculos e que os princípios ativos poderiam ser isolados e identificados, muitos esforços foram concentrados para desenvolver esses processos de extração, identificação e utilização na produção de fármacos. Até a metade do século XX, a pesquisa para o desenvolvimento de fármacos era baseada na síntese de novas substâncias e no estudo de sua atividade farmacológica (atividade biológica de uma substância na qual os efeitos benéficos são maiores que os efeitos colaterais). Contudo, os produtos de origem natural superam os produtos sintetizados em laboratório devido a fatores como a grande diversidade molecular e, por serem produzidos por organismos vivos, podem apresentar maior atividade biológica . O interesse científico e econômico presente na busca de substâncias ativas a partir dos vegetais reside na variabilidade e na complexidade das moléculas sintetizadas pelas plantas, o que muitas vezes na síntese orgânica artificial é demorado e dispendioso. É importante chamar atenção para o fato de que as empresas farmacêuticas que investem milhões de dólares em pesquisa são multinacionais e que elas não esperam criar compostos de uso terapêutico novos a partir de plantas medicinais, embora até haja pequena possibilidade de isso ocorrer. Elas estão interessadas nos modelos naturais que lhes possibilitem um ponto de partida para a elaboração de uma nova droga. Portanto, podemos notar que o interesse das grandes empresas farmacêuticas está na identificação dos princípios ativos e não na utilização direta das plantas medicinais. Um dado estatístico revela que, aproximadamente, de cada 10 mil prin-

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cípios ativos estudados, apenas 1 torna-se fármaco. Porém, se pensarmos na diversidade das substâncias potencialmente bioativas derivadas das plantas, esse número parece razoável, principalmente se pensarmos na megadiversidade biológica como a do Brasil. Graças aos avanços relativos à biotecnologia e à biologia molecular, é possível hoje o isolamento de um gene numa espécie e sua transferência para uma outra espécie, resultando numa espécie transgênica. Portanto, a biodiversidade pode ser considerada uma enorme fonte de novos genes, considerando que uma única espécie de planta pode possuir mais de 20 mil genes. O estudo da estrutura genética de populações naturais e a base genética das características de interesse farmacológico são fundamentais para o sucesso e melhoramento dessas características. O senso comum da medicina popular (caboclos, índios, curandeiros) contribui significativamente na busca por novos princípios ativos para o desenvolvimento de novas drogas, pois dificilmente uma planta é escolhida ao acaso para que seja objeto de pesquisa. Os pesquisadores, em geral, procuram extratos de uso popular e que apresentam relatos de terem sido bem sucedidos em combater enfermidades para iniciarem qualquer bioprospecção. Essa bioprospecção é definida como qualquer atividade de pesquisa como recursos genéticos e derivados com propósitos comerciais farmacêuticos, agrícolas, químicos, etc. Seguramente, o Brasil possui um imenso potencial genético a ser explorado.Com isso, devemos nos preocupar com a exploração dos conhecimentos populares e da biodiversidade brasileira por empresas multinacionais. Não há legislação que regule o acesso aos recursos genéticos nem a participação das comunidades locais no desenvolvimento de novas tecnologias. Embora tenha sido o primeiro signatário da CDB – assinada durante a RIO92 (ECO 92) –, o Brasil não tem nenhuma lei específica para controlar seu patrimônio genético. Enquanto escrevo esse artigo, me lembro de que durante alguns dias estará se realizando em Curitiba o COP-8 e MOP-3, reuniões fechadas, onde representantes do mundo todo estarão tratando de questões relativas à biossegurança, educação ambiental e à disponibilidade de recursos finan-

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ceiros que visem a difundir aspectos ambientais importantes para a manutenção da vida das gerações futuras. É pensando no contexto mundial e no momento presente que chamo a atenção para um fato: de maneira muito próxima, a comunidade Medianeira pode tomar contato com a diversidade dessa rede da vida dentro do colégio. Começando pela sua localização: o rio Belém, duramente comprometido pelas ações da comunidade curitibana em geral, corta a propriedade; uma rodovia com grande fluxo de veículos, construída em frente; se encontra dentro de uma área urbana, e, no céu, o tráfego de aviões que sobrevoam a região em direção ao aeroporto Afonso Pena. Todas essas interferências diárias fazem com que o espaço da escola seja um verdadeiro oásis para espécies de animais e vegetais. Embora o rio Belém seja receptáculo de detritos ao longo de seu trajeto, dentro do espaço da escola suas margens são tratadas e limpas, havendo uma constante preocupação e manutenção. Já as muitas espécies de aves, por exemplo, freqüentam o ambiente do colégio para construir ninhos e esperar seus filhotes crescerem, algumas param em busca de alimento e vão embora para voltarem no dia seguinte, outras descansam durante a migração, e outras ainda moram durante anos, pois encontram no Medianeira um local tranqüilo para isso. Além disso, várias espécies de insetos e borboletas podem ser encontradas, em diferentes épocas do ano. Também é possível encontrar espécies vegetais regionais, nacionais e exóticas, em que o tratamento dispensado a elas é de total respeito. Muito poderá e deverá ser feito no sentido de mudar as ações da população em geral quanto às questões relativas ao ambiente; portanto, é necessário que tomemos contato, de maneira mais próxima, com a realidade da biodiversidade do país. E a educação ambiental é um espaço de resistência à exploração dos recursos naturais regional, nacional e mundial. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br) Leonora Mª. Antunes Comegno é professora de Química da Primeira série. É bacharel e licensiada em Química pela Universidade Mackenzie-SP e mestranda em educação pela UFPR.


BIODIVERSIDADE BRASILEIRA SÍNTESE DO ESTADO ATUAL DO CONHECIMENTO THOMAS M. LEWINSOHN E PAULO INÁCIO PRADO Editora Contexto Este livro representa a primeira síntese daquilo que se conhece e do que precisa ser feito para inventariar a biodiversidade brasileira. Apresenta uma avaliação consistente dos principais repositórios de material biológico, da evolução histórica da informação cientifica, e da capacidade humana e institucional em biodiversidade no país. São dados da maior importância para as entidades conservacionistas, instituições científicas, órgãos governamentais, o setor empresarial, entidades comunitárias e os membros da sociedade para compreender melhor seu ambiente natural local e global.

BIODIVERSIDADE EDW ARD O EDWARD O.. WILSON Editora Nova Fronteira ‘Biodiversidade’ reúne os pensamentos de 60 autoridades mundiais em vasta gama de tópicos relacionados ao tema. O livro começa com os desafios que temos de vencer para manter a biodiversidade, passa por abordagens econômicas, éticas, biológicas e de sua conservação, e aborda maneiras de salvá-la ou recuperá-la, bem como alternativas à sua destruição. As duas últimas partes do livro são voltadas para mudanças mais amplas que envolvem novas políticas, tendências e paradigmas de convivência com a biodiversidade.

DESCOBRIMENTO DA BIODIVERSIDADE A ECOL OGIA DE ÍNDIOS AS E LEIGOS DO SEC. XVI ECOLOGIA ÍNDIOS,, JESUÍT JESUÍTAS EV ARIST O EDUARDO DE MIRAND A EVARIST ARISTO MIRANDA Editora: Loyola Com suas borboletas, bichos-preguiça, tatus, micos, beija-flores, papagaios e tamanduás, a biodiversidade do Brasil possui características especiais. Muitos de seus seres vivos só existem na América do Sul, uma região biogeográfica única e distinta de todas as outras. A biodiversidade latino-americana forneceu ao mundo alimentos e matérias- primas - batata, abacaxi, cacau, mandioca, borracha, tomate e outros. Mas o conhecimento sobre milhões dessas formas de vida ainda não é suficiente. A história da descoberta da biodiversidade brasileira é cheia de personagens, aventuras e resultados cujos reflexos influenciam nosso cotidiano e poucos conhecem. Este livro, com rigor científico, paixão e certa dose de humor, é uma viagem inédita ao passado como uma chave para compreender o presente e o futuro da biodiversidade brasileira.

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A

riqueza

singular da

AULA de

CAMPO

Por Por Francisco Carlos Rehme

A sala de aula sempre foi e sempre será um espaço vital para a construção e sistematização do conhecimento. Mas, fora dela, existe um mundo de possibilidades capaz de fazer o aluno vivenciar, ao vivo e em cores, aquilo que muitas vezes vê em sala de aula. E olha que esse mundo de possibilidades está bem ao nosso alcance. 22


(mas que pode ser também aula de mangue, aula de cidade, aula de floresta, aula de gruta... o que você imaginar)

N

Não posso deixar de tocar em dois aspectos que me parecem a essa altura importantes: primeiramente, o valor pedagógico incalculável de uma boa aula de campo e em seguida, embora não menos significativa, a localização privilegiada de Curitiba para as aulas de campo capazes de envolver várias disciplinas. Então, vamos lá! A aula de campo é estratégia e arte pedagógica de detonar as paredes da convencional sala de aula e de transformar, subitamente, o mundo numa sala de aula alternativa. Nada contra a sala de aula, tal qual a conhecemos de cadeira – literalmente – embora sua estrutura em si, cá por volta do terceiro milênio, merecesse uma rediscussão... Mas, convenhamos: se podemos alargar os espaços que por vocação natural se destinam ao processo de ensino-aprendizagem, por que não? O mundo em que nos inserimos e aquele que nem tanto – e que, mesmo assim, nos cerca – é um perfeito palco para que possamos aprender pelas descobertas. Como se estivéssemos bancando aqueles intrépidos navegadores de quinhentos ou seiscentos anos atrás, singrando os mares: a sensação acaba sendo a de desvendar, desbravar, descobrir! Se relembrarmos alguma visita a um museu de história local, ou quem sabe a uma sala de exposições de artes – e tomara que isso já nos tenha ocorrido nos tempos de estudantes do antigo primário –, certamente virão em nossa mente não apenas imagens de objetos que, por alguma razão, nos chamaram a atenção, mas também outras sensações. O cheiro do interior de um museu parece que se (con)funde em nosso inconsciente com o cheiro da história, do cotidiano do passado. E aí vem uma bela dose de nossa imaginação que, por associação, tempera com mais alguns ingredientes: o odor da pólvora dos combates, da mistura dos perfumes e das gulodices nas festanças... Toda essa atmosfera tão pessoal que respiramos é experimentada, registrada em algum cantinho de nosso sótão e, depois, certas vezes, requisita-

da naqueles ternos momentos de nostalgia. Aula de campo, seja num museu, num atelier ou numa floresta tropical, é muito mais do que um passar de olhos pelas diferentes paisagens de naturezas vivas ou mortas, é pura vivência. Mais ainda: permite que se absorvam essas sensações de modo tão particular e, simultaneamente, no grupo, partilhando e digerindo no coletivo o banquete cultural que está posto. Já que tratamos de partilhar, que oportunidade extraordinária de confluir os olhares das diferentes ciências uma aula de campo nos oferece! Pleno espaço de se realizar pluri, inter e transdiciplinaridade. Possibilidade de se tratar dos temas com a particularidade que dá o diferencial de cada valioso aspecto e, ao mesmo tempo, com as suas interdependências que lhe atribuem o caráter de pertença, de conjuntura, de sistema. Assim, em aula de campo se aprendem e se apreendem – para sempre – conhecimentos. O segundo ponto nos remete à multiplicidade de atrações que generosamente cercam a capital paranaense. Plenas de valor estético, tanto quanto pedagógico, essas atrações de origem natural, ou da interação homem-meio, se revestem de mistérios, lendas e histórias forjadas na oficina do tempo. Imagine que você esteja com um mapa do Paraná aberto sobre a mesa e seu olhar pousa sobre Curitiba. Se você redirecionar o foco para leste, vai se deparar com o conjunto de montanhas que majestosamente compõem a Serra do Mar. Se você mesmo não teve o prazer de se deslumbrar com uma dessas paisagens, por certo a sua memória guarda – com aquele inevitável retoque de mistério, que a imaginação infantil é capaz de criar – alguma lembrança que os mais antigos contavam, dos picos da Serra do Marumbi, das trilhas indígenas da Graciosa e do Itupava – que palavra sonora e que, conforme pronunciada, parece lembrar por si só o que significa em tupi: corredeiras, pedras escorregadias do limo e da água que lhes cobrem! –, da cachoeira do Véu da Noiva que se avista do trem (ai que saudades daquele velho trem da RFFSA, que era barato e que parava em todas as estações)... E depois da serra, vem o litoral, com a velha Guaraqueçaba, as convidativas ilhas do Superagüi e do Mel, cada qual do seu jeito, uma mais simples, caiçara, fandangueira, outra já trocou um

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pouco disso tudo por um maior conforto e sofisticação, mas nem por isso perdeu a beleza de suas praias, de seu forte, do farol e da gruta onde ficavam as sereias ... e os encantados pescadores. Para o norte, dentro da região metropolitana, existem as cavernas calcárias de Colombo, Rio Branco do Sul e as do Parque de Campinhos, em Tunas, um pouco pra lá de Bocaiúva do Sul. Entre estalactites e estalagmites e em meio ao cavoucar incessante dos rios subterrâneos, as cavernas são também frágeis ecossistemas, abrigando animais peculiares e registros do passado humano. Na direção do poente estão os Campos Gerais. E neles, as rochas caprichosamente esculpidas de Vila Velha, as intrigantes furnas, vários canyons, onde o imponente Guartelá se destaca e há também o legado dos tropeiros: das trilhas abertas há pelo menos trezentos anos aos utensílios que eles e suas tropas pacientemente conduziam. E mais: em cada parada para descanso, ao fim de cada tarde, ficaram, por certo, as principais heranças tropeiras, as vilas, hoje cidades. E aí é banho de história, com Lapa, Ponta Grossa, Palmeira e Castro... Portanto, pé na estrada, mochila nas costas e, dentro da mochila, além do lanche – é claro, pois ninguém é de ferro – uma boa prancheta ou caderneta. No mais, os desejos de boas viagens e boas aulas de campo!

(Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Francisco Carlos Rehme (o Chicho) é geógrafo, professor da 3a. série do Ensino Médio no Colégio Medianeira. Especialista em Geografia Física – análise ambiental pela UFPR e em Currículo e Pratica Educativa (PUC-Rio). É também mestrando em Geografia, dentro da linha de pesquisa “Dinâmica das Paisagens”, pela UFPR

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CA VERNAS CAVERNAS ANDRÉ CORDEIRO AL VES ALVES DOS SANTOS E MÁRIO DONIZETI DOMINGOS Editora Ática Saiba tudo sobre as cavernas - tipos, formação, seres vivos desse ambiente, curiosidades. Linguagem precisa, jornalística, com visual caprichado e moderno.

MUSEU TURA MUSEU,, EDUCAÇÃO E CUL CULTURA ENCONTROS DE CRIANÇAS E PROFESSORES COM A ARTE Organizadores LUCIANA ESMERALDA OSTETTO E MARIA ISABEL LEITE Editora Papirus Maria Isabel Leite e Luciana Esmeralda Ostetto organizaram essa coletânea a fim de abrir um leque de discussões, direta e sensível, com professores, arte-educadores, museólogos, artistas e educadores, buscando compreender e problematizar alguns dos diversos matizes presentes nas relações entre museu, educação e cultura. Organizado em duas parte, a primeira reúne textos de pesquisas cuja tônica foi a conceituação dos museus e demais espaços culturais como lócus privilegiados de acervo e preservação da memória cultural; e de produção de conhecimento. A especificidade do conhecimento em questão, que abarca não apenas aquele científico, mas também os de natureza estética e poética, destaca-se como o interesse maior das autoras. A segunda parte, de maneira autoral e pouco usual, traz à cena olhares e dizeres de professores e crianças que foram ao encontro da obra, através de narrativas das experiências vividas em diferentes museus brasileiros - viagens investidas de subjetividade, particularidades de cada fruidor, com a ousadia de dizer o, talvez, indizível; depoimentos que evidenciam e problematizam a experiência estética.


O sonho

obriga o homem

a PENSAR Por Elenir Almeida Santos

Fugindo da avalanche de “celebridades” que se destacam pela efemeridade e superficialidade, Mediação presta homenagem a Milton Santos, esse geógrafo cujo pensamento ainda está vivo nos ideais que buscam um mundo mais fraterno 25


C

Crítico contundente da globalização perversa que exclui (e descarta) milhares de seres humanos no planeta, Milton Santos defendia e acreditava na globalização mais solidária e comprometida com o homem, acreditava nas lutas sociais e em suas conquistas. Pensador extraordinário, revelava em sua vasta obra, uma crença enorme na mudança, na transformação. Para isso, dizia que “o sonho nos obriga a pensar”, pensar para construir o novo, para a construção de uma outra globalização, para alcançar essa utopia (possível) que tanto nos coloca em movimento. Insistia em dizer que as diferenças dos lugares são históricas e que a variação da organização do espaço é fruto de “uma acumulação desigual de tempo”. Lembrava que há um contínuo processo de modernização em curso que não atinge todos os lugares ao mesmo tempo, que é estimulado pelo Estado e que obedece à lógica do capital e não aos interesses do homem. Esse processo define os usos do solo, a apropriação da natureza, as relações entre os lugares, enfim a organização do espaço. Seu traço geral é a desigualdade, pois a história do capital é seletiva, elege áreas, estabelece uma divisão territorial do trabalho, impõe uma hierarquia dos lugares, pelo favorecimento diferenciado em tecnologias e equipamentos. Dentro desta análise, Milton Santos reforçava a idéia de que a globalização leva à afirmação de um novo meio geográfico cuja produção é muito bem pensada e que é tanto mais produtivo quanto for maior o seu conteúdo em ciência, tecnologia e informação. “Esse meio técnico-científico-informacional se dá em muitos lugares de forma extensa e contínua (Europa, Estados Unidos, Japão, parte da América Latina) enquanto em outros (África, Ásia, parte da América Latina) apenas pode se manifestar como manchas ou pontos”. Cria-se desse modo uma oposição entre espaços adaptados às exigências das ações econômicas, políticas e culturais características da globalização e outras áreas não dotadas dessas “virtualidades” (como dizia Santos), formando o que o geógrafo chamou de “espaços luminosos” e “espaços opacos”. De acordo com ele, não existe um espaço global, mas sim espaços da globalização, já que as forças globais não agem da mesma maneira nem

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são percebidas da mesma forma em todos os lugares do mundo. Diante disso, é importante trazer à discussão a crítica de Milton Santos sobre o que chamam de “aldeia global”: falta sentido a esse conceito, é apenas uma construção, “aldeia global” não existe. O ponto de partida para Santos são os valores, estes podem até se tornar mundiais, mas o ponto de partida é local. Ilustrou bem essa discussão com o exemplo da Coca-Cola: nem mesmo a Coca-Cola é a representação de algo global, porque em cada país ou local o significado do ato de beber o refrigerante é diferente. Essa situação está associada ao valor simbólico deste produto (liberdade, alegria, prazer...) e expressa muito bem o valor que os povos mais carentes do planeta associam às marcas americanas. O produto parece ser o mesmo mundo afora, só que ele adquire “tantos pesos e valores quanto as várias geografias”. Apesar da mundialização ultrapassar as fronteiras, ela se adapta à cultura e tradições dos vários povos que atinge. O capitalismo e sua cultura chegam a vários países, no entanto ele é transformado e organizado para se moldar nacionalmente. Lembremos o caso das transnacionais que se adaptam às realidades de cada país. É na globalização que as especificidades do lugar emergem cada vez mais, o sentido verdadeiro das coisas é sempre produzido por valores locais. Milton Santos trazia à discussão várias vezes que a força de consumo em moldes globais é o que leva ao abuso da palavra “usuário” como substituta de “cidadão” e da palavra “cidadão” como “consumidor”, no discurso político. Dizia, com grande veemência, que as pessoas valem pouco onde estão e saem correndo em busca do valor que não lhes é dado. A esperança de consumir tornou-se combustível. Por isso, também, as cidades crescem tanto e tão depressa. Há quem diga que a outra globalização que Milton Santos buscava é impossível; contudo, ficou o apelo para trilhar novos caminhos, construindo um outro futuro. A curiosidade infinita do intelectual pela compreensão das desigualdades entre os homens contribuiu muito para estudos em diversas áreas do conhecimento.


Esse cidadão do mundo chamado Milton Santos nasceu brasileiro, nordestino, pobre e negro, foi alfabetizado em casa pelos pais na pequena cidade de Brotas de Macaúbas, na Bahia. Alimentou-se de esperança e persistência, desafiando o caminho de impossibilidades que este “apartheid social” lhe oferecia. Em 1948, formou-se em Direito pela Universidade Federal da Bahia e em 1958 já voltava da Universidade de Estrasburgo, na França, com o doutorado em Geografia. Atuou como professor da UFBA até ser destituído pelos militares em 1964. Exilado na França, exerceu a carreira acadêmica em diversas universidades na França, no Canadá, Venezuela, Inglaterra e Estados Unidos. Retornando ao Brasil, no final dos anos 70, ainda encontrou algumas dificuldades para exercitar o seu pensamento livre e suas idéias fortes dentro de algumas universidades. Em 1983, ingressou no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, também recebeu o título de doutor honoris causa de várias universidades do Brasil e de outros países.

Em 1994, ganhou o prêmio Vautrin Lud, uma espécie de Nobel da geografia. Milton Santos morreu em 2001, aos 75 anos de idade, deixando um grande vácuo entre os intelectuais e a Geografia, sua grande paixão, órfã de seu grande mestre. Sua obra constitui um dos principais alicerces das ciências humanas, no Brasil e no mundo. “Estamos convencidos de que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; o indivíduo liberado partícipe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso único. Os pobres não se entregam e descobrem a cada dia formas inéditas de trabalho e de luta; a semente do entendimento já está plantada e o passo seguinte é o seu florescimento em atitudes de inconformidade e, talvez, rebeldia.” Milton Santos em Por Uma Outra Globalização Do Pensamento Único à Consciência Universal

Elenir Almeida Santos é professora na 7a. série do Colégio Medianeira, bacharel e licenciada em Geografia pela Universidade de São Paulo.

(Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Conversando com

MILTON SANTOS Sobre a relação entre o homem urbano, a cidade, o meio ambiente e esperança da mudança, Milton Santos conversou no final de 2001 com os jornalistas Carlos Tibúrcio, coordenador do Le Monde Diplomatique – Brasil e Silvio Caccia Bava, sociólogo, fundador e pesquisador do Instituto Polis em 2001. Acompanhe um trecho da entrevista e do pensamento deste ícone do humanismo global. 27


SILVIO: a cidade é assunto para quem professor? MS: Eu não sou planejador, fui quando era jovem,

aí eu me meti a planejador. Depois, quando eu deixei a política para estudar, descobri que o importante é fazer análises, olhar as cidades como objeto de análise. Os primeiros urbanistas eram grandes analistas do fenômeno urbano. Todos eles. A crítica que eu faço à esquerda nessa relação com a cidade é a que faria também à direita, agora à esquerda a gente faz com mais força crítica. Porque os planejadores de esquerda de um modo geral não se preocupam com a análise do fenômeno urbano. Eles já postulam soluções. Então o conteúdo da cidade é deixado à margem. São as propostas que tomam a frente da cena. E mais recentemente estas propostas são propostas neoliberais. A esquerda não sabe muito o que fazer com o urbano. E com freqüência a esquerda realiza o trabalho da direita quando chega ao governo. O planejamento urbano da esquerda facilita a expansão mais rápida do neoliberalismo. Possivelmente isto vem do fato de que o planejamento urbano não é entregue a estudiosos da cidade. Em vez do planejamento urbano ser responsabilidade de urbanólogos, ele é responsabilidade de urbanistas. E a cidade não é assunto para urbanistas. CARLOS: Eu achei uma abordagem ótima para co-

meçar, mas o senhor poderia ilustrá-la? Há exemplos de políticas que materializam isso? MS: Não, porque eu não desejo trabalhar com

exemplos. O exemplo é a chantagem. No exemplo a gente toma o que interessa. O domínio da idéia é o domínio do pensamento puro. Se eu parto do exemplo, onde é que eu vou? O futuro é uma construção, um desafio do presente. É a novidade. O que interessa para vocês é o futuro, não é mesmo? SILVIO: Pensando o problema urbano, professor, ele

vem se caracterizando de uma maneira diferenciada ao longo do tempo...

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As perguntas que vocês me fizeram são muito tradicionais, expressam uma posição velha, sem imaginação, é a repetição de um velho discurso que parece que funcionou quando não havia necessidade de planejamento. Tanto que nunca tivemos planejamento urbano, tivemos alguma coisa no passado, mas nos últimos 30, 40 anos o planejamento urbano não existiu. CARLOS: Como é que se rompe com essa situação? MS: Estudando. Porque eu acho que na área de

planejamento urbano, planejamento das cidades em geral, há um conjunto do de preconceitos que impedem de pensar. Eu não sei como convencer um administrador a estimular as pessoas a pensar. Um prefeito teria de ter dois organismos de estudos diferentes. Teria de ter um organismo como a Sempla, por exemplo, e um grupo de pessoas que pensa independentemente da Sempla. E isto não é contemplado em nenhuma das municipalidades nem de direita nem de esquerda. SILVIO: Curitiba manteve o IPUC durante quase trin-

ta anos... MS: Mas pensar o status quo não tem problema.

SILVIO: Como abordar o novo nesta discussão? MS: A partir dos materiais que a história fornece,

de um lado. De outro lado, no caso urbano, há uma confusão entre as coisas e a cidade. As cidades seriam coisas somente e de fato são as coisas movidas pela a ação humana. A abordagem urbanística é uma intervenção sobre coisas, vamos fazer uma ponte, vamos fazer uma nova autopista, vamos fazer um túnel, vamos construir casas, essa atitude – que é dos urbanistas de uma maneira geral diante da cidade – ela impede o conhecimento do que é o organismo urbano, ela impede o plano, daí a renúncia ao plano urbano. Porque o plano diretor não é plano urbano, o plano diretor é algo que não tem maior significado para a construção do futuro.

MS: Isto sempre foi assim, isto não é novidade. A

SILVIO: Mas professor, pensando a cidade como

novidade é que nós estamos em outro período histórico e a visão tradicional trata o presente como se fosse o passado. Então não vai alcançar o futuro. Esse me parece que é o drama que vivemos.

um campo de relações sociais, em um Brasil que é 80% urbano, em quê a especificidade do urbano difere da problemática geral brasileira? O que tem o urbano de específico?


MS: Essa é uma questão de uma vida. Você não

responde isto em uma frase. Essa é minha obra. Um trabalho contínuo de análise do urbano. As idéias de hoje são uma cristalização de um pensamento que poderá ter sido válido há 40 anos atrás mas não é uma posição que leva em conta a história atual. Eu acho que a cidade hoje não tem nada a ver com a cidade de trinta anos atrás. No meu modo de ver a cidade é um campo de forças, como todo território ela é um campo de forças, é o lugar primordial da contradição com que o mundo se debate hoje. Ela deve ser vista assim se a gente quer ter uma visão progressista, se a gente quer pensar o futuro. O futuro é a escolha de caminhos para enfrentar as contradições. O fenômeno urbano nacional não pode ser estudado fora do território. No caso do Brasil a especificidade ela é de cada organismo urbano. O problema central que eu vejo é que a questão das cidades, ela é tratada fora do território. Esse é o problema que eu estou apontando na maior parte dos urbanistas. Aí você acrescenta o discurso da pobreza, da desigualdade, mas que não é intrínseco, é o chantili e a cereja em cima do bolo já feito. Isso quando a questão é o próprio bolo. Se rompêssemos com essa visão da cidade como apenas um dado da dinâmica territorial, isso nos levaria a uma outra visão dos problemas, inclusive da construção da política e da federação. A federação atual é hostil a soluções urbanas, não urbanísticas. As questões urbanísticas, elas se fazem independentes, tanto que os modelos atuais, hegemônicos, eles são estrangeiros de um modo geral. Eles são importados assim como são importados os pensadores estrangeiros que vêm aqui dizer que devemos fazer assim, devemos fazer assado. SILVIO: O senhor se refere por exemplo ao planeja-

mento estratégico de cidades? MS: Que ninguém sabe o que é! Ele não pode ser estratégico se não corresponde à verdadeira dinâmica, que é a do território nacional.

SILVIO: Pensando a produção do urbano como uma

resolução permanente de um campo de conflitos, se a equação resultante destes conflitos de alguma maneira mudasse as tradicionais elites que se apropriam do espaço público, não

poderia haver uma ampliação da cidadania e aumento da qualidade de vida? O senhor vê alguma mudança nesse passado recente na dinâmica do conflito que configura o urbano? MS: A questão urbana, como a questão territorial,

ela tem o seu próprio vocabulário, que a gente recria com a história. É um vocabulário que não se pode deixar envelhecer. O fenômeno urbano ele é separado desta problemática geral da cidadania, da chamada qualidade de vida, essa expressão que eu não gosto. Qualidade de vida, desenvolvimento sustentado, são termos neoliberais. Matam qualquer discussão. Porque são terminais. São termos utilizados pelos políticos que na hora de implementá-los, não sabem como fazê-lo. Não sabem como fazê-lo porque não querem estudar. Ou não podem estudar. Então eu considero que a questão é de análise, isto é, tem que dar o lugar aos analistas. E os urbanistas, eles têm de obedecer. Eles são executantes. Eles não são mais idealizadores, exceto se forem as duas coisas ao mesmo tempo. Se eles não forem capazes de pensar, tem de se recolher ao papel de meros executores, que são os técnicos. CARLOS: Essa é uma a problemática mundial? MS: Ela é menos mundial do que parece. Em ou-

tros países sempre houve respeito pelos que pensam. A partir do momento que a questão urbana começou a ser estudada, e nesta época os urbanistas eram urbanólogos também, eles reuniam de um lado essa vocação para a análise, e de outro lado o comando da técnica para soluções de problemas concretos. Eu creio que no resto do mundo a idéia do conhecimento da cidade como um todo sempre foi presente. Grandes estudos de interpretação de cidades como Londres, como Paris, sempre foram feitos. No Brasil até 40 anos atrás se faziam esses estudos também, há excelentes estudos sobre a própria São Paulo. Houve o abandono desta tradição, que traz como conseqüência a própria fragmentação da administração urbana. Sem querer citar este ou aquele nome, a gente vê essa fragmentação. Eu tenho que confiar que a prefeita faça o trabalho filosófico, da síntese. No Brasil, como na América Latina, e hoje na África e na Ásia, a urbanização se dá em uma velocidade que nunca houve na Europa. E nós adotamos um modelo de uma evolução lenta, gradual, do-

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mesticada pela eficiência da cidadania, exemplos que copiamos tranqüilamente como se e a realidade brasileira não fosse trepidante, de cidades sem cidadãos. Tudo isso vem também de um déficit de análise. Continuamos adotando modelos estrangeiros e mesmo dentro da esquerda há um bom número de administradores que tomam exemplos estrangeiros e os aplicam servilmente, tranqüilamente, sem a crítica das esquerdas. SILVIO: O senhor sugere em algum dos seus textos

que nós precisamos fazer uma pesquisa mais profunda das formas de solidariedade no meio popular. O senhor pode desenvolver um pouco mais essa idéia? MS: Eu creio que é preciso mapear essas formas

de solidariedade e encontrar, digamos, a lógica da sua espontaneidade. Isso para que essa lógica possa entrar na programação dos partidos e eventualmente no projetamento dos governos. É uma perspectiva de se contrapor à lógica de hoje, que é não querer o povo, a lógica dos pobres, e promover a sua substituição pela lógica dos poderosos. Que é o que está vendido no caso brasileiro de alto a baixo, de leste a oeste, na panóplia ideológica. Por exemplo, essa luta encarniçada contra o chamado setor informal. Esse setor informal, que eu chamo de circuito inferior, ele é o lugar da liberdade, da inventividade, da originalidade, é o lugar onde tudo pode estar presente. A racionalidade do chamado setor formal, ela mata o futuro. Então, como é que eu vou estimular essas forças sociais, essa forma de vida interpessoal, sem que isso seja corrompido pela formalidade? Acho que esse é o problema a ser tratado. Mas aí você teria de ter um pensamento geral, mas capaz de captar a sua dinâmica em cada localidade, porque o fenômeno se dá igualmente mas assume configurações territoriais particulares. Acho que de novo, são as idéias que podem mudar essa realidade, o que é abominado pelos políticos e administradores. As idéias, os pensadores mais gerais, são chamados para ajudar os candidatos a fazer discursos, mas não para fazer uma política.

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MS: Eu acho que sim. Essa realidade está se pro-

duzindo. Em primeiro lugar, a cidade tomou o lugar da nação. E a nação, pela mão do aparelho de Estado,foi escangalhada. A cidade, ela é que se apropria das possibilidades do futuro, não é o campo. A cidade, no seu funcionamento, hoje é menos capitalista do que o campo moderno. Ela é mistura. Ela é criativa porque é mistura. O que falta é aumentar a consciência desses fatos todos de modo a reduzir o jogo de cabra cega. O que é um trabalho em primeiro lugar dos intelectuais, dos para-intelectuais. Esse termo não é pejorativo. É pára-intelectual porque está preocupado com resultados. E o intelectual não tem que estar preocupado com isso não. É também um trabalho dos políticos, mas também dos não-políticos porque as instituições, elas limitam o debate. SILVIO: Minha pergunta é sobre a nossa possibili-

dade de reconhecer a partir das práticas, das experiências em curso, sinais de mudança. Eu reconheço nesse mundo das cidades uma fragmentação muito grande nos setores populares, uma dificuldade muito grande de estabelecer redes, fóruns de ação conjunta. Já houve no passado períodos em que essas manifestações eram mais visíveis, mais articuladas. E hoje não, há uma grande dificuldade para atuar em conjunto. Há sinais de mudança a partir das práticas populares? MS: Por que eu vou partir do passado para discutir

essas coisas? Que o pobre queira consumir é absolutamente normal no período atual. E uma boa parte da sociedade de mutação deixa a vontade de consumo, essa compulsão ao consumo que é típica do nosso período. Eu tenho que levar em conta isso. Acho que esse é o problema nosso. E aqui eu volto à minha tese central: nós temos que distinguir, como dizem os filósofos, entre a ação contingente e a ação possível. Se eu não reconhecer essa dualidade do ser humano, eu não tenho futuro. Porque nós somos condicionados por forças que nunca foram tão fortes também no constrangimento ao pensamento.

SILVIO: Seria possível pensar, a partir dos sinais

CARLOS: De onde nós podemos esperar que surja

presentes hoje, que um novo mundo urbano é possível, aqui no Brasil?

de uma maneira mais articulada esse tipo de questionamento ao pensamento único?


MS: Eu acho que ele já exis-

te. Da parte dos pobres. Dos pobres imigrantes, das minorias. E há a codificação, que é trabalho nosso, codificar e inventar, porque o pensamento também é cultivo. Essa invenção a par da codificação, do que a sociedade descobre de novo. No caso do Brasil isso é muito difícil porque o Brasil é sempre hostil com seus intelectuais. Não gosta deles. Os intelectuais sempre têm poucos recursos, são chamados para enfeitar acontecimentos e depois são mandados embora. Hoje os aparelhos partidários colocam um cordão sanitário em torno dos intelectuais, eles prescindem deles, trabalham sem de um modo geral.

POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO DO PENSAMENTO ÚNICO À CONSCIÊNCIA UNIVERSAL MIL TON SANT OS MILT SANTOS Editora Record Nesta obra, o geógrafo Milton Santos defende a idéia de que é preciso uma nova interpretação do mundo contemporâneo, uma análise multidisciplinar, que tenha condições de destacar a ideologia na produção da história, além de mostrar os limites do seu discurso frente à realidade vivida pela maioria dos países do mundo. A informação e o dinheiro acabaram por se tornar vilões, à medida em que a maior parte da população não tem acesso a ambos. São os pilares de uma situação em que o progresso técnico é aproveitado por um pequeno número de atores globais em seu benefício exclusivo. Resultado aprofundamento da competitividade, a confusão dos espíritos e o empobrecimento crescente das massas, enquanto os governos não são capazes de regular a vida coletiva. Apesar disso, Milton Santos reconhece o começo de uma evolução positiva nas pequenas reações que ocorrem na Ásia, África e América Latina. Talvez pode ser este o caminho que conduzirá ao estabelecimento de uma outra globalização. A proposta deste livro é levar uma mensagem de esperança na construção de um novo universalismo, menos excludente.

OP AÍS DIST ORCIDO PAÍS DISTORCIDO O BRASIL, A GLOBALIZAÇÃO E A CIDADANIA

(Entrevista concedida a Carlos Tibúrcio - Jornalista e Coordenador do Le Monde Diplomatique – Brasil e Silvio Caccia Bava - Sociólogo, fundador e pesquisador do Instituto Polis em 2001.)

MILTON SANTOS Organizador Wagner Costa Ribeiro Editora PUBLIFOLHA O ‘País Distorcido’ reúne textos publicados por Milton Santos na Folha de S. Paulo ao longo de 20 anos, desde 1981 até sua morte, em 2001. Nestes artigos e entrevistas, registram-se, com característico vigor de estilo e independência, as idéias do grande geógrafo sobre o Brasil, a globalização, a cidadania e outros temas fundamentais para nossa autodefinição.

A NA TUREZA DO ESP AÇO NATUREZA ESPAÇO TECNICA E TEMPO TEMPO.. RAZÃO E EMOÇÃO MILTON SANTOS Editora EDUSP Esta obra interdisciplinar oferece um tratamento pioneiro às relações entre a técnica e o espaço e entre o espaço e o tempo, bases para a construção de um sistema de conceitos coerentemente formulado, objetivando definir o espaço geográfico e seu papel ativo na dinâmica social.

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UM

GIRASSOL por entre as COISAS Por Por Luciane Hagemeyer

A poesia é uma forma de conhecimento, de consciência e percepção de mundo. É também uma forma de comunicação que, em certo sentido, vai muito além da própria linguagem, por fazer parte de um complexo jogo de relações que estabelece com a realidade. Ela nos presenteia com sua natureza ambígua, simultaneamente material e imaterial e nos ajuda a desenvolver a inteligência sensível. E diante de toda a amplitude de significados que oferece ao pensamento, muito se aproxima da curiosidade da criança.

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E

Encontramos em As Coisas1 , de Arnaldo Antunes, este fazer poético que muito se aproxima da surpresa infantil, revelando a emotividade retirada da simplicidade do cotidiano. O livro de Arnaldo – além de trazer consigo vestígios das vanguardas modernistas – apresenta um novo olhar sobre a realidade onde tudo contém novidade, estranhamento e curiosidade, característica que, por sinal, já estava em Oswald de Andrade em seu poema 3 de maio:

Aprendi com meu filho de dez anos Que a poesia é a descoberta Das coisas que nunca vi.2 Arnaldo busca trazer à tona a mesma singeleza e comunicabilidade direta sugerida pelo poema de Oswald. Mas a quem se dirige? Quem é o leitor de As Coisas? Gianni Rodari, um grande escritor e educador, afirmava que não existiriam limites qualitativos para definir a literatura infantil, pois muitas obras dedicadas explicitamente às crianças, não deixaram também de encantar os adultos e vice-versa. Mas o que Rodari propõe de mais importante em sua Gramática da Fantasia3 é a possibilidade de redescobrir como são feitos os exercícios de imaginação e de criatividade lingüística que recuperam a simbiose existente entre literatura e infância, seja pelas “invenções” surrealistas, seja pelas “brincadeiras” cubistas, entre tantas outras maravilhosas propostas. Como isto é possível? Ora, as crianças deixam transparecer seu olhar poético sobre o mundo naturalmente, seja ao nomear, ao conhecer ou ao transmitir o que vêem e sentem. Da mesma forma que os poetas, elas lutam com as palavras para explicar o mundo que as cerca. Este esforço demonstra que elas não desejam apenas saber como as coisas são causadas, mas também como são. Elas se intrigam ao descobrir que o léxico possui múltiplos significados. É isto o que Arnaldo faz ao brincar com as palavras que definem os relacionamentos familiares, suas regras e suas origens, como no poema a seguir:

Neto e neta são netos, no masculino. Filho e Filha são filhos,

no masculino. Pai e mãe são pais, no masculino. Avô e avó são avós. Estas construções são apresentadas como atividade lúdica que indica haver simultaneidade entre criação poética e o jogo infantil. Como afirma Armindo Mesquita, “crianças e poetas jogam com a linguagem de forma similar: transformam as palavras. Crianças e poetas chegam, com freqüência, às invenções léxicas, às rupturas gramaticais, à textura musical dos seus discursos” 4 . Portanto, essa proximidade entre o sujeito poético e o sujeito infantil revela que ambos têm em comum a capacidade de se admirar diante do mundo. Crianças querem sempre alguém para justificar o mundo para elas, tanto quanto necessitam buscar um sentido para aquilo que as intriga. É por isso que gostam do que se apresenta em linguagem poética, pois essas construções atribuem maior sentido ao seu mundo. No poema que analisaremos a seguir, Antunes procura criar o efeito da imagem-equação. Diante das várias paisagens a que se refere, seleciona imagens plásticas que, em versos separados, servem para sugerir novas imagens mentais, formando o que se pode chamar de acorde visual:

O inverno é eterno no Pólo Norte. Os dias dilatam no verão. A água gira em sentido anti-horário nos ralos das pias do Japão. A Patagônia fica ao norte do Pólo Sul. A Groelândia fica ao sul do sul do sul da Patagônia. O mundo é redondo. Um país ao leste pode estar a oeste se você for pelo caminho mais comprido. Os carrinhos do aeroporto no Brasil são empurrados, como os carrinhos de bebê e os de supermercado. Os carrinhos de aeroporto dos Estados Unidos são puxados.

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Os chineses e yanomamis têm os olhos puxados.

ciam muito pesa-

Os relógios da Suíça têm um ponteiro maior que o outro

bem seus cavalos e

como os outros.

se em direção a

As bússolas de Marrocos têm um ponteiro, como as outras, só.

uma rocha e gritou:

A Terra do Fogo é fria. A areia do Saara é como areia da praia, Mas fica longe do mar. O mar cerca todos os lugares. O Saara fica longe de qualquer lugar. As cidades crescem mas os continentes continuam do mesmo tamanho; crescem na maré baixa e encolhem na maré cheia. A Guiana Francesa fica longe da França. A África do Sul é na África. O Equador fica no meio do mapa. O Hawai fica no meio do mar. É uma nova observação da geografia terrestre, onde nada está completamente descoberto. Pela livre associação do pensamento, aqui nenhuma fronteira se interpõe. Novas relações se estabelecem entre a língua e o mundo, a partir de alguns versos que sugerem pequenos disparates semânticos. Assim, o poema oferece-se como estímulo ao desencadear atividades lingüísticas mais criativas: pela ruptura dos sistemas normativos, pelos efeitos humorísticos e pela ambigüidade de certas palavras. Ausenta-se a monotonia e a palavra se torna transgressão, ou melhor dizendo, resulta no prazer produzido por esta transgressão. Esse olhar criança sobre as coisas faz com que a união da experiência infantil com a experiência literária ofereça admiração e desafio ao pensamento, tanto para o adulto quanto para o pequeno leitor. Como dizia Borges, escritor argentino, “há versos, é claro, que são belos e sem sentido. Porém ainda assim têm um sentido – não para a razão, mas para a imaginação”5 . É o caso de:

das. Amarraram um deles adiantou-

“- Abre-te cérebro”! Temos aqui um poema curto. Há personagens, há vozes, o que faz com que se pretenda narrativo. Há uma ação inicial, que apresenta o cenário e personagens de início um tanto imprecisos. Segue-se então uma ação deflagradora, o adiantarse em direção a uma rocha, que resultará na ação final, revelando a evidente intertextualidade com o Conto de Ali Babá, trazendo, no entanto, a surpresa. E ficamos assim nos indagando sobre os tesouros que encontraríamos nesta caverna tão especial e diferente. Vejamos agora, um último poema, musicado posteriormente sob o título Cultura, pelo selo Palavra Cantada:

O girino é o peixinho do sapo. O silêncio é o começo do papo. O bigode é a antena do gato. O cavalo é o pasto do carrapato. O cabrito é o cordeiro da cabra. O pescoço é a barriga da cobra. O leitão é um porquinho mais novo. A galinha é um pouquinho do ovo. O desejo é o começo do corpo. Engordar é tarefa do porco. A cegonha é a girafa do ganso. O cachorro é um lobo mais manso. O escuro é a metade da zebra. As raízes são as veias da seiva. O camelo é um cavalo sem sede. Tartaruga por dentro é parede. O potrinho é o bezerro da égua. A batalha é o começo da trégua.

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Todos eles traziam

Papagaio é um dragão miniatura.

sacolas, que pare-

Bactéria num meio é cultura.


Já dizia Oswald de Andrade que a poesia não existe apenas no papel. Ela pede para ser falada, interpretada, recitada e até cantada. Neste último poema instala-se a rima e todos os versos contêm uma métrica, que se revela ainda mais constante se o escutarmos em forma de canção – gravada pelo selo Palavra Cantada, de Paulo Tatit e Sandra Peres. A seleção do vocabulário confere ao poema um sentido coloquial, bastante próximo do linguajar e do universo infantil. O texto estabelece algumas coordenadas para suscitar no leitor um pensamento mais livre, notadamente influenciado pelo Dicionário de José Paulo Paes em Poemas para Brincar 6 . Bastante lúdicos, os versos se constituem de frases justapostas, onde o tratamento sintático convencional está ausente em alguns versos. Arnaldo sugere assim, um desvio de norma, que não ocorre apenas no nível gramatical, como também no nível semântico. Mais uma vez, palavras em liberdade. Enfim, qual é o olhar de Antunes sobre As Coisas? É o olhar do girassol. O girassol que está por entre As Coisas, que capta suas transitoriedades e permanências, suas simplicidades e complexidades, suas porções fluidas e materiais, seus objetos reais e imaginários, as coisas grandes e as pequenas, com a surpresa da primeira vez. O mesmo girassol de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.

O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo... Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender...

(Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... Eu não tenho filosofia; tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, E a única inocência não pensar...7 Alberto Caeiro, em “O Guardador de Rebanhos”, 1914

(Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Luciane Hagemeyer é professora do Ensino Fundamental, formada em Letras Português/Inglês pela UFPR, com pós-graduação em Currículo e Pratica Educativa pela PUC-Rio e mestranda em Estudos Literários pela UFPR

1 ANTUNES, Arnaldo. As coisas. São Paulo: Iluminuras, 1993. 2 ANDRADE, Oswald. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. 3 RODARI, Gianni, Gramática da Fantasia, São Paulo: Summus, 1982. 4 Armindo MESQUITA. A estética da recepção infantil. Disponível em: http;//www. web.ipn.pt/literatura/infantil/armindo1.rtf. Acesso em 23/09/2004. 5 BORGES, Jorge Luís. Esse ofício do verso. Trad. José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 6 PAES, José Paulo. Poemas para Brincar. São Paulo: Ática, 1990.

O Mundo não se fez para pensarmos nele

7 PESSOA, Fernando. P o e s i a c o m p l e t a d e A l b e r t o C a e i r o . S ã o Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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AS COISAS ARNALDO ANTUNES Editora Iluminuras O que vem de dentro do quê? As coisas vêm das palavras ou as palavras vêm das coisas? Para Arnaldo nada é tão simples como as cores que parecem vir dos lápis de cores. O resto é linguagem. O resto é corpo, e corpo tem sempre alguém como recheio. Cabe lembrar-nos aqui do que escreveu Augusto de Campos sobre a poesia de Rilke: “Onde o inanimado se anima e o animado se humaniza, por uma sutil translação de categorias”. “A água/ molha/ porque/ não sabe/ cuspir”. Temos em Antunes uma variedade de expressões simples que se funde com a naturalidade de seus conteúdos. A propósito sempre da Palavra, as coisas se movimentam como marionetes. Esse o tudo das coisas do poeta. “Todas as coisas/ do mundo não/ cabem numa/ idéia. Mas tu-/ do cabe numa/ palavra, nesta/ palavra tudo”. Fragmento da resenha de Manoel Ricardo de Lima. Disponível em http://www.arnaldoantunes.com.br. Acesso em 21/04/2006.

POESIA COMPLETA DE ALBERTO CAEIRO FERNANDO PESSOA Companhia das Letras Esta reunião da poesia de Alberto Caeiro, “o guardador de rebanhos”, integra a coleção de obras de Fernando Pessoa publicada pela Companhia das Letras, sempre com texto estabelecido por grandes especialistas. Aqui o trabalho de edição crítica ficou a cargo de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, autores também dos dois ensaios que integram o livro. Para Martins, de todos os heterônimos criados por Fernando Pessoa, Caeiro talvez seja o que corresponda a um “esforço de arquitetura” mais bem-sucedido. Uma das três partes de sua obra, O pastor amoroso, “mostra-o em tudo contrário ao que se deseja e se projeta nas outras duas”, enquanto O guardador de rebanhos e os Poemas inconjuntos contêm poemas “em que a personagem surge sob iluminações imprevistas, revelando aspectos que contradizem o seu ideal de SiMesmo e lhe conferem verossimilhança ficcional”. Em Caeiro há uma “ciência espontânea”, um “misticismo materialista” e uma “simplicidade complexa” - “atributos paradoxais que servem para intensificar e tornar crível a sua extraordinária singularidade”.

A GRAMÁTICA DA FANTASIA GIANNI RODARI Editora Summus Por meio da análise de variadas técnicas de invenção, Rodari oferece um eficaz instrumento para os que acreditam na criatividade infantil. Mostra como uma aula pode se tornar criativa, agradável, instigante. E não se restringe ao universo ‘clássico’ da literatura infantil, pois também propõe técnicas a partir de notícias de jornais, fatos históricos, geográficos etc.

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O

SANTO e a

Por

Rafael

Riva

Semana Santa

Finatti

Há sete anos, durante a Semana Santa, o Colégio Medianeira realiza a Missão de Semana Santa. Além de colocar em prática o espírito de solidariedade, a Missão também se torna uma vivência importante para a formação humana de todos os envolvidos. Se Santo Inácio, o criador da Companhia de Jesus, despojouse de seus luxos e dedicou sua vida a Deus, por que nós não podemos fazer isso ao menos em um feriado?

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E

Era uma vez um menino chamado Iñigo. Iñigo Lopez de Loyola. Ele nasceu em uma família cristã, rica e nobre da Espanha, no ano de 1491. Foi o menor de seus treze irmãos. Educado com todo o zelo para que se tornasse um fidalgo, Iñigo cresceu como muitos de nós: apreciando certos luxos, praticando esportes e lendo livros de aventuras. Iñigo gostava tanto de livros de aventuras que optou pela carreira militar. Tornou-se então um cavaleiro, daqueles com espadas, guerreiro de batalhas militares e diplomáticas. Durante a defesa da cidade de Pamplona, em 1521, o bravo cavaleiro foi ferido por uma bala de canhão e por isso teve que ficar longo tempo em convalescença. Para se ocupar durante sua recuperação, Iñigo trocou a leitura dos romances de infantaria e guerra por livros sobre a vida dos santos e a Paixão de Cristo. Aquelas leituras mudaram a vida de Iñigo. Diferente de quando cultivava seus sonhos militares, Iñigo sentia paz e alegria imensuráveis sempre que lia a história de Cristo e as dos santos. Sonhava em fazer o que eles fizeram, em ser igual a eles. Assim, depois de curado, tratou de despojar-se de sua espada e de todos os seus outros bens, e decidiu colocar-se a serviço de Deus. Tornou-se um peregrino. Passou a levar uma vida precária e incerta, sem expectativas e sustentado pela caridade. Ainda assim conseguiu, sem dinheiro algum, ir até Jerusalém, numa viagem longa e cansativa. Depois disso, nada para Iñigo seria impossível de ser realizado. Vivendo de esmolas, estudou filosofia e teologia em universidades de Veneza, Paris e Barcelona, foi preso pela Inquisição, ordenou-se sacerdote, cativou pessoas e em 1540 fundou a Companhia de Jesus. Morreu em 1556 em Roma e foi declarado Santo Inácio de Loyola em 1622 pelo Papa Gregório XV. A contribuição de Iñigo (ou Inácio, como passou a ser conhecido) para a Igreja e a Humanidade é incalculável. Exemplo de perseverança na busca pelos seus ideais, na disseminação do catolicismo pelo mundo, sua ação rendeu frutos. Alguns deles ficaram registrados pela História, como os nomes de São Francisco Xavier, São Luis Gonzaga, Santo Estanislau de Kostka, José de Anchieta e tantos outros, incluindo os milhares de jesuítas espalhados pelo mundo hoje e todos os feitos realizados por essas pessoas. Outros são bastante

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palpáveis, como as 24 universidades eclesiásticas e 31 civis, os diversos centros de estudos superiores e os quase quinhentos centros de Ensino Médio e profissionalizante em todo o mundo, dentre os quais o nosso Colégio Nossa Senhora Medianeira.

Vocação missionária Identidade é algo absoluto. Ninguém se identifica pela metade com algo. Ou se identifica, ou não se identifica. Podemos nos identificar com diversas coisas, pessoas, situações, ideologias, mas a partir do momento em que nos identificamos com algo, isso passa a ser um diferencial nosso em relação às outras pessoas. Do mesmo modo, a identificação do Colégio Nossa Senhora Medianeira com a Companhia de Jesus e com seu fundador, Santo Inácio, também é um diferencial em relação a outros colégios. E deve ser absoluta. Sendo assim, mesmo levadas em consideração as adequações estruturais, financeiras, tecnológicas e educacionais que uma instituição de ensino deve fazer permanentemente para manterse “viva” diante dos anseios de uma sociedade capitalista e globalizada, é de fundamental importância que a identidade desta instituição seja preservada. Assim sendo, jesuíta que é, o Colégio Medianeira tem uma vocação missionária: deve a todo momento mirar-se no exemplo de Santo Inácio para definir suas formas de proceder. A palavra... e a ação. E como motor desta, a vontade. É o traço mais típico de Inácio. Mais do que


ser, a ele importa estar, saber estar, mas não entende o estar como indolente abandono, e sim como resposta ao que o rodeia e à vida, como agir, como vontade de ação. Ser é querer, decidir, agir. José Ignácio Tellechea Idígoras

Na lógica da pedagogia inaciana, uma das bases da formação do sujeito é a procura do outro, isto é, se abrir à diversidade cultural. Isso propicia reconhecermos Deus à sua imagem e semelhança na figura de cada pessoa, inclusive daqueles que são mais excluídos em nossa sociedade. Porém, o que acabamos fazendo em nosso dia-a-dia é negar a dignidade ao pobre, ao negro, ao idoso, ao enfermo, sendo, no mínimo, indiferentes à situação em que estes se encontram.

do estudado só o Ensino Médio no colégio. Foram cinco: três vezes para Areia Branca (2001, 2003 e 2004), uma vez para São José dos Pinhais (2002) e uma para o Boqueirão (2005). Sinal de que me identifiquei. O projeto está completando sete anos agora em 2006 – a primeira Missão foi em Quatro Pinheiros, com a participação do interessante número de 12 alunos. Costuma-se dizer que cada Missão é uma Missão, que nunca as coisas são iguais, por mais que se vá duas vezes para o mesmo lugar. E é verdade. Vivenciei experiências distintas em cada um desses cinco anos em que passei o feriado de Páscoa longe de minha casa. Areia Branca dos Assis é uma comunidade rural localizada no município de Mandirituba, a aproximadamente 30 quilômetros

Diante desse quadro e do exemplo de Santo Inácio, o Colégio Medianeira vem tentando fazer com que seus alunos possam interagir com realidades distintas das que vivem. Em meio aos diversos programas de trabalho voluntário que acontecem ao longo do ano, a Missão de Semana Santa aproveita-se de uma data significativa para a Igreja, a Páscoa, para tentar fazer com que alunos, ex-alunos, professores, profissionais da área de saúde e outros voluntários interessados vivam o mistério da encarnação, morte e ressurreição de Cristo. Isso tudo a partir de uma vivência fraterna e solidária com comunidades da periferia de Curitiba. Na prática, basicamente, os jovens interessados dispõem-se a passar o feriado de Páscoa, de quarta a sábado, em casas de famílias de baixa renda. Sob a coordenação da Pastoral do Colégio Medianeira e seguindo um cronograma montado junto com representantes da comunidade, os missionários desenvolvem atividades comunitárias, como catequese, visita aos doentes e encontros com jovens e idosos. Além disso, participam das missas, das atividades paroquiais (como a cerimônia do Lava-Pés e a Via Sacra) e, lógico, convivem com as famílias que os receberam. Algumas vezes, inclusive, a amizade iniciada com estas famílias durante a Missão se estende para além do feriado de Semana Santa.

Anos em missão Costumo dizer, cheio de orgulho, que sou um dos alunos que mais participaram das Missões de Semana Santa do Colégio Medianeira, mesmo ten-

de Curitiba. Colônia Rio Grande, que infelizmente não participa mais da Missão, é um bairro da periferia de São José dos Pinhais. E a ocupação urbana extremamente carente no Boqueirão, junto à Paróquia Nossa Senhora da Paz, fica a poucos minutos do próprio Colégio Medianeira. As três localidades são bastante diferentes, mas nas três fui muito bem acolhido. Com toda a certeza, nessas cinco Missões de que participei, o momento mais marcante é a visita que é feita aos idosos e enfermos. Palavras e imagens – rostos de Cristo – que não me saem da memória. Na última missão, em 2005, no Boqueirão, a realidade das crianças foi o que mais chocou a mim e, com certeza, a todos os missionários.

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de coração aberto.

Mais do que a condição precária em que vivem, a violência impregnada nas atitudes de muitas das crianças com quem nos relacionamos é um sinal de que ainda há muito a ser feito por elas. As crianças, que são o futuro dessas comunidades, não vivem dignamente o presente.

Em tudo amar e servir A Missão de Semana Santa não é perfeita. Está longe disso, aliás, porque perfeito só Deus. É um projeto em aprimoramento, uma semente plantada no coração de cada um que se envolve. O ideal seria que essa vivência, o intercâmbio cultural que se dá nessas comunidades durante a Páscoa, pudesse ocorrer mais vezes durante o ano. Apesar disso, muito se aprende em uma Missão. Sentimentos como o respeito ao próximo, a responsabilidade pelo que se está fazendo, tranqüilidade para enfrentar eventuais situações adversas, disposição para o trabalho, o espírito de solidariedade, a compaixão, enfim, tudo isso acaba acontecendo quase que naturalmente durante uma Missão. “Em tudo amar e servir”: esse é o lema de quem vai. Por outro lado, dentro da comunidade, diante da realidade em que vivem, a presença dos missionários é importante. Para as crianças, para os diversos doentes que mal levantam de suas camas, para os diversos idosos que há muito deixaram de ser ativos, a alegria contagiante dos missionários é um alento. Crer que um grupo de jovens, mesmo desconhecido, mesmo que por pouco tempo, demonstra preocupar-se com eles, é para essas pessoas uma dose a mais de esperança. É por isso que quem na comunidade tem condições mínimas de receber os missionários em sua casa o faz

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Coração aberto, aliás, é a recomendação para quem vai a uma missão. Assim como fez Santo Inácio, despojar-se de nossas espadas, de nossos luxos e ser humilde é fundamental para servir a Deus nessa jornada. Nada mais justo, afinal, do que se mirar no exemplo deste homem que criou a Companhia de Jesus – e, indiretamente, o Colégio Nossa Senhora Medianeira. Ninguém precisa ter a pretensão de agir tal qual um santo, ou de mudar radicalmente em três dias as realidades com as quais vão se deparar. Mas cativar pessoas, fazer o bem e motivar sorrisos são coisas extremamente palpáveis para todos nós. Não é irrealista ou temerário; mas, uma vez decidido a algo, apalpa o futuro como se fosse presente. (...) Todavia, cobra fé para a ação, para o compromisso, não para o sonho. (...) ‘Confiar em Deus, como se tudo dependesse dele.’ Trabalhar e servir-se de recursos humanos, como se tudo dependesse de nós. José Ignácio Tellechea Idígoras

Missão 2006 É importante que, estudando em um colégio jesuíta, os alunos ao menos saibam quem é Santo Inácio. Identificar-se com a sua pessoa, com a sua proposta, é uma outra história. Minha identificação com Santo Inácio é recente, fruto das atividades ligadas ao colégio que eu – assim como outros ex-alunos – continuei realizando mesmo depois de entrar na universidade. Retiros de crisma, Comunidade de Vida Cristã (CVX) e a própria Missão mantiveram acesa em mim e em outras pessoas a chama missionária de Santo Inácio de Loyola. É por isso que não fui à Missão deste ano: participei do retiro Escalada, etapa de formação do Centro Apostólico de Formação Humana criado por ex-alunos do Colégio Medianeira. A missão, entretanto, continuou em boas mãos. De acordo com a Pastoral do Colégio, mais de 100 pessoas – entre as quais 30 ex-alunos, 70 alunos de 2 a. e 3 a série do Ensino Médio, 10 professores e 3 padres jesuítas – participaram do projeto, em três comunidades: Quatro Pinheiros, Areia Branca e Boqueirão. Sinal de que não é necessário esperar ser ferido por uma bala de canhão para poder servir a Deus.


Obs: os textos em itálico foram retirados do livro Inácio de Loyola – A aventura de um cristão, de José Ignácio Tellechea Idígoras (São Paulo, Edições Loyola, 2001). O livro pode ser colocado na parte dicas e indicações que vocês fazem, juntamente com o livro Exercícios Espirituais, de Santo Inácio de Loyola (Edições Loyola).

EDUCAR P ARA A SOLID ARIED ADE PARA SOLIDARIED ARIEDADE PROJET O DIDÁTICO P ARA UMA NOV A PROJETO PARA NOVA CUL TURA DE RELAÇÕES CULTURA

Rafael Riva Finatti tem 20 anos e foi aluno do Colégio Medianeira entre 2000 e 2002. Coordena o Centro Apostólico de Formação Humana (CAFHu) e é Estudante do 4º ano dos cursos de Jornalismo (UnicenP) e Ciências Econômicas (UFPR). Colaborou na revisão do texto a ex-aluna Silvia Maoski, estudante do quarto ano de Relações Públicas da UFPR.

LEANDRO SEQUEIROS Editora ARTMED Nos últimos tempos, têm havido debates sobre o futuro da educação em todo o mundo, preparando homens e mulheres para o século XXI. As grandes organizações do mundo insistem na necessidade de um rearmamento moral, de uma educação em valores em contraponto à educação técnica de muitos países ricos e desenvolvidos do planeta. Este livro é uma aproximação didática aos valores da solidariedade internacional dentro do contexto mundial da assimetria entre países pobres e ricos.

INÁCIO DE LOYOLA A AVENTURA DE UM CRISTÃO JOSÉ INÁCIO TELLECHEA IDÍGORAS Editora Loyola Biografia de Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. O texto narra a aventura de um cristão em sua incessante busca de sentido do chamado misterioso de Deus em sua vida. A aventura de Inácio de Loyola se dá no silêncio, na oração, na doença, na dor, nas crises, na perseguição, na necessidade de estudar mais para poder servir melhor.

(Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

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O

IMPACTO das

Embalagens

no

MEIO AMBIENTE

Por Nely Brasil

Consumir é uma atitude necessária a todo o ser humano. Mas que impacto no meio ambiente (e o meio ambiente somos todos nós) o exagero pode provocar? O que fazer com a quantidade imensa de embalagens, sacolas, informativos publicitários que são despejados em nós a todo o momento?

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“A educação ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seu modo formal, não formal e informal, promovendo a transformação e a construção da sociedade”. Paulo Freire

C

Com o processo da industrialização, a visão do mundo capitalista voltou-se para uma sociedade baseada numa ideologia hedonista, sustentada por uma filosofia onde todas as coisas deveriam ser movidas pelo desejo de obter o prazer e evitar a dor: estas idéias foram a fonte da sociedade de consumo que busca o prazer através do consumo deliberado. O interesse pelo lucro faria com que a escolha recaísse sobre a produção de um bem que satisfizesse a necessidade das pessoas que poderiam cada vez mais adquirir produtos. Necessidade de coisas produz o consumo generalizado de produtos que, associados ou não a um valor específico, são reconhecidos como fundamentais para o bem estar do indivíduo, passando a ter concretude quando produzido (ou consumido) em formas, cores e outras sensações, e muitas vezes traduzido em belas embalagens. Tais produtos passam a ser objetos de consumo, de uso corriqueiro, devidamente embalados e apresentados ao consumidor, normalmente, via publicidade de massa. Os signos embalados em questão geram valores que influenciam decisões e posturas de compra, das quais as necessidades fogem à consciência crítica. Para o consumismo, não há limite desde que se consuma cada vez mais. A embalagem tornou-se um vendedor silencioso. Em meio a uma infinidade de produtos presentes nas gôndolas, os olhos do consumidor passam como um raio por cada um deles e somente pára naquele que lhes chamar mais atenção. Claro que isso não reverterá exatamente em uma compra, mas, pelo menos, tal mercadoria conseguiu se destacar perante os seus concorrentes. Esta curiosidade do consumidor não se deve à qualidade do produto ou ao preço, mas à embalagem, e é através dela que se consegue

distinguir a maior parte dos produtos e muitas vezes a decisão de compra efetua-se no próprio local devido à embalagem. Foi nos EUA, após a segunda guerra mundial, que a obsolescência planejada tornou-se uma característica inerente à economia do Ocidente. Não se pode negar que, dessa forma, criou-se um ciclo vicioso no qual o homem consome produtos e embalagens para satisfação das suas necessidades e desejos. Ampliaram-se, dessa maneira, o processo de comercialização e a afirmação do consumismo na sociedade capitalista que sorrateiramente penetrou junto às massas. Já na década de 50, a concorrência do capitalismo norte-americano apresentou-se com uma estrutura, organização, uma ideologia e um design próprios voltados para o consumo de massa internacional, impregnados de uma lógica baseada na sustentabilidade de uma política onde os objetos se tornariam obsoletos em pouco tempo (obsolescência planejada), a fim de tirar a máxima vantagem do processo de produtividade e progresso tecnológico. Já no final da década, em todo os Estados Unidos, slogans martelavam o público consumidor nas rádios e televisões. Dias de compra significavam dias de pagamento, dias melhores... Por isso, compre alguma coisa de que se precise. Compre, Compre e seja feliz, Compre seu caminho para a prosperidade. A evolução do mercado capitalista e a competição entre os produtos geraram na sociedade a busca de inúmeros produtos com embalagens descartáveis altamente influenciáveis na decisão de compra dos consumidores. Surge, então, uma nova safra de salgadinhos e alimentos instantâneos que economizavam tempo no preparo. Além da função prático-utilitária, juntou-se a esta a função estética dando corpo ilustrativo ao produto. A publicidade ganhava destaque à medida que os fabricantes brigavam pela atenção de seus produtos no mercado. O consumismo, o design de embalagens e o marketing de bens em concorrência entre si produziram um grande leque de escolhas de produtos, que manifestamente entusiasmava, entretinha e satisfazia o consumidor. E para aguçar o apetite do público, o fabricante recorria a estratégias que transformassem as pessoas em consumidores vorazes, esbanjadores e compulsivos, colocando estratégias que introduzissem o públi-

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co a consumir sempre em níveis cada vez mais altos, de tal forma recorrendo aos serviços da publicidade, com seus valores que constroem e moldam o consumismo. Os diferentes elementos – design de embalagens, consumismo e construção da imagem do consumismo através da publicidade – mantêm uma relação de interdependência, tendo como centro finalizador as vendas.

Em meados da década de 80, há o questionamento em relação ao consumismo exasperado das sociedades capitalistas. Dessa forma, o mundo começou a voltar sua atenção para o ser humano e o meio ambiente. Surge então o design verde, ou eco-design, enfatizando a preocupação com o uso de materiais recicláveis, a durabilidade dos produtos e a economia de energia.

É comum ser citada como marco da crise ambiental a famosa Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em Estocolmo, datada de 1972. Essa conferência, da qual participaram 113 países, alertava para a necessidade de controles internacionais para reduzir a poluição e os danos ambientais. Pode-se ressaltar que um dos fatores que contribuíram para o aumento da poluição fora o excesso de embalagens colocadas no mercado. Embora isso ainda hoje possa ser discutido, o fato é que, paulatinamente, todos os países foram chegando ao entendimento da gravidade da situação ambiental do planeta.

A sociedade humana, ao longo da história, construiu hábitos de consumo globalizados e com características urbanas, respondendo a movimentos globais de empresas transnacionais. De tal forma que o sistema de produção que satisfaz o desejo destes consumidores é o mesmo que o cria, seja através do design de um novo produto, uma estratégia de marketing ou uma elaborada campanha de publicidade. São, portanto, evidentes as conseqüências do consumismo sobre o meio ambiente e sobre a qualidade de vida social. Por um lado, o desperdício dos recursos naturais e energéticos e de outro o excedente de embalagens no meio ambiente. Redução de produtos e embalagens gera menor impacto ambiental Práticas de um consumidor consciente: Reduzir ao máximo o consumo de materiais no meio ambiente Reutilizar embalagens quando for o caso

Nesse período, o design de embalagens colocou em evidência tetrapacks e potes de plásticos moldados em sucos, leites, molhos, iogurtes, tornando o transporte mais funcional. Com cores marcadas pela época psicodélica, colorida, com tons fortes e quentes, tornou-se um poderoso veículo de vendas, atrelando a marca ao produto, e veiculando-os como concepção global de vendas. O desdobramento de novos materiais também permitiu idéias ousadas na confecção de embalagens. A vida agitada dos anos 80 propunha consumidores cada vez mais velozes e vorazes por novos produtos que pudessem satisfazer suas necessidades. Com o tempo curto para cozinhar, passaram a ter hábitos mundialmente conhecidos, com destaque para as refeições prontas e produtos cada vez mais descartáveis. Foi a época dos desastres ambientais, os quais contribuíram para o aquecimento global. Tornou-se urgente a necessidade de um design diferenciado.

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Reciclar os materiais brutos e não poluentes Primeiramente, evite o consumo desnecessário. Em termos ambientais, geralmente é preferível reutilizar um produto, ou parte dele, do que reciclá-lo ou incinerá-lo, porque especialmente em se tratando de embalagens, que são bens de consumo projetados com uma fase de curto período, aumenta-se dessa forma a vida útil desses produtos, através de uma estratégia de reutilização dos materiais empregados na embalagem anterior. Portanto, reutilize produtos tais como: copos e potes de vidros, aqueles que quase não se encontram mais no mercado. Produtos em embalagens de vidro também são melhores porque o material não troca toxinas com o produto a ser consumido. Embalagens plásticas liberam dioxina ao serem congeladas ou esquentadas em forno de microondas, principalmente quando o produto possui ali-


mentos que contêm gordura. A combinação de gordura, alta temperatura e plástico libera a dioxina, altamente tóxica e cancerígena para o ser humano. Sopas semiprontas, nas quais se adiciona água quente no invólucro de isopor ou qualquer tipo de comida semipronta/congelada com invólucro de plástico, próprio para ir ao forno ou microondas, deveriam ser retiradas das embalagens originais e removidas para vasilhame de vidro ou louça para aquecimento. Prefira refratários de vidro, pirex ou porcelana para aquecer alimentos. Use plásticos apenas em materiais secos, como os grãos. “Não é à toa que a Coca-Cola está voltando com as garrafas de vidro. Excluindo aos poucos do seu estoque os PETS”, informa Edward Fujimoto, que é médico do Castle Medical Center e gerente do Programa de Bem Estar/Programa de Promoção da Saúde deste hospital. Prefira produtos em embalagens reutilizáveis ou recicláveis de empresas ambientalmente responsáveis. Portanto, fique atento aos produtos que as empresas colocam no mercado e qual a plataforma desta junto aos seus consumidores. Empresas conscientes agem para a manutenção e melhoria das condições ambientais, minimizando ações próprias potencialmente agressivas ao meio ambiente e disseminando para outras empresas práticas e conhecimentos adquiridos na experiência de educação e gestão ambiental. A correta aplicação quanto à reciclagem pode reduzir o acúmulo progressivo de lixo ambiental. A produção de novos materiais, como, por exemplo, o papel, plástico, metal, libera emissões de gases, que agridem o meio ambiente e poluem o ar, a água e o solo, entre outros. Ao pensarmos no aspecto econômico, a reciclagem ainda contribui para a utilização mais racional dos recursos naturais e a reposição daqueles recursos que são passíveis de re-aproveitamento. Entretanto, mesmo os processos de reciclagem provocam seu próprio impacto ambiental devido ao transporte, ao consumo significativo de energia ou mesmo ao re-processamento deste material. Mesmo que isto ocorra, dê preferência à reciclagem, pois isto ainda leva a um real ganho ambiental. Quanto ao lixo reciclável, primeiramente separe-os em lixos orgânicos, plásticos, papéis, metais, vidros e principalmente materiais tóxicos, tais como: baterias, pilhas, e lâmpadas fluorescentes,

lixo altamente tóxico ao ser humano. Um lembrete: lave o lixo reciclável, à exceção dos tóxicos, antes de guardá-lo. Isto ajudará bastante na hora de reciclá-los. Enfim, o que fazer com o lixo orgânico? Procure em sua casa separar o lixo orgânico dos que serão reciclados. Aproveite o orgânico e faça uma compostagem (junte o lixo orgânico e faça adubo), aproveitando-o em jardins e hortas. É hora de repensar a respeito do consumo elevado e sobre o processo capitalista em vigor, porque não existe a consciência nos profissionais de que as opções e decisões de seu trabalho exercem uma profunda influência não apenas na sociedade, mas principalmente em relação ao meio ambiente. É de suma importância que se pense em excedentes de produtos e embalagens como causa de poluição ambiental, relacionando-os aos resultados finais, pois em se tratando de criação ou fabrico de produtos, deve-se levar em consideração seu período de vida e a degradação dos mesmos no meio ambiente, que, se não levados a sério, podem ter graves conseqüências ecológicas em longo prazo. É necessária uma educação ambiental transformadora na sociedade, que proporcione, por meio de uma gestão ambiental, o princípio educativo, através de questionamentos e crítica à sociedade de consumo, a começar pelas nossas próprias casas, posicionando os indivíduos na gestão dos seus respectivos lugares, de modo que o indivíduo faça uma reflexão deliberada sobre o lugar em que vive. O recurso pedagógico a ser utilizado é o exercício de percepção ambiental reflexiva acompanhado do enfrentamento das questões que emergem desta atividade, de modo que todos demonstrem maior respeito para com o meio ambiente. Breve Currículo Nely Brasil é mãe de dois filhos do Colégio Medianeira. É formada em Publicidade e Propaganda, com especialização na área de Design de embalagens/ecológico pela UTFPR (antigo CEFET), designer gráfico e consultora em projetos ecológicos para ONGS.

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FORTALECIMENTO do Sonho Jubileu da Fundação Fé e Alegria do Brasil do uma dinâmica comum entre as Fundações Fé e Alegria dos 17 países. Nestes 25 anos a proposta da Fundação Fé e Alegria do Brasil foi socializada e referendada em todos os níveis, desencadeando um processo participativo, com sucessivos encontros do pessoal da Fundação Fé e Alegria, onde os sonhos de muitos se conectaram, gerando uma dinâmica de envolvimento e vibração. Deus nos conduziu até aqui com tanta sabedoria, por este caminho de revisão e apropriação da nossa Identidade e Missão.

O

O clima é de festa, de ação de graças a Deus pela história vivida, juntamente com os companheiros e companheiras que fizeram esta história, mas ao mesmo tempo, é momento de contemplar com um olhar retrospectivo, nossa caminhada, enquanto instituição, na tentativa de pensarmos juntos os desafios que se apresentam no atual horizonte, os quais necessitam de respostas mais focadas e exigentes. O fato é que em 1955 começava num bairro pobre de Caracas, Venezuela, a Fundação Fé e Alegria, e, há 25 anos (1981) nascia a Fundação Fé e Alegria do Brasil. “Somos Fé e Alegria do Brasil”, e esse sentimento de pertença se fortalece por fazermos parte de uma Rede Latina Americana de 17 países. Como instituição associada, constituímos a Federação Internacional Fé e Alegria, que se orienta pelos mesmos princípios do Ideário em uma Missão comum, compartilhada por todos. Nós nos sentimos fortalecidos com o apoio da equipe de coordenação da Federação que através de 11 Programas Estratégicos Internacionais vem fortalecen-

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Podemos dizer que depois de 25 anos, vivendo passo a passo, numa atitude de discernimento, podemos perceber as maravilhas da obra de Deus que se realizou e continua se realizando pela colaboração humana, nos possibilitando encontrar o sentido mais profundo que nos motiva. É o sonho de cada um sintonizado num sonho maior - uma Fé e Alegria com mais identidade. Afinal, estamos servindo numa mesma Missão e por uma “melhor sociedade e melhor educação para todos e todas”. Ao celebrarmos, como família Fé e Alegria, 25 anos de Brasil, chega até nós o grande desafio de, unidos de coração e serviço, implementá-lo e avançar cada vez mais. Chegarmos até aqui foi possível porque temos um passado, rico e multicultural, que brotou aonde não chega o asfalto, lançando suas sementes entre os empobrecidos da terra. Também, nos projetos para o futuro que florescem em tantos sonhos que se vão fazendo realidade, nas crianças, adolescentes e jovens que crescem em esperança, no sonho de contribuir para uma nova realidade brasileira e latina americana. Entendemos que a missão da Fundação Fé e Alegria do Brasil tem como referência a pessoa


nova, integralmente desenvolvida e realizada em todas as suas potencialidades individuais, sociais e espirituais. Uma pessoa com sentido de dignidade e valorização de si mesma, consciente de seus direitos, que respeita sua dignidade e os direitos dos demais, apaixonada pela justiça, sensível, solidária e atuante frente às injustiças e a dor humana, fraterna e criadora, amante da natureza, capaz de criar comunidade, de estabelecer relações de mútuo enriquecimento, de inventar e compartilhar com os outros a busca de soluções solidárias. Entendemos, também, que para ter uma nova sociedade concebida como Justa, faz-se necessário o respeito à pessoa, à sua dignidade, às suas idéias e valores culturais, humanos e espirituais; criando condições onde se viva com igualdade de direitos e deveres, suprimindo a discriminação por razões de raça, sexo, religião, ideologia política ou outras, onde se tenha acesso real à satisfação das necessidades humanas básicas, superando a brecha entre os que têm mais a favor dos que têm menos e promovendo os setores mais deprimidos; onde o desenvolvimento se entenda como um processo humano, integral e sustentável para todos. Trabalhamos para que haja uma ação participativa e solidária, onde todos possam ter acesso aos bens culturais, econômicos, sociais e religiosos, mas, de forma que, segundo suas capacidades e necessidades possam contribuir, comunitária e solidariamente, na busca de solução dos problemas, compartilhando, de forma livre e responsável, as decisões e a marcha da sociedade, os meios de produção e o fruto do trabalho.

A Fundação Fé e Alegria do Brasil faz um grande esforço para que, como Igreja, possa ser comprometida com o ser humano, inserida no mundo dos empobrecidos e dos discriminados e, que opte preferencialmente por eles. Uma Igreja que anuncie a Boa Nova e denuncie tudo o que atenta contra a utopia do Reino. Igreja ecumênica, aberta ao diálogo e sem discriminações a outras igrejas e vivências de fé. Em nossa visão, enquanto membros da Fundação Fé e Alegria, queremos um mundo onde todas as pessoas possam desenvolver as suas capacida

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des e viver com dignidade, construindo uma sociedade justa, participativa e solidária; um mundo onde todas as estruturas, em especial a igreja, estejam comprometidas com o ser humano e a transformação das situações que geram a desigualdade, a pobreza e a exclusão.

3.

A criação de diversas comissões e redes permanentes de enlaces, assim como reuniões e encontros periódicos de trabalho em distintas áreas temáticas, com o valor intrínseco do intercâmbio fecundo de perspectivas, vivências e experiências.

Tendo em vista a continuidade destes 25 anos, fizemos um processo de “Planejamento Estratégico e da Gestão de Projetos 2006-2010”, para a Fundação Fé e Alegria do Brasil, juntamente com a execução de um plano para o período de 2006 a 2010, que se objetiva a alcançar importantes resultados nos seguintes aspectos:

4.

A execução de uma proposta internacional de formação de educadores populares.

5.

O fortalecimento da sustentabilidade institucional através da gestão de projetos, cuja cobertura e resultados superem as metas e expectativas previstas, e tenham, ainda, um grande potencial de extensão a outras redes e instituições de educação pública e privada no Brasil.

1.

2.

A promoção da identidade da Fundação Fé e Alegria do Brasil como principal elemento de unidade nacional, reconhecendo que, muito além das especificidades regionais, temos problemas comuns e podemos buscar soluções articuladas. O fortalecimento das instâncias de direção regional, e um escritório nacional cujo objetivo central é impulsionar os processos corporativos e prestar apoio aos escritórios regionais, sub-regionais e núcleos.

Deste modo, até 2010, o Plano Estratégico Nacional será uma ferramenta fundamental na tarefa de apropriação dos objetivos e orientações por todos os educadores e parceiros da fundação nas ações, além de contribuir para impulsionar a ação corporativa, de forma significativa para que todos estejam sintonizados na produção e garantia de acesso à educação popular com qualidade para os mais necessitados, numa perspectiva de sociedade com justiça, eqüidade social e solidariedade entre as pessoas. Que o Deus da Vida e da Esperança, amigo dos pobres, nos ajude a realizar esta grande tarefa e Missão com um significante trabalho de equipe, desde e com as comunidades mais empobrecidas.

Pe Domingos Chagas, SJ

Domingos Chagas, S.J. é diretor da Fundação Fé e Alegria do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e Coordenador do Apostolado Social da Companhia de Jesus.

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EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE PAULO FREIRE Editora Paz e Terra Escrita quando o autor já se encontrava no exílio, a obra reflete a maturação e a autocrítica, sendo o primeiro texto a refletir sobre suas experiências pedagógicas. Paulo Freire não deixa dúvidas quanto à concepção de educação: defende ardorosamente a pedagogia conscientizadora como força de mudança e libertação.

ESSA ESCOLA CHAMADA VIDA FREIRE, PAULO Editora Atica Em depoimentos ao jornalista Ricardo Kotscho, os caminhos desses dois educadores brasileiros dentro da educação popular.

FAZER ESCOLA CONHECENDO A VIDA ADRIANO NOGUEIRA, PAULO FREIRE e DÉBORA MAZZA Editora Papirus Na associação de Moradores da Favela Vila Nogueira, num barracão em torno de Dona Ilza, vários intelectuais (técnicos) das áreas interdisciplinares puseramse a discutir com a presidente da favela. É um livro gestado dentro do compromisso dessas pessoas em fazer Escola conhecendo a vida.

A QUESTAO DO CONHECIMENTO NA EDUCAÇAO POPULAR EDUCAÇAO POPULAR E TEOLOGIA DA LIBERTAÇAO PREISWERK, MATTHIAS Editora Vozes Esta obra apresenta-nos uma nova sistematização dos elementos que contribuem para desenvolver a educação popular. Mostra-nos que não é suficiente ter conhecimento e entrar na realidade para analisá-la e interpretá-la; também é necessário saber comunicar.

FLEURI, REINALDO MATIAS Editora UNIJUI O Seminário Permanente de Educação Popular (SPEP), desenvolvido pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio grande do Sul (Unijuí), foi uma significativa experiência de extensão universitária em educação popular, envolvendo diversos agentes sociais na elaboração de conhecimento. Este livro é um estudo, elaborado a partir de um processo de avaliação participante, que apresenta uma descrição analítica da evolução do SPEP entre 1987-1991.

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Reflexão cotidiana

de um Segurança Por Cesar Guimarães dos Santos

Alertas a todos os momentos estamos nós, sempre vigiando todos os tipos de atitudes e ações, como se fôssemos anjos da guarda sempre dispostos a dar o nosso melhor a cada manhã, tarde ou noite. Nosso relógio não pára e o acaso vive tentando nos pregar uma peça, porém, continuamos sempre alertas. Tão alertas que por muitas vezes passamos a ser alunos de nosso próprio cotidiano, aprendendo novas lições, lições estas muitas vezes ministradas pela natureza. Sim, por que não? Pela natureza de cada um que faz parte desse universo chamado Medianeira. A primeira lição que tive neste novo ambiente de trabalho foi a de um simples aceno com a mão de um homem, no ano de 2002, que abalou o conceito que eu tinha sobre as relações humanas, sobre fazer o melhor em tudo, buscando sempre a superação do ser em ser simplesmente humano. Foi em um sábado chuvoso, quando a garoa fina caía sobre o chapéu de palha do Padre Raimundo, que, mesmo em sua posição de Diretor geral do colégio, exercia uma função – creio eu – mais por exercício espiritual do que por obrigação e passeava pelo bosque do colégio seguindo as pegadas de Santo Inácio, com um carrinho de mão e ferramentas de jardinagem, colhendo folhas e juntando alguns galhos secos. De repente, uma voz diz “Bom dia padre Raimundo, trabalhando um pouco?” Sua reposta foi um aceno com o braço, sobre o chapéu de palha. Aquilo para mim foi uma tremenda lição, comprovando os princípios Jesuíticos da Companhia de Jesus. Daí para frente, o Magis vem agindo naturalmente em minha vida, porque aqui, diferente de outros lugares por onde passei, a pessoa tem um valor individual, por seu caráter e personalidade como ser humano e isto é ótimo, pois a força propulsora que isto tem é impossível de ser medida. Apenas assimilada. A família Medianeira, dessa forma, integrada às atividades do colégio, trabalhando com dispo-

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sição e garra – em que o ocupante do cargo maior age de maneira exemplar, colocando-se como um estimulador de reflexões e parâmetro para as nossas retomadas de situação – torna visível a capacidade do Magis de agir na vida de todos que estão abraçados em busca do mesmo ideal, a propagação do melhor servir, em tudo sendo fiel a este principio. Mas, tudo bem, vamos retornar à nossa reflexão. Ser segurança de uma entidade como o Medianeira nos proporciona um universo bastante rico de experiências. Conhecendo alunos e seus mundos, transmitimos aos pais a certeza e a segurança de que ao findar do dia estarão com seus filhos novamente em seus lares cheios de novidades, sejam elas da sala de aula ou do pátio, de seus relacionamentos com a comunidade estudantil do colégio: eis nossa alegria e nosso objetivo. E o melhor de tudo isto é ver a satisfação de cada aluno, de cada pai após os concursos vestibulares (e o semblante dos professores então, nem se fala!), pois a cada ano têm a certeza, e a satisfação de terem contribuído para uma sociedade mais justa e um Brasil cada dia melhor, cada um com a sua parcela de contribuição. Seja por meio do apito no controle do tráfego, seja no esmero na preparação das aulas, seja ajuntando folhas no pátio, todos têm sua importância na engrenagem da escola, sendo peças fundamentais no ensino de cada membro da família Medianeira, quer aluno, quer professor, quer funcionário ou diretor, a família é a mesma e o lema é um só: “Em tudo amar, e em tudo servir”. Assim, construímos o amanhã de pessoas competentes e comprometidas com o ser humano no seu tempo. Cesar Guimarães dos Santos trabalha no Departamento de Segurança do Colégio Medianeira, é funcionário desde maio de 2002 e estudante de Teologia, acadêmico do 4º ano. No ano de 1998, escreveu o livro Forma de Expressão, que retrata poeticamente momentos da sua vida.


MEDIANEIRA

Primeira Comunhão dos alunos do Colégio Medianeira, dia 19 de outubro de 1958.

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