Revista Mediação - Número 06

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Diretor Pe. Raimundo Kroth, S.J. Vice-diretor Prof. Adalberto Fávero Coordenador Administrativo e Financeiro Gilberto Vizini Vieira Coord. Comunitário e de Esporte Prof. Francisco Alexandre Faigle Coordenação Editorial e Revisão Nilton Cezar Tridapalli Luciana Nogueira Nascimento (MTB 2927/82v) Projeto Gráfico e Diagramação Sonia Oleskovicz Ilustrações Melissa Gurek de Oliveira Fotografias Arquivo Medianeira Marcos Pereira Colaboraram nesta edição Claudia Furtado de Miranda, Ester Cardoso Candelori, Francisco Carlos Rehme, Isabel Cristina Piccinelli Dissenha, Klaus Zanuncio Protil, Loivo José Mallmann, Luciane Hagemeyer, Manoel Caetano Antônio de Oliveira, Marcelo Cambraia Sanches, Maristella Gabardo, Milana Bernartt, Pe. Dionísio Siebel S.J., Pe. Domingos Chagas S.J. Tiragem 4.000 exemplares Papel Reciclato Suzano 90g/m2 (miolo) Reciclato Suzano 240 g/m2 (capa) Número de Páginas 52 CTP Edições Loyola Impressão e Acabamento Edições Loyola

ISSN 1808-2564

revista de educação editada e produzida pelo colégio medianeira

Criança, família, leitura e escola Luciane Hagemeyer ....................................................................................................................................... 5

Maria, Medianeira de todas as graças Pe. Dionísio Siebel, S.J. ................................................................................................................................. 10

Sobre a Sociologia Ester Cardoso Candelori ............................................................................................................................... 15

A Filosofia... no Ensino Médio... no vestibular... na vida Loivo José Mallmann ..................................................................................................................................... 21

Sensibilidade e percepção do meio Francisco Carlos Rehme ................................................................................................................................ 25

O Império contra-ataca: a construção do colonialismo na América Latina Maristella Gabardo ......................................................................................................................................... 30

Ensino Fundamental de nove anos: perspectivas e debates Claudia Furtado de Miranda ........................................................................................................................... 35

Ver para crer? Milana Bernartt ............................................................................................................................................... 41

“Levanta-te, vem para o meio!” Vale a pena fazer este convite... Isabel Cristina Piccinelli Dissenha ................................................................................................................ 44

EQUIPE PEDAGÓGICA Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1ª à 4ª séries Coordenadora Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro Ensino Fundamental de 5ª e 6ª séries Coordenadoras Profª Eliane Zaionc (manhã) Profª Carolina Queiroz Lopes de Araújo (tarde) Ensino Fundamental de 7ª e 8ª séries Coordenador Prof. Marcelo Pastre

SJR: uma missão junto dos pobres mais pobres Pe. Domingos Chagas, S.J. ............................................................................................................................ 48

Sociedade Pseudo-ecológica Klaus Zanuncio Protil ...................................................................................................................................... 53

Banda Manoel Caetano Antônio de Oliveira ............................................................................................................ 54

Prof. Edilson Ribeiro Centro de Espiritualidade Pe. Hilário José Kochhann, S.J. Comunicação e Marketing Luciana Nogueira Nascimento Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.

BR 476, Km 130, nº 10546 Prado Velho • Curitiba • Paraná fone 41 3218-8000/ fax 41 3218-8040 www.colegiomedianeira.g12.br www.colegiomedianeira.com.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br

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Portuguès e Literatura do Colégio Medianeria

Coordenador de Pastoral

Marcelo Cambraia Sanches - Professor de

Ensino Médio Coordenador Profª Roberta Uceda Vieira


Quem tem medo da Filosofia? A Sociologia e a Antropologia estão no currículo do Colégio Medianeira desde 2000, embora já façam parte do cotidiano dos estudantes há muito mais tempo, permeando a abordagem de outras ciências com uma ênfase tão grande quanto a reservada à Filosofia, à qual nossos alunos se dedicam formalmente desde 1960. A resolução do Conselho Nacional de Educação que a partir de 2006 instituiu a Filosofia e a Sociologia no Ensino Médio, portanto, somente veio reforçar a confiança do Medianeira no pensamento humanista e sua vocação para a apreciação crítica e transformadora da realidade. O conteúdo programático já está há anos incorporado à tradição do Colégio. Não foi à toa que o regime militar baniu da maioria das escolas essas duas disciplinas. Como lembra nesta edição (pág. 19) o professor Loivo José Mallmann, “não convinha que as arbitrariedades cometidas no período fossem discutidas e questionadas.” Nenhum autoritarismo consegue conviver com o cidadão atento aos movimentos da História, ciente do poder oculto nas relações entre os desiguais e dotado dos instrumentos para expressar sua observação questionadora. O artigo “O Império Contra-Ataca: A Constru-

ção do Colonialismo na América Latina”, a partir da página 28, é um exercício dessa abordagem de resistência pelo pensamento e pela identidade cultural. Sociologia, Filosofia, Educação e Psicologia são os componentes deste número de Mediação, porque são também os componentes da prática diária dos estudantes, professores, funcionários, pais e comunidade envolvidos no projeto que o Colégio Nossa Senhora Medianeira realiza há quase 50 anos. Porém o que seria da Filosofia e de todo saber se não os incorporássemos nas nossas ações? A experiência deve ser vivida. Deve ser vívida. “Viva!”, exclama o professor Francisco Carlos Rehme, o nosso querido Chicho, um pioneiro da educação ao ar livre, ao transpor para a prática um complexo conjunto de saberes e atitudes. O artigo “Sensibilidade e Percepção do Meio” fala do ambiente vivo e do estudante que vive, plenamente, esse misto de ciência e consciência presente nas aulas exploratórias, em contato com o ambiente, no interior das cavernas, nas escaladas ou num simples passeio pelos bosques da escola na hora do recreio. Complexidade e simplicidade. Boa leitura a todos.

Luciana Nogueira Prezados senhores RESPOSTA DE MEDIAÇÃO Meu filho trouxe a revista Mediação Número 6 hoje. Como sempre, li os artigos avidamente. Porém percebi um erro de português no Sumário: o título da matéria da página 44 está: “Canções e algo mais - a traGEtória do grupo U2”. Internamente está correto – trajetória. Grande abraço

Chegamos a perceber o problema ortográfico quando a revista chegou até nós. Infelizmente aconteceu e não foi possível mudar a tempo. Agradecemos o apoio.

ERRATA Abimael Jr (pai de Abimael Alves de Oliveira Neto, estudante da 3ª série tarde)

A edição anterior da Revista Mediação é, na verdade, a edição número 5; a edição número 6 é esta que você tem em mãos agora.

Caro leitor leitor,, escreva para a revista Mediação enviando seus comentários sobre as matérias e artigos lidos aqui. Não deixe de participar par.. Mande sua mensagem para nilton@colegiomedianeira.g12.br ou mediacao@colegiomedianeira.g12.br

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CRIANÇA,

LEITURA, Família e Escola Eis a leitura de novo! É claro que se pode formar um leitor a partir de qualquer idade; mas quem, desde cedo, já pratica esse exercício, terá mais tempo pela frente para refinar a sua visão de mundo e entrar em contato com as inúmeras possibilidades da existência. O artigo aponta também estratégias adotadas pelos pais para a formação do pequeno grande leitor. Por Luciane Hagemeyer

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A leitura, aos poucos, me ensinou a perder o medo dos livros (...). Daí para a frente, todo bom livro é nutrição. Arthur Nestrovski, escritor e articulista da Folha de S. Paulo.

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Não é nenhuma novidade que a prática da leitura, principalmente do texto literário, possui um caráter político, revolucionário e dialógico, constituindo-se em um fundamento que nos insufla de maior humanidade. E para refletir mais sobre este assunto, nada melhor do que observar o que grandes autores, pesquisadores, publicitários e jornalistas têm afirmado sobre esta prática. Há cem anos, Monteiro Lobato já dizia que um país seria “feito de homens e livros”. Muito tempo depois, Ziraldo, em seu livro O Pensamento Vivo do Menino Maluquinho, afirmava que ler seria “mais importante do que estudar” e que a escola dos sonhos do Menino Maluquinho primeiro o ensinaria a ler e depois o ensinaria a gostar de ler. Uma citação de Péguy encontrada há muitos anos (infelizmente sem o registro da referência), assim assegurava: “ensinar a ler será o único objetivo de um ensino bem compreendido, se o leitor souber realmente ler, tudo estará a salvo”. Claro que neste sentido, a Escola não se furta de ser compreendida como um poderoso veículo de divulgação da leitura, da informação e do conhecimento. Por outro lado, hoje em dia as crianças formulam suas imagens simbólicas, seus valores e suas regras de comportamento a partir de diversificadas fontes de informação que lhes são disponibilizadas pelos inúmeros espaços de aprendizagem a que têm acesso.

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Seria necessário então que as crianças pudessem lidar judiciosamente com o conjunto de meios de que dispõem nos dias atuais, a fim de que obtivessem dos mesmos maiores recursos e benefícios. Mas de que modo? Eu costumo falar no esplendor do livro porque ele abre para mundos novos, idéias e sentimentos novos, descobertas sobre nós mesmos, os outros e a realidade. Ler, acredito, é uma das experiências mais radiosas de nossa vida, pois, como leitores, descobrimos nossos próprios pensamentos e nossa própria fala graças ao pensamento e à fala de um outro. Ler é suspender a passagem do tempo para o leitor, os escritores passados se tornam presentes, os escritores presentes dialogam com o passado e anunciam o futuro. Marilena Chauí, professora de filosofia da USP

Por outro lado, se o livro possui todo este esplendor de que Marilena Chauí nos fala, e ele seria o caminho para melhor lidar com a informação, por que nos parece tão difícil fazer com que nossas crianças gostem de ler? Porque ler é realizar um exercício de cognição estética e a leitura deve ser encarada como fonte de descobertas para serem partilhadas através de espaços solidários. Como exercício individual e partilha, demanda tempo, disposição e familiaridade, pois o foco da leitura está nas possibilidades, não nas limitações. Neste sentido, qual é o papel da Escola? Ora, a Escola deve se preocupar com os aspectos “ensináveis” da leitura. Isto não quer dizer tratar a leitura como matéria didática, e sim empenhar-se em ensinar a criança a ler de modo que ela possa dinamizar seu acervo pessoal. Desse modo, será mais fácil conscientizá-la a respeito de tudo o que pode estar contido em um texto, como suas idéias e a sua relação com outras obras, sua mensagem intelectual, emocional e seus desdobramentos. Quando termino a leitura de um romance de que gosto, fico com vontade de dividi-lo com os amigos, recomendar, emprestar, dar de presente. Mas sobretudo discutir, trocar opiniões. Nada melhor do que conversar sobre livros no embalo de um chope ou de um chá: eu acho uma coisa, meu amigo acha outra, alguém mais discorda... Quem


e, neste sentido, entra o papel da família, responsável por alimentar fisiológica e artisticamente seus filhos, seja pela dança, pelo teatro, pela música ou pela literatura. E, como na alimentação, não é suficiente desejar que a criança como toda a salada porque faz bem, se a família não acompanhá-la comendo também. Com a leitura, é a mesma coisa. Não basta dizer que ela é importante. Temos de nos tornar leitores modelos. E gostar de sê-los.

sabe o enredo tem mais de um sentido? Como foi mesmo aquele lance? E aquele personagem... vilão ou herói? No fim do papo, cada um fica mais cada um, ouvindo os outros. Marisa Lajolo, professora de Literatura da UNICAMP

A Escola, por ser o principal meio de convívio social da criança, é o local ideal para confrontar, debater e refletir a respeito dos diferentes sentidos que os leitores atribuem aos textos lidos. Segundo Matthew Lipman, a sala de aula deve ser um espaço que permita à criança entrar em contato com diferentes posturas interpretativas diante do mundo e fazer da leitura um ato de construção reflexiva que leve ao pensar crítico, criativo e cuidadoso. Devo à leitura tudo o que fiz na vida. Acho que a leitura e a informação são alimentos tão importantes quanto o arroz com feijão, seja como entretenimento, seja como aprendizado. Para mim, na maioria das vezes, as duas coisas prazerosamente se misturam. Ao contrário de meros passatempos que considero paliativos para ‘esperar a morte’, como jogos de cartas, por exemplo, a literatura me proporciona a sensação de ‘acrescentar vida’. Washington Olivetto, publicitário da W/Brasil.

Nesta afirmação de Washington Olivetto, divisa-se a leitura como símbolo de nutrição

Afinal, a formação de um leitor começa na primeira infância. A presença da mãe, do pai, ou de algum outro membro da família como leitor ou narrador de histórias ao pé da cama, é insubstituível. E depois que a criança cresce um pouco mais, a família não deve deixar de ler histórias para ela, mesmo que já a considere “crescidinha”. É interessante que os pais iniciem a leitura em voz alta do primeiro capítulo de um livro escolhido (seja pela compra ou pelo empréstimo), explicando e comentando suas impressões e incentivando as crianças a fazerem o mesmo, até que a história ganhe ritmo e desperte sua curiosidade para ir até o final. É necessário ainda, sempre que possível, investir uma parte do orçamento para a compra de livros. Não havendo possibilidade para isto, uma boa opção pode ser levar as crianças a conhecer as grandes bibliotecas que existem na cidade ou ainda acompanhá-las a uma visita à própria biblioteca da escola, observando a qualidade dos livros oferecidos para empréstimo. Dentro de casa, são os pais as pessoas responsáveis pela criação de espaços de leitura onde as histórias lidas possam ser partilhadas. A escritora Stella Florence (de Ser menina é tudo de bom e O Diabo que te carregue!) afirma que ler é a “forma mais inteligente e menos dolorosa de crescer”. E acrescentaria que a leitura partilhada com os filhos é também a maneira mais inteligente de nos comunicarmos com eles. Por isso, é importante que os pais leiam os livros que os filhos estão lendo, para que possam trocar impressões e não apenas “fazer cobranças” para verificar

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se a criança leu “mesmo” o livro em questão. Quando as crianças se apropriam de algumas histórias e de seus significados, espontaneamente comentam sobre elas e valorizam a oportunidade de compartilhá-las. Temos aí uma grande chance de abrir espaço para o diálogo, conhecendo mais a respeito de seus interesses e curiosidades, e de transmitir-lhes alguns valores que nos são caros. Sabemos que nem sempre é fácil encontrar livros pelos quais as crianças realmente se interessem e muitas vezes os livros que recomendamos tornam-se exatamente aqueles que elas relutam em ler. Neste caso, pais e filhos podem começar assistindo a filmes baseados em livros, tentando estabelecer depois algumas comparações entre as duas formas de linguagem. Uma boa idéia é iniciar os primeiros quinze minutos do filme com a legenda e, aos poucos, ir aumentando este tempo (este é um bom exercício para desenvolver a fluência).

ças em leitoras entusiastas e fluentes, é necessário promovermos diversas experiências que as levem a ter sucesso nas atividades que envolvem a leitura. E isto é fruto de um amadurecimento e de uma relação longa e processual com a palavra impressa. Como traduzem as palavras sábias de Nelida Piñon: A leitura me ajudou a avançar pelas frestas profundas do cotidiano, a sentir uma jovialidade esplêndida e uma velhice assustadora (...) Cada livro que li me fez caminhar por trilhas desconhecidas, me educou para a vida e para o próximo. Ajudou-me a dessacralizar a literatura, a sacralizá-la de novo e, assim, alcançar o temor que nos leva a experimentar o submundo da palavra com seu corolário ofuscante. Tornou-me analógica, capaz de aproximar realidades alheias à minha, a ponto de sentir o coração sangrar ante certas constatações. Nelida Piñon, romancista.

Também sinto isso. Só que ainda não aprendi a falar assim tão bonito...

Mas de que tipo de livros ou filmes as crianças vão gostar mais? Tudo depende de seus gostos pessoais, o que não quer dizer que não se possa começar indicando os clássicos ou os livros que os pais leram quando crianças. Minha mãe me pôs no bom caminho da literatura me ensinando a apreciar os contos de fada e de mitologia grega, os livros de aventuras e os romances cor-de-rosa (...) Do meu pai veio o gosto por filosofia e história, pela língua portuguesa e pela origem das palavras. Na adolescência, adquiri grande paixão pelo romance policial, uma verdadeira mania. Depois, na faculdade de Comunicação, dei as boas-vindas a escritores e pensadores que foram fundamentais em minha formação. Mônica Waldvogel, jornalista.

Diante do exposto, fica evidente que a prática da leitura, pela sua inerente energia transformadora e sua capacidade de decantar a realidade, depurá-la e enriquecê-la, revela-se um poderoso meio de comunicação, seja entre os pais e os filhos, entre os alunos e os educadores, entre as pessoas e o mundo. Mas para que possamos transformar nossas crian-

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Luciane Hagemeyer é professora do Ensino Fundamental, formada em Letras Português/Inglês pela UFPR, com pós-graduação em Currículo e Pratica Educativa pela PUC-Rio e mestranda em Estudos Literários pela UFPR.

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LIVRO

ARTHUR E A CIDADE PROIBIDA, de Luc Benson

ARTHUR E OS MINIMOYS, de Luc Benson

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A HISTÓRIA DO DR. DOLITTLE, de Hugh Lofting

Dr. DOLITTLE, de Betty Thomas FILME

O JARDIM SECRETO, de Frances Hodgson Burnett

O JARDIM SECRETO, de Agnieszka Holland

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GEORGE, O CURIOSO, de Hans Augusto Hey

Filme: GEORGE, O CURIOSO, de Jun Falkenstein

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COMO E POR QUE LER OS CLÁSSICOS UNIVERSAIS DESDE CEDO ANA MARIA MACHADO Editora: Objetiva A premiada escritora Ana Maria Machado nos conduz por uma fascinante viagem - um passeio pelos grandes textos da literatura universal. Um mergulho no que de melhor já se produziu em literatura infanto-juvenil. Acompanhá-la ao longo dessas páginas é constatar que ler pode transformar-se numa grande aventura. Numa linguagem saborosa, a autora nos conta um pouco de sua própria história de leitora. Suas primeiras paixões literárias, seus personagens inesquecíveis, as histórias que sempre volta a ler. Enquanto traça a cartografia emocionada de suas paixões literárias, Ana Maria Machado nos contagia e nos desperta a vontade de também conhecer esses personagens incríveis.

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MARIA,

MEDIANEIRA de Todas as Graças Por Dionísio Seibel, SJ

A doutrina da mediação de Maria coloca-se dentro de uma perspectiva ampla para contemplar os avanços da cristologia e o diálogo ecumênico, usando uma terminologia segura e universal para evitar que a idéia de Medianeira se restrinja a uma piedade particular. 10


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A invocação de Nossa Senhora Medianeira se coloca dentro de todo o desenvolvimento do estudo e da devoção Mariana do século 20. O século passado pode ser marcado como a era de Maria. O movimento popular em torno de Maria cresceu através de pronunciamentos e atos oficiais da Igreja Católica, pela valorização de peregrinações a lugares marianos e pela afluência de pessoas a lugares de aparições. A compreensão de uma espiritualidade Mariana deve lançar um olhar simultâneo sobre o passado, o presente e o futuro a partir da palavra reveladora de Deus que manifesta a proposta histórica da salvação em vista da construção do Reino. Não se pode desenvolver um trabalho simplesmente especulativo que corre o risco de cair numa doutrinação distante da realidade das pessoas nem num levantamento da piedade popular que facilmente introduz sinais de alienação. É importante partir da situação atual da fé do povo, iluminar essa realidade, recorrer à Palavra de Deus para buscar nela os valores fundamentais e retornar ao presente para aprofundar a realidade com a luz da revelação.

A Mediação de Maria Na primeira metade do século passado, especificamente a partir de 1920, a Igreja da Bélgica começa uma grande produção teológica a favor da aprovação do dogma da mediação universal de Maria. A devoção popular se volta para os primeiros séculos do cristianismo. Ela é considerada a Mãe de Jesus Cristo e mãe da humanidade. Através dela veio Jesus, o Salvador. Essa reflexão criou uma repercussão intensa no Sul do Brasil. Em Santa Maria, foi erguida a Igreja de Nossa Senhora Medianeira. O P. Inácio Valle, SJ, conseguiu movimentar o Rio Grande do Sul em torno dessa invocação. A Província Sul Brasileira da Companhia de Jesus tomou Medianeira como sua padroeira. Por isso os primeiros jesuítas que vieram a Curitiba, em 1951, assumindo a Igreja do Rosá-

rio, quiseram dar esse nome ao Colégio que estava sendo construído. Sob o ponto de vista teológico, Jesus Cristo é o Mediador entre Deus e a humanidade. Por isso, Maria, a Mãe de Jesus, é a grande intercessora junto a seu Filho. As palavras pronunciadas no episódio das Bodas em Caná: “Façam tudo o que Ele disser” (Jo 2,5) continuam ecoando no nosso tempo e são um desafio para levar as pessoas, comprometidas com a proposta de Jesus Cristo, a estarem a serviço da pessoa humana. Maria, a Mãe de Jesus, foi um exemplo de abertura para o Deus presente na História de seu povo. Ela esteve atenta às necessidades das pessoas com quem viveu. Ela foi a mulher perseverante no seu projeto de vida até o fim, a ponto de o Evangelista dizer: “Ela estava em pé junto da cruz” (Jo 19, 25-27). A devoção a Maria e, conseqüentemente, a mediação universal de Maria levaram a uma tensão entre a piedade cristocêntrica e a piedade mariocêntrica. Existe também um malestar que se acentua na Igreja que se renova através do movimento bíblico, litúrgico, ecumênico. É necessário colocar a devoção Mariana dentro da verdadeira dimensão teológica e espiritual da Igreja para evitar desvios.

Um certo Marianismo Não se trata de uma mariolatria, pois a Igreja afirma categoricamente que o culto de adoração somente é dirigido a Deus, mas esse movimento mariano desenvolveu a devoção a Maria reduzindo o espaço para o contato com o Pai, através do Cristo, no Espírito, como é a práxis bíblica e litúrgica. A devoção popular a Maria levou para uma mistificação: um exemplo se encontra na figura do embaixador, no romance de Érico Veríssimo, Senhor Embaixador, que carregava consigo uma efígie de Maria, se dizia afilhado de Nossa Senhora, ao mesmo tempo em que levava uma vida sem princípios; os sinais de devoção não eram instância crítica para mudar a

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cha o espaço humano não reconhecido na pessoa de Jesus Cristo, eclipsa a verdadeira natureza de Jesus Cristo, acentua a divindade de Cristo e sua humanidade fica num plano secundário.

As aparições Por um lado, o homem busca o contato com o divino; por isso as aparições trouxeram uma mudança forte na vivência da fé cristã. Elas começaram a ser norma de certas práticas religiosas. As aparições, na época atual, se colocam dentro da religião de consumo que aliena as pessoas de seu verdadeiro compromisso de construir o Reino, dentro da sociedade.

Conseqüências As diversas tendências do culto mariano marcam o declínio da devoção Mariana em meados do século vinte. Os cristãos conscientes colocam restrições às manifestações que não possuem uma inspiração bíblica ou litúrgica. O diálogo ecumênico se torna difícil diante de um mariocentrismo, pois o papel fundamental de Cristo, como Mediador universal entre a humanidade e o Pai, ficou secundário. A própria devoção a nossa Senhora Medianeira sofreu, por isso, um grande arrefecimento.

Importância de Maria vida. A devoção Mariana se tornou a-histórica, descontextualizada, sem uma proposta de vida coerente com a atitude de Maria, presente nos Evangelhos.

Um sentimentalismo estéril No ambiente popular, a devoção Mariana se exprime por manifestações ritualistas e folclóricas, alheias a um compromisso sério com a vida cristã. A demasiada insistência em colocar a pessoa de Jesus Cristo distante das pessoas e permitir que Maria seja a intermediaria e a intercessora, para que ela preen-

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Um novo humanismo passa necessariamente por uma nova concepção de pessoa. A humanidade valorizou diversas manifestações desde os alvores históricos. Não basta ser diferente dos animais pela transformação da realidade (homo faber) e pela capacidade de raciocinar com uma inteligência que se eleva acima das demais criaturas (homo sapiens). O novo homem busca formas novas de relacionamento em que predominam o amor e a justiça dentro de sua forma radical que é a justiça do Reino de Deus. A solidariedade vê a dignidade e o direito à cidadania de cada pessoa como manifestações concretas da utopia do Reino.


O Reino retrata uma Maria presente na história de seu povo. Em Nazaré, ela mostra a escuta da palavra de Deus. Nas bodas de Caná, ela percebe a falta de vinho e intercede junto de seu Filho a favor da comunidade. Em Jerusalém, ela se encontra reunida com os discípulos e em torno dela se formou a Igreja. O humanismo baseado em Maria foge de um intimismo para se lançar na realidade em que é exigida a grande transformação rumo à justiça e à solidariedade fraterna. Ela foi a mulher aberta para Deus, pois se colocou como a servidora do Senhor. Seu encontro com Isabel é um sinal da pessoa que se coloca a serviço das outras pessoas. Ser para os outros e com os outros é também a proposta educacional do Colégio Medianeira que encontra em Maria um modelo e um desafio.

A devoção a Maria tem por finalidade a pessoa de Cristo, pois Ele é o único caminho que vivifica e o que dá sentido à vida humana.

Dionísio Seibel, SJ, é formado em Letras e Filosofia pelas Faculdades Anchieta, em São Paulo, e em Teologia pela Faculdade de Teologia Cristo Rei, em São Leopoldo – RS. Tem Especialização em Teologia Espiritual (PUG – Roma). Trabalha no Serviço de Orientação Religiosa de 7ª e 8ª série, no Colégio Medianeira.

Medianeira de todas as graças O Concílio Vaticano II aprofundou a doutrina da mediação de Maria dentro de uma perspectiva ampla para contemplar os avanços da cristologia e o diálogo ecumênico, usando uma terminologia segura e universal para evitar que a idéia de Medianeira se restringisse a uma piedade particular. O Concílio considera a função materna de Maria para com todos os homens. A maternidade de Maria se manifesta tanto através duma intercessão múltipla com o fim de obter para os homens o dom da salvação eterna, quanto através do zelo materno para com os filhos que ainda se encontram entre os perigos e dificuldades da vida. A proteção e o zelo materno pelos filhos significam a graça, o dom, a presença de Deus. A mediação de Maria neste contexto reforça a idéia de que ela ajuda para que a pessoa se aproxime de Seu Filho, o único mediador entre Deus e o homem (1Tim 2, 5-6). Desta forma, a Medianeira não obscurece a mediação de Cristo, mas a reforça. Ele é único mediador; Maria, a Mãe do Salvador, permanece na sua função específica.

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DICIONÁRIO DE MARIOLOGIA

MARIOLOGIA SOCIAL

ORGANIZADORES: SALVATORE MEO E STEFANO DE FIORES Editora: Paulus

CLODOVIS BOFF Editora: Paulus

A MULHER DA RECONCILIAÇÃO

Fr. Clovis M. Boff nos oferece no presente livro uma visão bem articulada da problemática que ele mesmo chamou de ‘Mariologia Social’. Essa obra de peso representa o resultado de uma longa e paciente pesquisa sobre o significadoespecificamente social ou público de Maria nos vários planos; histórico, bíblico, magisterial, dogmático e da devoção popular. Trata-se de uma obra importante para o avanço da teologia mariana numa área vital e urgente da missão da Igreja, qual é a frente social, especialmente na América Latina, onde vivem povos que são, ao mesmo tempo, majoriamente excluídos e profundamente marianos. Sabese da crise geral por que passa o compromisso social e especialmente o político. Um estudo como este ajudará certamente a enfrentar a crise e encontrar caminhos inéditos nesta tarefa que é essencial tanto para a sociedade como,a seu modo, para a Igreja. Apesar de constituir essencialmente um trabalho de pesquisa, interessando sobretudo aos especialistas, este livro mereceu de D. Moacyr Vitti, arcebispo de Curitiba, a seguinte apreciação em seu imprimatur.

CARLOS MARIA MARTINI Editora: Loyola

COM MARIA, RUMO AO NOVO MILÊNIO

O Dicionário consta de cento e nove verbetes monográficos e, ademais, é secundado por preciosa proposta de leitura sistemática, que sugere utilização mais racional e menos episódica do que a simples consulta alfabética, bem como acurado índice analítico que facilita o encontro dos numerosos temas não evidenciados no texto de cada verbete e nos sumários que os encabeçam. Assim cada verbete conclui com uma bibliografia, que abre ao leitor as pistas para maior aprofundamento pessoal.

“É o Senhor quem nos pede para aprofundar a missão feminina como ponto nodal para a resolução de tantos problemas de nossa sociedade”. Depois do pecado das origens, a graça teve início em Maria, uma mulher. E na Bíblia a mulher é sinal da vida; a sua vocação é a de constituir relações de vida, de interpretar e explicitar a relação entre o homem e o mundo dos homens, e das mulheres.

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AFONSO MURAD Editora: Loyola Subsídio de mariologia escrito para o povo e partindo da realidade do povo. Oferece fundamentos bíblicos e teológicos para uma devoção mariana verdadeira e sadia. Trata dos dogmas marianos, do tema atual das aparições e inclui a perspectiva ecumênica.


Sobre a

SOCIOLOGIA Por Ester Cardoso Candelori

Qual o objeto de estudo da Sociologia? Por que ela ficou distante da maioria dos bancos escolares durante a ditadura? Qual a importância dela para a compreensão das relações sociais nas quais todos estamos multiplamente mergulhados? Conheça mais sobre essa ciência, que busca jogar luz e desvelar o que está por trás das inúmeras formas de comportamento social.

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“Não existe sociologia senão das relações desiguais e das figuras da diferença” (O raciocínio sociológico – Jean-Claude Passeron)

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Pensar sociologicamente é interpretar de modo comparativo comportamentos, práticas, configurações históricas. É refletir sobre a posição que os diferentes discursos ocupam na coletividade. É compreender a gênese das desigualdades e diferenças sociais. É observar os diferentes estilos de vida e gostos de classe. É estar sempre atento na prática de seu ofício, o que implica, na maioria das vezes, sentir-se muito mais um outsider do que um estabelecido.

Poder-se-ia dizer que estes são alguns dos pré-requisitos da prática científica em Sociologia. Pois a Sociologia é uma ciência, muito embora, depois de dois séculos de existência, ela ainda seja entendida pelo senso comum (e também pelos acadêmicos desavisados) como conhecimento genérico; folhetim de guerrilheiros e estudantes baderneiros; e ainda, “ciência dos sócios”... Pois é. Uma coisa é certa: nenhuma outra ciência ficou tão desconhecida e ao mesmo tempo tornou-se tão passível de definições no imaginário popular. Isso se deve ao fato de as ciências serem tradicionalmente identificadas por meio de alguns estereótipos, como laboratórios e objetos utilizados em pesquisas (microscópios), padronizando o conhecimento sobre as diferentes ciências. As Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política) também se constituem como campos de pesquisa científica, pois trabalham com análise de dados. O que diferencia é a aparente subjetividade, pois o objeto de estudo destas ciências não pode ser analisado em laboratórios – não são objetos físicos, que podem ser guardados ou conservados. O objeto de pesquisa destas áreas é delimitado a partir do locus do próprio pesquisador. Cabe a ele, enquanto cientista, por meio de metodologias específi-

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cas, definir, delimitar, observar, analisar, elaborar hipóteses, refutar outras hipóteses, concluir provisoriamente e, quando necessário, interferir sobre a realidade estudada. Esse desconhecimento quanto à existência das Ciências Sociais leva a uma freqüente pergunta: o que é Sociologia? A grande maioria das pessoas faz esta pergunta. E não é para menos, pois na história do conhecimento científico ocidental, a Sociologia é uma das mais novas ciências. Após o Renascimento, no século XV, a razão torna-se princípio e meio para justificar a existência do próprio homem que centraliza todos os campos da ciência, da curiosidade, da criatividade e da reflexão sobre a vida. Não mais a fé, mas a razão estaria guiando os passos da construção do conhecimento. O desenvolvimento tecnológico e científico, impulsionado pela razão, pela curiosidade, e pelas necessidades que surgiam no dia-a dia – pois uma nova ordem social se colocava – eclodiu no século XVIII com a Revolução Industrial na Inglaterra. E assim, as velhas relações estabelecidas modificaram-se drasticamente, transformando a família, os costumes e, sobretudo, as relações de trabalho. O advento do capitalismo trouxe mudanças radicais, de toda ordem. Com elas surgiram problemas que logo ficaram conhecidos como “problemas sociais”. Entre eles, estariam: o aumento vertiginoso da população dos centros urbanos (para trabalhar nas fábricas); o desemprego (pois não havia trabalho para todos); as epidemias causadas por falta de condições de higiene e saneamento básico; as revoltas dos operários (chegavam a trabalhar 18 horas por dia, no início das fábricas); aumento da pobreza e mendicância; aumento dos crimes e da prostituição; abandono de crianças por mães sem condições de cuidar de seus filhos. O cenário caótico dos centros urbanos e as transformações sociais levaram médicos e cientistas a buscarem solu-


ções e tentar organizar a sociedade. Os problemas somavam-se e multiplicavam as suas supostas soluções. Com base no racionalismo e no cientificismo, surgiam pensadores europeus que buscavam compreender e explicar os problemas da sociedade. Para tanto, seria necessária uma base empírica, não apenas teórica. Isso, por sua vez, supunha observação da realidade e análise dos fatos e dos dados (passíveis de serem quantificados). Assim, no início do século XIX, surge na Europa a Sociologia, conhecida em seus primórdios (e ainda hoje...) como “ciência da crise”, pois nasce num contexto histórico bastante conturbado, com o princípio de analisar a realidade social e interferir nesta mesma realidade para organizar e restituir a ordem, como pretendiam os positivistas, seguindo Augusto Comte. No final do século XIX, na França, Émile Durkheim institui a Sociologia como Ciência Social, diferenciando-a da Psicologia Social e conferindo-lhe o estatuto de ciência, com bases empíricas e estudos a partir de dados da realidade, os quais ele denomina de “fatos sociais”. No mesmo período, na Alemanha, Max Weber dá outra conotação à sociologia: estudo das ações individuais dotadas de sentido, e das relações de poder. Weber posteriormente tornou-se uma referência nos estudos sobre poder e política. Na mesma Alemanha, mas com referenciais opostos, Karl Marx, juntamente com Friedrich Engels, tornou-se conhecido como teórico da revolução, estudioso do capitalismo, e que lançaria as bases de superação da exploração pelo trabalho, diferenciando o “socialismo utópico” do “socialismo científico” ou marxismo. Estes três pensadores, Durkheim, Marx e Weber, constituem- se nos denominados “clássicos da sociologia” – pensadores que lançaram as bases teóricas e metodológicas

da ciência da sociedade. Seus estudos e teorias criaram três linhas diferentes de pensamento dentro da Sociologia. No século XX, suas linhas teóricas foram incorporadas e aprimoradas por outros pensadores; alguns deles tornaram-se nomes de referência na pesquisa sociológica, como Pierre Bourdieu e Norbert Elias. Os estudos sociológicos englobam os mais variados temas, desde as “minorias” (grupos oprimidos), os “movimentos sociais”, estudos de gênero, estudos sobre infância e juventude, estudos sobre educação, religião, família, trabalho, saúde, violência, arte, comunicação e mídia, enfim, todos os temas que dizem respeito a manifestações coletivas e transformações nas relações sociais. Com este olhar sobre a história, já se sabe um pouco sobre a Sociologia. Mas, o que faz um sociólogo hoje? Um sociólogo trabalha como pesquisador, tanto em instituições do governo, como em institutos privados e organizações não governamentais. Trabalha em conjunto com outros profissionais, realizando pesquisas e projetos nas diferentes áreas (saúde, arte, comunicação) que possam ser colocados em prática para solucionar problemas ou melhorar a qualidade de vida de uma comunidade. Como exemplos: estudos de impacto ambiental antes da construção de uma hidrelétrica (qual a cultura da comunidade local? Onde recolocar os grupos de pessoas que vivem naquele lugar?); estudos sobre combate a epidemias (quais hábitos da comunidade podem estar associados ao surgimento daquela doença e torná-la epidêmica? Ou, quais costumes da comunidade podem auxiliar no combate à doença?); estudos relacionados à educação (quais as principais causas de evasão escolar, numa determinada faixa etária, num determinado lugar?). Muitos projetos conhecidos pela população

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foram elaborados com o auxílio de sociólogos, nas mais diversas áreas, como as “Ruas da Cidadania” e o projeto de separação do “lixo que não é lixo”, ambos realizados pela Prefeitura Municipal de Curitiba, na década de 1990. Contudo, poucas pessoas sabem que um sociólogo pode (e deve) trabalhar em projetos como estes. O que fica no senso comum é que provavelmente foram elaborados somente por arquitetos, engenheiros, administradores, economistas, enfim, se desconhece o trabalho do pesquisador-sociólogo. A inserção da sociologia nos currículos escolares do Ensino Médio não é novidade no Brasil. A história dessa disciplina é marcada por três períodos distintos: 1º) período de institucionalização, que vai de 1891 a 1941. Em 1891, na Reforma Benjamim Constant, sob a influência do ideal republicano e positivista, é institucionalizada como obrigatória a disciplina de Sociologia no Ensino Médio (então Ensino Secundário). Nesse período, a sociologia fundamentava-se na crença em seu pensamento renovador por parte daqueles que eram responsáveis pelos projetos pedagógicos nacionais, que iam ao encontro dos ideais republicanos, que buscavam a construção de uma nova nação e alcançar o progresso. 2º) O segundo período, de 1942 a 1981, configura-se durante o regime das ditaduras, do Estado Novo de Getúlio Vargas, a partir de 1937, e a ditadura militar instaurada pelo golpe de 1964. Em 1941, a Reforma Capanema retira a obrigatoriedade da sociologia nos cursos secundários. Durante este longo período, o papel da ciência na formação dos jovens era o de possibilitar o domínio de técnicas para o processo de trabalho (cursos técnicos) e não o domínio de conhecimentos que levassem à crítica e à pesquisa sobre a realidade social. 3º) o terceiro período, de 1982 a 2001, época da redemocratização do país, marca as lutas pelo retorno da Sociologia como disciplina obrigatória, juntamente com Filosofia, no Ensino Médio. O intuito residia

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na possibilidade do trabalho interdisciplinar, e não de fragmentação do conhecimento. A novidade é que a partir de 2007, segundo parecer CNE/CEB (Conselho Nacional de Educação e Câmara de Educação Básica) nº 38/2006, aprovado em 7 de julho de 2006, serão incluídas como obrigatórias as disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo do Ensino Médio. Essa decisão por parte do governo gera controvérsias. Enquanto muitos sociólogos há tempos lutam para que as ciências sociais tenham seu devido espaço dentro da educação básica, como as demais ciências, há um grupo de catedráticos que critica esta decisão, alegando ser impossível trabalhar esta disciplina no Ensino Médio – discurso que soa como elitização do conhecimento, em que somente os eleitos (pelo vestibular) estariam aptos a estudar “sociologês”. Nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Ensino Médio, as diretrizes relacionadas ao ensino da Sociologia seguem dois eixos: a relação entre indivíduo e sociedade e a dinâmica social. A pesquisa teórica e empírica em sociologia permitiria problematizar os fenômenos sociais e levar a reflexões sobre a coletividade e a interação entre indivíduo e coletividade; e, também, como são estruturadas as relações sociais a partir das transformações nos diferentes contextos econômicos e culturais. Enfim, levar a uma série de reflexões sobre a sociedade na qual vive o aluno de Ensino Médio, como forma de estimular a formação tanto de um espírito crítico, capaz de atuar de modo consciente, como de construir um conhecimento com base na realidade social, desmistificando o senso comum. A premissa básica do ensino da sociologia nos PCNs é que o aluno aprenda a tornar-se cidadão – na verdade, aos 14 anos já se é cidadão há muito tempo, mas nem todos sabem disso e, aos 16, quando se pode votar, nem todos fazem o título de eleitor, por acreditar não ter que participar, ainda, das decisões políticas, sem saber que este discurso já é em si um posicionamento político. Ou seja, a função da sociologia no Ensino Médio

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não é apenas ensinar teoria sociológica (estudar as teorias clássicas), mas ensinar a aplicar o conhecimento sociológico (as teorias) como forma de compreensão das instituições, dos grupos dos quais se faz parte enquanto indivíduo. É ensinar a utilizar o pensamento sociológico como forma de se inserir no mundo – reconhecer seu lugar, saber sua história, compreender seu contexto, analisar as relações que estabelece com os outros (sejam eles quem forem) e, desta forma, compreender o verdadeiro sentido da palavra “cidadania”, desgastada pelo uso e pela falta de reflexão. A Sociologia vem conquistando espaço também no processo seletivo do vestibular. Em algumas universidades brasileiras, como a UEL (Universidade Estadual de Londrina), Sociologia e Filosofia fazem parte das provas como qualquer outra disciplina ou área do conhecimento, para todos os cursos. A UFPR (Universidade Federal do Paraná), a partir deste ano, está incluindo entre as disciplinas obrigatórias a Filosofia, para os cursos de Direito e Medicina. Sociologia será obrigatória somente para Ciências Sociais, mas, a partir do próximo ano, podem ocorrer novas mudanças, como a inclusão de Sociologia em outros cursos, a exemplo de Filosofia. A valorização da Sociologia e das Ciências Humanas em geral aponta para algumas possíveis mudanças, que a posteriori serão analisadas, mas é possível neste momento fazer algumas reflexões. Indicam que as transformações radicalizadas pelos meios de comunicação e o processo de alienação em massa merecem uma urgente análise do papel do sujeito; que os pré-conceitos estabelecidos sobre a estruturação do conhecimento científico acadêmico merecem uma revisão; que o papel da instituição família preci-

sa ser revisto; que a própria escola, enquanto instituição historicamente identificada pela sua função de transmissão do conhecimento não apenas científico acadêmico, mas também civilizador, precisa rever seus princípios, tanto no que diz respeito ao conhecimento acumulado e passado como oficial, como quanto ao seu papel de agente civilizador de gerações ao longo do tempo. As ciências guardam suas especificidades, e assim deve ser, mas o quanto estamos, de fato, trabalhando em conjunto para desmistificar nossos saberes e colocá-los a serviço da construção do conhecimento? Quanto estamos saindo dos discursos para de fato civilizar? Ainda guardamos os ranços de um academicismo que privilegia alguns conhecimentos em detrimento de outros, o que ainda resulta na busca profissional mais acentuada em algumas áreas do conhecimento do que outras, principalmente no vestibular, o que torna a questão do mercado de trabalho cada vez mais delicada. A inserção e a revalorização das ciências sociais e humanas no meio acadêmico deve levar a uma reflexão sobre o papel do indivíduo enquanto sujeito e sua relação com os outros, para o cotidiano das gerações dos futuros médicos, arquitetos, psicólogos, políticos, professores e por que não dizer, sociólogos.

Ester Cardoso Candelori é professora de Antropologia e de Sociologia do EM no Colégio Medianeira. É Formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná, instituição pela qual também é Mestre em Sociologia.

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OS ESTABELECIDOS E OS OUTSIDERS NORBERT ELIAS & JOHN L. SCOTSON Editora: Jorge Zahar Uma pesquisa de campo numa cidadezinha inglesa no final dos anos 50 lança luz sobre os mais recentes debates sobre as relações de poder. Um valioso instrumental para a análise de questões de grande atualidade; violência, discriminação e exclusão social. Tardiamente consagrado como um dos cientistas sociais mais importantes do século XX, Elias vem tendo pouco a pouco sua grandiosa, e já clássica, obra publicada no Brasil.

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE PETER L. BERGER & THOMAS LUCKMANN Editora: Vozes O livro aborda o tema da sociologia do conhecimento, campo redefinido na obra como o ‘conhecimento em geral’ (senso comum). A sociedade pode apresentar-se ao indivíduo como uma realidade objetiva (institucionalização ou legitimação), ou também como realidade subjetiva (interiorização ou identificação).

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A

FILOSOFIA...

ENSINO MÉDIO... no VESTIBULAR... na VIDA no

Por Loivo José Mallmann

Iluminar os caminhos do homem e do(s) mundo(s) que o cerca(m), buscando compreender e até transformar pensamentos e ações humanas, sempre foi uma das tarefas da Filosofia. Com uma responsabilidade dessas, deixá-la de fora da sala de aula é, no mínimo, atitude irresponsável. Ou mal intencionada.

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Se as coisas são inatingíveis... ora! não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas! (Das Utopias, Mário Quintana)

E

Em meados de agosto deste ano (2006), o Conselho Nacional de Educação aprovou parecer que torna obrigatório o ensino de Filosofia e Sociologia no Ensino Médio. Esta medida vem corrigir o grave equívoco de subtrair, nas últimas décadas, a Filosofia e outras disciplinas humanísticas do currículo escolar. Durante o regime militar, a Filosofia foi relegada para o segundo plano, pois não convinha que as arbitrariedades cometidas no período fossem discutidas e questionadas. Aliado a isto foi priorizado um ensino médio profissionalizante onde as matérias técnicas e as ciências exatas figuravam como mais importantes. Com a volta da democracia em meados dos anos 80, algumas escolas voltaram a incluir a Filosofia e a Sociologia na grade curricular. Falar de Filosofia é voltar-se primeiramente para a Grécia Clássica, onde tudo teve início. No século VII a.C., a Grécia passava por grandes avanços e transformações na vida urbana e as explicações mitológicas passaram a ser questionadas. Surge então uma série de pensadores que buscavam conhecer a natureza (physis) e encontrar o princípio (arché) que explicasse o que existe no universo. Estes primeiros filósofos eram chamados de filósofos da natureza ou présocráticos. Qual é a causa última, o princípio supremo de todas as coisas? As respostas variam. Para Tales

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de Mileto é a água; Heráclito afirma que a essência está no movimento, na transformação; Pitágoras descobre a centralidade do número e das relações matemáticas; Demócrito destaca que tudo o que existe no universo é formado por átomos. No século V e IV a.C., a Filosofia grega atinge seu ápice. Neste período, o ser humano passa a ser o centro das discussões. Sócrates, Platão e Aristóteles são os pensadores mais importantes deste período. Sócrates, apesar de não ter deixado nenhum escrito, é considerado o patrono da filosofia. Conhecemos seu pensamento através dos seus discípulos Xenofonte e Platão. Este último dedica várias obras ao mestre. Sócrates passava o dia nas praças conversando com as pessoas. Num primeiro momento, ele ouvia com atenção e depois, com ironia, questionava as pessoas, com o intuito de levá-las e reconhecer a própria ignorância. Depois ele incentiva as pessoas a buscar as respostas para os seus questionamentos. O método socrático é conhecido como “parto de idéias” (maiêutica). A atividade de Sócrates, contudo, foi taxada de subversiva pelas autoridades locais. Aos 71 anos, ele foi condenado à morte sob a acusação de desprezar as divindades gregas e perverter a juventude. Platão, ainda que chocado com a morte do mestre, segue com a missão de ajudar as pessoas a pensar e agir de forma racional. A “Alegoria da Caverna”, publicada na obra A República, livro VII, retrata com plasticidade o pensamento platônico. Para Platão, há dois mundos: o sensível e o inteligível. Conhecer com os sentidos é ficar somente nas sombras e aparências, como aquelas pessoas prisioneiras no interior da caverna. As sombras projetadas no fundo da caverna são para elas a verdadeira realidade. Para Platão,


a verdade está fora da caverna e a realidade só é captada pela razão. O que vemos são cópias imperfeitas de realidades perfeitas que existem no mundo das idéias. Platão fundou uma escola chamada de “Academia” e teve muitos discípulos, com destaque para Aristóteles. Aristóteles discorda do método dualista proposto pelo mestre e afirma que podemos conhecer o mundo por meio da experiência sensorial, aplicando a razão ao que vemos até chegar à sua essência. Para Aristóteles, cada objeto tem uma substância e acidentes. A substância é dada pela matéria e forma. A obra de Aristóteles abrange várias áreas do conhecimento. Ele dá atenção ao tema da lógica, política e ética, entre outros. Uma de suas obras mais conhecidas é Ética a Nicômaco. O livro apresenta a prática da virtude como caminho para a atingir a felicidade. A Filosofia grega vai ser a base para o desenvolvimento da reflexão no Ocidente. No período que vai do século I ao século XV, a Filosofia vai desenvolver-se associada ao pensamento teológico. No século IV e V, Agostinho de Hipona (354-430) retoma e busca convergências entre o pensamento de Platão e os elementos centrais do cristianismo. Tomás de Aquino, no século XIII, ensina Aristóteles na Universidade de Paris. O método tomista, que concilia pensamento cristão com Aristóteles, foi muito apreciado na Europa até ser contestado no Renascimento por pensadores como Galileu Galilei e Descartes. A partir do Renascimento, temos um novo florescimento nas ciências e de modo especial na reflexão filosófica. A centralidade do ser humano é a marca deste período. No campo da ação política, destaca-se o pensamento de Maquiavel. O pensador florentino assenta os pilares da ciência política moderna

quando afirma que ação política tem uma lógica e ética próprias. Descartes, por sua vez, questiona a fragilidade e a falta de uma base segura para fundar o conhecimento. Ele sustenta que o método matemático pode servir de base para todas as ciências. Ao apresentar algumas regras a serem seguidas no processo de construção do conhecimento verdadeiro, ele lança as bases da pesquisa científica. É verdade também que o método cartesiano, muito aplicado nas escolas ocidentais, é hoje contestado. Para Edgar Morin, pensador francês contemporâneo, a herança cartesiana de separação em partes e matérias para explicar a realidade dificulta a visão de totalidade. Nos séculos XVII e XVIII, a produção filosófica é intensa e variada. Na França, o movimento Iluminista reafirma a centralidade da razão humana como motor da construção de uma sociedade mais livre, justa e fraterna. Um dos pensadores que mais marcaram este período foi Imannuel Kant (1724-1804). A Filosofia crítica de Kant reforça a razão autônoma do sujeito tanto no processo de conhecer como no agir. A revolução industrial e a exploração do trabalhador foram pano de fundo para o desenvolvimento da filosofia de Karl Marx, no século XIX. Para ele, os “filósofos passaram muito tempo interpretando o mundo. É chegada a hora de transformá-lo”. As idéias de Marx inspiraram ainda hoje as lutas dos movimentos sociais e o programa dos partidos socialistas. O século XX é marcado, entre outros aspectos, pela proliferação dos meios de comunicação de massa, pelo surgimento da indústria cultural e dos regimes totalitários e pelas guerras mundiais. Todas estas manifestações passam pelo crivo da reflexão filosófica.

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Quando surgiu, a Filosofia abarcava todos os conhecimentos teóricos e práticos da humanidade. Com o passar dos séculos, foram surgindo outras ciências com objeto e método específicos. Ainda assim os campos da investigação filosófica são muitos. Entre eles destacamos os seguintes: Ética, Filosofia Política, Lógica, Metafísica, Estética, Epistemologia, História da Filosofia. A volta da Filosofia na grade curricular de todas as escolas do ensino médio do país e a sua inclusão no vestibular resgata a importância e valor que ela tem no desenvolvimento cultural da humanidade. A Filosofia volta assim a ocupar o lugar que lhe é devido.

O MUNDO DE SOFIA JOSTEIN GAARDER Editora: Companhia das Letras Às vésperas de seu aniversário de quinze anos, Sofia Amundsen começa a receber bilhetes e cartões postais bastante estranhos. Os bilhetes são anônimos e perguntam a Sofia quem é ela e de onde vem o mundo em que se vive. Os postais foram mandados do Líbano, por um major desconhecido, para uma tal de Hilde Knag, jovem que Sofia desconhece. O mistério dos bilhetes e dos postais é o ponto de partida deste romance, que vem conquistando milhões de leitores em todos os países em que foi lançado. De capítulo em capítulo, de ‘lição’ em ‘lição’, o leitor é convidado a trilhar toda a história da filosofia ocidental - dos pré-socráticos aos pós-modernos -, ao mesmo tempo em que se vê envolvido por um intrigante thriller que toma um rumo muito surpreendente.

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Loivo José Mallmann é Mestre em Teologia Moral pela Universidad Pontifícia Comillas (Madri) – professor de Filosofia do Colégio Medianeira.

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CONVITE À FILOSOFIA MARILENA CHAUÍ Editora: Ática A autora analisa a filosofia e sua utilidade, partindo do princípio de que a vida é feita de crenças e de aceitações de evidências, as quais nunca questionamos porque parecem naturais e óbvias.


SENSIBILIDADE e

percepção do meio

Ensaio de idéias sobre práticas pedagógicas para a pertença do homem ao ambiente Por Francisco Carlos Rehme

Que os livros didáticos trazem conhecimento, isso não se discute; mas quando é possível saltar do livro para “dentro da vida lá fora”, aí o conhecimento vai se construindo mais efetiva e prazerosamente. Estamos aí pra falar de novo da importância das aulas fora da sala, dentro do mundo.

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J

Cadeia alimentar, predação, decompositor primário, epífitas, cipós-lianas, bromeliáceas, orelhas-de-pau, parasitismo, ecese, biótopo e biocenose... há uma multidão de termos e de conceitos, denominações populares ou científicas para traçar alguns recortes referentes à ecologia, ao estudo da dinâmica das florestas e outros ecossistemas. Nomenclaturas e classificações que preenchem uma ou mais vezes o quadro-negro e que ainda podem ser ilustrados com muitas imagens coloridas e quase vivas. QUASE... e esse “quase vivas” implica uma distância, para muitos talvez até uma distância séptica, entre o mundo que por ora aparece projetado na tela e o mundo ao qual pertence – ou pensa que pertence – o passivo expectador e também, por ora, aluno. E, havendo uma distância, cuja dimensão não é avaliada em metros ou outra unidade convencional, há frieza e clara separação entre os dois sujeitos da tímida interação – o aluno e a natureza, expressa na imagem, colorida, luminosa, ainda que artística é verdade, mas, acima de tudo, estática. Daí que é uma questão de urgência: largar de vez a obsessiva e angustiante preocupação em se “vencer conteúdos” – e, por acaso, alguma vez, você, professor, “venceu” conteúdo? E, se acha que sim, como é que se vence? Como se derrota?? Dá para empatar??? Afinal, que jogo é esse que se trava com o tal “sacramente respeitado adversário” conteúdo??? Mas, dizia que é preciso deixar de lado a cega e inalcançável perseguição ao conteúdo e levar essa garotada ao encontro da viva matéria-prima do conhecimento relacionado ao meio. Sendo mais claro: é preciso levá-los para dentro do bosque – e com tudo que vem junto e grátis, de picada de mosquito e formigas a sentar na terra úmida de serrapilheira. E convidemos essa turma a botar a mão nas árvores, botar a mão não, a abraçar as árvores! Pois aí você aproveita e trata das di-

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mensões desse ser vivo que, por diversas vezes, não cabe entre nossos braços. Convida também a espiar os liquens do tipo barbade-pau ou barba-de-velho que, por ventura e pelos ventos, poderão estar sacudindo, de modo pênsil, descolando do tronco principal. Convida-o a perceber que uma árvore não é uma árvore... é um milhão de plantas, mais insetos, algumas aves e tudo isso morando num verdadeiro condomínio vertical e literalmente verde, sem demagógicas propagandas. Quanta planta se pendurando nela, umas até parecem estar tatuando a árvore, coladas ao tronco. E ainda, mais adiante, uma variedade de tamanho e de volume das bromélias que crescem nos “sovacos” das árvores, que, caso existam, devem ficar nas esquinas dos galhos com o tronco central. E olha que muitas dessas bromélias, conforme a época do ano, poderão estar exibindo exóticas flores amarelas ou encarnadas, lembrando aqueles penachos que os povos desta terra usavam antes do “Seu” Cabral chegar por aqui. Na “aula de bosque”, em meio àquela aparente dispersão – em grande parte própria da falta do hábito desse tipo de aula – o aluno não ouve ou lê conteúdo tão somente; ele, além disso, bebe conteúdo, aspira conteúdo, toca e acaricia conteúdo e aí, meu velho, aí as coisas de fato estão vivas! A idéia do bosque vale também, ou até muito mais, para uma Floresta Atlântica, por exemplo, numa travessia dessa campeã mundial de biodiversidade e de fotogenia, através dos milenares caminhos indígenas, feitos trilhas coloniais pelos lusos e primeiros mestiços, todos enfeitiçados pelos sonhos dourados dos arraiais de garimpo que, temporariamente, se armavam do litoral ao planalto. Alguns sumiram, outros até viraram cidades, mas o caminho persiste, mesmo que muitas árvores nasceram nas frestas entre as lisas pedras extraídas do leito dos riachos e calça-


das no leito da trilha, décadas, séculos depois que tantos pés – descalços, dos índios e dos escravos, dentro de su(rr)adas botas dos primeiros colonos, em meio ao couro das sandálias dos jesuítas que conquistavam a selva e geravam almas aos gentios – não deixavam tantas sementes vingarem na trilha. Da mesma forma, a idéia se potencializa com a aula acontecendo dentro e fora das cavernas, coisa que é viagem a outro mundo, sem espaço nem letras suficientes para explicar, apenas estando lá para ver e... babar: afinal as flores de lá são de pedra e, pior, digo, e melhor: crescem a cada pingo que vem do teto! É, não tem jeito, o meio-ambiente também está e principalmente TAMBÉM ESTÁ para

A MAIS BELA HISTÓRIA DO MUNDO VÁRIOS AUTORES Editora: Vozes Aqui se procura esboçar uma resposta a estas perguntas cruciais: De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? A resposta, antigamente, vinha dos filósofos e teólogos. Hoje também os cientistas arriscam uma resposta. Partindo da teoria do Big Bang este mundo teria surgido com a explosão de uma bolha de gás primordial, onde reinavam incríveis condições de pressão e temperatura - os cientistas contam “a mais bela história”. Como surgiu o universo (I ato); O aparecimento da vida (II ato); A origem da humanidade (III ato).

além das quatro paredes do universo da sala de aula. E, acredite, ele é descaradamente vivo! Pois então, VIVA!!!

Francisco Carlos Rehme (o Chicho) é geógrafo, professor da 6ª série do Ensino Fundamental e da a 3 . série do Ensino Médio no Colégio Medianeira. Especialista em Geografia Física – análise ambiental pela UFPR e em Currículo e Pratica Educativa (PUC-Rio) e Mestrando em Geografia pela UFPR.

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A OBRA DO ARTISTA (uma visão holística do universo) FREI BETTO Editora: Ática Uma obra que busca uma visão holística das mais recentes teorias que procuram reduzir a distância entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno, englobando várias disciplinas, da Astrofísica à Física das partículas. Frei Betto nos convida a resgatar as raízes do verdadeiro humanismo, debater a questão dos novos paradigmas e buscar uma relação diferente entre ciência e fé, visão de mundo e visão de Deus.

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Esta é uma época de desafio. De enfrentar o picadeiro do circo da vida e os leões nem sempre amestrados. Aliás, como são todas as épocas da vida, com maior ou menor intensidade. Quando somos pequenos o desafio é dar piruetas, andar na corda bamba imaginária entre as árvores do bosque. Crescemos e os desafios surgem na mesma proporção. Mas também aprendemos a aprender, a ser, pensar e agir. Assim nos preparamos para novos e maiores desafios. E você, aluno do terceirão do Medianeira, está preparado. Mas o que nos deixa mais felizes é saber que você vai muito, muito além do vestibular. Você é um jovem que quer fazer um mundo melhor, mais justo, mais humano, mais duradouro. E nós, seus professores, estamos orgulhosos de ter convivido tantos anos com alguém como você. Neste ano vocês escolheram a alegria do circo como marca de identidade. Não esqueceram da seriedade, do respeito e da responsabilidade. E isso nos deixa ainda mais felizes pela certeza que nos dão de estarmos no caminho certo. Nós estamos juntos, com toda energia e vibração para transpor mais um desafio. Encarem esta prova e todas as outras que a vida apresentar, sempre com dedicação e serenidade. E sintam-se abraçados por nós, seus professores e amigos, em todos os momentos. Boa sorte, hoje, amanhã e por toda a vida.

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O império

CONTRA-ATACA:

a construção do

COLONIALISMO na América Latina Por Maristella Gabardo

Quando ouvimos falar de América Latina, que tipo de imagem vem à nossa cabeça? O artigo pretende discutir um pouco os estereótipos muitas vezes construídos através de séculos de implantação de uma idéia que, de tão recorrente, acabou parecendo verdadeira. 30


“... porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.” Gabriel García Márquez (Cem anos de solidão)

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Muito se tem dito e escrito nos últimos anos sobre a separação cultural que existe entre o Brasil e os países hispano-americanos. Nos âmbitos mais altos da cultura, encontramos muitas explicações que jogam a culpa em ambos os lados e poucas reais tentativas de solucionar o caso. Já no âmbito comum, se vê a justificativa dessa separação com as mais diversas desculpas. A principal é a da diferença de idiomas. Como se pode ver, a cada dia, a “cultura” que mais se expande no mundo é a da industria cultural. Na América Latina, guardadas as devidas proporções que mudam de país para país, a “cultura” que provem daí é consumida sem maiores problemas e por vezes tem um espaço maior do que a cultura local, apesar da mesma não ser nem em português nem em espanhol. Faz-se notar que é sim necessário o aprendizado dos respectivos idiomas por ambas as partes para uma melhor relação, seja comercial, seja cultural, entre os dois. O mesmo já foi constatado por Mônica Hirst em seus diversos estudos sobre a ampliação do Mercosul. O que se pode ver claramente é que a diferença entre os idiomas não é o principal fator complicador ou limitador nesta relação. De acordo com os estudos de Hirst, o principal fator de separação é o

discurso criado por ambas as partes de depreciação ou de exaltação dos vizinhos. Esse discurso, criado pelos construtos da colonização, é o que colocou esses países em uma bruma com os olhos somente voltados para a metrópole, o que não permitiu uma maior relação entre a colônia de Portugal e as espanholas. Mas o que seriam esses construtos? Seriam as formas culturalmente criadas para encaixar as novas relações desenvolvidas entre a metrópole e a colônia. Seria o pensamento – filosófico ou não, com bases científicas ou não – desenvolvido na América e que influenciou e ajudou a criar o que Caetano Veloso chama de nova ordem mundial. E (in)felizmente foi neste contexto que nascemos e fomos moldados. A história de quem somos. A história de quem somos e de como interpretamos as coisas está muito menos ligada aos fatos que realmente ocorreram do que aos que nos foram contados. Por exemplo, se ao final desse artigo, os leitores acharem que o mesmo foi bom, e disserem as outras pessoas que esse artigo é bom, o que pensarão as outras pessoas de mim? Que li muito, sou uma boa pesquisadora e que o mesmo foi muito bem feito e embasado. O mesmo acontece ao contrário; se alguém não gostar desse artigo, e disser a outros que não gostou, os outros terão uma imagem de uma má pesquisadora. Ambas afirmações podem ser verdadeiras ou falsas. Não há como alguém saber se sou ou não uma boa pesquisadora apenas pelos comentários alheios. Se estas duas pessoas agregarem a esta a idéia que elas têm de um professor de línguas em um colégio e os dados coincidirem, se criou um estereótipo. O

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problema não é a existência do estereótipo por si só, pois muitas vezes é o que mantém o respeito e a paciência pelo diferente. Mas: 1)- o preconceito que advém/adveio dele; 2)- a aceitação do estereótipo como sendo verdadeiro pelo povo estereotipado; 3)- a aceitação do mesmo como verdade absoluta. Enfim, durante muito tempo, várias “pessoas” julgaram o povo latino-americano sem conhecê-lo. Como se vê, essa criação de estereótipos pode ser aplicado a uma esfera macro de conceitos. De acordo com Brown e Lewinson, os estereótipos são repassados de geração em geração e por isso não há a preocupação em saber se os mesmos condizem ou não com a realidade. A sociedade que nos circunda é como uma grande piscina de conceitos na qual somos mergulhados quando nascemos. Alguns ficam nas partes mais profundas e absorvem os conceitos de uma forma mais arraigada, enquanto outros ficam na superficialidade e têm menores influências. Mas assim como quando entramos numa piscina não há como não sair molhado dela, não há como não ser influenciado pela sociedade na qual se está inserido. Sendo assim, os conceitos que nos são apresentados desde pequenos estão muito mais arraigados em nós do que se imagina. Os construtos apresentados por Pennycook em seu livro English and discourse of Colonialism estão também na colonização latina, e por latina entenda-se aqui espanhola e portuguesa, de maneira tão camuflada que por vezes parecem irreais ou imutáveis. Faz-se necessário um parêntese sobre o termo “latino”. Esse termo foi criado pelos franceses para que englobasse todos os países que falam idiomas advindos do latim. Isso lhes poria como nação irmã junto a Portugal e Espanha, justificando, assim, a conquista

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de alguns territórios no novo mundo. Hoje, esse termo denomina em vários países a pessoa pobre, ilegal, intelectualmente menos capacitada. O termo “países latinos” – levando em conta as primeiras imagens e conceitos que nos vêm à mente para latino – não inclui mais Itália e França, mas somente os países que por algum motivo são tidos como economicamente desprivilegiados, seja no contexto Americano, seja no contexto Europeu. Outras vezes ainda, esse sentido de “latino” pode vir ligado ao do “sangue latino”, ou seja, às danças sensuais, ao corpo desnudo, às mulheres fáceis e à vida desregrada. Essa é uma visão ainda colonizadora e estereotipada, no pior sentido da palavra, a respeito dos habitantes do novo mundo. A utilização dos construtos foi muito mais eficaz do que algum dia se pôde imaginar. Não somente o Novo Mundo foi influenciado por eles, mas os próprios colonizadores sofrem as suas conseqüências. A análise dos mesmos pode se dar de diversos pontos de vista. O escolhido aqui foi o da visão do colonizado, tendo sempre como base uma análise cultural, sem pretensão de ser social. São sete os construtos apresentados por Pennycook (as diferenças raciais; o vazio e a falta; a cultura e o natural; o adulto e a criança; masculino e feminino; a transfiguração do colonizador; a pureza e a sujeira). Aqui serão apresentados somente os dois primeiros deles:

Diferenças raciais De acordo com a visão de Pennycook, esse é o principal construto de todos; é por meio dele que se justifica a maneira como se deu a colonização, ou seja, violenta, impositiva e escravizante. Aqui, para que haja um comparativo mais forte com os outros países latino-americanos, será dada menor ênfase à


questão negra, e se dará um maior enfoque à questão indígena. A hierarquia entre as raças sempre foi muito marcante na América. Na época colonial, um dos fatores que levou às independências na hispano-américa foi justamente a não aceitação dos criollos – filhos de espanhóis nascidos na América – como europeus. Hoje em dia, pode-se ainda ver isso muito claramente na região sul do Brasil, onde se faz constante a pergunta: “De onde você é?” Ou ainda “De onde a tua família é?” Como se nessas famílias ainda se conservassem a força e a pompa européia. Dificilmente alguém se lembra de dizer que tem ascendência indígena. E, se o fizer, a imagem imediata que vem à nossa cabeça não é a da mais bela tribo com os mais belos índios, como disse Renato Russo, mas de uma maloca cheia de moscas, suja, etc... O que nos leva a pensar assim? Justamente essa visão de que a Europa deveria trazer ao novo mundo a Sabedoria. E esta compreende: religião, conhecimentos, costumes, modos de ser, comportar-se, vestir-se, etc. Tudo o que havia aqui era menor, menos importante e desnecessário. Faz-se ver a destruição de vários dos templos aqui existentes para a construção de pontes, colégios e casas. Além disso, sendo essas raças hierarquicamente distintas, não há possibilidades de ascensão entre as mesmas, ou seja, os indígenas sempre deverão depender do homem branco, para trazer-lhes conhecimento e luz. De acordo com o estatuto do indígena (LEI Nº 6.001), os indígenas são “tutelados pelo estado brasileiro”. Não lhes é permitido trabalhar e têm uma grande área de terra cedida pelo governo para a sua preservação. Como se não bastasse, para obter a liberação deste regime, deve provar ter razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional, ou seja, atuar como um homem branco, perdendo assim a sua identidade. Aqui a palavra compreensão expande o sentido de entender e engloba o sentido de tornar-se. Qualquer semelhança legal entre um pajé e uma criança de 3 anos é segura-

mente mera coincidência. Como se vê, são cinco siglos igual, isto é, durante cinco séculos, os indígenas foram bombardeados pela cultura européia e banalizados como cidadãos. Como em vários países hispano-americanos, a quantidade de indígenas inviabilizou esta proposta, criou-se um tipo de segregação muda, um apartheid não institucionalizado. Até hoje, são poucos os líderes políticos indígenas. O mundo paralisou quando o primeiro presidente indígena na América assumiu o poder, como se esse feito fosse totalmente insano. Imagine um país eleger um indígena. É impressionante ver que mais de meio século depois da invasão latina ainda se vêem os povos indígenas como menos capacitados para posições de poder. Em países latino-americanos não andinos, existe a tendência de achar a cultura indígena “bonita” e inclusive retratar, em fotos e

vídeos, o modo de vida dos mesmos. O que na verdade fazemos é, até certo ponto, o mesmo que os europeus fizeram: impomos a nossa forma de ser como certa e verdadeira. Identificamos a cultura indígena como primitiva quando comparada com a nossa cultura herdada dos colonizadores europeus. Mas há o contraponto interno de vários países andinos, onde se valoriza muito o ser indígena e a sua cultura. Engraçado é ver como temos mais pré-conceitos justamente para com esses países que se declaram mais indígenas.

O vazio e a falta A história chega à América com os colonizadores. É comum a idéia de que todas as pessoas que estavam deste lado do mundo

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esperavam imóveis a chegada dos colonizadores. Não havia histórias, conquistas, imperadores, somente um vazio... Vazio este marcado pelo primitivismo dos povos aqui presentes. Não havia religiões, templos e celebrações. Tudo era segregado à escuridão. Todos os cidadãos da América eram considerados tabulas rasas e por isso deveriam ver a luz que chegava do oceano em forma de deus. E é assim que até hoje se vê o colonizador, como aquele que tem a luz, a sabedoria. A verdadeira religião, arte, medicina e tantas outras verdades parciais, mas que por vezes foi (e é) absoluta. Bárbaros por seus rituais e armamentos, os indígenas tiveram que aprender, ou como diz o estatuto indígena brasileiro, ter razoável compreensão dos costumes castos e verdadeiros. Isso, é claro, seguindo as tradições de conquistas de um povo civilizado, ou seja, o massacre e a imposição total de suas crenças. Será que as armas de fogo são reais sinais de progresso?

Como se vê, no Brasil não há o reconhecimento de sua raiz indígena e muito menos do valor que ela tem. Além disso, tende-se a reconhecer os povos das nações vizinhas como inferiores, exatamente como os europeus fizeram. Sendo assim, tudo o que vem daí é inferior e não digno de interesse, vide a sua arte, a sua cultura e a sua língua. A não aceitação do povo brasileiro como latino deve-se, então, muito mais ao seu não reconhecimento como indígena (ou descendente de...) do que a uma mera questão de idioma.

Maristella Gabardo Professora de espanhol do colégio Medianeira. Graduada pela UFPR e, no presente momento, também docente na mesma universidade. Membro do grupo de linguagem e cultura daUFPR.

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ENGLISH AND THE DISCOURSES OF COLONIALISM ALASTAIR PENNYCOOK Editora: Routledge-USA

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Ensino Fundamental de

NOVE ANOS:

PERSPECTIVAS e

DEBATES

Por Claudia Furtado de Miranda

Foram bastante discutidas nos meios de comunicação as implicações organizativas e a formalização legal do Ensino Fundamental de 9 anos. Mas não houve, pelo menos com a mesma intensidade, uma reflexão mais aprofundada sobre suas implicações pedagógicas, políticas e qualitativas no aprendizado do aluno. Mediação procura trazer para a cena do debate reflexões sobre o quanto o Ensino Fundamental de 9 anos pode contribuir para o processo formativo da criança e do adolescente. 35


A localidade dos educandos é o ponto de partida para o conhecimento que eles vão criando do mundo. Seu mundo, em última análise, é a primeira e inevitável face do mundo mesmo. Paulo Freire -1986

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Nos últimos meses, o debate sobre a implantação do Ensino Fundamental com a duração de nove anos tem gerado polêmicas em relação à sua proposta e à sua relevância no cenário educacional brasileiro. É perceptível que a circulação das informações na mídia tem gerado, em alguns casos, mais desinformação, tanto pelo desencontro dos processos e medidas que as escolas e o próprio Conselho de Educação estão tomando para se adaptar às decisões legais – característicos de todo o processo de transição e mudança – quanto pela iniciativa de descrever mais os conflitos do que esclarecer os princípios políticos e pedagógicos que alicerçam as bases do ensino fundamental de 9 anos. Assim, o que se percebe é uma confusão e angústia por parte das famílias sobre o futuro do processo de escolarização dos filhos. Pretendemos descrever um pouco das bases políticas da ampliação do Ensino Fundamental de 9 anos a partir dos documentos legais e das questões pedagógicas centrais para a inclusão das crianças de seis anos de idade neste segmento. O objetivo deste texto não é dar respostas prontas para as demandas desta discussão, mas, principalmente, ponderar sobre algumas características pedagógicas às quais escolas e educadores devem estar atentos no processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. A necessidade crescente do Brasil em aumentar o número de anos do ensino obrigatório tem sido uma prerrogativa da legislação educacional: a Lei nº 4.024/ 1961 estabeleceu quatro anos de escolaridade obrigatória; a Lei

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nº 5.692/1971 determinou a obrigatoriedade para oito anos; a Lei nº 9.394/1996 já sinalizava para o ensino obrigatório de nove anos de duração e definiu como meta nacional pela Lei 10.172/2001 com a aprovação do Plano Nacional de Educação. Em 6 de fevereiro de 2006, a Lei nº 11.274 instituiu o ensino fundamental de nove anos com a inclusão das crianças de seis anos de idade. 1 A fundamentação desta decisão política tem duas intenções: “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade” (Lei nº 10.172/2001). Fica claro que o objetivo político é implantar uma reforma educacional que atenda a necessidade de ampliar a escolaridade a um maior número de crianças, e também de atender as exigências do cenário internacional no tocante aos índices e ao nível de escolaridade da população brasileira. Não se trata, portanto, de uma revolução no processo de inclusão e no processo pedagógico de formação para a cidadania, até porque, para tanto, seria necessário promover mudanças no cenário da formação continuada dos professores; na gestão da política e das verbas públicas; na valorização dos saberes e da experiência das pessoas inseridas na cultura local (educadores, alunos,


comunidade) como exercício de cidadania, buscando um maior equilíbrio social e econômico. Entretanto, a proposta de inclusão é muito interessante no que se refere às questões pedagógicas que priorizam um maior tempo de permanência da criança e do adolescente na escola. As decisões pedagógicas sobre o currículo, a concepção de infância e de alfabetização nas diversas áreas do conhecimento são centrais no processo de transição entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. Não se trata de acelerar a criança de seis anos para o Ensino Fundamental, aumentando as exigências de um currículo de 1ª. série, muito menos se trata de manter, simplesmente, o currículo da última série da Educação Infantil neste novo segmento. É importante que as escolas – particulares e públicas – concebam uma estrutura espiral de organização

dos conteúdos da Educação Infantil ao final do Ensino Fundamental. É preciso, neste sentido, evitar uma ruptura entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental (ruptura clássica que ainda persegue nossas organizações curriculares e a cultura escolar). Dito de outra forma, é muito comum se ouvirem comentários enfatizando que ‘o tempo da Educação Infantil é o da brincadeira e da ludicidade’ e o ‘tempo do Ensino Fundamental é o de estudar’. Esta dicotomia entre o estudar e o brincar destaca a necessidade de se conceber a infância como um processo de aprendizagem e desenvolvimento que perpassa muitos anos da história da criança. Assim, a elaboração de um projeto/planejamento pedagógico que assegure o cuidado com a infância e o processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental precisa considerar alguns aspectos em relação à aprendizagem e ao desenvolvimento dos alunos: a infância e a brincadeira no aprendizado; a ampliação das relações sociais; o processo de alfabetização nas diversas áreas do conhecimento; a graduação da exigência acadêmica na construção do conhecimento; a formação integral da criança e do jovem (aprender a pensar, ser e agir). Quando falamos na escola sobre a importância da brincadeira e dos jogos para o desenvolvimento da aprendizagem, estamos destacando que é por meio destas atividades que a criança lança hipóteses, problematiza situações reais e se aproxima da realidade e do mundo adulto. De acordo com Vygotsky (1987), o brincar é uma atividade humana criadora, na qual a imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças e adultos.(citado em BORBA, 2006) 2

No contexto escolar, os planejamentos que contemplam as brincadeiras livres ou dirigi-

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relacionada com a concepção cartesiana de conhecimento e de educação. Defendemos que a discussão nas escolas sobre a complexidade do processo da leitura e da escrita no tocante à aprendizagem e desenvolvimento das crianças precisa ter como perspectiva a valorização dos saberes infantis e a desmistificação das verdades construídas e emolduradas pelos métodos que são vistos como manuais de alfabetização.

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O próprio contexto social e econômico delega ao sujeito a criticidade acerca da importância de ler e escrever; dessa forma, tanto a criança quanto o adulto são sujeitos deste aprendizado. Neste aspecto, a alfabetização concretiza-se como uma possibilidade de formação acadêmica, democrática e cidadã. Conforme explica Paulo Freire:

das, favorecem o desenvolvimento da linguagem corporal, imagética e sonora no processo de alfabetização das crianças. Neste sentido, o conceito de alfabetização abrange também a construção dos conceitos das diversas áreas do conhecimento. É através do jogo e da imaginação que a realidade social e histórica se aproxima da aprendizagem infantil. Desta maneira, quando proporcionamos que as crianças investiguem a realidade em que vivem por meio da vivência e da experimentação, contribuímos para que ela amplie a rede de significados sobre o contexto em que vive. Assim, a alfabetização envolve a construção dos conceitos de tempo e espaço e de mega-habilidades como a imaginação, a memória e a linguagem.

É neste sentido que também entendemos a alfabetização como um processo cognitivo de construção e decifração da escrita e da leitura de diversos e diferentes contextos históricos e sociais que se (re)significam pela relação com as diferentes linguagens.

Como pensar a educação nos meios acadêmicos cercados por métodos e modismos que aprisionam as diferentes possibilidades de criação e inovação, de aprendizagem e desenvolvimento? Durante muito tempo, os métodos únicos e fechados foram redentores das soluções para os problemas pedagógicos e se configuravam como modelos pelo atestado de cientificidade. Os critérios que cercavam a aprendizagem e as ‘metas a serem atingidas’ eram – e ainda são - uniformizados pela relação monológica entre ensinoaprendizagem; portanto, a concepção de ensino e de aprendizagem está diretamente

Entendemos que a ação educativo-formativa necessita de um trabalho diagnóstico do processo de aprendizagem e de desenvolvimento dos alunos, da turma e da série, nas dimensões do aprender/saber pensar, ser e agir. Nessa perspectiva, aprender e ensinar fazem parte de um processo dialógico que coloca o educador e o educando em situação de interação e reciprocidade diante da ação de aprender. A aprendizagem é significativa quando o conhecimento em construção estabelece uma rede de relações com a realidade/contexto histórico e social nos quais os sujeitos se constituem.

A alfabetização e a educação, de modo geral, são expressões culturais. Não se pode desenvolver um trabalho de alfabetização fora do mundo da cultura. Parece-me fundamental, porém, na prática educativa, que os educadores não apenas reconheçam a natureza cultural do seu fazer, mas também desafiem os educandos a fazer o mesmo reconhecimento. 3


Desse ponto de vista, educar é um ato político que orienta desde a seleção dos conteúdos até a preocupação de como os alunos pensam e aprendem. Isso nos coloca a necessidade de reavaliar constantemente nossas práticas pedagógicas no tocante às dimensões formativa e diagnóstica do processo de ensino-aprendizagem e de aprendizagem-desenvolvimento. Assim, entendemos que quanto mais aprendizagem, mais desenvolvimento e quanto mais desenvolvimento, mais aprendizagem, pois a aquisição do conhecimento é simultaneamente uma atividade cognitiva e cultural. Consideramos que o Ensino Fundamental de nove anos possibilitará um maior tempo para o processo de aprendizagem das crianças e jovens, desde que se considere a importância da continuidade das propostas pedagógicas e curriculares no processo de formação acadêmica e humana dos alunos. Entretanto, sua implantação não pode ser arbitrária, é preciso que as escolas – públicas e particulares – tenham tempo para se adaptar às novas exigências pedagógicas e estruturais. O período de transição do Ensino Fundamental de oito anos para nove anos é essencial para que as escolas considerem o processo de aprendizagem dos alunos, a proposta pedagógica curricular, a estrutura física e o preparo dos professores e das equipes pedagógicas.

1 As leis citadas foram retidas do documento: “ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade”. Organização do documento: BEAUCHAMP, Jeanete, et al. Brasília, 2005. 2 BORBA, Ângela Meyer. O brincar como um modo de ser e estar no mundo. O texto faz parte do documento ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Organização: BEAUCHAMP, Jeanete, et al. Brasília, 2006. 3 FREIRE, Paulo & MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo leitura da palavra. 2ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994.pp.33.

Claudia Furtado de Miranda é professora de História e Supervisora Pedagógica da Educação Infantil e da 1a. fase do Ensino Fundamental no Colégio Medianeira. É também Mestranda em Educação pela PUC-PR

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ALFABETIZAÇÃO: LEITURA DO MUNDO, LEITURA DA PALAVRA AUTORES: PAULO FREIRE E DONALDO MACEDO Editora: Paz e Terra Paulo Freire utiliza toda a sua experiência pedagógica para dissecar o ato da leitura no processo de alfabetização das camadas populares. Com a colaboração de Donaldo Macedo, elabora uma avaliação severa e inovadora dos tradicionais projetos de alfabetização desenvolvidos no Brasil, nos Estados Unidos e nas ex-colônias portuguesas na África. Nesse esforço conjunto reiteram a proposta do Método Paulo Freire.

O INDIVÍDUO EM FORMAÇÃO: DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES SOBRE EDUCAÇÃO BÁRBARA FREITAG Editora: Cortez Ao juntar em um mesmo texto conotações distintas de um mesmo conceito, relacionando textos que pertencem a diferentes campos do saber, ganha-se em riqueza e sofisticação semântica, captando todas as nuances de um conceito, mesmo que estas estejam dispersas pelos múltiplos saberes. Neste sentido, a perspectiva inter e multidisciplinar pode resultar em um alargamento do horizonte conceitual e numa melhor compreensão de fenômenos sociais e psíquicos altamente complexos.

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VER

pra CRER? Por Milana Bernartt

O cinema é sem dúvida uma das formas de arte mais evidentes da cena contemporânea. Mas os limites entre a arte e a indústria cultural são muito tênues. Ora, ele é repetição de imagens-clichê; ora, refinamento e educação do olhar. A sétima arte, nas suas multiformes modulações, está em todos os lugares e faz a cabeça de um público a cada dia maior.

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S

Sábado, oito da noite. Contei dezesseis pessoas na minha frente na fila da locadora. Produção em série. Alguns com apenas um DVD, outros com pilhas deles. Crianças, pais, namorados, sozinhos, pipoca, refrigerante e filmes. Muitos filmes. Centenas, milhares: na TV, no cinema, na Internet, nos anúncios, nas festas, nas cabeças das pessoas. Uma obsessão. — Já viu esse? — Não, mas vi o trailer e não gostei. — E esse aqui? — Ah, eu vi mas faz tempo. Vamos levar de novo? Promoção de aniversário. Cada filme dá direito à locação grátis de um catálogo - os filmes “de arte” que sobrevivem ao tempo e à crítica. Clássicos que nunca deixarão de ser clássicos, mesmo estando no lugar mais escondido da locadora. “Ah, mas quem gosta desses filmes não se importa de subir até aqui procurar”. Como saber se o que você está assistindo é uma obra de arte ou puro desperdício de pipoca? Senso crítico. O audiovisual tem o poder de informar, entreter e projetar para outras realidades, espaços e tempos e atingir os sentidos amplamente. Se o que você está assistindo não faz isso, não engula. Aliás, não engula absolutamente nada sem antes ter certeza de que pode confiar naquilo. Uma pesquisa do IBGE revela que a televisão é o bemdurável mais comum na casa dos brasileiros: está em 97% dos lares (a geladeira está em apenas 87%). Há tempos a TV é o centro da casa e a principal fonte de informações. A qualidade delas é que preocupa. O que não tem imagem não é notícia. Parece óbvio? Então responda rápido: que porcentagem do tempo você usa para refletir sobre dados, contextos e análises enquanto está “lendo” as imagens? Existe espaço pra isso nos meios de comunicação? Talvez, mas não em todos. A pasteurização do conteúdo – especialmente o audiovisual – traz a ilusão da infor-

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mação. Pense em quanta superficialidade passa diante dos seus olhos todos os dias, travestida de notícia. Sei um pouco de tudo. Sei de nada. Você sabe por quantas pessoas essa informação passou antes de chegar em você? Por quantos julgamentos, dificuldades, maus humores, recursos, cortes, interesses? Acredito que a escola tenha papel fundamental na educação do olhar: ensinar ao aluno como distinguir o que é uma informação valiosa e descartar todo o resto. Não ao desperdício de pipoca! Entender que o que ele vê na tela é o reflexo do trabalho de centenas de pessoas e não a verdade acontecendo diante dos olhos. A leitura de imagens, assim como a leitura de textos, requer treino, dedicação e esforço. Esforço para detectar a intenção de cada corte, cada fala destacada, todas as expressões. Entender que tudo que não foi dito é tão importante quanto aquilo que está sendo dito. Que a ordem dos fatores, neste caso, altera totalmente o produto. Há ainda o outro lado. Os novos talentos devem ter a chance de poder se expressar pelo meio de comunicação mais poderoso da nossa era. Poder criar e transmitir idéias com a força do instantâneo e do eterno. A educação multimeios e multilinguagem protege do bombardeio diário de informações e dá ferramentas para filtrar as milhões de possibilidades. E, acima de tudo, possibilidades de criação. “Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça” fizeram de Glauber Rocha um dos grandes nomes do cinema mundial. Por que hoje, quando a câmera na mão é comum, parece faltar a outra parte da equação? Garanto que não falta. Dê-lhes os meios e faça um estoque extra de pipoca. Vão faltar lugares escondidos nas locadoras.

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Milana Bernartt é jornalista, especialista em Cinema Independente e vídeo. Já ministrou Oficina de Curta-Metragem no Medianeira e será a professora do novo curso de Cinema e Vídeo do colégio, em 2007.

A LINGUAGEM SECRETA DO CINEMA JEAN-CLAUDE CARRIÈRE Editora: Nova Fronteira O roteirista francês aborda, neste livro, o vocabulário do cinema: câmera, ângulos, iluminação, a escolha dos atores e cenários, as mensagens subliminares contidas na técnica etc. Discute ainda de que maneira a linguagem cinematográfica evoluiu ao longo de um século a partir da sofisticação de seu público, que teve sua percepção de tempo alterada pelos filmes.

A EXPERIÊNCIA DO CINEMA Organizador: ISMAIL XAVIER Editora: Graal

Em 2007, o Colégio Medianeira contará com o curso de Cinema e Vídeo dentro das atividades extracurriculares promovidas pelo Departamento de Arte e Cultura!

O CINEMA PENSA: uma introdução à Filosofia através dos filmes JULIO CABRERA Editora: Rocco Não é de hoje que se discute o significado filosófico dos filmes e não são poucas as teses e dissertações que usam o cinema para ilustrar as idéias desse ou daquele pensador. Julio Cabrera, no entanto, vai além da simples comparação entre cinema e filosofia, e mostra que os filmes, muito mais do que servirem como bons exemplos de concepções filosóficas, problematizam o pensamento tradicional de modo radical. Composto por um ensaio inicial onde o autor expõe seu método de análise e 14 exercícios, O cinema pensa aborda a filosofia contida nos filmes de Spielberg, Buñuel, Capra, Tarantino, Antonioni e muitos outros. Com clareza, Cabrera contrapõe o pensamento desses cineastas a teses defendidas por pensadores como Platão, Aristóteles, Kant, Marx, Locke, Heidegger e Wittgenstein, evidenciando a existência de um profundo diálogo entre diretores e filósofos.

Organizado por Ismail Xavier, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, este livro é uma introdução às teorias do cinema, indipensável aos estudiosos ou apreciadores da arte cinematográfica.

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“LEVANTA-TE,

vem para o meio!”

Por Isabel Cristina Piccinelli Dissenha

Vale a pena fazer este convite ... Um relato de experiência

O tema da Campanha da Fraternidade em 2006 mostra, na prática, o quanto a integração e o acolhimento no seio da sociedade humana não apenas são possíveis, mas necessários e belos. 44


“Professora, a partir de agora, quando eu vir o ônibus azul da prefeitura q ue leva as crianças da APAE, vou olhar com muito carinho e lembrar do dia que e les vieram aqui no colégio e mostraram para nós que é possível conviver com as crianças portadoras de necessidades especiais, desde que haja respeito e que um ajude ao outro. Quando nós nos encontraremos novamente? Já estou com saudades do sorriso deles e de pegar nas suas mãos...” “ Quando nós estávamos fazendo a atividade do mosaico eu nem percebi as nossas diferenças. Nós conversamos que parecia que já nos conhecíamos e foi ele quem me mostrou um jeito mais rápido de montar o mosaico...” “Professora, quando nós fomos nos despedir das crianças antes deles entrarem no ônibus, me deu vontade de chorar; de alegria por ter conhecido eles e de tristeza porque eles estavam indo embora...” “O carinho com que o Colégio nos recebeu certamente ficará para sempre na nossa lembrança. Os alunos de vocês estão de parabéns, pois demonstraram através das suas atitudes que têm amor e respeito nos seus corações. Que este seja o primeiro, dos muitos encontros...”

O

Foi a partir destes comentários e das atitudes de acolhimento, solidariedade, envolvimento e respeito às diferenças individuais, que avaliei (enquanto professora de Ensino Religioso) a importância de partilhar a experiência vivenciada pelos alunos da 3ª série, no dia 28 de junho deste ano (2006), depois do convite feito às crianças da Escola de Educação Especial de Estimulação e Desenvolvimento (CEDAE – APAE), para visitarem o nosso colégio. O convite partiu da inspiração que o lema da Campanha da Fraternidade deste ano nos propõe: “Levanta-te, vem para o meio!”. As

pessoas “sem deficiência” estão convocadas a “levantar-se”, sair da exclusão, ter consciência do valor e dignidade das pessoas com deficiência (Mc 3,3). Cabe à sociedade ir ao encontro do outro, na sua alteridade e na sua diferença, e acolhê-lo com fraternidade (Texto-base da Campanha da Fraternidade – 2006. n. 223). A proposta educativa do Colégio Medianeira na formação acadêmica e humana do “ser para os demais” vem ao encontro do que nos propõe este lema no sentido de que não devemos ficar conformados, devemos ter coragem e assumir a luta pela dignidade de todas as pessoas. Queremos formar os nossos alunos

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para que sejam líderes inseridos e autônomos, orientando-os para que sejam agentes de transformação da sociedade, conscientes da realidade sócio-histórica do país e comprometidos com a causa dos excluídos. Quando falamos em exclusão, não podemos deixar de mencionar os portadores de necessidades especiais. Felizmente, percebemos que atualmente a inclusão tem sido vista de uma forma mais ampla, em que as relações interpessoais são essenciais para o processo ensino-aprendizagem. Como diz Lucy Alves, “nessas relações, há um resgate de pessoas que se sentem à margem da sociedade, abrindo um leque de oportunidades para que exista um equilíbrio, uma igualdade, elevando a auto-estima, a independência e a valorização das diferenças individuais.” A relação entre inclusão e exclusão é muito próxima. A inclusão precisa desenvolver a perspectiva de pertença a um contexto social e cultural entre as diversas dimensões que refletem uma mesma realidade. É por isso que acreditamos no que diz Rosita Carvalho: “(...) a escola para todos, a escola inclusiva, tem como princípio fundamental que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter.” Este encontro com as crianças da APAE foi planejado com muito carinho e empenho, numa relação dialogal com os alunos, os professores da série e a coordenação, com o objetivo de demonstrar através de uma experiência significativa que é possível conviver com o “diferente”, no sentido de inclusão, interação e aprendizado, bem como vivenciar valores como a solidariedade, a fraternidade e o amor ao próximo. Para tal, a disciplina de Ensino Religioso trabalhou, via conteúdo, o que nos propõe a campanha da fraternidade deste ano e como viver, em gestos concretos, o sentido e a proposta da APAE. Outras disciplinas trabalharam em parceria, organizando oficinas: Língua Portuguesa

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(“Hora do Conto”), Artes (“Mosaico”) e Educação Física (“Expressão corporal”). Os alunos da APAE, por sua vez, nos encantaram com a apresentação da dança “Toda criança quer” e com o projeto que desenvolvem na escola: “Projeto Algo Mais”, o qual visa a trabalhar com movimentos significativos. Foi gratificante perceber a troca afetiva de olhares, de conhecimento, a atenção, o respeito e a solidariedade entre as crianças durante o período em que estiveram juntas. A convivência, mesmo que por um período curto de tempo, deixou um gostinho de quero mais e isto é muito bom, pois significa que nós conseguimos sensibilizar os nossos alunos para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna, solidária, sem preconceito e sem exclusões. Certamente, eles perceberam que o respeito às diferenças individuais e a ajuda mútua é um dos caminhos para atingirmos a nossa utopia, onde todos possam viver verdadeiramente como irmãos. Aqui, gostaria de destacar que as Características da Educação da Companhia de Jesus enfatizam, de maneira especial, esta dimensão: “uma vez que o verdadeiramente humano se encontra unicamente em relação com o próximo, que se baseia em atitudes de respeito, amor e serviço, a Educação Jesuítica enfatiza e ajuda a desenvolver o papel de cada pessoa como membros de uma comunidade humana. Os alunos, professores e demais membros da comunidade educativa são in-


centivados a construir uma solidariedade com os demais que transcendam raças, culturas ou religiões. O ambiente de um centro educativo da Companhia deve ser tal que todos possam viver e trabalhar juntos com a compreensão e amor, respeitando-se uns aos outros como filhos de Deus”. (Característica n.33 da Companhia de Jesus)

Isabel Cristina Piccinelli Dissenha é professora de Ensino Religioso e Catequese de 3ª e 4ª séries, supervisora da área de Ensino Religioso de Educação Infantil a 4ª série e integrante do Centro de Espiritualidade do Medianeira. É também formada em Pedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná, com especialização em Psicopedagogia – PUCPR – e Currículo e Prática Educativa – PUCRJ.

Finalizo este relato de uma experiência tão significativa para nós (que foi mais uma, entre as várias que já fazemos) afirmando a importância de continuarmos propiciando oportunidades para que os nossos alunos percebam, como nos diz Santo Inácio de Loyola, que “o amor deve consistir mais em obras do que em palavras”.

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CAMINHOS PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL ROSA GITANA KROB MENEGHETTI E ROBERTA GAIO Editora: VOZES A obra traz uma reflexão sobre as possibilidades do ser humano, para além das possíveis deficiências que seu corpo possa abrigar, e no diálogo com as diferenças contidas nas várias áreas de conhecimento. O livro mostra o sentido da diferença e o modo de lidar com ela em sala de aula, a partir da ampliação do conceito de igualdade.

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SJR: uma missão

junto dos

pobres MAIS

POBRES Por Domingos Chagas, SJ

Infelizmente, o novo milênio nasceu sem resolver problemas graves da humanidade. Ainda hoje, há milhares de pessoas que são obrigadas a sair de seus países por terem sua liberdade e segurança ameaçadas. Mas também há a boa notícia: diversas organizações se mobilizam para dar apoio a essas pessoas. E os jesuítas estão aí, trabalhando como sempre.

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O

O Serviço Jesuíta aos Refugiados (SJR) é uma organização católica internacional que trabalha em mais de 50 paises, com a missão de acompanhar, servir e defender os direitos dos refugiados e migrantes forçados. A missão confiada ao SJR compreende assistir todos os que foram afastados de seu lugar de origem por conflitos, tragédias humanas e violações dos direitos humanos de acordo com o ensino social da Igreja Católica, que define o refugiado “de fato” a múltiplas categorias de pessoas. A razão de ser do SJR está intimamente ligada à missão da Companhia de Jesus (Jesuítas) de promover a justiça do Reino de Deus em diálogo com outras culturas e religiões. O serviço foi criado em 1980 pelo Pe Pedro Arrupe SJ, então Pe Geral da Companhia de Jesus, como resposta prática e espiritual à situação dos refugiados daquele momento. A missão do SJR foi confirmada pelo Superior Geral PeterHans Kolvenbach SJ em uma carta dirigida a toda a Companhia de Jesus em 1990. Dez anos mais tarde, em comemoração aos 20 anos de SJR, ratificou a missão como serviço apostólico internacional que faz parte do apostolado social da Companhia de Jesus; nesta mesma carta anunciava as Diretrizes para o SJR

O que é Refugiado? O refugiado é o indivíduo que se encontra fora do seu país de origem e não possa ou não queira acolher-se a sua proteção por fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Ainda, a Lei n. º 9.474, de 22 de julho de 1997 considera como refugiado todo aquele que é obrigado a deixar o seu país de origem devido a grave e generalizada violação de direitos humanos Quem são os refugiados? Além da definição de refugiado consagrada pela Lei 9.474/ 97, que é a reprodução da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, no que diz respeito à primeira parte, há que ressaltar aquela constante da Declaração de Cartagena de 1984, incorporada à legislação brasileira e que considera, também, como refugiadas as pessoas que fugiram de seus

países porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, ou agressão estrangeira, conflitos internos, violação massiva dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública. A concepção que ela assume, conforme o estatuto do SJR, diz que a “missão do SJR abarca todas as pessoas que são deslocadas de seus lugares por motivos de conflitos armados, desastres humanitários e violações dos direitos humanos, todos eles de acordo com a doutrina social da Igreja que aplica a expressão ‘refugiados de fato’ a muitas categorias de pessoas”. O SJR está dividido em grandes regiões, a saber: América Latina e Caribe; América do Norte; Europa; África Ocidental; África Oriental; África Meridional; Grandes Lagos; Ásia Meridional; Ásia Pacífico. Isso se deve porque de acordo com as estimativas mais moderadas, existem pelo menos 40 milhões de refugiados e pessoas deslocadas em todo o mundo. Muitas vivendo em campos superlotados, acampamentos destinados a refugiados, ou simplesmente anônimas em grandes ou pequenas cidades. A grande maioria foi deslocada das suas casas devido a conflitos e atos de violência. Os conflitos continuam afetando milhões de civis todos os anos, destruindo casas, aldeias inteiras, terras de cultivo. Exemplos recentes incluem: a Colômbia, onde existem mais de 2 milhões de pessoas deslocadas devido a uma guerra civil persistente. O Sudão, onde perto de 5 milhões de pessoas fugiram das suas regiões devastadas pela guerra para uma segurança relativa na capital Cartum e noutros locais. Os Bálcãs, onde, apesar de ter terminado o conflito, perto de 1 milhão de pessoas continuam deslocadas, muitas vivendo em condições desumanas. Estes são apenas três exemplos das mais de 30 diferentes zonas de conflito em todo o mundo, nas quais as pessoas são forçadas a abandonar as suas casas. O fato é que um conflito pode ter um efeito devastador numa sociedade. Elimina as oportunidades de educação, entre outras; destrói infra-estruturas

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de saúde e atividades produtivas; e corrói as estruturas comunitárias, lançando sementes de desconfiança e impunidade. Na América Latina, nos últimos anos foram eleitos vários governos de esquerda com posições ideológicas muito distintas e isso afetou as relações entre EUA e América Latina. A impossibilidade de um acordo sobre o Tratado do Livre Comércio para as Américas (ALCA) causou um forte impacto nas políticas migratórias na região a ponto de os temas de desigualdade nacional prevalecerem acima das questões humanitárias A Colômbia, através do Plano Colômbia, foi o país que mais recebeu ajuda dos EUA, principalmente de assistência militar. Desde 2000, esse plano tem contribuído para deteriorar os direitos humanos, forçando milhares de colombianos a buscar proteção nos países vizinhos. A crise das fronteiras colombianas com os países vizinhos tem levado gradualmente os refugiados a se transladar para as grandes cidades, como é o caso de Quito, Equador. Essas cidades são as que mais acolhem solicitações de asilo da região sul. Dos 130.000 colombianos que vivem na fronteira venezuelana, só 5.774 fizeram pedido de asilo e menos de 200 tiveram resposta afirmativa. Levados pelo medo, muitos passam a fronteira de forma irregular e vivem de forma clandestina, em vez de apresentar a solicitação de asilo. Isso gera uma “zona gris” entre asilo e migração. O Brasil ainda se destaca no quadro geral de refugiados e solicitantes de refúgio da América do Sul, visto que abriga 3.193 refugiados e recebeu 566 solicitantes de refúgio em 2003. A grande maioria dos refugiados acolhidos no país provém de Angola, perfazendo 1.952 indivíduos. Por sua vez, cresce o número de latino-americanos que chegam ao território brasileiro em busca de proteção, constituindo o maior grupo entre os solicitantes de refúgio, com 45 cubanos e 45 colombianos. (ACNUR, 2004). Vale registrar que também há a estatística baseada nos dados fornecidos pela Cáritas Arquidiocesana, instituição vinculada à Igre-

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ja Católica, situada em São Paulo e no Rio de Janeiro, que recebe os refugiados quando chegam ao Brasil e acompanha seu processo de integração no país. De acordo com a estatística da Cáritas, em 2003 havia 1130 refugiados acolhidos em São Paulo, dos quais 73 eram cubanos; 36, peruanos; 30, colombianos; 7, argentinos; 3, paraguaios, 2 salvadorenhos; e 1 haitiano. Portanto, é interessante notar que 13% dos refugiados que se encontravam em São Paulo naquele ano tinham origem latino-americana. Os refugiados acolhidos no Brasil contam com o apoio de ONGs, do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) e do governo, durante o seu processo de integração local. Entre essas ONG´s de apoio, encontra-se a ASAV (Associação Antonio Vieira – Pessoa jurídica da Província dos Jesuítas Brasil Meridional), que coordena vários assentamentos para refugiados. Os refugiados recebem assistência, que abrange moradia (oferecida em albergues e abrigos públicos), medicamentos e assistência médica (fornecidos pelo ACNUR e por hospitais públicos), alimentação (fornecida com ajuda financeira do ACNUR e através de doações). Também são contemplados com proteção jurídica, sendo orientados sobre sua situação no país, e com medidas que buscam sua integração na comunidade local (como aulas de português, cursos de capacitação profissional, entre outras) (ACNUR, 2002). No que toca aos refugiados colombianos, cerca de 75, que se encontravam no Equador e na Costa Rica, foram reassentados em diversas cidades do nosso país. Diante disso, foram implementados programas visando à integração destes refugiados na comunidade local, que também compreenderam cursos de língua portuguesa, capacitação profissional e assessoria para colocação em postos de trabalho. Além disso, o ACNUR prestou assistência aos refugiados de baixa renda e, ainda, ofereceu programas de micro-créditos para refugiados que pretendiam montar um pequeno negócio. Ressalte-se que esse projeto priorizou as mulheres colombianas em situação de


risco, contemplando as que foram vítimas de violência no país de origem ou no primeiro país de acolhimento e as que se encontravam sozinhas, com filhos (ACNUR, 2005). Outra questão que pode prejudicar a integração se refere ao constante estado de insegurança vivido pelos refugiados. Alguns casos foram relatados por colombianos perseguidos pelas Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC), os quais continuavam temendo por sua segurança no território brasileiro, em razão de sua proximidade com a Colômbia (DIÁRIO DE S. PAULO, 2004). Depois do Brasil, dentre os países da América do Sul, aparece a Argentina, com 2.642 refugiados, ao passo que Bolívia, Chile, Colômbia e Peru apresentam algumas centenas de refugiados em seus territórios, e, por último, Paraguai e Venezuela, com apenas algumas dezenas deles abrigados em seus países (ACNUR, 2004). Vale salientar a situação do Equador, que, em 1999, apresentava tão somente 310 refugiados em seu território (ACNUR, 2000) e, em 2003, passou a acolher um enorme contingente de 6.381 pessoas, constituindo-se, atualmente, a maior população refugiada da América do Sul (ACNUR, 2004). No tocante aos países das Américas Central e do Norte, a Costa Rica merece destaque por abrigar 13.508 refugiados em seu território, a maior população acolhida em toda a América Latina; seguindo-se do México, com 6.075 refugiados, e do Panamá, com 1.445 refugiados; enquanto Belize, Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua apresentam pequenos grupos com algumas dezenas ou centenas de pessoas (ACNUR, 2004). Com relação à origem dos refugiados latino-americanos, o maior grupo é colombiano, perfazendo 37.981 refugiados; seguindose pelos cubanos, que totalizam 16.103 refugiados. Os haitianos também são numerosos, constituindo 7.549 refugiados; assim como os guatemaltecos, que representam 6.696 refugiados. Além destes, outros grupos expressivos são oriundos de El Salvador e Peru, so-

mando 5.658 e 5.582 refugiados, respectivamente (ACNUR, 2004b). Em 1999, foi firmado no Brasil um Acordo Macro entre o Governo do Brasil e o ACNUR, que estabeleceu um novo conceito para reassentamento de refugiados. O objetivo do instrumento é permitir que os refugiados se integrem à sociedade brasileira, obtendo, o mais rapidamente possível, a sua auto-suficiência. Ressalta-se que o reassentamento possibilita um enriquecimento recíproco, em razão da troca de experiência entre a sociedade de acolhida e os refugiados. A saber, os pressupostos para o reassentamento no Brasil: 1) “Necessidades de proteção jurídica ou física. Quando o reassentamento for o único meio de proteção disponível, no caso de ameaça de: repatriamento forçado; captura, detenção ou encarceramento arbitrário, incluído aquele decorrente da sua condição de refugiado; desrespeito aos direito humanos ou à integridade física, comparável ao que ocasionou a saída do país de origem. 2) Refugiado vítima de violência e/ou tortura. Os refugiados vítimas de violência e/ou tortura necessitam de uma atenção médica especial. Seu reassentamento no Brasil estará sujeito à disponibilidade de tais serviços. 3) Mulheres em perigo. Mulheres que não têm a proteção tradicional de suas famílias ou comunidades e que enfrentam sérias ame-

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aças físicas e/ou psicológicas (violação, assédio sexual, violência, exploração, tortura, etc). 4) Refugiados sem perspectivas de integração no país do primeiro refúgio. Em algumas circunstâncias, os refugiados não conseguem integrar-se no país onde se encontram, por motivos culturais, sociais e religiosos, dentre outros. Quando um refugiado permanece certo tempo em um país de refúgio sem conseguir integrar-se e, inexistindo possibilidades de repatriamento em futuro próximo, ele poderá pleitear o seu reassentamento. 5) Pessoas com necessidades especiais. Poderão ser consideradas pessoas com necessidades especiais aquelas que têm vínculos com refugiados no Brasil, menores desacompanhados, maiores ou casos médicos.” Finalizando, o SJR está trabalhando em 7 países da América Latina e do Caribe prestando assistência psico-social, educativa, pastoral, financeira e legal a quase 25 mil pessoas: desalojados, refugiados, imigrantes forçosos, meninos e adolescentes em risco e famílias camponesas. Três livros que comemoram o aniversário do SJR são: A ferida da fronteira: 25 anos com os refugiados, Horizontes de Aprendizagem: 25 anos de educação no SJR e Deus no exílio, para uma espiritualidade compartilhada com os refugiados. Durante o ano, o Serviço para os Migrantes também foi avançando em uma melhor articulação com seus referentes nos Estados Unidos e na Europa para responder de modo mais adequado a este fenômeno. Está-se procurando o melhor modo de gerar sinergias entre ambos serviços, tal como foi solicitado pelo P. Geral Peter-Hans Kolvenbach SJ. (Superior Geral da Companhia de Jesus).

Domingos Chagas, S.J., é diretor da Fundação Fé e Alegria do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e Coordenador do Apostolado Social da Companhia de Jesus.

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REFUGIADOS EM BUSCA DE UM MUNDO SEM FRONTEIRAS RICARDO BOWN Editora: Larousse do Brasil Ricardo Bown aborda neste livro o drama dos que são obrigados a fugir de seu país e buscar refúgio onde, muitas vezes, a acolhida vem acompanhada da discriminação e do preconceito. Por meio da narrativa de Lili, uma garota comum que um dia vê se juntarem à sua sala dois refugiados, o colombiano Pablo e o leonês Jeremmy, o autor discute a tolerância cultural e valoriza o diálogo entre as diferenças. Dando voz às experiências de Jeremmy e Pablo, Ricardo Bown discute a importância de valorizar o humano nas sociedades e compreender que todos são semelhantes, independentemente da cultura, do sexo, da cor, da religião e das crenças políticas.

REFUGIADOS: REALIDADE E PERSPECTIVAS ROSITA MILESI Editora: Loyola O Brasil importa-se com os refugiados e, na medida de sua capacidade, acolhe-os comprometendo-se a lhes dar assistência compatível àquela dispensada aos nacionais. Numa época em que as fronteiras se fecham num pavor xenófobo nunca visto, em que sangrentas guerras destroçam cruelmente etnias quase inteiras e os ódios raciais e religiosos se acirram para levar cada vez mais a mortes e destruição, o gesto de boa vontade brasileiro resplandece como estrela de primeira grandeza para quem, defendendo o primordial dos direitos, o único que lhe restou – a própria vida –, luta como autêntico herói para manter a derradeira gota de esperança e, com dignidade, recomeçar.


Sociedade

Pseudo-ecológica Por Klaus Zanuncio Protil

Hoje em dia é possível para qualquer um que tenha acesso à internet ver uma das principais preocupações da sociedade – a situação da ecologia. Temos inúmeros debates, trabalhos, projetos, protocolos – tudo para tentar salvar o que restou do equilíbrio entre natureza e vida humana. Não pretendo me aprofundar no assunto, mas todos sabem que, cedo ou tarde, se nada for feito, o mundo se tornará um lugar bastante inóspito – principalmente para a vida humana, que exige enormes áreas para se manter (alguém produz, processa, para só daí levar o produto à venda). Desastres naturais varrerão áreas consideráveis do globo – tornando a produção um tanto difícil nesses lugares – e serão muitas áreas improdutivas, ao que tudo indica. Além disso, é bem provável que no caminho das furiosas tempestades estejam pessoas que representem mão de obra indispensável para o mundo... Pois bem, preocupados em melhorar a vida, os grandes políticos, empresários e aqueles que têm algum poder de fala nesse mundo, se uniram para criar brilhantes projetos de diminuição de emissão de gases estufa, derrubada de florestas, proteção à fauna e à flora mundial – tudo ótimo e com certeza servirá para algo. Entretanto, quando olhamos o dia-a-dia dessas mesmas pessoas, e nem precisa ser somente delas, podemos analisar as sociedades desenvolvidas e muitas em desenvolvimento também, e vemos uma coisa que deixa qualquer um perplexo: as mesmas pessoas que sustentam todas as medidas ecoló-

gicas que já foram implantadas desde que o termo surgiu, são as mesmas que mantêm uma vida de desperdícios, luxos desnecessários e incentivo à exploração e destruição alheia. Você mesmo que está lendo essa crônica, pense em todas as coisas das quais você poderia abrir mão para tornar o mundo melhor. Afinal, carros com potência de hoje realmente são tão cruciais para o desenvolvimento humano? Não podemos viver pelo menos metade da semana com transporte público? Afinal, não é viável para uma pessoa ficar 5 minutos a menos no chuveiro todo dia, desligar as luzes, não lavar o carro toda semana? Essas e outras coisas mostram o paradoxo que existe perante a causa ecológica. As pessoas defendem programas que reduzam as taxas de emissão de gases estufa, produtos tóxicos e outras substâncias que possam abalar o equilíbrio da natureza, mas não admitem uma redução no seu padrão de vida, mesmo que esse padrão de vida seja mantido por processos que agridam o meio ambiente. As populações não conseguem se ver como as principais culpadas pelo desequilíbrio existente hoje na natureza... Culpam aqueles que são donos de indústrias e outras fontes de poluição. O problema é que mesmo que vissem isso, haveria um dilema: se o nosso próprio modo de vida é predatório do ecossistema, seria possível voltar a viver como no período préindustrial? De fato, vivemos uma encruzilhada, temos que mudar nossos padrões de vida se quisermos arrumar os destroços nos quais a natureza se transformou... resta saber se seremos capazes...

Klaus Zanuncio Protil é aluno do Segundo Ano do Ensino Médio no Colégio Medaneira

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Banda Por Manuel Caetano Antônio de Oliveira Banda!!! Mas o que é essa tal de banda? Banda não pode ser expressa por palavras. A banda possui muitas culturas dentro de si, derivadas das diversas etnias bantus. A banda não é uma cidade específica, banda são 18 províncias diferentes, que nem mesmo um puro mwangole como eu conhece por inteiro. A banda também só pode ser sentida quando se está lá. Não adianta falar muito que vocês não vão compreender. Certo dia estava falando com um brasuca sobre a banda. Eu sabia que ele não iria entender, mas continuei falando. Ele ficou muito curioso e começou a fazer perguntas. Comecei a explicar dizendo que a banda é aquilo que acontece quando o Boing 747 da TAAG abre as portas e logo você sente aquela brisa no rosto, aquele calor... é quando você vê as diferentes pessoas correndo de um lado pro outro, algumas sentadas lendo o jornal enquanto esperam os seus vôos... banda é quando você percebe toda aquela movimentação no aeroporto 4 de fevereiro. Banda é quando você sai do aeroporto e pega aquelas avenidas longas que entrelaçam os bairros e ao mesmo tempo ligam os bairros ao aeroporto e vice-versa. E quando você passa pelos bairros sente aquele cheiro de funge, bagre defumado, quizaca, gimboa, mengeleca, ou ainda quando vês aqueles kotas tomando suas bitolas, comendo caxuxo grelhado nas barracas das ruas, quando você se depara com o trânsito engarrafado, aparece aquele Kandenge no vidro do carro vendendo seu picolo dizendo: — Kota compra de mim, esse é dos bons, você tem várias escolhas. Ham tem esse aqui é de mucua cuia bwê.

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Vendo aquilo você percebe que nada mudou, as pessoas sempre batalhando, o povo humilde e festivo. Banda é quando você sai da Tuda e chega em Luanda, Brasil/Luanda, Alemanha/Luanda, Johanesburgo/Luanda. Essa é a banda que você relembra em um minuto assim que desembarcas do avião, tudo que viveras no passado próximo ou distante. E quando chegas em casa sempre tens aqueles kambas que lá ficaram que te contam tudo, TimTim por Tim-Tim, nem que sejam acontecimentos que ocorreram dois, quatro, seis anos atrás; banda é um lugar maravilhoso conhecido como Angola, um país não muito grande mas com a população orgulhosa de ter nascido naquele lugar.

Vocabulário Mwangole – Gírias de angolana que significa Angolano Brasuca – Gíria angolana pra designar um brasileiro TAAG – Transporte Aéreo de Angola Funge, Quizaca, Ginboa, Mengeleca – comidas típicas de Angola Caxixo – nome dado a um peixe Bitolas – gírias de Angola que significa cerveja Kandenge / Kimbundo – dialeto de Angola que significa menino mais novo ou moleque Mucua – Fruto de uma arvore chamada de imbondeiro Kamba / kimbundo – que significa amigo Bwê – gíria de Angola que significa muito

Manuel Caetano Antônio de Oliveira é angolano e estuda no Colégio Medianeira, no Segundo Ano do Ensino Médio


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